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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS


DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

O NÚMERO TC

GILBERTO REIS PERES

FLORIANÓPOLIS, FEVEREIRO DE 2003


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS
DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

O NÚMERO ir

GILBERTO REIS PERES


Trabalho de Conclusão de Curso,
orientado pelo professor Licio
Hernanes Bezerra

FLORIANÓPOLIS, FEVEREIRO DE 2003


3

Esta Monografia foi julgada adequada como TRABALHO DE CONCLUSÃO DE

CURSO no Curso de Matemática — Habilitação Licenciatura, e aprovada em sua

forma final pela Banca Examinadora designada pela Portaria n ° 13/SCG/03.

Prof Nereu Estanislau Burin

Professor da disciplina

Banca Examinadora:

Prof Licio Healayes Bezerra

Orientador

Prole. Carmem Suzane Comitre Gimenez

Prof Nereu Estanislau Burin


4

Este trabalho é dedicado a Professora Eliana

Farias e Soares, com imensa gratidão pelos

ensinamentos que não serão esquecidos.


5

Inúmeras pessoas estiveram ao meu lado no decorrer deste curso e durante a

elaboração deste trabalho. Com esta ajuda, obstáculos foram superados e a

caminhada tornou-se mais amena.

Agradeço por isto

a Isabel Cristina Menezes, amiga. companheira e esposa, pelo apoio,

paciência e compreensão em todos os momentos',

ao Professor Licio Bezerra, que assumiu a orientação deste trabalho, iniciado

sob a supervisão da Professora Eliana:

a Professora Carmem Gimenez, de quem ouvi pela primeira vez o - Problema

da Agulha de Buffon", que motivou o tema deste trabalho. Também pela

solicitude em fornecer livros e referências para a pesquisa;

a Marcia Bernal, companheira de estudos, pela revisão e digitação deste

trabalho;

secretária do Curso Silvia D'Avila e ao Professor Nereu Burin, pela

compreensão e empenho na resolução de questões administrativas.


6

SUMÁRIO

1. Introdução 8

2. Histórico lo

3. A Agulha de Buffon 14

4. A Irracionalidade de 7

5. Aproximações geométricas de 7 "4

5.1 0 Método de Arquimedes 14

5.2 Aproximação por polígonos regulares inscritos 79

6 Aproximações numéricas de 7r J

6.1 A série de Leibniz 32

6.2 A integral de y = 34

6.3 Uma prova da fórmula de Euler 37

7 Uma aplicação da fórmula de Euler 41

8 Números algébricos e transcendentes 44

9 Conclusão 47

Apêndice 1: Construções geométricas 48

Apêndice 2: A existência de números transcendentes

— A prova de Cantor 56

Apêndice 3: A existência de números transcendentes

— Números de Liouville 62

Referências bibliográficas 67
7

Resumo
O número 7t é aqui estudado. 0 valor da raAo constante entre o comprimento da
circunferência e seu diâmetro tem sido procurado através dos tempos. Aproximações
geométricas de 7, como a de Arquimedes, e aproximações numéricas de 7I, como a
de Leibniz e a de Euler, são objetos deste estudo. Demonstra-se a irracionalidade de
7. Sao feitas considerações sobre números algébricos e transcendentes, com as
provas de Cantor e de Liouville da existência de números transcendentes. Da
transcendência de rc resulta a impossibilidade de sua construção apenas com régua e
compasso, o que põe fim ao antigo problema grego da quadratura do circulo. 0
número ir surge em situações que envolvem probabilidade, como o Problema da
Agulha de Buffon.
8

1 Introdução

Meu interesse pelo estudo do número 7 tem sua origem no inicio do curso de

Licenciatura. Numa aula de Laboratório I, a professora Carmem apresentou-nos um

capitulo do livro "Matemática e Lingua Materna- , de José Nilson Machado, no qual

estava o Problema da Agulha de BuiTon. Ele ai está como exemplo de que um

curioso problema de probabilidade que, em certo período, parecera desprovido de

intenções práticas, resulta mais tarde em importante aplicação, os aparelhos de

tomografia computadorizada. Um bom exemplo para dar a nossos alunos menos

interessados em matemática, quando questionam: "Para que estudar isto, se não vou

usar"

Mas meu interesse por este problema seguiu em outra direção, pois em seu

resultado surge o número 7, que tornou-se o tema deste trabalho.

Uma breve pesquisa histórica mostra que, já na antiguidade, procurava-se o

valor da razão constante entre o comprimento da circunferência e seu didmetro. No

decorrer dos séculos, muitos estudos foram feitos para o cálculo de aproximações de

7, tanto aproximações geométricas quanto numéricas. Algumas serão apresentadas

neste trabalho.

Sera apresentada, também, uma prova da irracionalidade de 7. A primeira foi

feita por Lambert, em 1761.

Para compreender o que significa dizer que TC é transcendente, foi preciso

estudar números algébricos e números transcendentes. As provas de Cantor e de

Liouville da existência destes números estão nos apêndices 2 e 3.

O apêndice 1 trata de construções geométricas, das relações entre números

construtiveis e corpos numéricos da álgebra. Estes resultados, juntamente com a


9

transcendência de 7r, mostram a impossibilidade da construção de 7r apenas com

régua e compasso, encerrando a questão sobre o antigo problema grego da quadratura

do circulo.
10

2 Histórico

A primeira consideração cientifica acerca do número 7 vem de Arquimedes,

em torno do ano 240 a.C.. Ao avaliar a razão do comprimento da circunferência para

o diâmetro de um circulo, ele determinou que 7r estava entre 223/71 e 22.7. A partir

de Arquimedes, os matemáticos têm-se ocupado em calcular o número 7 com uma

precisão cada vez maior.

Os babilônios já haviam observado que o valor de 7 se situa entre 3- e 3 ,

ou seja, 25/8 < TC < 22/7. Em frações decimais, isto significa 3,125 <ir < 3,142. Já

Velho Testamento contém um trecho segundo o qual 7c = 3. (Primeiro Livro dos Reis,

V11:23).

Em 1931, em Cleveland, Ohio, um cidadão americano publicou um livro no

qual o valor exato de 7r seria 256/81, ou seja, 7r 3,16. 0 curioso é que o valor

256/81 = (4/3) 4 = 3,1604, é o mesmo que foi obtido pelo escriba egipcio Ahmes,

autor do famoso papiro de Rhind, escrito dois mil anos antes de Cristo.

Ptolomeo de Alexandria, em sua famosa Sintaxe Matemática, desenvolveu

uma tábua de cordas de um circulo subentendidas por ângulos centrais de um grau e

de meio grau. Usando um polígono regular inscrito de 360 lados, ele obteve um

valor, dado em notação sexagesimal como 3 ° 8' 30". Em linguagem decimal, isto é

377/120 3,1416, arredondando para quatro casas.

Em 480 a.C. aproximadamente, Tsu Ch'ung-Chih, um chinês, encontrou a

aproximação racional 355/113 = 3,1415929..., que é correto até a sexta casa decimal.
Ii

Em 1150 a.C., o matemático hindu Bhaskara chegou a 3927/1250 como um

valor exato de 7, 22/7 como um valor inexato e Jr) para trabalhar com o número

em cálculos izrosseiros.

No final do sec. XVI e inicio do XVII, foram feitos os seguintes cálculos de

- François Viete, um matemático francês, encontrou um valor para 7. correto

até a nona casa decimal pelo método clássico de Arquimedes, usando

polígonos de 6.2 16 = 393.216 lados.

- Adriaen van Roomeu, dos Países Baixos, encontrou um valor de 3 correto

até 15 casas decimais, pelo método clássico, usando polígonos que têm 2 30 =

1.073.741.824 lados.

- Ludolph van Ceulen, alemão, calculou 7 com 35 casas decimais pelo

método clássico, usando polígonos que têm 262 = 4.611.686.018.427.387.904

lados. Foi considerada uma descoberta tão extraordinária que, por um tempo,

na Alemanha, esta aproximação se chamou -número ludolphiano".

Muitos se perguntam porque foi utilizado tanto tempo e esforço no cálculo do

7r. Uma das razões poderia ser o fato destes homens buscarem uma sucessão repetida

na aproximação decimal do 7c. Se houvesse sido encontrada, então haveriam

demonstrado que o 7r era um número racional.

Os cálculos posteriores basearam-se em séries infinitas:

Abraham Sharp, com 71 casas corretas, em 1699 e De Lag,ny, com 112 casas

corretas, em 1719.

Toda a especulação sobre o número 7r acabou-se quando Johann Heinrich

Lambert, em 1761, demonstrou que 11 é irracional.


12

O inglês William Shanks calculou t com 707 algarismos decimais corretos

em 1873, o que lhe ocupou um trabalho de mais de 15 anos. Mas em 1947, D. F.

Ferguson, também inglês, descobriu que o cálculo de Shanks errava no 5272

algarismo, e portanto nos seguintes. Ferguson encontrou um valor exato de 710

casas. Mas, no mesmo mês, J. W. Wrench Jr, americano, encontrou um valor de ir

com 808 algarismos decimais, mas Ferguson detectou um erro no 732 2 algarismo.

Ern janeiro de 1948, publicaram juntos um valor, corrigido e verificado. para ;-r de

808 algarismos decimais corretos, com o auxilio de uma maquininha manual.

Depois, vieram os computadores. Com o auxilio destes, em 1967, na França,

calculou-se it com 500.000 algarismos decimais exatos e, em 1984. nos Estados

Unidos, com mais de dez milhões de algarismos exatos, mais precisamente

10.013.395.

Mas, voltando as origens do número ir, pergunta-se desde quando ele é

representado por essa letra grega. Antigamente, não havia uma notação padronizada

para representar a razão entre a circunferência e o diâmetro. Euler, a principio, usava

p ou c, mas, a partir de 1737, passou a adotar sistematicamente o símbolo 7C e o

mundo todo o seguiu. Alguns anos antes, o matemático inglês William Jones

propusera a mesma notação, mas sem muito êxito.

O número 71 surge inesperadamente em várias situações. Leibniz notou que

1-1/3+1/5-1/7 + = 7r./4 e Euler provou que a soma dos inversos dos quadrados de

todos os números naturais é igual a n2/6. A area da regido plana compreendida entre

o eixo das abscissas e o gráfico da função y = e -x? é igual a jc .


13

Inúmeros outros exemplos poderiam ser mencionados, como: a probabilidade

para que dois números naturais, escolhidos ao acaso, sejam primos entre si é de 6/7 2 ;

a solução do problema da agulha de Buffon —, em que u e cl são pardmetros do

problema (conforme veremos adiante).

Desde que ficou clara a idéia de numero irracional, suspeitou-se que it era um

deles. Euler acreditava na irracionalidade de 7, mas quem a provou foi Lambert, já

citado anteriormente. Pouco depois, Euler conjeturou que it seria transcendente, ou

seja, não poderia ser raiz de uma equação algébrica com coeficientes inteiros.

(Exemplo: é impossível encontrar inteiros a, b, c tais que at b7 c = 0). Este fato

foi demonstrado por Lindemann, 99 anos depois da morte de Euler.

Da transcendência de 7 resulta que o antigo problema grego da quadratura do

circulo não tem solução. Esse problema requeria que se construísse, com auxilio de

régua e compasso, um quadrado cuja area fosse igual à de um circulo dado. Tomando

o raio do circulo como unidade de comprimento, isto equivale a pedir que se

construa, com auxilio de régua e compasso, um segmento de comprimento igual a

-Ft (lado do quadrado de area 7).

Todo número que pode ser construido (com régua e compasso) é algébrico,

isto e, pode ser expresso como raiz de uma equação algébrica com coe fi cientes

inteiros. Como IC é transcendente, jt também 6. Segue-se que a quadratura do

circulo não pode ser feita com régua e compasso, apenas.


14

3 A Agulha de Buffon

0 Conde de Buffbn, naturalista francês, viveu no século XVIII e seu

verdadeiro nome era George Louis Leclerc (1707-1788). Escreveu obras importantes,

entre as quais uma de História Natural, em 36 volumes. Mesmo não sendo a

Matemática seu principal interesse, publicou em 1777 um pequeno ensaio


relacionado com o calculo de probabilidades, Essa! d'Arithmétique Morale.

Buffon sugeriu em seu ensaio problemas envolvendo considerações


geométricas, que, conforme Boyer [1, p 335 ] , "era essencialmente um novo ramo da

teoria das probabilidades".

No ensaio citado acima encontra-se um curioso problema, mais tarde

conhecido como Problema da Agulha de Buffon:

Uma agulha de comprimento a é mantida horizontalmente a certa altura de

uma folha de pope!, também horizontal, onde se encontram riscadas retas

paralelas, espaçadas por uma distância d (d não é menor do que u).

Abandonando-se a agulha ao acaso, de certa altura, ao cair sobre o papel,

possível que ela corte alguma das retas riscadas ou que se situe

completamente entre duas delas. Owl' a probabilidade de que ela corte

alguma das retas?

Uma estimativa desta probabilidade pode ser obtida pela razão entre o número

de vezes que, ao ser abandonada, a agulha corta alguma das retas, e o número total de

vezes que ela foi abandonada sobre o papel.


15

Mas Buffon interessou-se em obter uma formula que possibilitasse a

determinação de tat probabilidade, sem realizar o experimento, e utilizando

raciocínios envolvendo ângulos e areas chegou à expressão:

(I) P=

onde p é a probabilidade procurada,

a é o comprimento da agulha,

d é a distância entre as duas retas paralelas.

Descrevemos a seguir uma justificativa para a expressão (1), [8, vol.1

Sejam d a distancia entre as duas retas paralelas e ci o comprimento da agulha,

com d. Descrevemos a posição em que a agulha cai no papel por duas variáveis:

x e c9 (fig. 1); x é a distancia OP do ponto médio O da agulha à reta mais próxima e (9

é o menor ângulo entre OP e a agulha. Um lançamento da agulha corresponde a uma

escolha aleatória das variáveis x e O nos intervalos

(2) e 0<0<—
2

Observando a figura 1 a seguir, vemos que o evento em que estamos

interessados, ou seja, a queda da agulha atravessando uma reta, corresponde

desigualdade

(3) x < —cosO


16

( a 2) cos 0 (a 2) co; d

A agulha cai sobre a reta A agulha não cai sobre a reta

Figura 1

A escolha aleatória das variáveis x e O nos intervalos de (2) corresponde, por

sua vez, a uma escolha aleatória de um ponto do retângulo mostrado na fig. 2,

x"

d2 x =( a 2) cos 0

7x/2

Figura 2

onde a desigualdade (3) descreve a região sombreada sob o gráfico de x Li cos 8.

Portanto, concluímos que a probabilidade de a agulha cair atravessando uma reta é

igual a seguinte razão de areas:


17

5_
area sob a curva -= a cos 6i (10
(4) _ ° 2
( dY ir
area do retângulo

2a f.-, a 2a
=—
7rd o
- cosO.d0 =
izzi Jai

que e a expressão (1), apresentada por Buffon

Observa-se que ao utilizar como distancia entre as retas paralelas o dobro do

1
comprimento da agulha (d=2a), a fórmula (1) resulta em p = — ,
iT

Este resultado foi utilizado durante o século XIX, juntamente com o

experimento sugerido por Buffon, para o cálculo de um valor aproximado para rc.

Não foram poucos os pesquisadores que se dedicaram a esta tarefa, tendo obtido

aproximações bastante aceitáveis para n. Indicamos alguns dados experimentais

relativos a estes cálculos na tabela abaixo.

Pesquisador Ano N° de Experimentos Valor de it


Wolf 1850 5000 3,1596
Smith 1855 3204 3,1553
Fox 1894 1120 3,14155929
, La2.zarini 1901 3408 3,14155929
Tabela 1 (Gnedenko in [5] )

No entanto, outras aproximações mais precisas para o valor de 7 já haviam

sido desenvolvidas, como series de potências, por exemplo, tornando o método

decorrente do Problema da Agulha de Buffon para tal finalidade sem significado

prático.
18

0 fato curioso neste problema é que, ao procurar uma expressão para a

probabilidade de um evento, encontramos um modo de aproximar 7, número

associado à circunferência e ao circulo.

Uma conseqüência notável do Problema da Agulha de ButTon é que pesquisas

realizadas a partir de seu resultado

tornaram possível a utilização comercial dos aparelhos de tomoirratia


computadorizada, com notáveis aplicações na Medicina, na Biologia
Molecular e com extensões importantes no campo da Radio-
astronomia. [5]

De forma simplificada, expomos a seguir as idéias das quais partiram estas

pesquisas.

Tomando-se a expressão (1), temos que:

gdp
(5) a=

ou seja, podemos estimar o comprimento de a, se conhecidos d e p, este determinado

empiricamente.

Sendo a uma formação linear de natureza biológica, inacessível a uma

medição direta, poderá ter seu comprimento estimado. Um feixe plano de radiações

paralelas (raios X, laser) é disparado sucessivamente em um grande número de

diferentes direções sobre a, e é identificado pela medida da intensidade dos raios na

emissão e recepção. 0 valor de p 6 a razão entre os feixes que cruzam a e o total de

feixes emitidos.

Trabalhos realizados nesta linha de pesquisa levaram, em 1979, ao prêmio

Nobel de Medicina o fisico M.Cormack e o engenheiro G.N.Hounsfield, que


19

apoiaram seus trabalhos em resultados obtidos pelo matemático alemão J.Radom

(1887-1956).

Temos aqui um belo exemplo de que

observação atenta de um período histórico bastante longo revela,


sem deixar margem a dúvidas, que, certos assuntos L.],
originariamente desprovidos de quaisquer intenções práticas, podem
inserir-se em cadeias conceituais de outra origem e transformar-se
paulatinamente em matrizes para notáveis aplicações práticas, a priori
inimaginadas ou inimagindveis." [5, p. 67]
20

4 A Irracionalidade de 7E

Número irracional é qualquer número real que não possa ser expresso como

razão entre 2 inteiros, ou seja, aquele que não é racional. Também é o número cuja

representação decimal é infinita não periódica.


Diz-se que, geometricamente, 2 segmentos são comensuráveis se existe uma

medida comum, um segmento que caiba n vezes inteiras ern um e PI vezes inteiras no

outro. A descoberta da existência de segmentos incomensuráveis afetou de modo

profundo a Matemática e Filosofia da época grega, que tinha a crença que tudo podia

ser explicado em termos de números inteiros e de suas razões.

Já Aristáteles se refere a uma prova da incomerzsurabilidade da diagonal do

quadrado com seu lado [1], o que leva à irracionalidade de /2- .

A primeira prova da irracionalidade de 7 veio em 1761, com Lambert.

A demonstração a seguir é apresentada em[3] e em [8 v01.4 Sua estratéia

2
supor que rt- = , onde — é uma fração irredutível, e chegar a um absurdo,
61

mostrando assim que 7 2' não é racional, pois o quadrado de um racional e tambern um

racional.
Considere a função

x" -
.1.(x) =
n'

onde n é um número inteiro positivo. Agora afirmamos.


21

Lema 1: Dk f(0) é um número inteiro para qualquer k = 0, I, 2, ..., onde .1

representa a k-ésima derivada de f e f f

Demonstração. Vamos utilizar a formula de Leibniz para as derivadas de um

produto de duas funções„g e h:

(2) D(gh). [ JDig.

Aplicando (2) à funçãofdetinida em (1) temos

(3)
k
Df=— E
1 k [1c) k •
Dixn D (1- xi'. — J

n./ j=0

Agora observe que

se jn

(4) D i x': = o ! se j= n

O se j n

onde a barra com x = 0 quer dizer que a derivada é calculada no ponto x = 0. Logo,

de (3) e (4) concluímos que

(5) 1) k f - O se k < n

(k \
e (6) Dk f (0) = 1 n Dk-"(1 xr x=o
n! n

(k`
Ok - - se k n
ri)

n(n-1)...(2n- k÷ 1) , se n<k< l n

2. 0
1. se k ri

0, se k 2n
1,

Como os coeficientes binomiais são inteiros, segue-se que a expressão no segundo

membro de (6) é urn inteiro.

Lema 2: D k f (1) é um número inteiro para qualquer k = 0, 1, 2, .

Demonstração. Segue-se diretamente do lema anterior e da observação de que

f (1-x) -
0- -o- o- o - + 0- x-
(
n! n! 11!

p
Vamos supor agora que rr-, = — , em que —
P 6 uma fração irredutivel.

Defina a função
(r) _ q n („Tr2n fix) _ Tc2n-2 D2 f (x.) (-1)' D2n p.a.) 1 .
(7)
_ 11 2) " vi(x) T( 2D 2Jo) (-1) 72n-2nD2n.f(x)i

= p" f(x)- 12T D 2 f(x)+...+ ( - 1) n D 2n f(x)].

Como conseqüência dos Lemas 1 e 2, e da hipótese de que .T 2 -L) , temos

(8) E (0) e F(I) são números inteiros.

A seguir, observe que

(9) ( F '(t,) sen i - n- F (x) cos nx}' = F "(x) sen F(x) sen nx.

Com o cálculo da derivada segunda F", de F, temos

F'(x) sen u - iP (x) cos zr; ' =

(10)

=pfl n2 f(x) sen n -x, que chamaremos g'(x).


23

Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, temos

p" ii ? fol f (x) sen Orr) (Lc = F(1) - F(0).

Ou seja

;rpm 101 j• (x) sen (rx) dx = - F(0).

Ora, é claro que para O < x < I. temos

1
(12) 0 <J
n!

Usando a desigualdade (12) em ( 1 1) temos

11
7 -1 2p"
(13) < ir p f (x) sen (nx) d:c < sen (7rx) dx
77' fo n!

Onde a última desigualdade foi obtida fazendo-se a integração indicada. Como

pn 2 pn
um = , vê-se que podemos tomar um n e N tal que — < 1, logo
n! n.'

pn
J f (x) sen (, rr) dx
não inteiro. Mas, por (11), essa expressão é F(1)+ F(0), que é inteiro. Absurdo!
24

5 Aproximações geométricas de Tr

5.1 0 método de Arquimedes

A sistemática usada para construir aproximações de 7 faz uso dos perimetros

de polígonos regulares inscritos e circunscritos a um circulo de raio 1. Para polígonos

regulares de N lados, com os perímetros dos polígonos inscrito e circunscrito,

respectivamente p. e pt. , então:

1 1
P-v < 71- < P

Este é o método usado por Arquimedes em seu famoso 'Sobre as Medidas do

Circulo'. Para certos valores especiais de N, p ±v pode ser estimado. A partir de um

hexágono regular inscrito e de outro circunscrito, estimou o valor dos poliizonos de

12, 24, 48 e 96 lados. 0 resultado do cálculo de Arquimedes sobre o circulo foi uma

aproximação do valor de 7r dada por

,i0 22
< 71" < - .
71 7

Vejamos como se chega a esta última expressão.

Em um polígono regular de N lados, sejam ON a metade do ângulo subtendido

pelo lado e o centro do polígono, e p e pt. , respectivamente, os perimetros dos

polígonos inscrito e circunscrito a um circulo de raio I. Então

1 1
(1) = Nsen ON e = N tan 0.,

e V senO < ir < N tan 0.v .

Acompanhando as figuras 1 e 2 abaixo, chega-se a (1) para N = 6.


25

Figura 1

Na figura 1 temos os hexágonos inscrito e circunscrito ao circulo de raio 1. 0

ângulo subtendido por cada lado e o centro dos hexágonos mede 60".

Na figura 2, detalhe da figura 1, temos o drigulo AOB igual a 30'. Como

AO = 1, pois é o raio do circulo, AB será sen 30'. Mas AB é metade do lado do

hexágono inscrito e, portanto, seu semiperimetro sera dado por

( 1/2 p ) = 6.sen 30°.

Do mesmo modo, OD = 1, pois também é o raio do circulo, e CD sera

tan 30'. Como CD é metade do lado do hexágono circunscrito, seu semiperimetro

será dado por

( 1/2 p ) = 6.tan 30°.

A etapa seguinte é estimar os semiperímetros dos polígonos regulares de 12

lados, a partir dos hexágonos, dividindo cada lado destes ao meio, e assim

sucessivamente até um polígono regular de 96 lados. Isto corresponde, a cada etapa,

a uma mudança de O para 1/20 .v, para a qual serão necessárias as identidades

trigonométricas:

1 1 1 1 1
(2) e = +
tan(q)
2 sen 0 tan O sen 2 tan2(,0 )
26

As estimativas são feitas através de aproximações racionais, a partir das

desigualdades:

1 1 1 1
(3) a< <a, fl < <h , a + 13 < <a±b.
tan 6/ sen6 tan 0 sen 0

Com o uso de (2):

1
(4) + f3 < <a+b.
tan(-4. )

Ainda, + /SY < <+h

1
<1+ (cl +
tan' (e)

V1+(a+,5)2 < 1114- tan't)


1, <-,I1+(a+b)2

1 r
(5) < kc, -i- .
sen0

Assim, inicia-se com os hexágonos, para os quais o valor de 06 é 30 0 . Então

1 1
_ ,j =2.
tan 06 sen 06

265 r- 1351
Em (3), )6 = b = 2 e as aproximações racionais a e a para são — < <
153 780

usadas por Arquimedes [9].

265 1 3351
Logo, ----- +?
153 780

571 1 2911
e por (4) < .
153 tan 012 780

A estimativa para sen0/2 vem de (5):


27

11 i_ (57 r - < 1 < 1 , ( 2911 \ 2


(153, sen9, 2 -t- 780 j

591i V349450 1 V9082321 30131


153 < 153 < sen < 780 < 780

Assim,

571 1 2911 591:i 1 3013 41


e
153 tan 8., 780 153 sen 912 780

A próxima etapa é obter aproximações para tan 024 e sen p24' aplicando novamente

(4) e (5) a partir do resultado anterior.

571 • 591k 1 2911 3013


Para tan 8:4 : < +
153 153 tan 924 780 780

1162 }1T 1 59241 1823


< = .
153 tan 924 780 240

E para sen01 4 :
1+0 162 92 1 < 1 823 )2
153 < sen 924 + 240)

1172-11i J1373943 I V3380929 1838


153 153 sen 02 240 240

Então

1162- s 1 1823 1172 13 < 1 < 1838 1U


< < e .
153 tan 02 4 240 153 sen 824 240

Com o mesmo procedimento, as aproximações para tan 0 4 e sen 04 8 são


28

1172 1 1 1823 1838 1


153 153 tan 848 240 240

2334 !-4 < 1 3661 = 1007


153 tan 84,, 240 66

)1 04 1 )2 1
1+ -..-)1 -)53 4 < sen8 <
( 1007 \2
66

2 3391
4<
V547 2 13/- 16 1/1 0 1 8405 1009 '
<
153 153 sen 048 66 66

Assim,

2334k 1 1007 2339J4 1 1009 16


e
153 < tan 0„ < 66 153 sen 948 66

A última etapa leva a

4673 1 1 20161 1 V4069284 20171


e
153 < tane,6 < 66 sen 096 66 66

Finalmente, invertendo as desigualdades e multiplicando por .V = 96,

96x153 1 22
96 tan Om <
4673k 7 7

96x66 10
e 96 sen Om > >3- ,
20171,- 71

10 1 1
Logo, 3- < — <r < <
71 2 7

que é a aproximação do valor de Tr dada por Arquimedes.


29

5.2 Aproximação por polígonos regulares inscritos

Esta aproximação é apresentada em [2].

A partir de um polígono regular de n lados (eneágono) inscrito em um

circulo, pode-se obter o polígono inscrito de 2/1 lados (2n-ditono), como na fig. I

Figura I

Ao dividir-se ao meio cada lado do eneágono, o arco subtendido por cada um

destes lados também ficará dividido ao meio. Utilizam-se os pontos adicionais

encontrados sobre a circunferência e os vertices do eneágono para obter o 2n-dizono.

Pode-se começar com o diâmetro de um circulo (um "2-ágono -) e construir o

4, 8, 16, ..., 2n-ágono. Para um circulo de raio I a primeira construção é um quadrado

de lado -\F2 (fig. 2).

AB = 2 é o didmetro e AC = BC.
Figura 2
Pelo Teorema de Pitágoras,

22 = 2 (AC) 2 e AC

Afirma-se:

"Se In representa o comprimento do lado do n-cigono inscrito em um circulo

de raio 1, então o lado do 2n-ágono tem o comprimento igual u

12, = 114— ."


30

Prova:

A fig. 3 é uma circunferência de

centro O onde 4, = DE, CD -(1/2) in,

12 =BD e AB 2.
Figura 3

A área do triângulo retângulo ABD é dada por - (AB CD) e por

I
- (BD . AD). No triângulo retângulo Ah), pelo Teorema de Pitaaoras têm-se

AD = AB 2 BD 2 .

Iguala-se as duas expressões para a area

1/2 Ah. CD = . AD e AB. CD = BD. AD,

e substituem-se na última expressão os respectivos valores em função de 1„ e /2n:

1
2.- 1 = /, V2 2 -1 2 2,, e 1„ = 12„ 112 2 - 122„ ou 12'„(4 - /22,, ).
"

Resolve-se a equação quadrática para achar x = / ;,2. „ e obtém-se

=2+ - /,2, . Despreza-se a raiz ,r = 2 + 1/4 - /,2„ o que leva a / 2„ >'J, sendo

este o comprimento do lado da primeira construção possível, o quadrado.

Assim, 12„ =

Vejamos alguns exemplos.

A partir de 14 (lado do quadrado), obtem-se 1 8 = iJ 2 - , a partir de 18 ,

obtêm-se 1 1/2 - + e a partir de /iá, obtêm-se /32 = -1/2 +112 +


3

Como rega geral têm-se

=2— + +... + , com n —1 raizes aninhadas.

Como têm-se 2" lados, o perímetro do 2n-ágono inscrito no circulo é 2" x

ou

17 —1 raizes aninhadas

Então, se n tende para o infinito, 2" x 1 2,, é uma aproximação do comprimento

da circunferência de raio 1.

Por definição, a razão entre o comprimento da circunferência e seu didmetro

o número : ir —c e c = h. Para o circulo de raio 1, c - 2,T.

Assim, temos uma fórmula de aproximação para 7r, ao fazer n — 1 = k

2k+
pois, 2 +.... 115: --> 2 ir quando k

k raizes aninhadas

Assim, +....+ é uma aproximação de 7r.

k raizes aninhadas
32

6 Aproximações numéricas de 7-r

6.1 2.1 série de Leibniz

"O nome de Leibniz é usualmente associado t) série infinita

1 1
—= -1- — -- + uma de suas primeiras descobertas matemáticas. Essa série,
4 3 5 7

que surge de sua quadratura do circulo, é apenas um caso especial da expansão do

arctg que tinha sido dada antes por Gregory." [Boyer, pp 296-2971

Vamos mostrar que — é a série acima.


4

Inicia-se a prova com a formula

1 1 4 6 n 1411-2
(1) = 1- + t t + .. + t4
1 +1 2 1+ r -

que e valida para todo I e pode ser conferida ao multiplicar-se ambos os membros por

Agora considera-se um número x tal que 0 x I e a formula para

dx
integração de arctg x — Integra-se (1) no intervalo 0 < t < x:
1± x 2

(2) arctg x =
x
= x3 x5 x 7 + +
1„ 1+/ - 3 5 7 4n+1

onde

R„(r) = fox + t cit .


33

2, t 4n+2
Como 1 5_ I ± ( temos < t 4/7+2 , logo
1+

R„(x) 1ri4n±2cit

ou

,4 1+3
1

4n+ 3

Para os valores de x em consideração, x 1, tem-se que X411-'.3 < I.

portanto

0 Rn (x) <
– 4n +3

logo, Rn(x) -->O quando n 00. Assim pode-se usar (2) para deduzir que a fórmula

3 5 7
X X X
(3) arttg X = x--+---+ ...

3 5 7

é válida para 0 x< I.

Para x = 1 na fórmula (3), obtêm-se

arctg 1 = + I–
3 5 7

ir ill
Ou seja, = ..., a serie de Leibniz.
4
— 3 5 7
34

6.2 A integral de y =CI

Desejamos mostrar que dr =

Primeiro vejamos um esboço do gráfico de y =e-x. (graf 1):

Gráfico I

Como f(x) = e é continua em toda a reta, podemos escrever

(1) - e -X - _4_
f e - X dx = 2 je-x- dr

pois a curva é simétrica em relação ao eixo y.


Portanto, calcularemos a integral imprópria

(2)

Como não importa a letra que utilizemos para a variável de integração, temos

12 dy) .
(3) "' t

Consideremos agora a integral dupla imprópria:

(4) J
= ec r e-(x2±Y2 )dx16).
Vamos escrever J em coordenadas polares. É preciso, portanto, considerar

que em coordenadas polares temos:


35

1) x2 + y2 = r2 x r cos 6 ,* y = r sen

2) A area é calculada tendo ci.4 = r cir JO e

SR f (x, y = f (r cos 0,r sen Odrd 0

Na integral dupla acima, a região é todo o primeiro quadrante do plano ry.

Assim, escrevemos (4) em coordenadas polares

-X
(5) J = 12 Crs r.drd0.
oo

Ou seja,

b
(6) = lim 1 2 e r.drd0
00

e, logo,

,r
(7) J=
b., 0 -•e
dO = iim sO2 1 1
b-
,-110
e [
e7

ir
E
= 12i---.oo L— 1 d 0 = S2 —.dt9 =
02
[OP- = —
2
— o
7r

ir
Portanto, J=
4

Por um teorema de analise, como J <co (isto 6, é fi nito), temos que

2
(8) /2=
o
e drr
o
dy = f3 F e -x2 - 2 dycLT =1.
oo

V-Tz-
Logo, I =

ou fo e x2 dx = .
36

Assim,

+. r-
I ercL= 2 e = 1
„or = -" Tr
o

e —x2 civ = VT( •


37

6.3 Uma prova da fórmula de Euler

Esta prova e apresentada resumidamente em [8, vol.2] e é devida a D. P.

Giesy.

Inicia-se definindo a função j,;(x) por

(1) fn (x) = - cos x cos 2.x + + cos nx.

Necessita-se adiante da fórmula fechada para esta função, dada por

sen[(2n +1)x 2]
(2) fri(4 =
2sen(x 2)

onde x não é múltiplo de 2n. Para provar essa fórmula, usa-se a identidade

trigonométrica 2 cos° semi) = sen (0 (I)) - sen (0 - (I)). Usando-a, escreve-se, com

exceção da primeira, as identidades

1 1 1
2.- sen- x = sen- x ,

1 3 1
cos x sen- x = sen- - sen — x ,

1 5 3
2 cos 2xsen- x = sen- x - sen- x,

1 (2n + (2n-Ox
2 cos nx sen—x sen sen

A fórmula (2) é agora obtida somando-se essas identidades e fazendo os

cancelamentos.
38

Usa-se agora (1) para definir o número E e também para calculá-lo:

1-71-
(3 )
En =i0 (x).dr

(1
E„ = x - +cos x cos 2.r + + cos nx (LT
10 '7

Através da fórmula da integração por partes f u civ = vdu, calcula-se a

integral de cada parcela em (3), com exceção da primeira

1 1
(4) x nx )dx = - x sen( ) + cos( nx
n-

1
com u = x, du = cLr dv= cos(nx)dx e v= - sen(
,

Aplicando-se (4) na integração de (3), obtêm-se

1
(5) Ell = —+ x sen x + cos x + ...+ -xsen(nx) + cos(
4 n
O

Co m os limites de integração 0 e 7r, as parcelas corn sen(nx) desaparecem, enquanto

os valores de cos (nx) alternam-se entre 1 e -1. Portanto (5) pode ser escrito como

= +E
4 k =1 _ k2

onde os termos pares são nulos. Reescreve-se novamente (5) com os termos impares

e divide-se por 2:

jr 2 n 1
—-
(6) 2 8 (2k - 1)2
3

A próxima meta é mostrar que um = O. Com isso prova-se a formula

1 lr-
(7) E
k=,(2k — 1)2 8

que será usada para provar o resultado final.

x
Define-se g(x)
cLx[s en( x 2)

Usam-se (2) e (3) para escrever

r), sen(4n — 1)x/ 2 1 dr = x [s e n(4 n —1)x .21


(8) E2 11 -1 = Jo X dr
2 sen(x / 2) 10 2 sen(x )

x12 (4n — 1)x dr .


E, = sen
sen(x/ 2) 2

Integra-se por partes fazendo

x di x
u= du = = g(x) ,
sen( x 2) ca. sen( x 2)

[(4n- 1)xl
= sen cix
2

v 1
4n —1
.2f sen [(4n —1)x1 a,(4n-1
-----x =
v—
1 ( cos
(4n —1)x -
4n-1 -

e também fazendo uso do limite fundamental

2
hm —1.
x—>0 sen( x 2)
40

Assim, tem-se como resultado da integração de (8)

(4n 1 )_r
(9) — 1 [2 + 2 fir g( )cos cLx
4n —1

A conclusão desejada é que um E2„_ 1 = O. O limite de 11(4n-1) tende a zero se o

termo entre colchetes é limitado. Como cos é limitada, resta mostrar que g(X)

limitada no intervalo de integração. Mas g(r) é crescente e seu limite nesse intervalo

é dado por

sen( x 2)— (x 2 )cos(x 2)


g( x)=
_ senlx 2) 2 seir( x 2)

e gOr) = 1/2.

Com isso tem-se que lim E2n_ 1 = O, o que prova a igualdade (7).

Para completar a prova da fórmula de Euler, divide-se os inteiros positivos

em pares e impares e usa-se (7) para escrever

,i-2

k (2k ) (2k —1) 4 k2 8

3 7r, 2
Logo,
= 8

2
1 4 71" ir 1 7Z
ou seja, 2 3 8
k 6 k2 = 6
41

7 Uma aplicação da fórmula de Euler

A formula de Euler L—_,1 =


,7 2
e usada para responder a questão: "Qual
6

probabilidade para que dois números naturals, escolhidos ao acuso, sejam primos

6
entre .vi', cuja resposta é [7]
,-z-

Vejamos.

A primeira etapa é mostrar que a igualdade a seguir é verdadeira:

1 1 1
(1)
2- 32 42 5:

1 ■
1– —,
5 . A I– —41
7. – =1
11 2

Multiplica-se o primeiro parêntese pelo segundo:

1 1 1 1 1
3, 4, 5_ 6_
2,
(x) 1– —

-) 2

1 1 1 1 1
3L. 4 ., 52 6,
1 1
(+)
-)2" 42 62

32 +— +

1
Todos os múltiplos de — desaparecem do primeiro fator. Continua-se a
72
multiplicação:
42

1 1 1 1
32 5- 7- 92
, 1
(x) 1— —
.3 2
1 1 1 1
1+—+„
3 2 5- 72 92
1 1
32

1 1
1 5 7,_ 7 .,

1
Desaparecem, então, todos os múltiplos de —2 . As próximas etapas serão

1 I
multiplicações pelos inversos dos quadrados de primos, que fardo
5- 7-

desaparecer seus múltiplos, levando a uma aproximação de 1 como limite.

A fórmula de Euler diz que

( 1 1 1 1 ) .=
1+—+ —+ —++ —
22 32 4 2 52 71.62

o que torna (1) igual a

7I 2 )(I _ 1
Tji =1
6 J

e, logo

6
(2) (1—-

712 ) 32 — 52 — 7 2 )(1 — IF )..= = 7r 2 •

Tomam-se, agora, dois números naturais escolhidos ao acaso, m e n, e um

1
número primo a. A quantidade — de todos os inteiros é divisível por a, porque a
a
43

1
divide todos seus múltiplos. Então, a probabilidade de a dividir m é — . Da mesma

, I
forma, a probabilidade de a dividir n e —. Portanto, a probabilidade de a dividir m e

1 1 1 1
n é dada por —x , , e a probabilidade de a n5o dividir m nem n é I —
a a a- u-

Assim, a probabilidade de que m e n sejam primos entre si será dada pela

1
probabilidade 1— para todos os primos a. E isto leva à (2), como se afirmou no

inicio:

I 6
( 1- 1 Ï1- 1 (1--1 "1- 1\ (1— ...=
22 ) 32 ) 52 72 ) 112)
44

8 Números algébricos e transcendentes

Um número algébrico é qualquer número x, real ou complexo, que satisfaz

alguma equação algébrica da forma


n-i - u / .r - uo 0
- an x - ..>.i, a„

onde os coeficientes ak, com k = 0, 1, 2, n, são inteiros. Se um número real não

satisfi zer nenhuma equação deste tipo, dizemos que ele e um número transcendente.

Por exemplo, j2. é urn número algébrico, pois satisfaz a equação

De maneira semelhante, qualquer raiz de uma equação com coeficientes

inteiros de terceiro, quarto, quinto ou qualquer grau mais alto, é um número

algébrico, quer as raizes possam ou não ser expressas em termos de radicais.

Supondo que o número y satisfaça uma equação algébrica de grau n, como em

(1), mas nenhuma equação deste tipo de grau inferior, diz-se que y é um número

algébrico de grau n. Por exemplo, y = -17


2 é um número algébrico de grau 2, porque

satisfaz a equação x2 — 2 = 0, mas nenhuma equação de I grau.

Desta definição segue que todo número racional é algébrico, pois o número

racional ply satisfaz a equação qx - p = O. 0 conceito de número algébrico é uma

generalização natural de número racional, que constitui o caso especial quando n= 1.

Assim, todo número não algébrico é não racional, ou seja, todo numero

transcendente é irracional.

Nem todo número real é algébrico. Segundo Courant e Robbins,

"isto pode ser demonstrado por uma prova, atribuida a Cantor, de que
a totalidade dos números algébricos é enumerável. Uma vez que o
conjunto de todos os números reais é não-enumerável, devem existir
45

números reais que não são algébricos. Estes números são chamados de
transcendentes, porque, como afirmou Euler, eles transcendem o
poder dos métodos algébricos.'[...] Uma prova da existência dos
números transcendentes que antecede a de Cantor foi dada por J.
Liouville (1809 — 1882); sua prova efetivamente permite a construção
de exemplos de tais números.72, pp.124-1251 (ver apêndices 2 e 3)

Os primeiros números conhecidos como transcendentes foram exibidos por

Liouville em 1851. Ele demonstrou que os números algébricos irracionais são

aqueles que não podem ser aproximados por números racionais com um grau muito

elevado de precisão, a menos que os denominadores das fraç6es de aproximação

sejam bastante grandes. Como conseqüência, se z é um número irracional com a

propriedade de existirem racionais que levem a urna aproximação que contradiz a

afirmação anterior, então z não pode ser algébrico e, portanto, deve ser

transcendente. (ver apêndice 3)

Um exemplo de números de Liouville 6:

.7 = 0,110001000000000000000001000...

= 10 10-2 + 10 ! + 10 + 10 +

Podem-se produzir muitos outros exemplos desse tipo considerando-

se as somas de séries do tipo

ai lO + a 2 10-21 + a3 10-3 ' + ai + ,

onde os numeradores são quaisquer dígitos 1, 2, 9. Esses números irracionais são

todos transcendentes e a razão essencial é que cada um é o limite de uma seqüência

de racionais que converge.

Essa abordagem torna possível exibir muitos exemplos de números

transcendentes, mas é muito mais dificil provar a transcendência de números


46

particulares que ocorrem mais ou menos naturalmente em Matemática. 0 inicio real

foi estabelecido pelo trabalho de Herrnite, que mostrou, em 1873, que e é

transcendente.

"A prova de Lindemann da transcendência de 7, em 1882, foi uma


extensão absolutamente direta das idéias de Hermite. Em sua prova
Lindemann primeiro mostrou que a equação
ei — 1 = O
não pode ser satisfeita se x 6 algébrico. Como Euler mostrara que o
valor x = 7 satisfaz à equação, segue-se que 7r não é algébrico."
[1,p. ,107]

Mas o progresso subsequente foi lento. Em sua famosa comunicação feita em

Paris em 1900, o grande matemático alemão David Hilbert propôs uma lista de 23

problemas não-resolvidos que ele considerava como sendo os maiores desafios aos

matemáticos do futuro. Estes "problemas de Hilbert" permaneceram como um

desafio para o período subseqüente do desenvolvimento matemático. Quase todos

foram resolvidos nesse meio tempo e, com freqüência, a solução significou progresso

decisivo em perspicácia e em métodos gerais na Matemática. Um dos problemas que

parecia mais desanimador consistia em provar que 2 2 era um número

transcendente, ou até mesmo irracional. Por quase três décadas não havia a mais

ligeira sugestão de uma linha promissora de ataque a este problema. Finalmente

Siegel e, de modo independente, o jovem russo A. Gelfond, descobriram novos

métodos para provar a transcendência de muitos números importantes na

Matemática, incluindo o número 2» de Hilbert e, de maneira mais geral, qualquer

número ab onde a 6 um número algébrico diferente de zero e diferente de 1, e h é

qualquer número algébrico irracional.


47

9 Conclusão

0 estudo aqui apresentado foi rico em novos conhecimentos.

0 aparecimento de 7r em questões que envolvem probabilidades servirá de

subsidio, durante as aulas, para a contextualização pregada pela LDB.

Assuntos como números algébricos e números construtiveis foram muito

interessantes.

Aprofundar as questões relativas as aproximações de 7, à sua irracionalidade,

à sua transcendência, certamente terá resultados positivos em meu trabalho como

professor.
48

Apêndice 1

Construções Geométricas

Problemas de construção geométrica sempre foram um assunto predileto da

Geometria, e a restrição ao uso apenas de régua e compasso remonta à AntigUidade.

Alguns problemas clássicos de construção com régua e compasso, cujas soluções são

conhecidas, são o problema de contato de Apolônio e a construção de polígono

regular de n lados, para certos valores de n. Porém, outras construções são

impossíveis, como o polígono regular de 7 lados e os três problemas gregos

clássicos: trissectar um ângulo arbitrariamente dado, duplicar um cubo determinado e

fazer a quadratura do circulo.

Conforme Courant e Robbins, "após séculos de buscas inuteis de uma

solução, cresceu a suspeita de que estes problemas poderiam ser insolúveis, o que

levou a seguinte questão: Como é possível provar que certos problemas não podem

ser resolvidos?" [2, p.142]

Esta questão também surge na Algebra, com o problema de resolver equações

de grau 5 ou de grau maior. Os métodos de solução de equações de 2 °, 3° ou 4° grau,

já conhecidos no século XVI, têm características comuns: as soluções ou "raizes" da

equação podem ser escritas como expressões algébricas obtidas a partir dos

coeficientes da equação por uma seqüência de operações, cada uma delas uma

operação racional — adição, subtração, multiplicação ou divisão — ou a extração de

uma raiz quadrada, cúbica ou quarta (diz-se resolvidas por radicais"). Mas as

tentativas de estender este procedimento a equações de grau 5 ou maior, utilizando

raizes de ordem mais alta, fracassaram. (não se trata aqui do fato de a equação
49

algébrica de grau n possuir soluções, o que foi provado a primeira vez por Gauss, em

1799).

"No inicio do século XIX o italiano Ruffini (1765-1822) e o


norueguês N. H. Abel (1802-1829) conceberam então a revolucionária
idéia de provar a impossibilidade da solução da equação algébrica
geral de grau n somente por meio de operações racionais e por
radicais.[...] O desejo de tornar absolutamente clara esta questão
inspirou o magnifico desenvolvimento da álgebra moderna e da teoria
dos grupos iniciada por Ruffini, Abel e Galois (1811-1832). A questão
de provar a impossibilidade de certas construções geométricas oferece
um dos exemplos mais simples desta tendência da algebra.[2, pp.142-
143]
Em construções geométricas, o problema consiste de que a solução possa ou

não ser encontrada teoricamente, com régua e compasso, e não em desenhar figuras

com certo grau de exatidAo (o que pode ser resolvido com o uso de outros

instrumentos, como os matemáticos gregos já haviam reconhecido).

Números construtiveis e corpos numéricos

Courant e Robbins partem da seguinte questão: -como todos os problemas

construtiveis podem ser completamente caracterizados? Para a compreensão desta

questão deve-se traduzir os problemas geométricos em linguagem da Algebra. - [2,p

144]

Uni problema de construção geométrica consiste em encontrar um ou mais

segmentos de reta x a partir de um ou mais segmentos dados, o que equivale a

resolver um problema algébrico:

"primeiro deve-se encontrar uma relação (equação) entre a quantidade


x procurada e as quantidades dadas; em seguida deve-se encontrar a
50

quantidade desconhecida x resolvendo esta equação, e então


determinar se esta solução pode ser obtida por processos algébricos
que correspondem a construções com régua e compasso. 0 que
fornece os fundamentos de toda a teoria é o principio da Geometria
Analítica, a caracterização quantitativa de objetos geométricos por
números reais, baseado na introdução do continuo de ntirneros
reais."[2, p.145]

As construções geométricas com régua e compasso consistem em repetir, urn

número finito de vezes, as seguintes operações básicas:

- traçar a reta que une dois pontos dados:

- traçar a circunferência com centro e raio dados.

Um ponto, nessas construções, só pode ser obtido como intersecção de duas

retas, de duas circunferências ou de urna reta com uma circunferência.

Considerando-se no plano urn sistema de coordenadas cartesianas, uma reta é

representada por urna equação do 1° grau y ax + b e uma circunferência por uma

equação do 2° grau (x - a) 2 ± (y - b) 2 = r2 . Assim, um número que se pode construir é

sempre obtido como solução de urn sistema de 2 equações a 2 incógnitas cujos graus

são menor do que ou igual a 2.

Algumas das operações algébricas mais simples correspondem a construções

geométricas elementares. Dados segmentos de comprimento a e 1), medidos por um

determinado segmento "unitário", pode-se construir a - 1), a - b, ra (onde r

qualquer número racional), a'b e ah. Por exemplo, para construir alb, vejamos a

fig. I.
51

Marca-se a = AO e h OB sobre os lados de um ângulo qualquer O e

OD = I sobre OB. Trap-se paralela a AB por D encontrando AO em C,

x I
determinando OC — x. Por semelhança de triângulos temos que — = — x=
a h

Figura I

Assim, os processos algébricos "racionais", adição, subtração, multiplicação e

divisão de quantidades conhecidas, podem ser executados por construções

geometricas . A partir de quaisquer segutentos dados, medidos por números reais a, b,

c, ..., pode-se, por meio da aplicação sucessiva destas construções simples, construir

qualquer quantidade que possa ser expressa em termos de a, h, c,... de maneira

racional, isto 6, por aplicação repetida da adição, subtração, multiplicação e divisão.

Tomando como ponto de partida o segmento de comprimento unitário,

podemos construir com régua e compasso todos os números que podem ser obtidos a

partir da unidade pelos processos algébricos racionais, isto 6, todos os números

racionais alb, onde a e h são inteiros. 0 conjunto dos números racionais é um corpo

numérico: é fechado no que diz respeito is operações racionais: a soma, a diferença,

o produto ou quociente de dois números racionais quaisquer (excluindo a divisão por

zero) é um número racional.


52

A próxima construção geométrica é a extração de uma raiz quadrada: se um

segmento a é dado, então -N1T2 também pode ser construída utilizando somente régua

e compasso. Vejamos a Fla. 2

Figura 2

Marca-se AO = a e AB = 1 sobre a OB. Desenha-se o circulo cujo diâmetro

OB. Traca-se a perpendicular a OB por A, que encontra o semicirculo em C, sendo

AC = x. Sendo o triângulo OCB inscrito num semicirculo, o Angulo OCB e reto.

Pelas relações métricas num triângulo retângulo temos que: x 2 =axl => x =

Podemos obter novos números, agora irracionais, utilizando o compasso para

construir /2- , por exemplo. A partir de , pelos processos algébricos racionais,

encontrar todos os números da forma

(1)

onde a, h são racionais e, portanto, são construtiveis. Estes números novamente

formam um corpo (6 fechado no que diz respeito As operações racionais). Chamemos

o corpo racional Q de Fo e o novo corpo dos números da forma (1), de F 1 =

Pode-se, ainda, construir novos números tomando um número de F 1 , por

exemplo, k = 1 + , e extraindo sua raiz quadrada, obtendo assim o número

construtivel
:33

1114--If

e com ele o corpo de todos os números

(2) p crirt ,

onde p e ci podem ser agora números arbitrários de F 1 , isto és da forma a -bJi,

com a, h em 0, isto é, racionais.

Assim, vemos que as etapas de uma construção geométrica ( traçar uma reta

passando por dois pontos conhecidos, desenhar um circulo com centro e raio

conhecidos, ou marcar a interseção de duas retas ou de dois círculos) nos dão

números que estão no corpo do qual partimos, que já sabemos serem construtiveis.

Pela extração de uma raiz quadrada, construiremos números em um novo corpo

extensão de números construtiveis.

Portanto, para responder a questão inicial sobre a caracterização dos

problemas de construção, vejamos como Courant e Robbins descrevem o processo

seguido até aqui:

"Começamos com um corpo Fo dado, definido por quaisquer


quantidades que forem dadas no principio, por exemplo, o corpo dos
números racionais se apenas um único segmento, escolhido como
unidade, for dado. Em seguida, pela adjunção de ./170 , onde lcE FO,

porém VT não pertence a Fo Elaboramos um corpo extensão F, de

números construtiveis, constituído por todos os números da forma ao +


co , onde ao, 1)0 podem ser quaisquer números de Fo. Então, F , , um
bo liT

novo corpo extensão de F1, é definido pelos números al + 13 em


que al e ID, são quaisquer números de F1, ek i é algum número de F 1
cuja raiz quadrada não esta contida em F1. Repetindo o procedimento,
chegaremos a um corpo F i, após n adjunções de raizes quadradas.
Números construtiveis são aqueles, e somente aqueles, que podem ser
54

alcançados por uma tal seqüência de corpos extensão; isto e, que estão
contidos em um corpo Fri do tipo descrito. 0 número n de extensões
necessárias não importa; de certa forma, ele mede o grau de
complexidade do problema. - [2,p.155].

Números construtiveis são algébricos

Como conseqüência do acima exposto, temos que:

Se o corpo inicial Fo for o corpo racional gerado por um único segmento,

então todos os números construtiveis serão algébricos. Os números do corpo

F 1 são raizes de equações quadráticas, os de F2 são raizes de equação de

grau e, em geral, os números de Fk são raizes de equações de grau 2k, com

coeficientes racionais. [2]

A seguir a demonstração para um corpo F , de que seus elementos são raizes

de equação de 4 ° grau.

(3) Seja x = p + pi; ,

onde p, q e w estão em F1 e, portanto, têm a forma p = u + s , q = + ,

w = e+fl; , onde a, h, c, d, e, fi s são racionais. A partir de (3) temos

que elevado ao quadrado resulta em


2
X - lpx p 2 = q2w,

onde todos os coeficientes estão em um corpo F 1 , gerado por Is:. Portanto, usando

as expressões de p, q e w acima, esta equação pode ser reescrita na forma


55

onde r, s, t, u • v são racionais. Elevando ao quadrado ambos os lados, obtemos uma

equação de 4 grau, com coeficientes racionais, conforme enunciado.

(4) ux = s(rx - t )".

Sobre o problema da quadratura do circulo

Uma vez que um circulo com raio r tem a area t r2, o problema de construção

de um quadrado de area igual a de um circulo dado cujo raio seja o comprimento

unitário 1, equivale à construção de um segmento de comprimento como lado do

quadrado procurado. Este segmento sera construtivel se e somente se o número 7 for

construtivel. Com base na caracterização geral de números construtiveis, como todos

os membros de quaisquer dos corpos destes números são algébricos, ou seja, são

números que satisfazem equações algébricas com coeficientes inteiros, se 7 fosse

construtivel, então seria algébrico. Mas isto é impossível, pois 7 é transcendente,

como mostrou Lindemann.

A prova da transcendência de 7, que foi apresentada por Lindemann em 1882,

definitivamente pôs termo a antiga questão da quadratura do circulo.


56

Apêndice 2

A existência de números transcendentes

A prova de Cantor

A prova de Cantor da existência de números transcendentes é apresentada por

Niven (6,pp.193-2041, que restringe seu trabalho aos números reais. -Os resultados

[...], bem como suas demonstrações, são válidos também para os números

complexos- .[6,p.193]

Vejamos:

Um conjunto S é qualquer coleção de objetos claramente de finidos e

distinguiveis e pode ser finito ou infinito. Um conjunto infinito se diz enumerável se

seus elementos puderem ser escritos na forma de uma seqüência

al, a2 a3,
,

de modo que qualquer elemento do conjunto seja um termo da seqüência.

Podem existir maneiras diferentes de escrever um conjunto em forma de

seqüência, mas basta uma para mostrar que o conjunto é enumerável. Também não

necessário conhecer uma fórmula para o n-ésimo termo da seqüência.

Por exemplo, o conjunto dos números primos

2, 3, 5 ,7, 11, 13, 17, 19, ...

é enumerável, apesar de não conhecermos o valor exato do centésimo-milionésimo

primo. É suficiente sabermos que existe um tal primo para que possamos conceber

uma ordem seqüencial para o conjunto todo. [6]


57

Prova de que o conjunto de todos os números racionais e enumeravel.

Qualquer numero racional é raiz de uma equação linear at h O. com

coeficientes inteiros a e h, podendo supor a positivo. Por exemplo, 2/3 e raiz de

3x - 2 ---- 0. Diz-se que o índice du equay7o ax - h - 0 é

1- a b

de onde se ye' que o índice de uma equação e um inteiro positivo.

No exemplo acima, a equação It - 2 = 0 tem o indice 1 - 3 - -21= 6. Não

existe equação de índice 1 e x=0 ea única de índice 2.

Niven apresenta a tabela 1 abaixo, com todas as equações lineares com índice

ate 5, e a tabela 2, com os números racionais, em ordem crescente, raizes das

equações da tabela 1. [6, p.196]

Tabela 1

indice 1 Equações
x= 0
3 2x --- 0, x- 1 = 0, x- 1 =0
4 3x= 0,7 r± 1=0, /r- 1 =0, x+ 2=0, x-- 7 = 0
4x= 0, 3x+ 1=0,3x-1=0, 2x÷ 2=0,
5
2x - / = 0, x -'- 3 = 0, x - 3 = 0

Tabela 2

Indice Números racionais introduzidos


,-), 0
- -1, -1
1 1
4 -2 _. _ -)
--' 222 '
1 1 .,
5
3 3

Para cada indice j existe apenas um número Finito de equações lineares,

formadas pela combinação dos números inteiros cujos módulos são menores que j.
58

Na medida em que o índice aumenta, somente um número finito de novos números

racionais sera introduzido.

A seqüência dos números racionais sera escrita na ordem em que surgem na

tabela 2: primeiro a raiz da equação de índice 2, seguida das raizes das equações de

índice 3, e assim por diante, em ordem crescente:

0, -1, 1, -/, — , _71 ,2, -3, — 71 ,

Como todos os números racionais vão aparecer na seqüência segue-se que os

números racionais são enumeráveis. [6]

Prova de que o conjunto dos números algébricos é enumerável

Um número algébrico, como já vimos, é aquele que satisfaz uma equação do

tipo

(1) an X - an _1 x 1 a - ao = O (n 1, u„ 0)

com coeficientes inteiros. Suponhamos an positivo (a multiplicação da equação por -

1 se an fosse negativo não afeta as raizes).

Teorema 1. Qualquer equação da forma (1) tem no máximo n raizes distintas.

Demonstração: ver [6].

Teorema 2. 0 conjunto dos números algébricos é enumerável.

Demonstração.

O índice da equação (1) é o numero

n- an-1 - : an-2! •••


59

um número inteiro positivo. Todas as equações de indices pequenos são mostradas na

tabela 3.

Tabela 3

Índice Equações
/ x= 0
_.
3 x` = 0, lr = 0, x -- 1 = 0, x— 1 = 0
4
7 r-1=0, 7 r-1=0, x-'- 7 =0. x- 7 =0

Pode-se listar todos os novos números algébricos reais resultantes das

equações da tabela 3. Se, para cada indice, dispõe-se os números em ordem

crescente, obtêm-se a seqüência:

11 +1 -

(2) 0; -1, 1; -7, — -3


2 7 '

— .j5 /7) +1
ii
33 ' v

Para qualquer índice h fixo, o numero de equações é finito, porque o grau n e

os coeficientes an, ..., ao estão restritos a um conjunto finito de inteiros. Além disso,

pelo Teorema 1, sabemos que o número máximo de raizes de cada equação é n.

Portanto, todos os números reais algébricos vão aparecer na seqüência (2). [6]

Para indices mais altos, podem-se escrever as equações de um determinado

índice, mas não pode-se listar suas raizes no modo feito em (2).

Sera necessário observar, também, que o conjunto dos números reais

algébricos, entre 0 e 1, é enumerável, pelo teorema a seguir.

Teorema 3. Um subconjunto infinito de um conjunto enumerável, é enumerável.

Demonstração: ver [6].


60

Prova de que o conjunto dos números reais não é enumerável

Teorema 4. 0 conjunto dos números reais não é enumerável.

Demonstração.

su fi ciente que se prove este fato para os números reais .r, tal que O <..r I,

pelo Teorema 3. Supõe-se que o conjunto dos números reais entre 0 e 1 seja

enumerável:

r 1 , r2 , r3 „

e escreve-se estes números na forma decimal. Para aqueles com representação

decimal finita, usa-se sua forma infinita periódica ( L/2 é escrito como 0, 4 999_, e não

como 0,5).

Têm-se, então

ri = 0, all all al3 a14.- ,

--- 0 , a2 1 chi a23 a24... ,

r3 = 0, a3i /232 a33 a34 ..., etc.

Pode-se construir, a partir dos r„, um número

h = 0, h i h2 b3 b4 •••,

do seguinte modo. Sejam os h, quaisquer algarismos entre 1 e 9, mas h i diferente de

a 11 , h, diferente de an h3 diferente de a33, , bh diferente de ahh. Então h é diferente

de todos os r, pois difere de cada um deles na n-ésima casa decimal. Mas h é um

número real entre 0 e 1, o que gera uma contradição.

A existência de números transcendentes

Do teorema anterior podemos concluir que, sendo enumeráveis os números

algébricos entre Oe 1 e não enumeráveis os números reais entre 0 e 1, devem existir


61

números reais que não sejam algébricos. Estes são os números transcendentes, cuja

existência fica assim demonstrada.

Prova de que o conjunto dos números reais transcendentes não é enumerável

Teorema 5. 0 conjunto dos números reais transcendentes não é enumerável.

Demonstração.

Supõe-se que o conjunto dos números reais transcendentes seja enumerável:

ti , t3, t4, ••• •

Mas pelo Teorema 2 o conjunto dos números reais algébricos é enumerável, ou seja,

a l , a2 , a3, a4, . 0 conjunto dos números reais poderia ser esc ri to em forma de

sequência:

11, UI, t , U2, t3, a3, (4, 445 ••• ,

ou seja, o conjunto dos números reais seria enumerável, em contradição com o

Teorema 4.
62

Apêndice 3

A existência de números transcendentes

Números de Liouville

A prova da existência de números transcendentes, a partir de números de

Liouville, é apresentada por Niven [6, pp.165-182], a qual veremos a seguir.

Seja, então o número de Liouville:

(1) = 10-1! + l0 10-3I + + 103! + 10-6÷13 + 10-6+2) +

1. Pode-se obter uma boa aproximação racional de z escolhendo um numero

finito de termos da série (1) que define z.

Chame-se h a soma dos primeiros j termos de:, dado em (1):

(2) h =10-n + 10-2 ' + 10 -3! + le

1 1 1
Oki - .

10 1 10 2' 10j

O número h é racional e a soma das frações, com denominador comum 10»,

pode ser expressa por

(3 )

onde t representa algum número inteiro.

De (1) e (2) vê-se que

- b = 10-(i+1)' + 101+2)! +

A representação decimal de :. b, e de 1. - b, é toda formada de zeros e uns.

Em - b o algarismo 1 aparecerá pela primeira vez na posição (/ + 1)! . Portanto,


6.3

(4) = - h - 0,000...00002
h< 10 .4,+n ,

2. Para demonstrar que é transcendente, supõe-se que é algébrico e chega-se a

uma contradição.

Parte-se da hipótese de ser algébrico de grau n. Isto significa que satisfaz

alguma equação algébrica do tipo

(5) a„_ i x - a„.2 xn-2 aix ao = O (n I . a„ 0)

com coeficientes inteiros, de Errau n, e nenhuma deste tipo de grau inferior. Para

abreviar, chama-se o polinômio do primeiro membro de (5) def(x).

Assim, como é raiz de (5), f(:) = O.

3. 0 número h não é uma raiz deko, isto 6, f(b) 0. Pois, se b fosse raiz de

(5), teríamos

f(x) (x - b) q(x) e j(:) - b) (./(:) = O.

Como 6 diferente de h, - h) não é zero, portanto q(z) deve ser zero. Na

fatoração de f(x)- (x - h) (A:0, q(x) tem grau n - I, ou seja, urn grau menor do que

f(x). Ainda, q(x) tem coeficientes racionais, pois na divisão de", de coeficientes

inteiros, por (..r h), os processos são racionais (adição, subtração, multiplicação e

divisão). Assim, pode obter-se aq(x) = 0, com coeficientes inteiros. Logo, tem-se

4.1(.1(.1- ) = 0. 0 que contraria a hipótese de não satisfazer nenhuma equação com

coeficientes inteiros de grau menor do que n.

4. Existe um número N, dependendo somente dos coeficientes de fix) e de seu

grau, tal que,

(6) If - f (b) < N ( h) ,

o que é possível poisf(b) # 0.


64

Vejamos.

= u,, 1:'1 - + - uo

J(b) = anbn - an_ 1 - a„_2 b""'" a ib

Então f(.-:) -1(h) = a„(:" _ 6') - an_1(.:""1 _ h'34) - ...± a(:72 _ b2) h).

Para colocar (:-. - h) em evidência no segundo membro da equação acima,

usamos a fórmula algébrica


n n-1 n-2
U - = (II - (II - II V - - n - V ).

Obtêm-se assim

(7) J(:) -JO)) =(:- b) [a" (zn-/ - b ...+ - )

a„_, - h- zhn-3 hn-2

az ( 1. -

- a 1].

preciso observar agora que e b são positivos e, assim, todas as potências

de e h serão positivas. Alem disso, como < 1 e h < 1, têm-se _-: < 1 e hi < 1,

quaisquer que sejam os inteiros r e s. Têm-se então

0 < zr < 1, O<bs<1 e 0 < .7.rbs < 1.

Isto mostra que pode-se escrever uma desigualdade para o segundo membro

de (7). Toma-se como exemplo a parcela cujo fator é an:


al7 .11-1 ...+ bn-1
(
"2b

com n parcelas (_-"-/, cada uma menor do que I. Assim,


...+ :bn-2
< ;a„¡ ( 1 + 1 + ...+ 1) = n. a„.

Desta forma, têm-se que (6) pode ser escrita como a desigualdade

(8) Igz) - ./(b)I < - [n ('n-1)1 an-1 1+ —± 21 a IL


65

na qual o termo entre colchetes é um número fixo

Sendo = - h positivo, I: bl = - b).

Logo,

If (z)- f (b)l< - b) .

A transcendência de z

Inicia-se esta etapa ana1isandoff:2 -fib) sob outro aspecto.

5. 0 número

(9) r = f! ir) - fibA

é um inteiro positivo qualquer que seja o valor atribuido ao inteiro positivo".

Comof(f) = O têm se -

r = f(bA ou r=
e das equações (3) e (5)

J(b) = anbn 647_1 b - 64,2 bu- 2 + a lb ao

ant" 4. an-1 t"-I an - 2 t"-2 at


10 1/- 10( ' ' )'' I 0("-2))! + •

que multiplicada por I fica

i(b) 1 On = an an-.1 - a„.2 t "-2 . 102P -

+ t. 10»» ao . 10 n ,

na qual o segundo membro é um inteiro, que não pode ser zero, pois f(h) 7-- 0. Em

valores absolutos,

JO
) . 10'1, ou LOA .

e um valor inteiro positivo.


66

6. A contradição virá da demonstração de que o número dado em (9) esta entre 0

e 1.

Para isto é preciso escolher o inteiro j que foi usado na de fi nição de b de

modo que satisfaça

/N
(10) 100+1 < que é equivalente a <1,

onde o expoente do denominador pode ser escrito como

1)! — nj! =Q+ !) j! — n. j! = (j 4- 1 — n)j!.

Este expoente, para um n fi xo, pode tornar-se tão grande quanto deseja-se bastando

para isto tomar j muito grande. Os valores de n e N são fi xados pelas equações (5) e

(8); mas como j não depende nem de n, nem de N, pode-se tomar j suficientemente

grande para que (9) seja satisfeita.

7. Usa-se agora as desigualdades (4) e (6) para mostrar que o número dado por

(9) estd entre 0 e 1.

0< if(z) — f(b)i 10 < N(: — b) 10'

o(i+0 <1,

onde na última desigualdade usou-se (10).

Têm-se, portanto, uma contradição e conclui-se que não pode satisfazer

nenhuma equação da forma (5). Assim, é um número transcendente.


67

Referências bibliográficas

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Edgard Blücher, 1974.

2. COURANT, R. e ROBBINS, H. 0 que é Matemática? Tradução de Adalberto da


Silva Brito. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2000.

3, FIGUEIREDO, D.G. de. Números Irracionais e Transcendentes. Coleção


Fundamentos da Matemática Elementar. Rio de Janeiro: SBM, 1985.

4. LIMA, E. L. Meu Professor de Matemática e outras historias. Coleção


Fundamentos da Matemática Elementar. Rio de Janeiro: SBM, 1987.

5. MACHADO, N. J. Matemática e Lingua Materna: análise de uma imprei.znacão


mútua. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1990.

6. NIVEN, I. Números: racionais e irracionais. Coleção Fundamentos da


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8. SIMMONS, G. F. Calculo corn Geometria Analítica. Tradução de Seiji Hariki.


Sao Paulo: McGraw-Hill, 1987.

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AMS, 1991.

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