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constitucionalidade
Sumário
1. Introdução. 2. O acaso levou John Mar-
shall a ocupar a presidência da Suprema Corte
dos Estados Unidos. 3. O silêncio da Constitui-
ção da Filadélfia quanto à judicial review. Notí-
cias do Consistorio do Reino de Aragão. Edward
Coke e o Bonham’s Case. Precedentes estaduais
do controle de constitucionalidade de leis nos
Estados Unidos. O Paper n. 78 de O Federalista. 4.
O Marbury Case. Temor dos federalistas da Su-
prema Corte em relação aos partidários de
Thomas Jefferson. A construção do postulado de
Marshall. Impeachment de Samuel Chase. 5. O
reconhecimento, na época, do papel de John
Marshall para o constitucionalismo norte-ame-
ricano: John Quincy Adams, Joseph Story e
Édouard de Laboulaye. 6. Repercussão do con-
trole da constitucionalidade na Constituição
republicana brasileira de 1891. Observações
de dois constituintes: Ruy Barbosa e Amaro
Cavalcanti. 7. Conclusão.
1.Introdução
O objetivo do artigo é ressaltar a impor-
tância de John Marshall tanto na consoli-
dação da Federação americana quanto nos
fundamentos do constitucionalismo. O ar-
tigo analisa os precedentes, judiciais e dou-
trinário, do caso Marbury v. Madison.
A natureza, mãe de todos nós, tem lá seus
caprichos, suas preferências. Há pessoas
que se acham no lugar certo, na hora exata.
Jamais figurariam nas páginas da História
se não estivessem, naquele momento, naque-
Adhemar Ferreira Maciel é Ministro apo- le lugar. Os exemplos são muitos, dispen-
sentado do Superior Tribunal de Justiça. sando menção a acontecimentos concretos.
Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006 37
2. O acaso levou John Marshall a bro da Suprema Corte. Foi então que Adams
ocupar a presidência da Suprema resolveu acabar logo com o assunto: nomeou
Corte dos Estados Unidos John Marshall, com 45 anos de idade, para
a presidência da Suprema Corte dos Esta-
John Marshall (1755-1835) é um desses dos Unidos. Ninguém esperava a indicação,
acasos. De pouca escolaridade em leis, pois nem o próprio Marshall, como relatou mais
havia freqüentado ensino formal (College tarde em suas notas autobiográficas.
of William & Mary) por apenas 3 meses
3. O silêncio da Constituição da
(CUSHMAN, 1993, p. 62), tornou-se figura
central na criação da grande Nação norte- Filadélfia quanto à judicial review.
americana. Pode-se afirmar que os Estados Notícias do Consistorio do Reino de
Unidos não seriam, hoje, o que são se John Aragão. Edward Coke e o Bonham’s
Marshall, após a recusa de outros convida- Case. Precedentes estaduais do controle
dos para a presidência da Suprema Corte, de constitucionalidade de leis nos
não a tivesse ocupado por quase 35 anos. À Estados Unidos. O Paper n. 78 de O
evidência, não era um desconhecido qual- Federalista
quer quando foi convidado pelo presidente
John Adams (1735-1800), federalista como Quando se fala em constitucionalismo
ele. Era secretary of State. Não fazia muito, norte-americano, pensa-se, com toda justi-
participara de uma missão diplomática na ça, em John Marshall. O caso Marbury v.
França ao lado de figuras bem mais expres- Madison, julgado em 1803, correu e corre
sivas do que ele, como Charles Pinckney mundo. É um marco do constitucionalismo
(1757-1824) e Elbridge Gerry (1744-1813). universal, pois fixou as bases da judicial
Fora advogado bem sucedido na Virgínia e, review, ou seja, de o Judiciário poder rever
como deputado, ratificara (1788), por seu as leis ou os atos da administração pública.
Estado, a Constituição federal recém - ela- A Constituição da Filadélfia não se preo-
borada. Destacara-se, por outro lado, na ba- cupou em estabelecer diretriz insofismável
talha sangrenta de Valley Forge contra as for- quanto ao órgão ou poder competente para
ças inglesas. Mas nada disso bastaria não dirimir confronto entre uma lei ordinária e
fosse o acaso. Senão, vejamos: a própria Constituição. Não poderia ser o
John Jay (1745-1829), o primeiro presi- Congresso o intérprete final?1 Por que o Ju-
dente da Suprema Corte, que havia deixado diciário? Só porque era o “menos perigoso”
o cargo para ser governador de Nova York, dos três poderes? Laurence Tribe observa
fora novamente convidado para ocupar sua que Marshall pôs fim à “indeterminação
antiga cadeira na Suprema Corte, que ficara constitucional”, estabelecendo o postulado
vaga com a saída, por motivo de doença, do de que tocava aos juízes interpretar e apli-
chief Oliver Ellsworth (1745-1807). Jay sim- car a Constituição (TRIBE, 1988, p. 25). Daí
plesmente recusou. William Cushing (1732- falar-se em “assunção” (assumption) e não
1810), que já era juiz-membro (associate), tam- em mera “dedução” (deduction) ou “escólio”
bém havia recusado o convite do presidente (TRIBE, 1988, p. 26).
John Adams (CUSHMAN, 1993, p. 63). À evidência, o controle da constitucio-
Thomas Jefferson (1743-1826), futuro presi- nalidade das leis e dos atos da administra-
dente da República, estava de olho na vaga ção não é invenção norte-americana. Tem-
de Ellsworth, pois queria em seu lugar o se notícia de que no Reino de Aragão (Espa-
amigo Spencer Roane (1762-1822). O presi- nha), no século 13, já existia um arremedo
dente Adams, por outro lado, estava sofren- de jurisdição constitucional: uma corte, de-
do pressão para pôr no cargo William Pa- nominada Consistorio, presidida por um jus-
terson (1745-1806), que também já era mem- ticia mayor (veja a coincidência do título),
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