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“A Grande Serpente que fertilizou os ovos no início de tudo, não pode ser
nomeada porque o tempo não pode ser verdadeiramente contido, fixado ou rotulado.”
Quando o Viajante surgiu nos Reinos de Faraó, foi levado para conhecer a tamanha
opulência que havia tomado o início da Civilização. Dinastia pós Dinastia se
assegurou que o Reino e sua extensão fosse perpetuada da forma mais suntuosa do
que seus antepassados. E seria cada vez mais grandiosa com os herdeiros dos
herdeiros.
Thot não se incomodava com visitas, desde que soubesse que não era perda de seu
precioso tempo. Dava preferência àqueles que pudessem mostrar-lhe coisas novas
ou formular paradigmas difíceis de serem decifrados.
A curiosidade começou quando não sabia nada a respeito do forasteiro que se dizia
um Viajante e que pediu tão elegantemente uma audiência consigo. Sua onisciência
nada dizia, e sua intuição havia ficado muda.
Três batidas se fizeram audíveis no Templo de Toth. E ele sabia que a hora tinha
chegado. Observou a biblioteca magistral que tomava a maior parte de seu domínio.
Sentiu o gosto da incerteza com certo amargor na boca e em seu âmago teve medo
por sua reputação inabalável.
- Bom Dia, Celeste Thot! Venho em paz, cansado pela viagem e renovado por
conhecer tão maravilhoso reduto. – disse o Viajante, adentrando a sala preparada
do banquete ímpar.
A cabeça do Ibis se moveu em direção ao forasteiro e seus olhos não puderam dizer
absolutamente nada. O bico longilineo abriu-se e fez soar um grunhido rouco.
- Seja bem vindo, Viajante. Sente-se e partilhe minha refeição e suas histórias. A
que devo essa visita? – Thot grasnou de forma eloquente, ocultando em sua voz a
curiosidade desemedida.
Thot sentiu-se lisonjeado e um pouco orgulhoso. Cada vez mais curioso do Viajante
entender aspectos seus que mortais jamais comentaram e que muitos de seus
irmãos jamais perceberam. Comeu um pouco, limpou o bico e cruzou as pernas.
- O tempo não é linear, é circular. Então essa conversa poderia ocorrer em qualquer
parte de nossas historias. O que o tempo é para ti, Mestre Thot? – as palavras
moderadas seguiram-se de mais um copo de água refrescante.
- Para mim, o tempo é Inevitável. Um fluxo sem início, meio ou fim. – respondeu de
forma a ser entendido.
O Viajante levantou e tomou seu último copo de água. Reverenciou o Deus Ibis e
começou a ir embora. Thot ficou ainda mais surpreso e incrédulo com aquela
situação. Imaginou o que poderia ter acontecido.
- Mas, por que parte? Sem nem terminar a conversa ou partilhar suas histórias. –
indagou o Deus Ibis começando a se sentir desrespeitado.
O Viajante hesitou e virou-se. Abriu o manto e a luz que se fez era chegante até
mesmo para o Guardião do Cosmo como Thot.
- O que mais eu posso contar? Estivemos sempre juntos, sem início, meio ou fim.
Sabe quando eu nasci, cresci e morri para renascer em mim mesmo. Assim como
tua consciência não consegue me entender porque eu apenas sou, inevitável. – O
viajante fechou o manto e partiu.
O Deus Ibis chorou ao ser tocado pelo tempo, se reconheceu naquilo tudo e
entendeu. Quanto mais tempo passamos tentando entender o tempo e suas ações,
menos aproveitamos o próprio tempo. Percorremos a história para entender seu
início, de onde viemos e para onde iremos, sem entender a jornada e a extensão
daquilo que somos perante o tempo.
A humanidade é o que é. Nem mais, nem menos. Apenas é. Sempre esteve e sempre
estará, até o momento que o fluxo faça o retorno ao uno e comece tudo de novo, de
outra forma.