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CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
CAMPINA GRANDE
AGOSTO DE 2018
CAPÍTULO 1
PRÓLOGO DE UMA TRAGÉDIA – O CENÁRIO POLÍTICO
Pela epígrafe acima apresentada, o autor já se deu conta que o espetáculo político
que tratar-se-á nesse texto tem como enredo uma tragédia. O “torpe atentado” que fora
noticiado no Jornal de Campina, e que repercutiu na imprensa estadual e nacional,
dificilmente pode ser compreendido sem que recorra-se aos anos que antecederam o
momento descrito pelo matutino campinense. Cabe, diante do exposto, um espaço para o
prólogo da tragédia.
Neste capítulo, apresento de forma breve, tendo em vista os limites que um texto
monográfico impõe, a conjuntura política paraibana, no período entre 1947 e 1953, por
meio de um diálogo com a historiografia local. De forma breve, sobretudo, porque não é o
intento deste estudo a pormenorização das questões que se elucidaram no tempo em tela,
mas reconhece-se que tais fatos se apresentam como indispensáveis para o desenrolar da
trama que ocupará o centro do texto em capítulos seguintes. O recorte temporal desta
primeira parte compreende os eventos que culminaram no atentado contra o vereador Félix
Araújo (PL) em 13 de julho do ano de 1953. Portanto, tomar conhecimento da chamada
“ciranda da política campinense” é primordial para compreensão dos episódios que se
desenrolaram no palco político da “Rainha da Borborema 1” envolvendo a figura do
vereador Félix de Souza Araújo.
1
A cidade de Campina Grande, localizada no Agreste do Estado da Paraíba, situada, especificamente, no
Planalto da Borborema, ao longo de sua história foi recebendo epítetos que remetiam à suas qualidades e
potencialidades. Na grande maioria dos casos, tais epítetos foram forjados pela elite local que se
beneficiaram com o progresso econômico da cidade, como por exemplo, nos tempos “áureos do algodão” em
que Campina Grande recebeu a alcunha de “Liverpool brasileira” por ter se destacado como uma das
maiores exportadoras do produto. A “mania de grandeza” presente no imaginário campinense sempre elevou
o status da cidade que é também, frequentemente, chamada de “Rainha da Borborema”, título que remete ao
seu primeiro nome: Vila Nova da Rainha. Para cronistas e intelectuais de outrora, Campina Grande já nasceu
com ares de “realeza” e “grandiosidade”.
1.1 CENAS DA POLÍTICA PARAIBANA – POR ONDE ANDAVA NOSSA
PERSONAGEM?
Em 1947, após o longo período do Estado Novo, o país voltou a ter eleições estaduais.
Na Paraíba, a disputa governamental se deu entre Oswaldo Trigueiro (UDN) e Alcides
Carneiro (PSD). Nos bastidores dessa disputa, uma outra acontecia: Argemiro de
Figueiredo versus José Américo de Almeida. O que estava em jogo entre os dois era a
liderança da UDN no Estado. Algumas querelas entre eles ocorreram no pleito, mas ambos
acabaram apoiando o Oswaldo Trigueiro, que saiu vitorioso naquele 1 de janeiro de 1947.
No entanto, as disputas não encerraram-se aí.
2
Apesar do recorte temporal do presente trabalho ter como ponto de partida o ano de 1947, a menção ao ano
de 45 se faz indispensável, tendo em vista os episódios acima apresentados. As eleições de 2 de dezembro de
1945, que foram também as eleições para escolha dos deputados constituintes para o ano seguinte, foram
determinantes para o alinhamento político local. Os resultados, a nível de Paraíba, daquele pleito foram os
seguintes: Eduardo Gomes (UDN) 76.110 votos, Eurico Gaspar Dutra (PSD) 61.090 votos, Yedo Fiuza
(PCB) 5.719 votos; Senado Federal foram eleitos: Adalberto Ribeiro Filho com 74.477 votos e Wergniaud
Wanderley com 73.942 votos, ambos da UDN; Para a Constituinte, o Estado da Paraíba elegeu 8 Deputados
Federais, sendo 5 da UDN. O candidato à presidência da República mais votado no Estado foi o da legenda
da UDN, no entanto, quem saiu vitorioso no pleito foi o candidato do PSD, o General Gaspar Dutra. As
eleições de 1945 foram emblemáticas, pois, elas marcaram a hegemonia da União Democrática Nacional em
nosso Estado. O partido representava uma das maiores forças políticas na Paraíba, uma vez que congregava
em suas hostes os dois “caciques”: Argemiro de Figueiredo e José Américo de Almeida. A importância deste
pleito, para o presente trabalho ainda explica-se pela candidatura de Félix Araújo para Deputado Federal pelo
PCB. Félix obteve 786 votos, uma votação expressiva, não obstante a forte campanha anticomunista
impetrada no Estado por políticos de outros partidos e pela igreja católica. Respondendo ao questionamento,
“Por onde anda a nossa personagem?”: em 1945, nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro. FONTE:
Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba.
Passadas as eleições presidenciais e para governo do Estado3, era chegada a hora de
escolher os prefeitos e os vereadores dos munícipios. A cidade de Campina Grande, que
era uma das maiores praças políticas do Estado, contando com 23.383 eleitores,
representava um espaço de disputa entre os “caciques” políticos da região. Aquele que
conseguisse eleger o prefeito da cidade serrana, ganhava também a garantia de votos em
futuros pleitos. Pensando neste detalhe, José Américo de Almeida e Argemiro de
Figueiredo passaram a disputar a nomeação do candidato a prefeito de Campina Grande.
Sem chegar a um acordo, uma vez que Argemiro pretendia manter sua tradição de nomear
amigos e parentes para os cargos, e José Américo também tinha a sua “carta na manga”
para a ocasião, delineou-se4 ainda mais o “racha” no partido que representava a maior
expressão política da Paraíba.
A UDN estava dividida. Pela ala Argemirista, o fazendeiro Veneziano Vital do Rego
foi o nome indicado para concorrer à prefeitura de Campina Grande. Muitos
correligionários do próprio Argemiro foram resistentes ao nome por ele indicado,
colocando-o como protótipo de um “coronel” e de uma política ultrapassada. Indiferente às
resistências dos seus correligionários, Argemiro de Figueiredo manteve a candidatura de
Vital do Rego. Em um manifesto, direcionado ao povo campinense, esclareceu os seus
intentos ao nomear seu cunhado para candidato a prefeito de sua cidade natal. No
documento, o político disse: “a luta é mais séria! O que Campina vai julgar é o meu
próprio futuro político”(FIGUEIREDO, 1947). E o futuro político a que se referia era
exatamente as eleições estaduais de 1950.
3
“No ano de 1947 foram realizadas 3 eleições na Paraíba, sendo uma geral, uma suplementar e uma
municipal. Em 19/01/1947 realizaram-se eleições para Governador, Senador, Suplente de Senador e
Deputado Estadual. (Oswaldo Trigueiro (UDN), foi o governador eleito em 1947, contando com total apoio
de Argemiro de Figueiredo). Os Suplentes de Senadores eleitos eram escolhidos tendo ligação com o
Senador eleito, como: Carlos Pessoa suplente de José Américo, Antônio Pereira Diniz suplente de Wergniaud
Wanderley e Epitácio Pessoa C. de Albuquerque suplente de Adalberto Ribeiro. No dia 12/10/1947
realizaram-se eleições para Vice-governador. Ainda em 12/10/1947, realizaram-se eleições municipais para
Prefeito, Vice-prefeito e Vereador em todos os municípios do Estado”. Disponível em <http://www.tre-
pb.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/resultados-de-eleicoes> acesso em 05 de jan. de 2018.
4
O racha entre Argemiro de Figueiredo e José Américo de Almeida teve início com a escolha do nome do
representante da UDN para as eleições de janeiro de 1947. Argemiro indicou Oswaldo Trigueiro, Américo
resistiu, chegando a sinalizar a sua própria candidatura para chefe do executivo estadual, tentou também
conciliar-se com o genro, Alcides Carneiro (PSD), mas a ala argemirista saiu vencedora.
Na ala Americista, que estava coligada com a oposição, especialmente com o PSD 5, o
nome escolhido para o pleito foi o Dr. Elpídio de Almeida. Segundo o jornalista Josué
Sylvestre, houve resistência por parte do indicado, pois este era amigo de Argemiro e até
mesmo médico da família, mas o seu nome foi mantido. “Os coligados”, como ficaram
conhecidos os partidários dissidentes da UDN e os pessedistas, fizeram exaustivo uso
político da titulação de médico do candidato Elpídio de Almeida e, “uma das maiores
contestações que se faziam ao major Veneziano era a alegação de que ele não era doutor,
não era formado, mas um fazendeiro” (SYLVESTRE, 1982, p.101). Logo, o mote das
eleições de 1947 em Campina Grande foi “o médico versus o fazendeiro”.
Argemiro de Figueiredo e a “UDN ortodoxa” também fizeram campanha de
ridicularização contra o candidato da Coligação. Por Elpídio de Almeida ser natural da
cidade de Areia6, recaiu sobre ele a pecha de “forasteiro”, e nos discursos inflamados dos
udenistas chegou-se a insinuar que “Campina Grande não elegeria forasteiros”
(SYLVESTRE, 1982, p.102). E foi assim, entre argemiristas e americistas, entre o
forasteiro e o fazendeiro, que desenrolaram-se as eleições de 1947. No entanto, foi do lado
americista da força que a nossa personagem surgiu, ou melhor, ressurgiu, no palco político
paraibano.
Depois de ter iniciado sua vida pública no PCB paraibano 7, de ter concorrido às
eleições de 1945 e 1947 pelas hostes do partidão, Félix de Souza Araújo, ainda em 47, se
aproximou da ala americista da UDN e do candidato Elpídio de Almeida. As suas
5
Até que o PSD resolvesse apoiar os dissidentes da UDN, muitas foram as discussões e indicações nos
bastidores do partido. Padre Galvão, Lafayette Cavalcanti, Francisco Barreto, dentre outros nomes que
citados pelo diretório para concorrer à prefeitura municipal.
6
Areia é um município brasileiro do Estado da Paraíba, localizado na microrregião do Brejo Paraibano, há
129 km da capital João Pessoa e há 50 km da cidade de Campina Grande. De acordo com o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano de 2014 sua população era estimada em 23.288 habitantes. É
também muito conhecida por suas riquezas culturais, conta com museus, teatro e festivais. Disponível em
<https://www.areia.pb.gov.br/historia/> acesso em 5 de jan. de 2018.
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Não é o intento do presente trabalho a descrição pormenorizada da atuação de Félix Araújo frente ao PCB
paraibano. Para um maior conhecimento sobre a fase comunista da vida do vereador, ver os trabalhos:
NETO, Faustino Teatino Cavalcante. O PCB Paraibano no imaginário social: o caso Félix Araújo na Fase
de redemocratização (1945-1953). Dissertação (Mestrado Interdisciplinar em Ciências da Sociedade)
Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2006. ARAÚJO, Roberta dos Santos. AIRES, José
Luciano Queiroz. Um herói para lembrar, um comunista para esquecer: os jogos de memória em torno da
história de Félix Araújo. In: Encontro Nacional de História Política. 2., 2017, João Pessoa. Anais do II
Encontro Nacional de História Política. Disponível em:
<http://uece.br/eventos/gthpanpuh/anais/edicao_2017.html> acesso em 7 de jan. de 2018.
contribuições para a coligação foram inúmeras e representaram o diferencial naquele
pleito. O jovem poeta foi o compositor da música que embalou os comícios da coligação, a
famosa “marcha da vitória”, foi ele também quem organizou as passeatas que circularam
pelas ruas da cidade de Campina Grande, reuniu grupo de moças e senhoras para cantarem
nos comícios, fez uso de lenço com as cores partidárias, enfim, movimentou as eleições
daquele ano apresentando-se como um eficiente “marqueteiro” político do elpdismo.
Vale salientar que, a cooptação do jovem político por parte da coligação aconteceu
muito mais como uma estratégia para angariar os votos da classe popular do munícipio.
Como o candidato Elpídio de Almeida atendia mais diretamente às aspirações da elite e de
uma classe média urbana, comerciantes, profissionais liberais e funcionalismo público,
nada mais estratégico do que ter do lado um homem
carismático e afeito às causas populares, como o era o jovem Félix. É importante lembrar
que, desde o Estado Novo, a população campinense não tinha a oportunidade de escolher o
seu governante, e em 47, o desafio era inculcar na cabeça da população, em especial da
classe tida como “subalterna”, que as aspirações de um candidato da elite eram também as
suas. E Félix soube fazer isso com maestria.
Como fica perceptível, a atuação de Félix Araújo deu-se nos bastidores da política.
Apesar de toda a desenvoltura do jovem político na campanha elpidista, a sua ligação com
PCB soava de forma negativa em alguns setores conservadores da sociedade campinense, e
por esta razão, as primeiras ações de Félix frente à Coligação Democrática Campinense
ocorreram de forma velada, como mostra a citação a seguir:
No início, foi improvisado um biombo sobre uma caminhonete, para esconder Félix que
fazia o chamamento do povo para os comícios. Com o passar dos dias a campanha começou
a pegar fogo e aquele locutor escondido foi se contagiando e nas chamadas que fazia
envolvia a massa de uma emoção marcante e aquilo foi despertando a curiosidade do povo.
Quem era aquele infernal, aquele endemoninhado que levava as pessoas ao delírio?
(Albuquerque do Ó, 1999, apud CAVALCANTE NETO, 2006)
Sabendo da ligação de Félix Araújo com PCB, a oposição não poupou esforços na
tentativa de “manchar” a imagem de Elpídio de Almeida e José Américo, acusando-os de
estarem de braços dados com comunistas. Para não atrapalhar o andamento da campanha,
“Félix Araújo afastava a repetida acusação que os adversários faziam contra ele de
fomentador da luta de classes, agitador e incendiário das paixões populares”
(SYLVESTRE, 1982, p.101). E aos poucos, o locutor escondido ia aparecendo para o
público de Campina Grande.
As eleições de 1947 foram movimentadas. Na reta final, os ânimos na cidade estavam
elevadíssimos. União Democrática Nacional e Coligação Democrática Campinense eram
os temas mais discutidos nas rodas de conversa da cidade e dos distritos. De um lado, as
ações de Argemiro de Figueiredo, de outro, as invenções de Félix Araújo, e no final, o Dr.
Elpídio de Almeida saiu vitorioso, como mostra o quadro abaixo:
QUADRO 1: RESULTADO DAS ELEIÇÕES DE 1947
Partido / %
Candidato Votação
Coligação Válidos
Elpidio Josué de Almeida PSD/PDC 8.142 55,77%
Veneziano Vital do Rego UDN 6.456 44,23%
Votos nulos 0
Votos brancos 0
Total apurado 14.598
FONTE: Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba
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Rubens de Souza Costa, José Ferreira dos Santos e Oscar Coutinho foram os mortos naquela que ficou
conhecida como “Chacina da Praça da Bandeira”
tumulto daquela noite fora causado, intencionalmente, para culpar os políticos da Aliança
Republicana. E as acusações não pararam por aí.
Félix Araújo não ficou imune às acusações. Para os argemiristas, ele era o autor
intelectual da passeata. Não compareceu ao episódio, mas deixou-o sob a administração de
dois homens de sua confiança. A fama de “animador fervoroso” das passeadas de Campina
Grande pesou negativamente sobre os ombros do jovem Félix Araújo em 1950. Na
imprensa nada apartidária, veiculava-se, segundo Josué Sylvestre, “que tudo não passava
de uma ação subversiva de “conhecidos agitadores comunistas”” (1982, p. 206).
Rapidamente, os coligados trataram de anunciar que, exatamente na hora dos
acontecimentos da Praça da Bandeira, o estudante9 estava em companhia de sua esposa em
um hospital da cidade.
Entre os partidários de José Américo de Almeida, as acusações foram direcionadas
aos policiais que estavam presentes na Praça naquela noite, chegaram até mesmo a apontar
que muitos deles vieram da capital, João Pessoa, como guarda-costas do Sr. Pereira Lira. E
os americistas tinham como mote de seus discursos pós 9 de julho que a ideia do tiroteio
viera mesmo dos argemiristas e que o objetivo de tal façanha era causar pavor entre os
eleitores e, consequentemente, o desprestigio da Coligação Democrática Campinense
naquelas eleições.
Tais trocas de acusações se mostram um tanto quanto pertinentes em períodos de
disputas políticas, e como ressalta BOURDIEU, para que elas consigam atingir os intentos
eleitoreiros, o mínimo que se exige é que “sejam professadas por responsáveis políticos,
para se tornarem em ideias-forças capazes de se imporem à crença ou mesmo em palavra
de ordem capazes de mobilizar ou de desmobilizar (...)”. (1989, p.187). A tragédia de 9 de
julho deu o tom sangrento àquela disputa e, simbolicamente, as duas forças envolvidas
9
Em 1950, Félix Araújo estava cursando Direito na Faculdade de Recife.
fizeram usos políticos dos episódios da Praça da Bandeira, tendo em vista a comoção e o
luto que gerou em toda cidade e em toda Paraíba
E as contendas seguiram-se por meses. Foi, de fato, uma das mais disputadas
campanhas políticas que o Estado da Paraíba comportou. Os apelos políticos dos
candidatos iam do apego aos cadáveres da Praça da Bandeira, às polêmicas envolvendo o
beato da igreja10. No entanto, segundo a historiadora Martha Lúcia Ribeiro Araújo, a
tragédia do dia 9 de julho pôs fim ao equilíbrio das forças em disputa, “José Américo
consegue contabilizar a seu favor as mortes da Praça da Bandeira” (1985, p.78) e o pleito
para Governo do Estado da Paraíba apresentou os seguintes números:
10
E no pleito de 1950 as disputas se deram em muitas frentes. Como se não bastassem as cenas do grande
teatro político que se deu após a Chacina da Praça da Bandeira, Argemiro e José Américo apelaram para o
religioso. Desta vez, a figura que se transformou em subsídio político para a disputa foi o Padre Cícero
Romão Batista, de Juazeiro do Norte. Cientes da influência que o padre de Juazeiro exercia na população
nordestina, Zé Américo fez circular na Paraíba uma imagem em que ele aparece ao lado do “Padim Pade
Ciço”. Argemiro de Figueiredo não tardou em fazer a sua política religiosa. Segundo notas que também
circularam pelo Estado, a foto de Américo não passava de uma “montagem”, na verdade, dizia Argemiro, o
Padre de Juazeiro tinha feito uma profecia na qual previa e declarava que José Américo de Almeida não
ocuparia cargos na Paraíba. Tal profecia era uma resposta do Padre a um pronunciamento de Américo em um
jornal carioca, na ocasião em que ainda era ministro da Viação, quando declarou que se fosse o responsável
pela segurança do Estado do Ceará, mandaria pôr fim aos abusos do Padre Cícero. Tal polêmica está na obra
de Josué Sylvestre (1982, pp. 233-234).
QUADRO 3: RESULTADO DAS ELEIÇÕES DE 1950 EM CAMPINA GRANDE
12
Em resposta ao oficio do PL que oficializava a candidatura de Plínio Lemos, o PSD lançou o documento
intitulado “É o povo que deve escolher o candidato a prefeito!”. Nele, estavam 28 opções de nomes que
podiam ser lançados para o pleito municipal, eram eles: Aluísio Campos, Acácio Figueiredo, Alvino
Pimentel, Antonio Coutinho, Major Antonio Rudembusch, Arthur Villarim, Bonald Filho, Cypriano Galvão,
Domicio Velôso, Francisco Pinto, Francisco Brasileiro, Gilvan Barbosa, Guilherme Joffily, Heleno
Henriques, José Correia Lima, João Rique, Luiz Mota, Luiz Soares, Lino Fernandes, Lopes de Andrade,
Massilon Caetano, Otávio Amorim, Paulo Galvão, Pedro Sabino, Protasio Ferreira, Severino Cruz, Severino
Mariano e Vergniaud Wanderley. Entre estes advogados, médicos e políticos da cidade Elpídio de Almeida
deveria escolher um nome para substituir pelo de Plínio Lemos, mas de nada adiantou, o prefeito estava
decidido e irredutível.
Ainda entre os coligados, surgiu um outro nome bem cotado para disputar a vaga da
prefeitura, o de Félix de Souza Araújo. Muitos correligionários da Coligação corroboravam
com a ideia da candidatura, um empresário da cidade prometeu bancar as despesas para o
eleger, mas, ciente da intransigência do “todo poderoso” Elpídio de Almeida diante da
indicação de Plínio Lemos, Félix Araújo mais uma vez “recusou” a proposta. Manteve-se
no pleito para concorrer a uma vaga na Câmara Municipal e, como era de se esperar, a sua
atuação nas eleições não diferiu das anteriores, continuou como animador e orador
fervoroso. E sem mais discussões nas fileiras da Coligação, a nomeação de Plínio Lemos
se efetivou.
No lado da UDN, o nome que se colocou para a disputa da prefeitura municipal de
Campina Grande foi o do próprio Argemiro de Figueiredo. Sim, ele mesmo! Seus
correligionários se posicionaram contrariamente à sua candidatura, tendo em vista o quão
acirrado seria aquele pleito e as consequências que a disputa do ano anterior tinha trago
para a vida pública do líder udenista, vale lembrar que a culpa da “Chacina da Praça da
Bandeira” recaíra nos ombros da Aliança Republicana, e mais diretamente nos de
Argemiro. Em que pesem todos estes problemas, e com a insistência do líder, a UDN
sustentou o nome de Argemiro para o pleito.
Os correligionários argemiristas tinham razão, as eleições de 1951 foram
extremamente acirradas e violentas. De um lado e de outro, disparavam-se acusações,
injúrias e intrigas cotidianamente veiculadas por meio de manifestos e boletins que
circulavam pelos quatro cantos da cidade. Os Coligados pediam que o povo de Campina
Grande ficasse em alerta, pois, votar em Argemiro era fazer a cidade, que vinha em ritmo
crescente no governo Elpídio, retroceder na política da capangagem e do clientelismo, sem
falar na recorrente rememoração que faziam da “Chacina da Praça” com o intento de
condenar o candidato Argemiro de Figueiredo
Já entre os udenistas, as acusações eram de que Plínio Lemos estava afogado em
dívidas e sua candidatura tinha sido o meio que seus correligionários encontraram para que
ele tivesse um “emprego”, na Prefeitura, e conseguisse pagar os credores. Proferiam
também que sua nomeação fora simplesmente para atender aos caprichos de Dr. Elpídio de
Almeida, uma vez que José Américo, então governador do Estado e líder da Coligação,
que era seu tio, não se mostrava um dos mais animados com tal pretensão, principalmente
por conta dos problemas causados por Plínio Lemos quando este estivera auxiliando
Américo de Almeida no período em que fora Ministro da Viação Civil13.
No meio dessa contenda política, um terceiro nome surgiu. O do Capitão
Rodembusch, vice-prefeito de Elpídio de Almeida. No entanto, pelo que consta nos
levantamentos feitos pelo jornalista Josué Sylvestre, a sua candidatura foi uma “armação”
da UDN e de Argemiro para que a Coligação Democrática Campinense fosse prejudicada,
pois na cabeça dos udenistas os votos seriam divididos e estes sairiam com vantagem no
pleito. A ideia de “armação” ficou ainda mais patente, quando o único comício realizado
pelo candidato foi feito “utilizando os equipamentos da campanha de Argemiro: palanque,
camionetas de som, alto-falantes, etc. (SYLVESTRE, 1982, p.271). E foi assim, sob um
forte clima de animosidade entre Coligação e UDN, e essa inusitada campanha do Capitão,
que se deu o desfecho daquele pleito. No quadro abaixo, os resultados da apuração:
13
Após a chamada “Revolução de 1930”, que depôs o presidente Washington Luís em 24 de outubro daquele
ano, Getúlio Vargas assume o governo provisório do país. Nesta ocasião, o novo presidente fez o convite ao
paraibano Juarez Távora para assumir o cargo de Ministro da Viação Civil e Obras Púbicas, recusando a
nomeação, Vargas repassou o convite a José Américo que aceitou. Na chefia do cargo, Américo de Almeida
nomeou o seu sobrinho, Plínio Lemos, para a função de oficial do Gabinete do Ministro. Segundo um dos
manifestos da UDN nas eleições de 1951, o oficial teria desagradado o tio-ministro com certas “trapalhadas”,
sendo este obrigando a demiti-lo do cargo.
QUADRO 5: RESULTADO DAS ELEIÇÕES DE 1951 – VEREADORES
Partido /
Candidato Votação % Válidos
Coligação
Felix Sousa Araújo CDP 2.797 11,01%
Petronio Ramos de Figueiredo UDN 2.683 10,56%
Olimpio Bonald da Cunha Pedrosa
PSB 1.659 6,53%
Filho
Zoroastro Coutinho CDP 1.442 5,68%
Manuel Figueiredo UDN 1.319 5,19%
Antônio Bezerra Sobrinho CDP 1.220 4,8%
Protasio Ferreira da Silva CDP 1.149 4,52%
Maria Dulce Barbosa UDN 1.087 4,28%
Pedro Salvino de Farias CDP 990 3,9%
Americo Porto UDN 750 2,95%
Luiz Pereira da Silva CDP 722 2,84%
Gumercindo Barbosa Dunda UDN 651 2,56%
14
O Jornal de Campina foi lançado em agosto de 1952. Na direção do periódico estava o jornalista William
Ramos Tejo. Colaboravam com jornal: Noaldo Dantas, Cristino Pimentel, Petrônio Ramos Figueiredo, Félix
Araújo, Mário Araújo, dentre outros.
sempre era citado quando as notícias vinham delatando o governo e, além da “briga” com
Plínio, o vereador vinha se estranhando com o governador José Américo de Almeida15.
Os meses seguiam e a enxurrada de notícias e denúncias envolvendo a
administração continuavam. O ápice da polêmica foi quando as contas da Prefeitura,
referentes ao ano de 1952, passaram a ser discutidas na Câmara de vereadores. Entre os
meses de junho e julho de 1953, o debate acalorou-se. No domingo, 7 de junho, o Jornal de
Campina trouxe para o leitor a cobertura completa da visita do prefeito Plínio Lemos à
câmara Municipal de Campina Grande. O motivo da passagem pela casa do legislativo
durante a sessão foi o esclarecimento sobre a prestação das contas. Em uma reunião cheia
de contratempos, o ponto alto se deu quando:
Suspensa a sessão por 5 minutos para a saída das autoridades, e
uma vez reiniciada, houve sérios protestos por parte dos vereadores
quanto a atitude do snr. Protásio Ferreira. A bancada da UDN
aliada ao vereador Félix Araújo, provou que a Prestação de Contas
do prefeito estava irregular e ilegal, faltando documentos
comprobatórios das despesas efetuadas pelo Executivo, não
estando de acordo com o que determina a Lei Orgânica dos
Municípios. Após acaloradas discussões, a Casa resolveu não
aceitar a prestação de contas enquanto o prefeito não enviasse
todos os documentos, isso num prazo de 48 horas (Jornal de
Campina, 7 de junho, 1953).
Como fica claro no texto extraído do Jornal, a liderança das investigações estava a
cargo do vereador Félix Araújo que, após discussões, em especial com o presidente da
casa, Protásio Ferreira, que não autorizou uma sabatina com o prefeito, declarou
irregulares as contas da prefeitura. A partir daí, Félix passou a estudar os documentos da
prefeitura referentes ao ano de 1952, sob a autorização do legislativo, o vereador teve
acesso aos papéis que poderiam condenar ou inocentar Plínio Lemos.
15
Desde as eleições de 1950, quando Félix Araújo atuou diretamente para que o então candidato José
Américo de Almeida saísse vitorioso, a relação entre os dois políticos vinha problemática. A promessa não
cumprida pelo Governador eleito, quando este negou nomear Félix para ocupar o cargo de Secretário de
Educação do Estado, sob a alegação de que era comunista, foi o pontapé da discórdia. Passada a primeira
querela, Américo de Almeida voltou a bater de frente com o poeta. A deteriorada relação entre Félix e Plínio
abriu margem para que Américo se voltasse contra o vereador, fazendo circular nos jornais estatais as suas
críticas. Em 11 de março de 1953, nos Jornais A União e O Norte, José Américo publicou o artigo intitulado
“O Caso Félix Araújo”, no qual afirmava que o vereador campinense era “comunista camuflado, cidadão
ingrato, inimigo pessoal e político do Governador porque não conseguiu um emprego”. Em resposta ao
Governador, Félix Araújo lançou nos jornais O Estado, Diário de Pernambuco e no Jornal de Campina o
“Acuso”. Nele, o vereador expunha sua revolta contra as “calúnias” difamadas pelo político e esclarecia que
não mais pertencia ao PCB. Revoltado com as ideias lançadas pelo Sr. José Américo de Almeida, Félix
indagava-se: “seriamos comunistas a 3 de outubro de 1950 quando depositamos na urna um voto para o Snr.
José Américo?” (apud, SYLVESTRE, 1982, pp. 332-338). As trocas de injurias seguiram-se por meses.
A polêmica acentuou-se ainda mais quando o prefeito enviou para a Câmara
Municipal a proposta de realização de um empréstimo no valor de 10 milhões de cruzeiros.
Os vereadores de oposição alegavam que a prefeitura estava atolada em dívidas e não
comportava mais um empréstimo deste montante. O tema repercutiu na cidade, a imprensa
oposicionista cobrava uma atitude dos vereadores, nas sessões da Câmara o tema
repercutiu e a votação da proposta foi bem movimentada. Sobre o assunto, posicionou-se o
vereador Félix Araújo na sessão com as seguintes palavras:
Deve, a atual administração, a tudo e a todos. Antes dela, é
verdade, o município já devia, pois todas as administrações
deixaram compromissos a saldar. Mas o atual Governo do
Município é diferente de quantos lhes antecederam. Deve a tudo e
a todos. Deve a colégios, deve a hospitais, deve a clubes
desportivos, deve a associações recreativas, deve a estudantes,
deve ao comercio, deve à indústria, deve o abono de Natal aos
funcionários e, nesse caminho de dívidas que se acumulam e se
agigantam, deve, inclusive, ao próprio Povo, fugindo, como fugiu,
ao cumprimento da Lei Orçamentária e à concretização de solenes
compromissos assumidos com a coletividade. Por que permitir,
agora, que essa desordem se amplie, que a anarquia financeira se
avolume, e esta administração passe a dever ao Banco do Brasil ou
à Caixa Econômica Federal? Nem empréstimo grande, nem
empréstimo pequeno (Jornal de Campina, 05 de julho, 1952)
O vereador foi categórico ao denunciar os desmandos de Plínio Lemos, porém, ao
falar das dívidas antigas da prefeitura, foi cauteloso quando afirmou ser comum as gestões
não saldarem todos os seus compromissos financeiros. Cabe lembrar que, a administração
que antecedeu a de Plínio foi exatamente a de Elpídio, logo, o vereador encontrou
facilidade para chamar atenção para este ponto da história, enfatizando que o absurdo de
dívidas da instituição foi fruto da atual gestão e não da anterior. Para Félix e para os
vereadores da UDN, o empréstimo almejado pelo prefeito era desnecessário, uma vez que
a prefeitura dispunha de uma receita que supriria as demandas elencadas para o
empréstimo. Esta polêmica, juntamente com a das contas da prefeitura, formaram o mote
das discussões que se levantaram na Câmara Municipal, na imprensa e no meio da
sociedade campinense. Posicionando-se sempre contrário e levantando ainda mais
contestações, sempre estava o vereador Félix Araújo.
Perseguido e afrontado pelos parceiros do prefeito, mas sem renunciar à
investigação das contas, Félix Araújo chegou a ser abordado, no centro da cidade de
Campina Grande, pelo Diretor da Fazenda Municipal, Antonio Lucena. Na ocasião, o
vereador trazia consigo a documentação que estava estudando, e o diretor ordenou que ele
devolvesse toda a papelada ao arquivo da Câmara. Em reposta, Félix alegou que estava
autorizado a manusear e estudar os documentos, retrucando, Lucena ameaçou arrancá-los
da casa do vereador à força. “Vá”, declarou Félix, “Diga ao Dr. Plínio Lemos que mande
arrancar os documentos de minha casa que receberei Plínio ou qualquer bandido, a bala”
(Jornal de Campina, 12 de julho, 1953). A guerra estava declarada e as ameaças de
violência entre ambos os lados era uma realidade.
Nesse interim, o Dr. Elpídio de Almeida, que por ora ocupava o cargo de Deputado
Federal, anunciou o seu rompimento com o atual prefeito de Campina Grande e com o Sr.
José Américo. Tanto para o deputado, quanto para Félix, declarar oposição a Plínio Lemos
e a Américo representava uma explicação ao povo campinense, pois, eles tiveram
participação direta na eleição dos dois políticos. Lamentando e retirando o seu time campo,
Almeida afirmou: “não posso esconder a minha revolta diante de atitudes dessa natureza. O
que mais sinto nessa hora é ter contribuído para a ascensão dessa gente” (Jornal de
Campina, 05 de abril, 1953). Elpídio de Almeida anunciou que ficaria do lado de Félix,
posição estratégica em um momento de escândalos políticos envolvendo o seu ex-predileto
homem, Plínio Lemos. Soava muito mais conveniente apoiar o popular vereador.
Por outro lado, Plínio Lemos e José Américo de Almeida se utilizavam de outros
jornais que circulavam no Estado para responderem às acusações de seus opositores e para
arranjarem também as suas acusações. Os periódicos que mais deram espaço em suas
colunas para os pronunciamentos de Lemos e Almeida foram O Norte e A União, dois
órgãos oficiais do Estado16. O alvo predileto destes era o vereador Félix Araújo, a sua
atuação à frente das investigações das contas da prefeitura chamava atenção dos opositores
e muitos eram os ataques que sofria. Foram nas páginas dos jornais que se deram a maioria
dos confrontos.
16
E a polêmica seguia. A aprovação das contas do prefeito Plínio Lemos dependia da
análise dos documentos por parte dos vereadores, em especial do vereador Félix Araújo,
que os retiravam da Câmara para que fossem avaliados em sua residência. O vai e vem de
Félix com a documentação era constante e inquietava os seus adversários. Nem mesmo a
abordagem e as ameaças que sofria fazia Félix recuar na minuciosa análise dos
documentos. Em seu relato sobre a vida do vereador, Josué Sylvestre menciona que
pessoas próximas do vereador alertaram-no para que fosse cauteloso com as denúncias,
mas o caso parecia ser pessoal, uma vez que ele tinha ligação direta com a ascensão de
Plínio Lemos à prefeitura.
Campina Grande vivia sob um barril de pólvora. Enquanto os poderes constituídos
vociferavam em torno do poder da cidade, a população assistia, aturdida, a todos estes
episódios de intrigas, acusações e ameaças. Porém, o clima de “Guerra Fria” entre o
vereador e os parceiros do prefeito foi encerrado por ações de violência direta. No dia 13
de julho de 1953, o teatro político campinense saiu do drama e desembocou em uma
tragédia. A trama envolvendo as contas do prefeito e o vereador Félix Araújo teve
desfecho trágico, porém, extremamente pertinente para os adversários de Plínio. Mas, estas
são cenas do próximo capítulo.
CAPÍTULO 2: O DESENLACE TRÁGICO E AS PERIPÉCIAS POLÍTICAS:
SEGUE O ESPETÁCULO
“A figura de Félix Araújo continuará viva. E sua
memória será sempre lembrada pela Paraíba”
(Correio da Paraíba, 9 de agosto, 1953)
O presente capítulo, dedicar-se-á, em um primeiro momento, a narrativa da tragédia
de que foi vítima o vereador Félix Araújo. Os jornais paraibanos que fizeram a cobertura
dos fatos, em especial O Norte, O Correio da Paraíba e o Jornal de Campina, bem como
as discussões presentes nas atas da Assembleia Legislativa da Paraíba, são as fontes que
dão respaldo para a construção do enredo trágico, que forjara-se na política e na sociedade
Campinense a partir daquela tarde 13 de julho de 1953, e que por ora ocupará as linhas do
presente trabalho. Os 14 dias em que o vereador esteve hospitalizado e as trocas de
acusações que circularam na imprensa paraibana durante o período em tela, são o mote
desta primeira parte do capítulo.
Em um segundo momento, também recorrendo às fontes já citadas e contando com
o auxílio da historiografia local que versa sobre a temática, dar-se-á a análise da
repercussão da morte do vereador, em 27 de julho de 1953, bem como dos rituais que se
seguiram após a confirmação de seu falecimento, relacionando tais fenômenos com as
mudanças que ocorreram no comportamento do homem diante da morte. Entendidos
enquanto “liturgias cívicas” que compunham o enredo da “teatrocracia” encenada na
política campinense à época, tais rituais serão analisados sob o prisma teórico
metodológico aprovisionado pelo antropólogo Clifford Geertz, pelo também antropólogo
Geoges Banlandier, além de contar com as contribuições do historiador Douglas Atilla
Marcelino.
Ainda nesta segunda parte, o texto irá dedicar-se à elucidação dos usos políticos
que foram feitos da memória do vereador Félix Araújo após os rituais do velório e do
sepultamento do mesmo. Usos estes, executados por seus aliados, em especial o Dr.
Elpídio de Almeida, e por oportunistas que viram na morte do vereador um degrau para a
escalada política no município, como foi o caso do irmão do morto, o senhor Mário
Araújo. A ação dos adversários de Félix frente à estas “peripécias políticas” também terão
espaço no presente texto, corroborando para a compreensão das disputas em torno do
imaginário social que se esboçara em meio ao espetáculo político que era encenado no
palco da “Rainha da Borborema”.
2.1 PRIMEIRO ATO – A TERÇA-FEIRA TREZE EM CAMPINA GRANDE
A fatídica terça-feira treze, e todos os desdobramentos que deram-se a partir dela, já
ocupa um lugar de destaque nas páginas dos livros que compõem a bibliografia sobre a
história de Campina Grande. Sejam jornalistas, cronistas, políticos, historiadores, ou até
mesmo poetas populares, todos estes profissionais já se dedicaram a traçar algumas linhas
sobre a vida e a morte do jovem Félix. As narrativas que compõem estes textos vão desde o
saudosismo, passando pela “martirização” do político, chegando a análises mais
aprofundadas sobre a política campinense no contexto da tragédia. Josué Sylvestre (1982),
Moacyr Andrade (0000) e Martha Lucia Ribeiro Araújo (1985), por exemplo, foram
autores que se debruçaram sobre a temática em tela.
Por ora, ocupar-se-á as linhas do presente texto com a narrativa sobre o atentado
que vitimou Félix de Souza Araújo. Subsidiado pelos jornais O Norte, Correio da Paraíba e
O Jornal de Campina, além de contar com auxílio bibliográfico, o enredo trágico
envolvendo o vereador ganhará novos contornos nas próximas linhas. Sob a perspectiva da
Nova História Política, que possibilita ao historiador um diálogo com a antropologia
política, a narrativa que segue incorporar-se à lógica do que Georges Balandier denominou
de “teatrocracia”. Para o autor, não há regime político que não recorra aos truques da
encenação para legitimar e/ou obter o poder. Neste parâmetro, entende-se que o
comportamento dos políticos diante da tragédia faz parte do “maquinário do teatro”
político que é tão caro nas horas de disputa pelo imaginário social. Diante do exposto, que
seja iniciado o primeiro ato da tragédia:
A cidade de Campina Grande amanheceu com seu típico clima serrano naquele 13
de julho de 1953. O frio do inverno campinense e as polêmicas envolvendo as contas da
prefeitura eram as únicas inquietações do povo da cidade. De resto, tudo seguia na mais
corriqueira normalidade. No Grande Hotel, lugar reservado à elite financeira da região,
abriam-se suas portas para mais uma reunião de negócios. No cine Babilônia, estreava o
filme “A Vingança dos Piratas” e no futebol, o Treze, que “cantava de galo” nas disputas
estaduais e interestaduais, uma vez que seu rival 17 ainda não brilhava no futebol paraibano,
preparava-se para um jogo contra o Auto esporte do Recife. Ao povo de Campina Grande,
17
O rival a que me refiro é o Campinense Clube. Apesar de ter sido fundado no ano de 1915, e ter atuado
como clube esportivo até 1920, devido aos jogos violentos, que sempre acabavam em brigas, o dirigente do
Clube, o senhor Severino Procópio, resolveu fechar acabar com as partidas do Campinense. No ano de 1954
o time volta aos campos da cidade com futebol amador, sendo profissionalizado em 1958. Desde então,
configura-se como um dos maiores times do Estado, tendo como façanha mais recente, a conquista do título
de Campeão do Nordeste no ano de 2013. Disponível em: <http://cgretalhos.blogspot.com/search?
q=campinense#.WzuNKdUzrIU> acesso em 03 de mar. de 2018.
em especial às camadas populares, o que restava, diante das querelas políticas e das
dificuldades diárias, era torcer para o galinho do bairro do São José sair vitorioso no duelo.
Na Câmara Municipal, que à época funcionava na rua na Rua Maciel Pinheiro 18, o
clima continuava tenso. As discussões envolvendo as contas de 1952 e o famigerado
empréstimo proposto pelo prefeito repercutiam na cidade e os vereadores oposicionistas
seguiam com a averiguação das contas e com as acusações de irregularidades por parte da
administração. No início da tarde, o vereador Félix, que encabeçava os trabalhos, fora até o
prédio da Câmara, onde recolheu os papéis referentes das contas da prefeitura e levá-los-ia
para sua residência com o fito de os analisar com mais afinco. A autorização para tal
manobra já havia sido concordada pelo Legislativo Municipal em uma das reuniões
ordinárias da casa, mas, tal investigação causava inquietações nos aliados do prefeito
Plínio Lemos.
Félix Araújo retirou os papéis da Secretária da Câmara e seguiu para sua residência
O homem tem mudado suas atitudes diante da morte e, tais mudanças, auxiliam nas
análises que se delineiam no presente texto. O que outrora soava como algo familiar,
18
Atualmente, a Câmara Municipal de Campina Grande funciona na rua Santa Clara, s/n, no bairro do São
José. O prédio do Legislativo Municipal é denominado de “Casa de Félix Araújo”, sobre a discussão desta
nomenclatura dada ao lugar, o terceiro capítulo dedicar-se-á com mais afinco.
próximo e até mesmo permeado por uma insensibilidade, hoje, causa temor,
impressionabilidade demasiada, e tantos outros comportamentos que não comuns aos
homens do século XV, por exemplo. O historiador Phillipe Àries (2000), em seu trabalho
de folego sobre as mudanças que se processaram no trato dos homens diante da morte, traz
exemplos de demonstrações “brilhosas” do luto19 e esclarece que não havia repulsa dos
vivos para com os mortos, desde que, estes não tivessem sido vítimas de um assassinato.
Para os homens deste século, a morte súbita “era a morte feia e vil, fazia medo, parecia
uma coisa estranha e monstruosa de que não ousava falar-se” (ÀRIES, 2000, p. 23). Morrer
subitamente significava não ter dado tempo para “organizar” os próprios rituais fúnebres,
coisa comum para os homens de outrora.
Entre os séculos XIX e XX, constatou-se nas sociedades ocidentais o
desenvolvimento do sentimento de repulsa em relação ao adoecer e ao morrer. Aos poucos,
o homem foi tornando o adoecimento, a morte, o velório e o sepultamento fenômenos
manifestos, transferindo-os do meio familiar, doméstico, onde eram domados, para os
espaços públicos, com a finalidade de distanciar-se deles. Para ÀRIES:
A atitude antiga em que a morte é ao mesmo tempo próxima,
familiar e diminuída, insensibilizada, opõe-se demasiado à nossa
onde faz tanto medo que não ousamos pronunciar o seu nome. É
por isso que, quando chamamos a esta morte familiar a morte
domada, não entendemos por isso que antigamente era selvagem e
que foi em seguida domesticada. Queremos dizer, pelo contrário,
que hoje se tornou selvagem quando outrora o não era (2000, p.
39).
A selvageria que circunda a morte, causa medo, horror, demasiada solidariedade e
sensibilidade para com os familiares do falecido, estes se cobrem de tristeza e de um luto
desmedido e obscuro. Enfim, trata-se de um tema tabu nas sociedades contemporâneas. As
mudanças de atitudes diante da morte, que extrapolam o campo dos sentimentos,
possibilitaram o surgimento de uma aura de sensibilidades e comoção que, em
oportunidades pertinentes, se faz simbólica e eficaz para diversos fins, dentre eles, os fins
políticos. Ter a compreensão de tais mudanças, contribue para o entendimento dos
comportamentos dos políticos paraibanos diante do atentado do dia 13 de julho. dos 14
dias de internação e da consequente morte do vereador campinense Félix de Souza Araújo.
19
Sobre o luto, ÀRIES