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A história da Índia começa entre os anos 3000 e 2500 a.C.

, com o surgimento da civilização das


cidades de Harappa e Mohenjo Daro no vale do rio Indo.
A civilização da Índia é mais antiga do que a da China, mas tem uma história mais
desarticulada. Em alguns aspectos, a antiga Índia ainda hoje é visível e acessível para
nós como nenhum outro centro primitivo de civilização. No começo do século XX,
muitos indianos ainda viviam como os nossos primevos ancestrais, vivendo da caça e da
coleta. O carro de boi e a roda de oleiro de muitas aldeias, como se pode ver hoje, são
idênticos aos usados há quatro mil anos. Deuses e deusas cujos cultos podem remontar à
Idade da Pedra ainda são venerados em santuários nas aldeias. Arranjos sociais cujas
linhas mestras foram estabelecidas bem antes do ano 1000 a.C. ainda norteiam a vida de
milhões de indianos — cristãos e muçulmanos, bem como hindus. Os drávidas, povo de
pele escura, cujos descendentes atuais são principalmente encontrados no sul da Índia,
também viviam no norte há cerca de cinco mil anos. Podem até ser os indianos
aborígenes, embora não se tenha certeza.
(J. M. Roberts, O Livro de Ouro da História do Mundo, Ediouro)
Os drávidas, ou dravidianos, possuiam uma escirta que infelizmente não foi decifrada. Porém, a
partir das descobertas arqueológicas e dos escritos posteriores, é possível ter uma idéia de como eles
viviam. Os drávidas mantinham uma sociedade organizada, centralizada e conservadora, sustentada
pela riqueza do comércio, da pesca e da agricultura, sendo muito hábeis na irrigação. No campo
espiritual, enfatizam a crença no renascimento e no processo de causa e efeito de nossas ações. A
libertação seria fruto da renúncia às coisas mundanas e da prática de austeridades e meditação. Os
drávidas desenvolveram formas primitivas de yoga e meditação, que mais tarde seriam herdadas
pela religião hindu.
Entre 2000 e 1750 a.C., os āryanos — povos indo-europeus provenientes do Hindu Cush —
começaram a invadir a Índia através das montanhas do noroeste, forçando os drávidas a recuar para
o sul. Os āryanos eram nômades e mantinham uma sociedade pastoril; eles passaram a dominar o
vale do Indo e o Punjab. Suas crenças religiosas era bem diferentes daquelas dos drávidas. Os
āryanos não acreditavam no renascimento ou na retribuição moral das ações. Eles enfatizavam a
prática de rituais e sacrifícios como um meio de conseguir riqueza, poder e fama. Sua meta não era
a libertação espiritual, mas sim chegar ao paraíso — isto é, versão melhora da vida terrena.
A partir do encontro da religiosidade āryana com a pré-āryana, surgiu o hinduísmo. O panteão
āryano — divindades como Indra, Varuṇa, Agni, Vāyus, Viṣṇu, Sūrya e Yama, personificações dos
poderes da natureza — seria somado ao panteão pré-āryano — divindades como Brahmā, Śiva e
Śakti, que personificam o absoluto. Em alguns casos, houve a identificação de divindades; por
exemplo, o deus Śiva dos pré-āryanos seria identificado com o deus Rudra dos āryanos.
Nesta época, estabeleceram-se os fundamentos da religião hindu e foram
escritos os hinos sagrados conhecidos como Vedas. Os hindus aceitam
estas escrituras com grande autoridade. A teoria da invasão āryana, por
exemplo, é rejeitada por muitos hindus porque ela difere das histórias
relatadas nos Vedas.

Por volta de 1200 a.C., provavelmente por causa das mudanças ambientais
e das invasões por tribos do nordeste, os āryanos passaram a ocupar o vale
do rio Ganges. A partir do século VIII a.C., quando começaram a ser
compostos os Upaniṣads, os indianos mudaram o seu foco do culto
exterior para o ascetismo interior, dos deuses para ser humano, dos rituais
dos āryanos para as antigas técnicas de yoga e meditação dos drávidas.
Essa mudança de foco — do universo para o ser humano — também
aconteceria na Grécia, na transição do período pré-socrático, cosmológico, O príncipe Rāma
para o período socrático, antropológico.

Os dois grandes épicos indianos, o Rāmayāṇa e o Mahābhārata, foram escritos em meados de 400
a.C.
O pensamento indiano é abstrato, metafísico, focaliza o geral e o universal em
detrimento do particular; não foi favorável, portanto, ao desenvolvimento de disciplinas
que tratam do particular, como a História. O pensamento chinês é oposto ao indiano:
preocupa-se com o particular, com o concreto, em detrimento do universal; avesso às
especulações metafísicas, concentra-se na reflexão sobre a moral e a política; grande
desenvolvimento da História, "rainha das ciências", tradicionais chinesas. No Japão há
uma cultura híbrida, resultado da fusão da cultura chinesa com contribuições da tradição
indiana, via buddhismo, mais um substrato arcaico autóctone; predomina no Japão uma
atitude estética: até mesmo as tradições metafísicas são expostas preferencialmente
através de formas artísticas.
(Ricardo Mário Gonçalves, O Caminho do Despertar, Instituto Budista de Estudos
Missionários)
Diferentemente das outras religiões mundiais, o hinduísmo não tem fundador, nem
credo fixo nem organização de espécie alguma. Projeta-se como a "religião eterna"
[sânscrito sanātana dharma] e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela
capacidade excepcional que vem demonstrando através da história abranger novos
modos de pensamentos e expressão religiosa. [...] As raízes do hinduísmo podem ser
encontradas em algum ponto entre o ano 1500 a.C. e o ano 200 a.C., quando os
chamados āryanos (isto é, os "nobres") começaram a subjugar o vale do Indo. As
crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-européias, como a
grega, a romana e a germânica.
(Victor Hellern, Henry Notaker, Jostein Gaarder, O Livro das Religiões, Companhia das
Letras)
As raízes do hinduísmo retrocedem muito no passado, talvez antes das invasões
āryanas, pois já nas civilizações do Vale do Indo eram venerados deuses que podem ter
sido precursores ou "antepassados" do Śiva hindu. Mas depois o hinduísmo extravasou
o modelo do antigo bramanismo e da religião védica que durante muito tempo o
envolveu. No tempo dos guptas [séculos IV-V], já existia algo bem parecido com a
futura sociedade hinduísta da Índia. Sua base era o sistema de castas, na época já
proveniente da antiga divisão da sociedade védica em quatro classes. A crença religiosa
também havia mudado. No entanto é difícil descrever a religião hindu, pois não se trata
de credos ou declarações quanto ao que se deve acreditar. Tampouco a religião hindu
deve ser pensada como algo à parte ou como um aspecto isolado da vida. Ao contrário,
é uma maneira de ver o mundo como um todo (visível e invisível) e viver nele. Se existe
um princípio prático fundamental no hinduísmo, é viver a vida com o lugar de cada um
no esquema das coisas.
Para os camponeses — e os indianos, em sua maioria, que são e sempre foram
camponeses — isto pode significar meras tentativas supersticiosas de assegurar a boa
vontade das divindades no templo local, respeito pela casta e pelas suas restrições
práticas, participação em festivais populares, como aqueles durante os quais ainda hoje
circulam pelas aldeias grandes carros pintados e esculpidos com demônios, deusas,
deuses e monstros. Também existiam cultos mais especializados, a deuses ou deusas
maiores, como Śiva e Kṛṣṇa. E ainda um hinduísmo puramente filosófico, bem distante
da crueldade dos sacrifínios animais e da veneração de imagens que ocorriam em nível
popular (como durante muitos séculos acontecem com o cristianimo popular, nas
orações mágicas e supersticiosas aos santos). Sua forma mais desenvolvida era chamada
de Vedānta, crença abstrata que acentuava a irrealidade do presente mundo material. Ela
ensina que os homens precisavam se desvencilhar deste mundo, conquistando um
verdadeiro conhecimento da realidade ou brahman. No que se refere à doutrina, o
hinduísmo tinha algo para atender a todas as necessidades. Mas a maneira pela qual
funcionava na vida diária tendeu a torná-lo mais rígido e estrito.
(J. M. Roberts, O Livro de Ouro da História do Mundo, Ediouro)
Os textos sagrados hindus foram escritos em sânscrito, uma das línguas mais antigas do mundo. Em
todas as regiões da antiga Índia, havia uma grande quantidade de idiomas, muitos dos quais
presentes até os dias de hoje. Por exemplo, na região norte, onde viveria o Buddha, a língua falada
era o maghadi ou ardha-magadhi — uma espécie de sânscrito popular, muito semelhante ao idioma
pāli.
A fonte principal de doutrina da tradição hindu vem de um conjunto de hinos que vem
sendo transmitido há mais de dois mil anos chamados de Vedas. Literalmente este nome
significa "conhecimento" ou ainda "corpo de conhecimento", e é a fonte de inspiração
de todos os desenvolvimentos posteriores ocorridos nesta tradição. Inspirados pelos
ṛṣis ou sábios de antigamente, tais hinos foram, então, transmitidos por gerações na
forma de tradição oral. Eles são em número de quatro: Ṛg Veda, Sāma Veda, Yajur Veda
e Atharva Veda, sendo que o primeiro é o mais antigo e também o mais importante.
Posteriormente, com o desenvolvimento da tradição dos sacerdotes, um conjunto de
ensinamentos foi sendo elaborado com o fim de esclarecer ainda mais o significado de
Brahmān, a realidade suprema subjacente a todas as coisas e tema central dos Vedas.
Assim surgiram os Brāhmaṇas, um conjunto de textos versando sobre a relação entre o
cosmos e o ritual, e a necessidade deste último para o equilíbrio do primeiro e de toda a
vida.
Seguindo somente aos Vedas em importância, estão os Upaniṣads, onde se expressa
propriamente a tradição comentarial dos Vedas. Fala-se da existência de muitos
Upaniṣads, dentre os quais 108 são preservados até hoje. Destes, dez são considerados
os principais, sendo que o Bṛhadāraṇyaka e o Cāndogya são de muita importância.
Significando literalmente "sentar-se perto devotadamente" ou também "ensinamento
secreto", os Upaniṣads expressam a essência dos Vedas, tal como entendida pelos
mestres do passado.
Dignos de menção são dois épicos que marcaram época e são ainda hoje respeitados e
recitados pelos eruditos hindus e pelas camadas populares. O mais antigo é o
Mahābhārata (A Grande Índia), uma saga mística que, além de ser o maior épico da
literatura mundial, possui também como um de seus capítulos a mais conhecida obra
hindu no Ocidente, o Bhagavad Gītā (Canto do Abençoado), o qual conta a estória de
Kṛṣṇa, a personificação do transcendente na Terra. A estória de outra destas
personificações é o tema deste outro épico, o Rāmayāṇa (O Caminho de Rāma).
Por último devemos mencionar os Purāṇas, literalmente "Antigos", um conjunto de
relatos míticos e históricos transmitidos através dos tempos. Após os Purāṇas as obras
religiosas tornam-se cada vez mais particularizadas e passam a fazer parte das escolas
específicas dentro da tradição.
(Ricardo Sasaki, O Outro Lado do Espiritualismo Moderno, Vozes)

A sociedade
Os āryanos implantaram um sistema de divisão da sociedade em cores ou castas (sânscrito varṇa,
pālivaṇṇa). Geralmente, elas são apresentadas como classes sociais, semelhantes às que existiam
na Europa (clero, nobreza, burguesia e camponeses). Entretanto, as castas são na verdade uma
divisão de funções e não são baseadas na posse de capital:
 brâmanes (sânscrito brāhmaṇa): sacerdotes, magos, religiosos e filósofos hindus,
responsáveis pelos sacrifícios e rituais sagrados. Segundo os hindus, os brâmanes teriam
nascido da boca do deus Brahmā e seriam caracterizados pela bondade (sânscrito sattva).
 guerreiros (sânscrito kṣatriya): reis, nobres, autoridades, senhores feudais, oficiais e
guerreiros da realeza, responsáveis pelo poder político e militar. Eles teriam nascido do
braço direito de Brahmā e seriam caracterizados pela paixão (sânscrito rājas).
 provedores (sânscrito vaiṣyas): mercadores, artesãos, camponeses e burgueses āryanos.
Eles teriam nascido das coxas de Brahmā e seriam caracterizados tanto pela paixão
(sânscrito rājas) quanto pela ignorância (sânscrito tamas).
 servos (sânscrito śūdra): trabalhadores braçais. Eles teriam nascido dos pés de Brahmā e
seriam caracterizados pela ignorância (sânscrito tamas).
Abaixo desse sistema estavam os sem casta (sânscrito avarṇa), no Ocidente conhecidos como
párias. Segundo os hindus, os párias eram não-āryanos, não teriam nascido de Brahmā e,
conseqüentemente, eram bastante discriminados. Esta situação desfavorecida, porém, era mais
derivada do preconceito que do sistema de castas. Em muitos países, também há pobreza e
discriminação, apesar de não existirem castas. A possibilidade de uma pessoa pobre enriquecer pode
ser menor que a de um pária subir socialmente na Índia.
Muitos autores afirmam que o Buddha foi uma espécie de agitador religioso e social, que teria se
levantado contra os brâmanes e o sistema de castas. Porém, ele nunca rejeitou a instituição
bramânica em si; muitos de seus discípulos eram brâmanes. De fato, o que o Buddha rejeitou foram
as pretensões de certos os brâmanes — por exemplo, sua suposta superioridade e origem divina.
Os encontros do Buddha com os brâmanes em geral eram amigáveis, as conversas
caracterizadas pela cortesia e respeito mútuo. Muitos textos no Majjhima Nikāya tratam
da pretensa superioridade dos brâmanes em relação às demais castas sociais. Na época
do Buddha o sistema de castas estava apenas começando a tomar forma no nordeste da
Índia e ainda não havia gerado as incontáveis subdivisões e regras rígidas que
acabariam por aprisionar a sociedade hindu ao longo dos séculos.
Nos textos em pāli parece que os brâmanes, apesar de investidos de autoridade nas
questões religiosas, ainda não haviam ascendido à posição de hegemonia incontestável
que eles iriam adquirir depois da promulgação das Leis de Manu. Eles já tinham, no
entanto, embarcado na busca pelo domínio e faziam isso através da propagação da tese
de que a casta dos brâmanes era superior, a casta mais bela, os descendentes
divinamente abençoados de Brahmā e que somente eles seriam capazes de se
purificarem. A preocupação de que essa afirmação dos brâmanes poderia na realidade
ser verdadeira parece ter se espalhado entre a realeza, que deve ter ficado atemorizada
pela ameaça que eles representavam ao seu poder.
Contrário a certas noções populares, o Buddha não repudiou explicitamente a divisão de
classes da sociedade hindu ou pediu a abolição desse sistema social. Dentro da
comunidade monástica, no entanto, todas as distinções de casta eram anuladas no
momento da ordenação. Desse modo, as pessoas de qualquer uma das quatro castas, que
seguiam a vida santa sob o Buddha, renunciavam aos títulos e prerrogativas da classe à
qual pertenciam para se tornarem simplesmente os discípulos do [Buddha, o] filho dos
Śākyas. Sempre que o Buddha ou os seus discípulos eram confrontados com as
reivindicações de superioridade dos brâmanes, eles argumentavam vigorosamente
contra elas, afirmando que todas essas afirmações careciam de fundamento. A
purificação, eles sustentavam, é o resultado da conduta e não do nascimento, e por esse
motivo estava acessível a toda as pessoas das quatro castas.
(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)

Os movimentos religiosos
Muitos autores apresentam o bramanismo — o hinduísmo antigo — como sendo a tradição religiosa
que dominava a Índia na época do Buddha. Entretanto, existiam muitos grupos religiosos diferentes
e não havia uma predominância do bramanismo. Muitas pessoas não seguiam as regras sociais e
religiosas dos āryanos. Deixavam a vida mundana e passavam a viver como ascetas nas florestas,
dedicando-se a um severo auto-sacrifício com o objetivo de purificar as impurezas do corpo e do
espírito.
Alguns ascetas enfatizavam a transcendência através de técnicas de meditação para acalmar e
controlar a mente. Eles provavelmente foram influenciados pelos antigos yogas dos drávidas,
originados antes da chegada dos āryanos na Índia. Outros ascetas, aparentemente influenciados
pelas práticas védicas dos āryanos, enfatizavam a imanência e a aquisição de poderes mágicos
através do conhecimento da natureza do universo. Estes praticantes espirituais heterodoxos eram
conhecidos como vagueadores (sânscrito parivrājaka, pāli paribbājaka) ou contemplativos
(sânscrito śrāmaṇa, pāli sāmaṇa).
A região da Índia na qual o Buddha viveu e ensinou no século V antes da era cristã
estava cheia de uma abundante variedade de crenças religiosas e filosóficas propagadas
por mestres igualmente variados nos seus estilos de vida. A principal divisão era entre
os brâmanes e os ascetas não brâmanes, os śrāmaṇas ou "contemplativos". Os
brâmanes eram os sacerdotes hereditários na Índia, os guardiões da ortodoxia antiga.
Eles aceitavam a autoridade dos Vedas, que eles estudavam, recitavam em rituais
inumeráveis, sacrifícios e cerimônias e aos quais recorriam como fonte para as suas
especulações filosóficas. Por conseguinte, eles são caracterizados nos textos como
tradicionalistas, que ensinam as suas doutrinas com base na tradição oral. O cânone pāli
de modo geral os descreve vivendo uma vida confortável e equilibrada, casados e com
filhos e em alguns casos desfrutando de favores reais. Os mais estudados são
apresentados na companhia de estudantes — todos obrigatoriamente nascidos brâmanes
— aos quais eles ensinavam os Vedas.
Os śrāmaṇas, por outro lado, não aceitavam a autoridade dos Vedas e por isso, sob a
perspectiva dos brâmanes, eles se situavam na categoria dos heterodoxos. Em geral eles
eram celibatários, viviam da mendicância e adquiriam o seu status através da renúncia
voluntária e não através do nascimento. Os śrāmaṇas perambulavam pelo interior da
Índia algumas vezes em grupos, algumas vezes solitários, pregando as suas doutrinas
para a população, debatendo com outros contemplativos, dedicando-se às suas
atividades espirituais que com freqüência envolviam rigorosas austeridades. Alguns
mestres do grupo dos śrāmaṇas ensinavam exclusivamente fundamentados no
raciocínio e na especulação, enquanto que outros ensinavam com base nas suas próprias
experiências na meditação. O próprio Buddha se encaixava entre estes últimos, como
aquele que ensinava o Dharma que ele compreendeu diretamente por si mesmo.
(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)
Dentre as doutrinas pregadas pelos diversos grupos religiosos, o Buddha apontou 62 como sendo
errôneas. Ainda assim, seis mestres heterodoxos em relação ao buddhismo acabaram atraindo
muitos seguidores em "caminhos externos", isto é, fora dos ensinamentos ortodoxos: Pūrāṇa
Kāśyapa (pāli Pūrāṇa Kāssapa), Maskarin Gośālīputra (pāli Makkhali Gosāla), Sañjaya
Vairāṭīputra (pāli Sañjaya Velaṭṭhiputta), Ajita Kesakambala (pāli Ajita Kesakambalin), Kakudha
Katyāyana (pāli Pakudha Kaccāyana) e Nirgrāṇṭha Jñātaputra (pāli Nigaṇṭha Nātaputta, também
conhecido como Vardhamana Mahāvīra, fundador do jainismo).
Os śrāmaṇas eram um grupo muito mais diversificado que, sem ter uma autoridade
espiritual comum, promulgavam uma pletora de doutrinas filosóficas que iam desde o
diabólico até o super divino. O cânone pāli com freqüência menciona seis mestres em
particular como contemporâneos do Buddha, e visto que cada um deles é descrito como
"líder de uma ordem... considerado como um santo por muitos", eles deviam exercer
muita influência na época. [...]

[1] Pūrāṇa Kāssapa [...] ensinava a doutrina da inação (pāli akiriyavāda), que negava a
validade das distinções morais.
[2] Maskarin Gośālīputra era o líder de uma seita conhecida como ājīvaka (ou ājīvika),
que sobreviveu na Índia até a época medieval. Ele ensinava a doutrina do fatalismo e
negava a condicionalidade (pāli ahetukavāda), e afirmava que todo o processo cósmico
está controlado de modo rígido por um princípio chamado fatalidade ou destino (pāli
niyati); os seres não possuem controle volitivo sobre as suas ações e se movem
desamparadamente aprisionados pelo destino.
[3] Ajita Kesakambala era um niilista moral (pāli natthikavāda) que propunha uma
filosofia materialista que rejeitava a existência de uma sobrevida e a retribuição do
karma; a sua doutrina é freqüentemente citada pelo Buddha entre os tipos de ações
prejudiciais como o paradigma do entendimento incorreto.
[4] Kakudha Katyāyana advogava o atomismo e fundamentado nisso ele repudiava os
princípios básicos de moralidade.
[5] Sañjaya Vairāṭīputra, um cético, recusava-se a assumir uma posição em relação aos
temas morais e filosóficos cruciais da época, provavelmente afirmando que esse
conhecimento estava além da nossa capacidade de verificação.
[6] O sexto mestre, Nirgrāṇṭha Jñātaputra, é identificado como Mahāvīra, o histórico
progenitor do Jainismo. Ele ensinava que há uma pluralidade de almas mônadas
aprisionadas na matéria por laços do karma passado e que a alma deve ser libertada
através do esgotamento dos laços kármicos por meio da prática severa da auto-
mortificação.

Enquanto os textos em pāli em geral são corteses porém críticos em relação aos
brâmanes, estes, por sua vez são vigorosos na sua rejeição às doutrinas rivais dos
śrāmaṇas. Num discurso, o Buddha afirma que a firme adoção de qualquer uma das três
primeiras doutrinas (e conseqüentemente a quarta) resulta numa cadeia de estados
prejudiciais gerando karma ruim forte o suficiente para trazer um renascimento nos
planos mais inferiores. Do mesmo modo, o venerável Ānanda descreve essas idéias
como as quatro "negações da vida santa". O ceticismo de Sañjaya, apesar de não ser
considerado tão pernicioso, é interpretado como um sinal da tolice e confusão do seu
proponente; ele é descrito como "contorção de enguias", devido às suas evasivas e
classificado entre os tipos de vida santa sem consolação. A doutrina jainista, embora
compartindo algumas similaridades com os ensinamentos do Buddha era considerada
suficientemente equivocada nas suas premissas básicas para ser refutada, e o Buddha
assim o fez em várias ocasiões.

O repúdio a essas idéias errôneas era visto, sob a perspectiva buddhista, como uma
medida necessária, não só para soar um claro alerta contra doutrinas que eram
prejudiciais sob o ponto de vista espiritual, mas também para eliminar os obstáculos
contra a aceitação do entendimento correto, que como precursor do caminho buddhista é
um pré-requisito para o progresso no caminho para a libertação final.
(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)
Os deterministas (sânscrito ājīvaka, ājīvika), preocupados com a análise do presente e que
acreditaram que todos os seres progridem para a perfeição, independente de seus esforços. Os
céticos (sânscrito amāravikkhepika) não afirmavam nem negavam qualquer doutrina ou crença. Já
os hedonistas (sânscrito carkava) e os materialistas ou mundanos (sânscrito lokāyata) defendiam
uma visão existencialista, negando a prática espiritual e a lei da causa e efeito. Para eles, a única
coisa verdadeira seria a realidade aparente das coisas percebidas através dos sentidos. Os
materialistas diziam que cada um deveria agir conforme sua própria vontade para satisfazer seus
desejos.
No início, o buddhismo foi apenas mais um entre os muitos movimentos religiosos indianos.
Externamente, os monges buddhistas eram muito parecidos com os praticantes destes movimentos.
O Buddha aceitou alguns ensinamentos conhecidos pelos religiosos da época, corrigindo
determinados aspectos e rejeitando as visões errôneas. Enquanto certos autores afirmam
erroneamente que o buddhismo é um protesto contra o bramanismo, há aqueles que partem outro
extremo incorreto — afirmam que o buddhismo é uma vertente reformada do bramanismo. O
Buddha teria resgatado a espiritualidade indiana original, baseada nos yogas meditativos dos
drávidas, em contraste com espiritualidade védica dos invasores āryanos. Já alguns hindus afirmam
que o Buddha deturpou os ensinamentos orignais do bramanismo.
Realmente, o Buddha não aceitava a autoridade das escrituras védicas, as especulações filosóficas
dos brâmanes, seus rituais, sacrifícios e superstições. Os ensinamentos de Buddha enfatizam alguns
elementos que já estavam presentes na espiritualidade pré-āryana, mas há ensinamentos que são
únicos, originais e característicos do buddhismo. As verdades expressas nos ensinamentos de
Buddha são atemporais, mas não tinham sido expostas desta forma em nenhum movimento
religioso mais antigo — a não ser pelos seres iluminados de eras anteriores à nossa. Portanto, não é
possível dizer que o buddhismo é um movimento de oposição aos brâmanes, mas também não é
correto afirmar que o buddhismo é um ramo do bramanismo.
Por exemplo, os ensinamentos sobre karma, renascimento e meditação já eram encontrados nas
tradições indianas pré-āryanas, mas o Buddha os apresentou de forma bastante peculiar. Ao
contrário dos materialistas, ele não negou que os seres estão sujeitos aos frutos de suas ações
(sânscrito karma, pāli kamma) e a sucessivos renascimentos na existência cíclica (sânscrito e pāli
saṃsāra). Entretanto, ele rejeitou o fatalismo da predestinação — a idéia de que os seres estão
sujeitos ao seu próprio destino e que nada podem fazer para mudá-lo. Buddha também não aceitou
as visões extremas dos niilistas — a crença de que tudo acaba com a morte — nem dos eternalistas
— a crença num absoluto (sânscrito brahmān) e num eu (sânscrito ātman) imutável, criado por um
invisível ser todo-poderoso.
A meditação sobre o amor, a compaixão, a alegria e a eqüanimidade também é particularmente
importante para o buddhismo. As quatro nobres verdades, o nobre caminho óctuplo, os doze elos do
surgimento dependente, o não-eu e a vacuidade são encontrados apenas nos ensinamentos de
Buddha. Com base nestes fundamentos, o buddhismo tornou-se um movimento religioso distinto e,
ao longo dos séculos, absorveu elementos positivos das outras tradições asiáticas as quais entrou em
contato. De modo geral, ao invés de discriminar as outras religiões, o buddhismo promoveu a
tolerância e o diálogo com elas.

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