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-ISSN 1809-6298 . . Texto Especial 434 – setembro 2007

| Autor | Assunto | Números | Página principal | Expediente | Vitruvius |

A formação da paisagem na periferia da cidade de São Paulo (1)


Assunta Viola

Assunta Viola, arquiteta e urbanista,


mestranda na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
(leia versão em inglês)

Desde que a Vila de São Paulo – mais tarde Cidade de São Paulo – viveu
o seu primeiro crescimento, este se deu de forma espraiada, sempre com
um centro mais equipado que sua periferia. Essa característica é
importante para entender a forma da periferia em São Paulo (2).

Até as primeiras décadas do séc. XIX a cidade ocupava ainda a colina de


sua fundação. A partir desse período, e de forma ainda muito lenta, o
Vale do Anhangabaú foi vencido, indo ocupar a outra encosta do vale a
oeste, introduzindo uma ocupação urbana diferente daquela que deu
origem ao núcleo urbano inicial, com uma urbanização mais moderna,
para uma vida urbana diferente do núcleo inicial. Os números do
crescimento populacional na cidade e a intervalo entre os saltos
quantitativos nos mostram a velocidade e intensidade que o processo
apresentou. Em 1560 eram 240 os habitantes da Vila de São Paulo. Em
1822, por ocasião da independência do Brasil, eram 6.920. Em 1890, por
ocasião da Proclamação da República eram 64.934 habitantes. A cifra de
um milhão de habitantes foi atingida em 1935. Esse crescimento se deu
na cidade sempre de uma forma espraiada, nos diferentes períodos. São Paulo, por volta de 480 habitantes. Fonte: REIS FILHO,
Nestor Goulart, 2004

Population in São Paulo 1560-1935

YEAR NUMBER OF HOUSES TOTAL POPULATION

1560 >20 (Portuguese) 80 NR

30 Portuguese and

30 mestizos 240 NR

1585 120 480

1589 150 600


O histórico crescimento espraiado da cidade de São Paulo se
mostra nesse mapa de 1905. Por volta de 130.730 habitantes.
1700 210 840 Fonte: REIS FILHO, Nestor Goulart, 2004

1776 534 2.026

1816 – 5.382

1822 – 6.920

1826 2.298 26.020

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1890 – 64.934

1893 – 130.755

1920 59.584 581.435

1935 – 1.060.120.

Population Growth in São Paulo (3)

Relacionar a característica da expansão urbana na cidade com a


velocidade e intensidade de crescimento é importante para entendermos
a forma atual. As periferias, em todas os períodos, abrigavam o Área Edificada em São Paulo (1914). Fonte: VILLAÇA, Flavio,
crescimento pelo qual a cidade passava, principalmente o alojamento 2001
habitacional da sua população. A conformação radiocêntrica é uma
característica que perdurou por todos os períodos, e as características
dessa periferia foram se alterando ao longo do tempo, devido a alguns
eventos específicos.

Procuraremos identificar esses eventos e as conseqüências que tiveram


para a formação da paisagem urbana na cidade de São Paulo, com
destaque para a situação atual e os desafios que se deve enfrentar na
área de projetos urbanos e projetos habitacionais, principal demanda da
periferia paulistana no século XXI.

Breve histórico da produção da habitação popular

A cidade de São Paulo se caracteriza por duas grandes áreas: a Área Área Metropolitana de São Paulo (1962-1987). Fonte: VILLAÇA,
Central e a Periferia. A forma urbana que essas duas áreas assume é Flavio, 2001
visivelmente diferente, e não por uma questão de época, onde as
expressões arquitetônicas se alteram, mas sobretudo pelas formas que
adquirem as diferenças sociais, característica essa presente em todas as
grandes cidades brasileiras, como mostra Flavio Villaça (4).

Devido às pequenas dimensões e insipiente atividade econômica da


cidade, no início de seu povoamento diversos extratos sociais conviviam
no núcleo central urbano. Com o desenvolvimento econômico local e
conseqüente crescimento populacional, sua organização física passou
por modificações, tornando-se mais complexa dentro da lógica centro-
periferia No início, o crescimento se dava nas periferias, por vezes
reforçando a idéia do antigo (centro) e novo (periferia), sem que houvesse
necessariamente uma distinção econômica. No entanto esse fenômeno
deu início a uma ocupação com grande segregação espacial que apenas
espelha as grandes diferenças sociais existentes na sociedade brasileira,
que adentra o século XXI.

A população paulistana era complexa e diversa, formada pelos antigos


paulistas que aqui ficaram depois das bandeiras, os negros forros e os
imigrantes que começavam a chegar nas últimas décadas do séc. XIX,
atrelados à economia cafeeira.

Vamos analisar o que ocorre com relação à habitação. De início a


habitação do rico e do pobre diferenciava-se pela organização doméstica
e sobreposição ou não de funções. As técnicas construtivas eram as
mesmas e a localização urbana obedecia a uma lógica topográfica, de
abastecimento e a simplicidade tecnológica da época exigia que
distâncias fossem encurtadas entre os proprietários e trabalhadores. À
medida que a sociedade foi se tornando mais complexa e que a
tecnologia permitiu, a localização das moradias por extrato social
começou a se fazer presente. Nas últimas décadas do séc. XIX e Estruturas espaciais de algumas áreas metropolitanas, segundo o
modelo de Hoyt. Fonte: VILLAÇA, Flavio, 2001
primeiras do séc. XX, o alojamento da população que crescia mais e mais
acompanhando os movimentos econômicos e produtivos passou a
configurar um problema urbano. Este nunca foi enfrentado como um
problema de projeto urbano – quando muito um problema de
planejamento econômico. Por exemplo, uma alternativa de moradia para
abrigar os imigrantes – vindos para o plantio do café e para serviços
urbanos, que começavam a ser cada vez mais demandados, eram os
cortiços, construções feitas por particulares para locação, com unidades

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habitacionais mínimas, localizadas em áreas centrais, de uso coletivo.
Mesmo que incentivada a imigração pelo Estado, do ponto de vista de
Planejamento Estratégico, não havia um projeto físico que os abrigasse
do ponto de vista urbano. A cidade se expandia espontaneamente sem
que o Estado organizasse essa expansão. As diferenças sociais se
faziam cada vez mais presentes no cotidiano urbano.

Nos anos 1930', quando a cidade já contava com um milhão de


habitantes, a produção habitacional para a massa urbana se apresentava
sob várias formas: moradias construídas pelas próprias indústrias para
seus operários – Vila Zélia, construções de interior de quadra, feitas por
pequenos construtores privados, construções seriadas para aluguel, que
se localizavam próximas ao local de trabalho, uma vez que não havia um
sistema público de transporte coletivo. As áreas produtivas industriais,
patrocinadas pelo sucesso da atividade cafeeira, eram localizadas em
anéis periféricas e radiais ao redor do núcleo urbano consolidado,
próximo aos cursos d’água para atividade industrial. Próximas a elas – e
mantendo uma continuidade urbana – se localizava a moradia dos
trabalhadores, produzidas por iniciativa privada. Paralelamente, a cidade
moderna se desenvolvia o centro, entendido não como centro geométrico,
mas centro gravitacional, centro de decisões e investimentos públicos, ao
redor do qual gravitavam, inclusive fisicamente, as demais atividades.

Ao longo das décadas de 1940 e 1950 os Institutos de Aposentadoria e


Pensão introduziram pela primeira vez na habitação coletiva os conceitos
modernistas de habitação. Contribuíram para a expansão espraiada
característica do crescimento urbano, que ia de encontro a alguns ideais
do Movimento Moderno dentro do Urbanismo. A seguir, os principais
conceitos empregados nesses conjuntos dão conta de um aspecto da
paisagem periférica comum num dos anéis periféricos de crescimento:

z a edificação de conjuntos habitacionais isolados do traçado


existente da cidade;
z a construção de blocos;
z a limitação das alturas dos blocos;
z o uso de pilotis;
Sobrados na rua Barão de Jaguara, no Moóca, de Gregori
z a adoção dos apartamentos duplex; Warchavchik, 1929; casas no Brás e sobrados no Brás,
z os processos de construção racionalizados e a edificação de respectivamente. Fonte: BONDUKI, 1998
conjuntos autônomos;
z a articulação dos conjuntos habitacionais com planos urbanísticos;
z a entrada da casa mobiliada de forma racional (5); e que deixaram
exemplares da qualidade da arquitetura nacional, construídos para
fins de locação.

Até esse período víamos constituída uma lógica de crescimento e


organização urbanas pautadas na construção privada de habitações
populares, com uma oferta proporcional à demanda e alicerçada sobre a
locação (aluguel), sem nenhuma ênfase na propriedade da habitação,
mas na disponibilidade de habitações construídas dentro de critérios
urbanos estabelecidos pelo Estado, e acessíveis através do aluguel, mas
nunca patrocinados ou planejados por ele.

No entanto, a Lei do Inquilinato, de 1942 – que inibe o investimento


privado na construção de edifícios habitacionais, congelando o valor dos
aluguéis – desestimulou a construção de novas unidades para locação,
pois passou a não ter a rentabilidade que tivera outrora, inaugurando uma
era de forte crise na área habitacional. O Estado não lançou nenhuma Planta do typo do cortiço urbano - Casinhas de typo mínimo,
propostas pela Comissão de Exame e Inspeção dos Cortiços,
alternativa para a questão, restando à população procurar moradias para 1893. Fonte: BONDUKI, 1998
compra dentro de suas possibilidades, o que as afastava cada vez mais
do centro urbanizado, onde as propriedades tinham um custo inacessível,
acelerando a tendência de espraiamento da cidade, mas agora
acrescentando um item novo: a precariedade urbana.

O "sonho da casa própria", que seria construída em loteamentos nos


arrabaldes da cidade, passa a ser a força motriz que desvia para a
periferia a oferta de moradias populares. Essa prática originou na cidade
grandes vazios urbanos, que se tornaram elementos de especulação

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imobiliária, já que ao estender a infra-estrutura básica e arruamento aos
loteamentos distantes, propiciava-se o aumento do valor da terra nesses
vazios entre a malha consolidada e a periferia. Bonduki dá a seguinte
interpretação para esse momento, classificando da seguinte forma a Lei
do Inquilinato: "instrumento de defesa das classes populares; instrumento
de política econômica, pacto de classes e redução salarial; instrumento
para desestabilizar o investimento imobiliário; resultou em despejos e
falta de moradia“ (6).

A Lei do Inquilinato vigorou de 1942 a 1964, quando foi implantado no


Brasil o Sistema Nacional de Habitação. Nessa época surgiram algumas
favelas – demonstração clara da ineficiência do sistema de localização
periférica da moradia popular, em uma situação urbana sem nenhuma
conectividade no território nem com serviços nem com transporte público,
o surgimento de favelas demonstrava muito mais um problema de oferta
de moradias que um problema de renda para locação (7).

A autoconstrução passa a ser a alternativa de produção habitacional, já


que, além de desestimular os investimentos na construção para aluguel, o
Estado se omite na resolução da questão habitacional enquanto gestor
urbano, deixando a cargo do morador a forma como este encontraria a
solução. Por outro lado, o empresariado via no loteamento a única
possibilidade de rentabilidade, já que construir para vender não era viável
numa situação de baixas remunerações. Isso tudo na melhor das
hipóteses, quando a lógica se faz pela via oficial. Para baratear ainda
mais, passa a haver os loteamentos clandestinos, geralmente invasões
em áreas ou de preservação ambiental ou públicas, em que o Estado não
intervém por falta de capacidade técnica de fiscalização e interesse de
controle, uma vez que deveria dar uma alternativa ao problema
habitacional – e nunca deu. Isso tem refletido enormemente na
diferenciação das tipologias habitacionais utilizadas pelas diversas
camadas sociais, havendo uma grande disparidade do ponto de vista Casas de aluguel - rua Mazzini - 1933, Arq. Rino Levi. Fonte:
ANELLI, GUERRA, KON, 2001
qualitativo urbano e arquitetônico entre as formas de morar dentro da
Metrópole. Recentemente temos visto termos como: a cidade formal e a
cidade informal, a cidade de todos, etc, deixando clara a existência de
dois mundos urbanos, não paralelos, mas distantes, divergentes, mas
cheios de intersecções.

A Arquitetura e a Engenharia deixaram então de cumprir seu papel na


conformação física da cidade nesses locais, nas periferias. Fica por conta
dos moradores e de sua bagagem cultural o projeto e a conformação da
paisagem construída, cabendo ao poder público a instalação de infra-
estrutura e arruamento. Como conseqüência, a qualidade urbana é muito
inferior ao da cidade consolidada, pois primeiro é criada a demanda e
depois a infra-estrutura básica implantada.
Tipologias habitacionais do IAPI, feitas por Carlos Frederico
De 1942 o poder público se ausentou na periferia densamente habitada Ferreira para o IV Congresso Panamericano de Arquitetos. Fonte
BONDUKI, 1998
da cidade de São Paulo. Apenas em 1953, Jânio Quadros lança o Plano
de Emergência, que “previa atacar simultaneamente todos os mais
populosos bairros periféricos da cidade“ para dar algum beneficio a cada
um dos 200 bairros ou Vilas que circundavam esta cidade”, incluindo
“serviços locais de captação de águas pluviais e servidas, apedrejamento
e pavimentação de ruas, retificação e canalização de córregos,
ajardinamento e arborização, construção de praças, coordenação das
obras públicas com os transportes urbanos, etc.” (8).
Conjunto Zezinho Magalhães – 1967, Arq. Fábio Penteado,
Mesmo assim, não havia nem planejamento urbano e muito menos Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha
projeto urbano nessas periferias, dando a elas uma conotação de
pobreza, carência, deficiência, insalubridade e perigo. Vemos então que a
formação da periferia excluída não se deu num primeiro momento por
questões econômicas da renda da população, mas por uma questão de
oferta de moradia.

Em São Paulo, encontramos como alternativas habitacionais até 1950, as


seguintes modalidades de habitação em São Paulo:

z casa própria (legalizada);


z casa alugada de proprietários privados (contratos oficiais).

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A partir da década de 1960:

z casa própria (irregular) – autoconstrução


z cortiços – habitação subnormal
z favelas – habitação subnormal

Em 1964 é inaugurado o novo sistema pelo Governo Federal, que


pretendia formular e implementar uma política habitacional nacional: O
Sistema Nacional de Habitação, que teria o BNH – Banco Nacional de
Habitação – como financiador dessa política. “O poder público, a partir de
1964, financiou uma quantidade extremamente expressiva do espaço
urbano brasileiro. Foram quase cinco milhões de pessoas, mais de 20%
das unidades habitacionais edificadas nas cidades brasileiras no período.
Em algumas cidades, quase 40% das moradias construídas no período
foram, de alguma maneira, financiadas por organismo oficiais” (9).

Mas a realidade econômica do país não poderia bancar esse plano


nacional de habitação pois contava com o pagamento da moradia, a
compra, dentro das regras financeiras.... e então o BNH passou , de fato,
a financiar a habitação da classe média, tendo alguns casos de pesquisa
construtiva e formal, como no caso da construtora Formaespaço, que
procurava racionalizar e otimizar a construção desde o projeto de
arquitetura. A iniciativa é louvável mas infelizmente não foi aproveitada
como um exemplo pelo Estado. Desde a Lei do Inquilinato, a locação
(aluguel) nunca mais foi uma alternativa de habitação, sendo a questão
habitacional encarada como uma questão de acesso à propriedade da
habitação, não acesso à habitação urbana, considerando não só a célula
habitacional mas a sua relação com a cidade – educação, saúde,
transporte: ter onde morar é ter uma propriedade, não importa onde ou
como seja, ela é uma propriedade. Idéia perversa, que reforça a
segregação social e espacial, mas agora oficialmente: a cidade informal
passa a ser legal. Para o Estado a questão está resolvida.

A Lei de Zoneamento e a periferia do município

O Estado interveio novamente com a criação da Lei de Zoneamento.


Restringiu desta forma a verticalização às áreas mais centrais (10),
portanto, na menor porção do território, e impedindo que essa se desse
na maior parte, encarecendo assim o custo da terra urbana. Por outro
lado, cria no anel mais periférico do município áreas destinadas a abrigar
os gigantescos conjuntos habitacionais, desvinculados não apenas da
malha urbana, mas da vida urbana. “A lei de Zoneamento (Lei 7.085 de
1972) estabeleceu zonas diferentes para a cidade e, de modo geral,
restringiu os coeficientes de aproveitamento [...] em apenas 11,5% da
cidade permitia-se um CA igual a ‘4’ (quatro). Nos 88,5% restantes, o CA
máximo estabelecido foi ‘2’ (dois). A Lei de Zoneamento gerou uma
demanda por terras urbanas e a verticalização em áreas periféricas, em
terrenos afastados e vazios” (11).
Edifícios Gemini. Fonte: IMBRONITO, 2003

A Lei 7805/72 cria também a Z8 100, zona rural que poderia receber os
conjuntos habitacionais, financiados pelo BNH, a então habitação de
interesse social, construída pelo Estado. Essas áreas, por serem rurais,
primeiro não contavam com infra-estrutura urbana e depois tinham um
baixo valor de mercado. As Companhias Públicas de Habitação então
instalaram seus enormes conjuntos nessas regiões, construindo desde
1970 cerca de 210 mil unidades habitacionais, expandindo a malha, e
aumentando a demanda por infra-estrutura nas periferias.

A tipologia adotada então em São Paulo pelas Companhias Estatais de


Habitação, segundo nos parece, foi fortemente influenciada pela
experiência de 1967, quando Fábio Penteado , Vilanova Artigas e Paulo
Mendes da Rocha projetaram o Conjunto Habitacional Zezinho
Magalhães Prado, em Guarulhos, São Paulo, que foi encomendado pela
Cecap – Caixa Estadual de Casas para o Povo, para funcionar como
modelo de política estadual. Foi planejado para uma população de 55 mil
habitantes em 130 hectares de área e contando com infra-estrutura
urbana (escolas, hospital, centro de saúde, posto de puericultura, estádio,
cinemas, hotel, teatro, comércio próprio, clube, transporte etc.). “O Brasil Autocontrução. Fonte: Acervo Superintendência Gestão de
Favelas – CDHU

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teve uma mudança de escala exatamente naquela época, naquele
momento. Passou por uma mudança de escala multiplicada por mil. O
Brasil era pequeno em termos de números, a economia era pequena, era
administrada por cabeças pequenas. Perante o mundo, o Brasil era muito
pequeno. ...... Então o projeto de Guarulhos era visto como impraticável
ou absurdo. Doze mil habitações era algo assim que ninguém nunca tinha
visto nem imaginado, nem visto um projeto. Era um projeto muito
romântico, com muita fantasia. ...... O trabalho não foi aprovado. Mas,
depois de uma experiência curiosa, deram a aprovação para um projeto
de 400 habitações” (12).

No entanto, nem a classe média nem as classes baixas tiveram suas


demandas por habitação atendidas com a criação e operação do BNH. "O
contexto de crise econômica que atravessou toda a década de 80 teve
grande impacto no mercado imobiliário paulistano, sobretudo, com a
Mutirão. Fonte: Acervo Superintendência Gestão de Favelas –
extinção do BNH em 1986, que completou o quadro de inoperância e CDHU
crise da construção de moradias" (13).

Essa crise do BNH e o empobrecimento da classe média brasileira


levaram, em São Paulo, as classes médias e baixas a procurar
apartamentos "populares", unidades cada vez menores e em locais
periféricos, não atendidos e conectados com as redes de infra-estrutura
instaladas e em operação. Alguns mecanismos para baratear o preço de
compra de apartamentos foram: padronização absoluta dos
apartamentos; redução da área útil, com conseqüente diminuição do
programa; tratamento paisagístico e arquitetônico do térreo como
diferencial; custos de manutenção das áreas e equipamentos comuns
amortizados pela grande quantidade de unidades em cada condomínio;
devido ao processo inflacionário, nenhuma pesquisa tecnológica foi
desenvolvida nesse período para inovações da construção, pois o
investimento não levava a um barateamento, levando a uma situação de
total perda de qualidade, tanto do espaço como do edifício construído,
inclusive do espaço urbano resultante da implantação desses diversos Edifício construído pelo Estado. Fonte: Acervo Superintendência
conjuntos na cidade. Gestão de Favelas – CDHU

“O alto custo da terra, sua escassez e a baixa


disponibilidade de recursos são os argumentos mais
freqüentemente utilizados para justificar a dificuldade de
produzir habitação popular nas áreas estruturadas e mais
centrais. Justificam também a diversificação de programas
habitacionais do poder público. Estes passaram da política
pública de oferta de unidades prontas em conjuntos
habitacionais, característica da década de 1970, ao
reconhecimento da dificuldade da tarefa e da necessidade
de oferecer programas diversificados” (14).

Os habitantes das periferias, no entanto, diante desse quadro,


procuraram formas alternativas de resolver a questão. Na década de
1980/1990 foi grande o surgimento de entidades representantes dos
movimentos populares por moradia. Vários são os exemplos de conjuntos
construídos sob o regime de mutirão, que poderiam ter gestão direta do
Edifício construído pelo Estado. Fonte: Acervo Superintendência
Estado ou então ter uma gestão indireta, onde as assessorias técnicas Gestão de Favelas – CDHU
representavam um grande papel não só na formulação dos programas
como também da organização das comunidades. Um exemplo de Gestão
feita pelo Estado, mas com uma assessoria técnica que organizava os
moradores se deu na Fazenda da Juta, em Sapopemba, coordenado pela
CDHU.

A partir dos anos 1980, verifica-se, na Metrópole de São Paulo, um


vertiginoso crescimento populacional sem que houvesse investimentos na
capacidade central de abastecimentos de infra-estrutura compatíveis,
com reflexos na distribuição, ocasionando uma rede aparentemente
universalizada, mas com vários problemas no abastecimento, causando
dificuldades de conectividade.

A construção em curso da paisagem metropolitana

O ciclo atual que se inaugura no início dos 1980’, de expansão periférica


e urbanificação deficiente, "é portador de um evidente perfil terciário e

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marcado por intenso impulso de modernização dos setores precisos onde
se instala a atividade produtiva no território metropolitano" (15).

Existem então duas grandes determinantes no território Metropolitano em


São Paulo, a partir de 1980: por um lado o empobrecimento das classes
média e baixa, por outro, uma alteração nos ciclos produtivos,
acrescentando uma forte tendência de instalação e crescimento do setor
terciário, ainda dentro da lógica da segregação social no espaço e da
periferização empobrecida.

Percebemos algumas novas formas de intervenção, como as


urbanizações de favelas, em uma escala jamais vista na cidade, como o
Projeto Pantanal do Governo do Estado, em São Miguel, onde a favela foi
assumida como realidade urbana, e a infra-estrutura busca a integração
tanto física quanto funcional com a malha consolidada do entorno,
tratando o conjunto como um novo bairro.

A análise da questão habitacional na cidade de São Paulo deve ser


encarada como uma questão metropolitana e não municipal dada a
complexidade urbana em que se encontra. O papel do Estado foi
fundamental para a situação atual, e ao não criar condições de produção
de moradia para a massa urbana determinou uma cidade espontânea,
que se fazia da melhor forma possível. A ausência da Arquitetura e
Engenharia na construção dessa paisagem relaciona-se diretamente com
a importância dada pelo Estado à construção física da cidade, ou seja,
praticamente nenhuma. O que hoje é visto como luxo – bairros
organizados, habitações de qualidade – é apenas um dever público que
foi renegado. Toda a condição terceiro mundista brasileira não explica a
ausência de projetos de qualidade para habitação nas periferias das
cidades brasileiras, muito menos uma cidade como São Paulo. O maior
interesse nesta pequena pesquisa foi verificar quais agentes intervieram
na construção urbana na periferia e porque a Arquitetura foi renegada de
forma quase cruel. Esperamos poder contribuir para que a discussão de
moradia se aproxime das questões centrais da Arquitetura.

Notas

1
Texto originalmente publicado em Inglês nos Anais do ISUF – XIV International Seminar on Urban
Form. Ouro Preto, ago. 2007. ISBN 978-85-98261-03-4. Revisão do texto em português de Maria
Angela Viola.

2
REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo: vila, cidade, metrópole. São Paulo, Bankboston/PMSP,
2004.

3
Idem, ibidem.

4
VILLAÇA, Flavio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel / Lincoln Institute, 2001.

5
PORTO, Rubens. "O problema das casas operárias e os Institutos e Caixas de Pensões”. Rio de
Janeiro, s/e, 1938. Apud BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo,
Estação Liberdade, 1998.

6
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo, Estação Liberdade, 1998.
Paraisópolis; Pantanal; Rua Verbo Divino; Analia Franco,
respectivamente: quatro exemplos das transformações em curso
7 na paisagem urbana da cidade de São Paulo. Fonte: MEYER, R.
Cf. SILVA, Ricardo Toledo. “A conectividade das redes de infra-estrutura e o espaço urbano de M. P. Org.
São Paulo”. In: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. (Org.). O futuro das metrópoles: desigualdades e
governabilidade. 1 ed. Rio de Janeiro, Revan, 2000, p. 407-432.

8
BONDUKI, Nabil. Op. cit.

9
Idem, ibidem.

10
Cf. SOMEKH. Nádia. “São Paulo anos 30: verticalização e legislação urbanística”. Espaço &
Debates, Revista de Estudos Regionais e Urbanos, n. 40. São Paulo, ano XVII, NERU, 1997.
Apud ANELLI, Renato; GUERRA, Abílio; KON, Nelson. Rino Levi – arquitetura e cidade. São

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Paulo, Romano Guerra editora, 2001, p. 46.

11
IMBRONITO, Maria Isabel. Três edifícios para a Formaespaço: Modulares, Gemini e Protótipo.
Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2003.

12
Trecho da entrevista do arquiteto Fabio Penteado a Maria Isabel Imbronito. Ver IMBRONITO,
Maria Isabel. Op. cit.

13
VILARIÑO, Maria do Carmo. Habitação verticalizada na cidade de São Paulo dos anos 30 aos
anos 80. Investigação acerca da contribuição dos Arquitetos Modernos ao Tema. Estudo de Caso.
Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2000.

14
MEYER, Regina Maria Prosperi; GROSTEIN, Marta Dora; BIDERMAN, Ciro (Org.). São Paulo
Metrópole. São Paulo, Edusp / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.

15
Idem, ibidem.

Favela Pantanal, trechos de urbanização. Fonte: Acervo


Superintendência Gestão de Favelas – CDHU

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