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Universidade Federal de Pernambuco

Departamento de Fı́sica – CCEN

Fı́sica Experimental 1

Apostila 3: Métodos gráficos

Resumo

O gráfico é uma ferramenta poderosa para descobrir como quantidades medidas se relaci-
onam umas com as outras. Ao se variar controladamente uma quantidade e se medir outra,
queremos determinar se existe alguma função que conecte ambas. A função pode advir de algum
modelo teórico, ou ser até mesmo completamente determinada pelo experimento. Revisamos
aqui algumas técnicas para determinar a melhor relação funcional entre quantidades medidas.

Sumário

1 Relação linear 2

1.1 O lado humanı́stico da reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

1.2 Encontrando retas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

2 Escala logarı́tmica 4

2.1 Lei de potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2.2 Exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

3 Ajuste linear por mı́nimos quadrados 6

3.1 Desvio quadrático médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

3.2 Mı́nimos quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3.3 Qualidade do ajuste linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3.4 Propagação de incerteza entre eixos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

4 Papéis monolog e dilog 12

4.1 Interpretando gráficos log . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14


Fı́sica Experimental 1

1 Relação linear

As relações mais simples que podem existir entre duas quantidades medidas são, por um lado,
a proporcionalidade e, por outro, um desvio constante. Juntando essas duas possibilidades, obte-
mos uma relação linear, representada num gráfico pela figura geométrica da reta. Sua expressão
funcional é da forma
y = A · x + B, (1)
em que x e y são as quantidades medidas e A e B são constantes que dependem do fenômeno fı́sico
sob investigação, chamadas respectivamente de coeficiente angular e coeficiente linear da reta.

A ideia das técnicas de ajuste linear aos dados experimentais é encontrar os coeficientes A e
B que melhor representem a relação entre as grandezas x e y dentro da incerteza, bem como os
intervalos de confiança desses coeficientes.

1.1 O lado humanı́stico da reta

Por ser a mais simples possı́vel, encontrar uma relação linear entre duas quantidades medidas é o
sonho de todo bom experimentador. Mas por que a reta? Simplesmente porque nossa cognição está
bem preparada para analisar visualmente retas.

Esse pode parecer um argumento fraco a ouvidos não treinados, mas a verdade é que é extre-
mamente perspicaz. Pois em última instância é sempre um ser humano que analisa o sentido dos
dados, e portanto as ferramentas que permitem embasar conclusões sobre relações entre grandezas
experimentais devem estar adaptadas a nosso uso.

E a reta é uma das funções mais fáceis de se julgar visualmente1 . Com a exceção de contextos
muito especı́ficos (embora importantı́ssimos), não somos bons em julgar a qualidade de curvas.

Se você não acredita nisso, faça um pequeno exercı́cio de convencimento analisando a Fig. 1. Não
vale fazer conta nem vale pensar, estamos falando aqui da identificação visual da forma geométrica!
Você pensa para identificar uma árvore? É a mesma coisa.

Aponte a curva x3 . Difı́cil? Vamos para algo mais fácil então, ache a parábola x2 . Ainda
difı́cil? Bem, encontre a exponencial. Ooops, também não conseguiu? A hipérbole, então... Pois é,
curvaturas são todas mais ou menos parecidas, não é mesmo? Ache agora a reta. Você deve tê-la
encontrado facilmente.

Mas nem todas as relações entre observáveis fı́sicos são lineares, como bem sabemos. Funções
polinomiais, exponenciais, harmônicas (senos e cossenos) e mesmo sem nome especial podem re-
presentar a relação procurada. Atualmente, existem ferramentas numéricas que permitem ajustar
1
O cı́rculo, que tem que ver com funções harmônicas, também é uma figura geométrica facilmente reconhecı́vel por
seres humanos. Por isso também existem ferramentas para analisar se a relação entre dados fornece cı́rculos ou desvios
de cı́rculos, nas figuras de Lissajous.

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Métodos gráficos

Figura 1: No gráfico acima, existem dois polinômios (de segunda e de terceira ordem), uma expo-
nencial, uma hipérbole e uma reta. Quais você consegue identificar visualmente?

facilmente dados experimentais a qualquer função. O que ocorre é que alguns ajustes serão fáceis
de interpretar fisicamente e outros, nem tanto. Como é difı́cil julgar a qualidade de qualquer ajuste
que não seja uma reta para seres que só conseguem identificar retas, vamos sempre buscar encontrar
retas onde nenhuma pessoa sem treinamento as veria.

1.2 Encontrando retas

Bons experimentadores não esperam que retas ‘caiam do céu’. Se as retas não aparecerem,
forçaremos seu aparecimento. Podemos dizer que buscaremos ‘endireitar’ curvas sempre que possı́vel.

A forma mais simples de se endireitar curvas é mudar de variáveis (i.e., ‘curvamos o papel’). Você
viu um exemplo disso na experiência do pêndulo simples. Segundo o modelo teórico, o perı́odo do
pêndulo é esperado variar com a raiz quadrada de seu comprimento, da forma
2π 1
τ = √ L2 . (2)
g

Claramente, a relação entre as quantidades medidas τ e L não é linear.


1
Mas se mudarmos para as variáveis τ = y e L 2 = x, construı́mos uma relação linear da forma

y = A · x + B, em que A = √ e B = 0. (3)
g

Assim, verificar a relação linear entre x e y é o mesmo que checar a lei de potência entre τ e L.

Mas como saber qual é a mudança de variáveis correta que transforma a relação desconhecida
entre duas quantidades numa reta? Em princı́pio, essa resposta é dada por um modelo teórico, como

3
Fı́sica Experimental 1

no exemplo acima. Achar a reta procurada nesse caso valida o modelo. Na ausência de modelo,
poderı́amos tentar adivinhar a transformação correta por inspeção visual da curva experimental.

Como você viu na figura 1, isso é bem difı́cil, e acaba virando na prática um método de tentativa
e erro. Embora o mesmo seja perfeitamente aplicável, existem formas melhores de se descobrir a
dependência procurada, em especial quando se trata de dependências tipo exponencial ou lei de
potência com expoentes reais.

2 Escala logarı́tmica

2.1 Lei de potência

Existe uma troca de variáveis especial que favorece um tipo de relação chamada lei de potência,
dada por uma função da forma
y = β xα , (4)
em que α e β são números reais. Note que essa expressão inclui o caso particular da Eq. (2), com

α = 1/2 e β = 2π/ g, assim como monômios e seus inversos.

Se tomarmos o logaritmo da expressão acima2 , obtemos diretamente

log y = α log x + log β, (5)

em que utilizamos as propriedades log(rs) = log r + log s e log(rs ) = s log r, válidas para quaisquer
números reais r e s.

Portanto, a troca de variáveis 


 X = log x
(6)
 Y = log y

nos permite escrever a lei de potência da Eq. (4) como



 A = α,
Y = A · X + B, em que (7)
 B = log β.

Essa troca de variáveis transforma a lei de potência das quantidades medidas numa relação linear
para seus logaritmos. A potência α que relaciona as variáveis se torna o coeficiente angular A da
reta, e a constante multiplicativa β, seu coeficiente linear B.

Isso permite novamente utilizar inspeção visual para investigar se a relação entre as quantidades
medidas é bem descrita por uma lei de potência.
2
Trabalharemos sempre com logaritmos na base 10, por causa da convenção utilizada nos papéis ‘log’.

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Métodos gráficos

Figura 2: Curvas da figura 1 com a mudança de variáveis X = log x e Y = log y da Eq. (6). Você
consegue dizer agora quais curvas da figura 1 são leis de potência? Quanto valem seus expoentes?

2.2 Exponencial

Outra relação muito encontrada na natureza é dada pela função exponencial,

y = β eα x , (8)

em que α e β são constantes reais representando respectivamente a escala tı́pica de variação da


exponencial e o valor inicial da função (valor de y em x = 0). Assim, α possui a dimensão inversa
de x, enquanto β possui a mesma dimensão de y.

Tomando o logaritmo da equação acima, obtemos a relação

log y = (α log e) x + log β, (9)

que também pode ser entendida como uma relação linear entre as variáveis x e Y = log y. Nesse
caso, obtemos para a reta a expressão


 A = α log e,
Y = A · x + B, em que (10)
 B = log β,

que transforma a exponencial numa relação linear na nova variável.

Nesse caso, a constante α da exponencial se torna proporcional ao coeficiente angular A da reta,


enquanto o valor inicial β dá origem a seu coeficiente linear B.

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Fı́sica Experimental 1

Figura 3: Curvas da figura 1 nas variáveis x e Y = log y da Eq. (9). Você consegue agora identificar
a exponencial da figura 1? Quanto vale sua constante de decaimento?

3 Ajuste linear por mı́nimos quadrados

Métodos de ajuste buscam em geral determinar a melhor função matemática a descrever a relação
entre dados experimentais.

O uso desses métodos começa pela hipótese básica de que existe uma relação contı́nua e unı́voca
entre dados de uma grandeza e dados da outra, ainda que apenas numa região restrita de parâmetros.
Os dados experimentais são amostras dessa função ideal. Quanto maior o número de dados e maior
o intervalo disponı́vel, melhor a reconstrução dessa relação.

Para determinarmos a melhor função, precisamos primeiro definir melhor. A ideia de melhor
passa pela definição de um quantificador de qualidade.

Além disso, precisamos escolher já de inı́cio a forma aproximada da função. Trataremos nesta
seção apenas de funções lineares, ou seja, retas. Como vimos, o ajuste de retas permite ajustar
também leis de potência e exponenciais, por troca de variáveis.

3.1 Desvio quadrático médio

Dados são conjuntos de pares ordenados de medidas {xn , yn }, com n = 1, 2, . . . N . Queremos


encontrar a reta
y(x) = A · x + B, (11)

que melhor se ajuste aos dados obtidos (note que x e y podem ter sido obtidos por alguma substituição
de variáveis, caso em que podem ser dados e.g. pelos logaritmos de valores medidos).

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Métodos gráficos

Para tanto, precisamos nos resignar primeiro ao fato de que a relação linear observada em qualquer
experimento não é uma relação perfeita, e que portanto é quase impossı́vel encontrar uma reta que
passe por todos os dados de um conjunto com mais de dois pontos.

Isso ocorre porque medidas possuem flutuações e incertezas, existindo uma dispersão natural nos
valores obtidos: pragmaticamente, a melhor reta será sempre aquela que erra menos.

Precisamos nesse cenário realista definir o que significa errar menos. Precisamos de uma quan-
tidade que nos forneça o desvio da reta com relação ao conjunto de dados, e nos contentar em
minimizar esse desvio. A reta a minimizá-lo será a melhor reta possı́vel (ou ‘menos ruim’, para os
pessimistas) dentro do conjunto de dados disponı́vel.

Para cada medida n, esse desvio é quantificado pelo resı́duo δyn , definido como
δyn = yn − y(xn ). (12)
O resı́duo nos fornece o quão distante uma reta escolhida passa de cada dado yn .

No entanto, o resı́duo δyn pode ser tanto positivo quanto negativo, e portanto não possui mı́nimo.
Precisamos então encontrar a reta que minimize os tamanhos dos resı́duos de todas as medidas ao
mesmo tempo.

Uma forma de definir uma quantidade positiva simples, que seja suave (ao contrário da função
módulo) e que possua significado mais profundo em distribuições de probabilidade é tomar o quadrado
de δyn . Definimos, assim, o resı́duo quadrático pela expressão
(δyn )2 = [yn − y(xn )]2 . (13)

Para avaliarmos a qualidade da reta com relação a todos os dados, somamos os resı́duos quadráticos
para obter sua variância, denotada como σy , da forma
N
X [yn − y(xn )]2
σy2 = h(δy)2 i = . (14)
n=1
N

Segundo a Eq. (11), no ponto xn a reta com parâmetros quaisquer A e B possui valor y(xn ) =
Axn + B. Com essa substituição, a equação acima se torna
N
X (yn − Axn − B)2
σy2 = . (15)
n=1
N
Em outras palavras, a quantidade a ser minimizada é a variância das distâncias δyn entre yn medido
e o valor y(xn ) da reta no ponto xn correspondente.

3.2 Mı́nimos quadrados

O processo de minimização que buscamos implica que variações infinitesimais na posição da reta
no gráfico não devem mudar a variância dos resı́duos σy2 . Em outras palavras, queremos obter os

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Fı́sica Experimental 1

valores de A e B que minimizem σy2 (veja a formulação formal do problema abaixo).

A posição da reta é função dos coeficientes A e B que queremos determinar. Com isso, reinter-
pretando a Eq. (15) como uma função de variáveis A0 e B 0 , para deixar a reta ‘solta’, na forma

σy2 = f (A0 , B 0 ), (16)

queremos encontrar os valores A0 = A e B 0 = B para os quais f é mı́nima, ou seja, f (A, B) = min(f ).

Variação nula em primeira ordem significa derivadas parciais primeiras nulas nessas duas variáveis.
Portanto, queremos encontrar o ponto (A, B) que satisfaça às condições

∂f ∂f
=0 e = 0. (17)
∂A0 A0 =A ∂B 0 B 0 =B

A primeira condição nos fornece, com o auxı́lio da Eq. (15),


∂f X 2 X
2
X X
= (Ax n + B − y n )x n = 0 =⇒ A x n + B x n − xn yn = 0. (18)
∂A0 n
N n n n

De maneira análoga, a segunda condição fornece


∂f X 2 X X X
= (Axn + B − yn ) = 0 =⇒ A xn + B 1− yn = 0. (19)
∂B 0 n
N n n n

Para encontrar A e B, precisamos apenas resolver o sistema de equações acima. Para facilitar a
notação, definimos constantes, dependentes apenas de valores medidos, como
X X X X
s x2 = x2n , sx = xn , sy = yn , e sxy = xn yn . (20)
n n n n
P
Notando que n 1 = N , o sistema de equações se torna

 sx2 A + sx B = sxy
. (21)
 s A + NB = s
x y

A solução é facilmente encontrada como


N sxy − sx sy sx2 sy − sx sxy
A= , B= , em que ∆ = N sx2 − s2x . (22)
∆ ∆
Algo não muito elucidativo, é verdade, mas simples de calcular3 . Suas incertezas se escrevem em
termos da incerteza das medidas de y σ (igual para todas as medidas), como
r r
N s x2
σA = σ, σB = σ. (23)
∆ ∆

O mesmo raciocı́nio pode ser utilizado para ajustar aos dados um polinômio qualquer.
3
A expressão se torna mais simples nas variáveis Sxx = n (xn − hxi)2 , Syy = n (yn − hyi)2 e Sxy = n (xn −
P P P

hxi)(yn − hyi). Veja http://mathworld.wolfram.com/LeastSquaresFitting.html.

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Métodos gráficos

Ajuste linear em dados com incerteza inomogênea

Nem sempre a incerteza de todos os dados é a mesma. Na situação em que ela varia entre
medidas, é preciso ‘pesar’ o resı́duo com o inverso da incerteza do valor medido. Esse procedimento
visa aumentar no ajuste a contribuição relativa de dados mais precisos.

Nesse caso, os coeficientes da reta são calculados pelas relações

s0σ s0xy − s0x s0y s0x2 s0y − s0x s0xy


A= , B= , (24)
∆0 ∆0
em que
X 1 X x2 X xn X yn X xn y n
s0σ = , s0x2 = n
, s0x = , s0y = , s0xy = ,
n
σn2 n
σn2 n
2
σn n
σn2 n
σn2
∆0 = s0σ s0x2 − s0x 2 . (25)

As incertezas em A e B são
r r
s0σ s0x2
σA = e σB = . (26)
∆0 ∆0

Essas expressões se reduzem às Eqs. (22) e (23) para incertezas iguais (verifique!).

3.3 Qualidade do ajuste linear

Existem ferramentas de análise mais precisas do que a inspeção visual para se julgar a qualidade
de um ajuste. Se a relação correta entre as duas quantidades medidas for de fato linear, é de se
esperar que os dados flutuem aleatoriamente em torno da melhor reta ajustada.

Por argumentos estatı́sticos, esperamos obter uma grande parte dos dados nas imediações da
reta, uma pequena parte um pouco distante, e uma pequenı́ssima parte muito distante. Você já sabe
aonde isso vai: se a flutuação for aleatória, a distribuição de resı́duos deve seguir uma gaussiana.

Além disso, se o ajuste for de boa qualidade, a escala dos resı́duos (ou seja, aquilo que determina
se o ponto está ‘perto’ ou ‘longe’ da reta ajustada) deve ser compatı́vel com a incerteza dos dados.

A figura 4 ilustra o ajuste de reta a um conjunto de mil dados. Conforme vemos à esquerda, os
dados flutuam aleatoriamente em torno da reta, mostrando se tratar visualmente de um bom ajuste.

O gráfico central da figura mostra os resı́duos como função de xn . Esse gráfico é obtido sim-
plesmente subtraindo-se o valor medido yn do valor assumido pela reta no ponto xn , isto é, δyn =
yn − y(xn ) [Eq. (12)]. Os resı́duos flutuam aleatoriamente em torno do valor nulo, fornecendo-nos
um indicador quantitativo da qualidade do ajuste.

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Fı́sica Experimental 1

Figura 4: Esquerda: conjunto de dados (pontos) com melhor reta ajustada (linha contı́nua). Centro:
resı́duos. Direita: histograma dos resı́duos.

Isso fica mais claro na curva à direita, na qual vemos o histograma dos resı́duos. Para um bom
ajuste, essa curva deve ser uma gaussiana centrada no zero e com desvio padrão aproximadamente
igual à incerteza tı́pica σ de medida de cada ponto.

De forma geral, a incerteza de medida deve ser compatı́vel com a flutuação dos dados em torno
da função ajustada: o histograma dos resı́duos deve refletir a incerteza.

Assim, no exemplo da Fig. 4, contendo mil medidas, podemos esperar com maior probabilidade
que 683 ± 26 delas (i.e. 68,2% ± 2,6%) estejam a uma distância menor que 1σ da reta ajustada,
955 ± 31 (ou 95,5% ± 3,1%) a uma distância menor que 2σ, e que apenas 3 ± 2 (0,3% ± 0,2%) delas
estejam a uma distância maior que 3σ.

Figura 5: Esquerda: incerteza experimental subestimada. Centro: incerteza compatı́vel com ajuste.
Direita: incerteza superestimada.

A figura 5 ilustra um caso de ajuste linear a dez pontos experimentais. A diferença entre os três
gráficos é o valor adotado para a incerteza experimental, nesse caso tomada como a mesma para
todos os dados.

O gráfico à esquerda mostra a situação em que a incerteza é muito menor que a dispersão das
medidas em torno da reta ajustada. Apenas três medidas se encontram a menos de 1σ da reta (i.e.
30%, número ligeiramente abaixo dos esperados 68%±24%), e pelo menos três medidas se encontram
a mais de 3σ de distância, um número (30%) claramente exagerado (existem tantos pontos próximos
da reta quanto longe, em unidades de σ!). A reta de ajuste indica incerteza subestimada.

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Métodos gráficos

No meio, vemos a situação equilibrada em que as distâncias dos pontos experimentais à reta,
relativas a σ, são compatı́veis com a estatı́stica gaussiana. Metade dos dados toca a reta dentro da
incerteza, e nenhum se encontra a mais de 3σ de distância (o que é esperado para 10 dados). Esse é
um exemplo de um bom ajuste de dados com incerteza apropriada.

Mais à direita, nada menos do que todos os pontos experimentais tocam a reta dentro do intervalo
de 1σ. Esse caso corresponde à incerteza superestimada, pois a dispersão do conjunto de dados é
perceptivelmente menor que a incerteza de cada dado. Nesse caso, de forma equivalente, é correto
dizer que a melhor reta deve estar mal determinada (note que os pontos extremos são compatı́veis
entre si dentro de apenas 2σ!). A tendência do conjunto de fato indica uma relação linear, mas seria
desejável nesse caso obterem-se mais dados experimentais (e mais distantes).

3.4 Propagação de incerteza entre eixos

É comum que não apenas a quantidade medida yn , mas também xn , possua incerteza de medida.
Nesse caso, é preciso considerar essa fonte de erro na análise gráfica do ajuste.

A forma mais simples de lidar com a incerteza em xn é propagá-la para yn utilizando o próprio
ajuste linear como estimador. A ideia é quantificar o quanto a incerteza em xn , conforme projetada
pela reta de ajuste, influencia yn .

Figura 6: Propagação de incerteza de xn para yn utilizando a reta ajustada.

De acordo com a figura 6, a incerteza σy0 correspondente à projeção de σx é dada por

sin θ
σy0 = σx = σx tan θ. (27)
cos θ

Como tan θ é a derivada da reta ajustada y(x), segue que

dy
σy0 = σx . (28)
dx

Se as fontes de incerteza em xn e yn são independentes, podemos compô-las conforme a prescrição

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Fı́sica Experimental 1

usual para obter a incerteza total σy,T em yn como


q
σy,T = σy2 + σy20
s  2
dy
= σy2 + σx . (29)
dx

Essa expressão vale para qualquer função de ajuste (desde que a incerteza seja muito menor que
a escala de variação da função no ponto a que ela se refere). Para o caso da reta, obtemos
q
σy,T = σy2 + A2 σx2 . (30)

A incerteza total σy,T é aquela a ser utilizada no gráfico de xn versus yn em vez de σy . Caso
a incerteza varie muito entre dados diferentes, é preciso utilizar a relação acima para cada ponto
experimental.

4 Papéis monolog e dilog

Para transformar leis de potência e exponenciais em relações lineares, fizemos até aqui as trocas de
variáveis tomando explicitamente os logaritmos dos valores medidos para representá-los num gráfico
comum, i.e. com eixos graduados em escala linear.

De forma totalmente equivalente, é possı́vel já ‘preparar’ o eixo do gráfico em escala logarı́tmica
e representar os valores de medida nos pontos apropriados conforme indicados pelos eixos, sem a
necessidade de se realizar vários cálculos tediosos. É como deformar a superfı́cie do papel!

Com essa ideia de facilitar a conversão, foram criados os papéis dilog (ou log-log) e monolog,
que possuem eixos graduados em escala logarı́tmica na base 10. Basta ler os rótulos dos eixos e
representar o ponto experimental no valor correspondente. Por assim dizer, o eixo ‘tira o logaritmo’
para você de forma a representar o ponto no local correto do papel.

A figura 7 ilustra três possı́veis representações gráficas de uma função exponencial. À esquerda,
a função é representada num gráfico com escalas lineares, i.e. x versus y.

No gráfico do meio, fizemos a conversão da Eq. (10) explicitamente, calculando Y = log y e


colocando seu valor no mesmo tipo de gráfico linear do exemplo anterior. Representamos, portanto,
x versus Y em escalas lineares.

À direita, utilizamos um papel monolog na representação da mesma função exponencial. Em vez


de realizar contas tediosas, lemos diretamente nas escalas dos eixos os valores correspondentes a x
e y, e assim representamos novamente x versus y, porém dessa ver com um dos eixos com escala
alterada por construção pelo logaritmo.

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Métodos gráficos

Figura 7: Esquerda: função exponencial representada em gráfico comum, com eixos em escala linear.
Centro: mesma função no mesmo tipo de gráfico com a transformação da Eq. (9). Direita: função
exponencial representada em gráfico monolog.

Figura 8: Esquerda: parábola representada em gráfico comum, com eixos lineares. Centro: mesma
função com a transformação da Eq. (6). Direita: representação em gráfico dilog.

O mesmo vale para o papel dilog (Fig. 8), em que ambos os eixos são graduados em escala
logarı́tmica.

Note como o espaçamento entre pontos varia com a forma de se escalonar os eixos, se linear ou
logarı́tmica. Isso ocorre por causa da propriedade do logaritmo de que a multiplicação do valor por
uma constante implica na soma de uma constante a seu logaritmo.

Essa propriedade especial permite representar de forma compacta no gráfico grandes variações
(ordens de grandeza) das quantidades medidas.

No gráfico linear, o espaçamento entre pontos corresponde diretamente à diferença entre valores
medidos. Já no gráfico com escala log, o mesmo pedaço de papel é ocupado por cada década, isto
é, valores de 1 a 10 ocupam a mesma área do papel que valores entre 10 e 100, e assim por diante.

Para se obter separações iguais entre pontos medidos no papel log, é preciso realizar medidas a in-
tervalos obtidos pela multiplicação por uma constante. Por exemplo, um gráfico log com espaçamento
uniforme entre pontos seria obtido medindo-se y para x com valores escolhidos como na sequência
x0 , 2x0 , 4x0 etc, desde que y e x estejam relacionadas por uma lei de potência (gráfico dilog) ou
função exponencial (monolog).

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Fı́sica Experimental 1

4.1 Interpretando gráficos log

A escala logarı́tmica do gráfico log nos impede de empregar uma régua para medir diretamente
do gráfico diferenças de valores (uma vez que o papel foi ‘deformado’). É preciso nesse caso fazer
sempre uso da escala dos eixos, bastando ler o valor de cada ponto na escala.

Da mesma forma, o procedimento para determinar os parâmetros da reta ajustada visualmente


precisa passar pela conversão fornecida pela escala. Em gráficos monolog, o coeficiente linear da reta
é extraı́do estendendo-a até o eixo x = 0 e lendo-se diretamente o valor de interseção na escala. O
coeficiente B é o logaritmo desse número, como vimos. Em gráficos dilog, o mesmo procedimento é
realizado para o eixo x = 1.

Para o coeficiente angular, o melhor é escolher dois pontos distantes em que a reta encontre a
interseção entre linhas verticais e horizontais da grade logarı́tmica. Para esses pontos é possı́vel ler
facilmente seus valores x e y na escala. O coeficiente angular é calculado da forma usual, com o
cuidado de utilizar o logaritmo do valor lido quando necessário.

Este roteiro foi inicialmente elaborado por Erivaldo Montarroyos, sucessivamente reformulado
por Wilson Barros e Alessandro Villar e continuamente aprimorado pelos docentes responsáveis pela
disciplina em cada semestre.

Questões sobre o material didático devem ser endereçadas no momento à coordenação da disci-
plina, no e-mail fisicaexp1ufpe@gmail.com.

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