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por
John Wesley
1. Todas as bênçãos que Deus tem dado ao homem provêm da sua mera graça,
generosidade ou favor; favor totalmente imerecido: o homem não tem
nenhum direito à menor misericórdia divina. Foi a graça livre que formou o
homem do pó da terra e lhe soprou nas suas narinas o fôlego da vida e
imprimiu na alma a imagem de Deus e “pôs tudo sob seus pés”. (Gn 2,7; Sl
8,6).
2. A mesma graça livre nos concede hoje vida, respiração e tudo mais, pois
não há nada que somos ou temos ou fazemos que não provenha da mão de
Deus. “Todas as nossas obras, tu, oh Deus as fazes por nós” (At 17,25). Assim,
elas são tantas outras manifestações de livre misericórdia, e toda justiça
encontrada no homem, será também uma dádiva de Deus.
3. Então, como o pecador fará expiação pelo menor de seus pecados? Com
suas próprias obras? Não ainda que estas sejam muitas ou sejam santas, não
provêm dele, mas senão de Deus. Na verdade, todas são ímpias e
pecaminosas, por si mesmas; portanto, todos carecem de uma nova expiação.
Só frutos maus nascem de uma árvore corrupta. Como o coração do homem é
totalmente corrupto e abominável, ele “carece da glória de Deus”, daquela
gloriosa justiça primitiva expressa na sua alma, segundo a imagem de seu
grande Criador. Assim, nada tendo, nem justiça nem obras para reivindicar,
sua boca totalmente se cala perante Deus.
Agora, pois para não estarmos privados da graça de Deus, convém inquirir
cuidadosamente:
3. Em terceiro lugar, a fé por meio de que somos salvos, no sentido que será
explicado mais adiante, não é apenas aquela que os apóstolos tinham quando
Cristo estava ainda no mundo. Embora crer a ponto de “deixar tudo e segui-
lo” e quanto tivessem o poder de operar milagres, “a curar toda a espécie de
doenças e enfermidades”, tinham “poder e autoridade sobre todos os
demônios” e o que mais foram enviados pelo seu Mestre para “pregar o Reino
de Deus”. No entanto, depois de realizadas todas essas proezas, o próprio
Senhor deles os chama de “geração incrédula”. Ele lhes diz que “não podiam
expelir um demônio por causa da sua incredulidade”. Mais tarde, supondo já
terem uma medida da fé, eles lhe pediram: “aumenta a nossa fé”. No
entanto, ele lhe diz claramente que não possuíam nada dessa fé, nem fé como
a de um grão de mostarda. “Respondeu-lhes o Senhor: se tiverdes fé como um
grão de mostarda, direis a esta amoreira: arranca-te e transplanta-te no amor
e ela vós obedecerá”.
Primeiramente, qualquer coisa mais que lhe esteja implícito, trata-se de uma
salvação presente. É algo atingível, sim, na terra por aqueles que participam
dessa fé. Assim, o apóstolo fala aos crentes de Éfeso, e por eles aos crentes
de todos os tempos: “sereis (embora isso também seja verdadeiro), mas ele
diz, “sois salvos mediante a fé”.
Sois salvos (para abarcar tudo numa só palavra) do pecado. Esta é a salvação
mediante a fé: e aquela grande salvação predita pelo anjo, antes de Deus
trazer ao mundo seu primogênito: “Tu o chamarás com o nome de Jesus, pois
ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Nem aqui, nem em outra parte do
Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo o seu povo, ou
como se diz em outros lugares, “todos o que nele crêem”, ele salvará de
todos os seus pecados, do pecado original e atual, do pecado passado e
presente, da carne e do espírito. Mediante a fé nele, são salvos tanto da culpa
quanto do poder do pecado.
Ainda mais: mediante essa fé, são salvos do poder do pecado, bem como da
culpa dele. Assim, o apóstolo declara: “Sabeis que ele se manifestou para
tirar os pecados e nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele
não peca”. Também, “filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém. Aquele
que pratica o pecado procede do diabo”. “Todo aquele que crê é nascido de
Deus” e “todo aquele que é nascido de Deus não peca, pois o que permanece
nele é a divina semente; ora esse não pode pecar, porque é nascido de Deus”.
Também: “nós sabemos que todo o que nasceu de Deus não peca; o que foi
gerado por Deus o guarda e o maligno não o pode atingir”.
Aquele que, pela fé, nasce de Deus, não peca, (1) por qualquer pecado
habitual, pois todo o pecado habitual é pecado dominante, mas o pecado não
pode dominar a qualquer um que creia; nem (2) por pecado intencional, pois
sua vontade, enquanto ele permanece na fé, está absolutamente contrária a
todo pecado e o odeia como veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo
pecaminoso, porque ele deseja continuamente a santa e perfeita vontade de
Deus; portanto, qualquer tendência a um desejo impuro a ele sufoca pela
graça de Deus; também (4) ele não peca por fraquezas, quer em ato, palavra
ou pensamento, pois suas fraquezas não são apoiadas pela sua vontade; e,
sem isso, não são, propriamente, pecados. Assim, “todo aquele que nasceu de
Deus não peca” e, embora não possa dizer que não tenha pecado, “ele não
peca”.
Pode ser útil, porém, examinar essa objeção mais a fundo, especialmente, por
não ser nova, mas antes, tão velha como a época de São Paulo, pois, então,
perguntou-se: “Anulamos a lei pela fé?”. Respondemos, primeiramente, que
todos os que não pregam fé anulam a lei. Fazem-no direta e grosseiramente,
por limitações e comentários que corroem todo o espírito do texto, ou
indiretamente, por não apontar o único meio pelo qual é possível cumprir a
lei. Em segundo lugar, confirmamos a lei, tanto por mostrar a sua plena
extensão e sentido espiritual, quanto por chamar a todos para aquele caminho
da vida, “a fim de que a justiça da lei seja cumprida neles”. Estes, enquanto
confiam somente no sangue de Cristo, usam todas as ordenanças que se
estabeleceu; praticam todas as ”boas obras que ele de antemão preparou
para que andássemos nelas” e gozam e manifestam todos os sentimentos
santos e celestiais, ou seja, o “sentimento que houve em Cristo Jesus”.
Muitos são os exemplos no livro de Atos dos Apóstolos em que Deus produz
essa fé nos corações humanos tão rapidamente como um relâmpago que cai
do céu. Assim, na mesma hora que Paulo e Silas começaram a pregar, o
carcereiro se arrependeu, creu e foi batizado. Como também os foram os três
mil, por São Pedro, no dia de Pentecostes. Todos os quais tendo se
arrependido e crido à sua pregação. Graças a Deus, hoje ainda existem muitas
provas vivas que Deus ainda é “poderoso para salvar”.
A mesma verdade sobre uma outra ótica, uma objeção contrária é levantada:
“Se alguém não pode ser salvo por todos os seus atos, isso o levará ao
desespero”. É verdade, isso o levará ao desespero de ser salvo pelas próprias
obras, méritos ou justiça. E deve fazê-lo, pois ninguém poderá confiar nos
méritos de Cristo, sem que totalmente renuncie os seus próprios. Aquele que
“procura estabelecer a sua própria justiça” não pode receber a justiça de
Deus. A justiça que é pela fé não lhe pode ser dada enquanto confiar na
justiça que vem da lei.
Essa, dizem, é uma doutrina desoladora. O diabo falou consigo mesmo, isto é,
sem verdade nem vergonha, quando ousou sugerir aos homens que assim é.
Essa é a única doutrina que conforta, são “cheias de conforto” para todos os
pecadores autodestruídos e autocondenados. “Aquele que nele crê não será
confundido” e “o mesmo Senhor de todos é rico para com todos os que o
invocam”. Eis aí o conforto alto como os céus, mais forte que a morte! Como?
Misericórdia para com todos? Para Zaqueu, um ladrão notório? Para Maria
Madalena, uma meretriz? Parece-me que ouço alguém dizendo: “Nesse caso,
eu, mesmo eu, posso esperar misericórdia!” E você pode mesmo, aflito, a
quem ninguém confortou. Deus não rejeitará sua oração. Pelo contrário, já na
próxima hora, pode ser que ele diga: “Tenha bom ânimo. Estão perdoados os
teus pecados”. Perdoados de tal forma que nunca mais o dominarão. E “o
Espírito Santo testificará com o seu espírito que você é filho de Deus”. Boa
nova! Boa nova de grande alegria enviada a todo o povo! “Todos vós que
tendes sede, vinde às águas, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço”. Não
importa de que natureza seja seus pecados, “embora vermelhos como
carmesim”, ainda que sejam “mais que os seus cabelos”, “volte-se para o
Senhor que se compadecerá de ti e ao nosso Deus porque é rico em perdoar”.
Agora, especialmente, falaremos que “pela graça sois salvos, mediante a fé”,
porque a afirmação dessa doutrina nunca foi mais oportuna que no presente.
Nada pode efetivamente evitar o aumento do engano romanista entre nós.
Atacar, um a um, todos os erros daquela Igreja não terá fim. Mas a salvação
pela fé corta pela raiz, e todos eles caem de uma vez onde ela é
estabelecida. Foi essa doutrina que nossa Igreja corretamente chamou de
rocha forte e fundamento da religião cristã que primeiro expulsou o papismo
desses reinos e só ela pode mantê-lo fora. Só isso pode controlar aquela
imoralidade que inundou a terra como uma enchente. Você pode esvaziar o
grande mar, gota a gota? Você pode, então, reformar por advertência contra
vícios particulares. Venha, porém, “a justiça de Deus mediante a fé” e assim
suas ondas orgulhosas serão detidas. Só isso pode silenciar aqueles “que se
gloriam na sua infâmia” e “renegam abertamente o Senhor que os resgatou”.
Podem falar tão sublimemente da lei, como aquele que a tem escrita por Deus
no coração. Ouvir-lhes falar desse assunto poderia inclinar alguém a pensar
que não estão longe do Reino de Deus. Contudo, tire-os da lei para o
evangelho; comece com a justiça da fé, com Cristo “o fim da lei de todo o
que crê”, e aqueles que momentos antes pareciam ser quase, se não
inteiramente cristãos, são revelados como filhos da perdição, tão distantes da
vida e da salvação (que Deus tenha misericórdia deles) como o abismo do
inferno das alturas do céu.
Agora, graças a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor
Jesus Cristo a quem o Pai e o Espírito Santo, seja benção, a glória, a
sabedoria, as ações de graça, a honra, o poder e a força para sempre. Amém.