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INTRODUÇÃO
“Mas por que você vai pesquisar isto? Isto o que você pesquisa não serve para
nós, isto, é importante só para vocês. Me desculpa!”. Inicio o texto com essa frase que
escutei de uma diretora de uma escola estadual do município de Ourinhos. Ao
questioná-la sobre a utilização dos livros didáticos na escola em que trabalha e sobre a
possível disponibilidade das coleções para minha pesquisa recebi tal resposta. O fato
ocorrido no ano passado me deixou um tanto quanto estável em sua frente, que nem
consegui me justificar, falei algumas coisas que considerava importantes sobre o LD e
ali na sala dela ficou por isso mesmo.
Olhando para os conceitos abordados na pesquisa e considerando a importância
dos acontecimentos dos fatos ocorridos mesmo tratando-se de uma pesquisa teórica
qualitativa não achamos viável desconsiderar essa situação, uma vez que também
acreditamos ser necessário o afinamento dos nossos sentimentos pela observância e
registro dos comportamentos e práticas das pessoas envolvidas nesse processo
(LOURO, 1997). Essa passagem pessoal e talvez corriqueira com outras tentativas de
pesquisadores quanto aos seus variados temas de pesquisa me propõe constantemente a
reflexão para que realmente vai “servir” a minha pesquisa. Com base nesse pensamento,
indago ainda mais o seu objeto – a imagem da mulher – e vejo o quão é necessário o
conhecimento sobre a temática, que por sua vez abordam os conceitos de mulher e livro
didático, que se não discutidos implicarão em relações de poder neutralizada e diluída
em pensamentos, discursos e ações dos sujeitos. Por isso acreditamos que os espaços
para tais discussões, como as escolas, devam-se ampliar, ao passo que os assuntos sejam
dialogados com mais frequência e novos pensamentos sejam construídos.
Como dissemos anteriormente, esse trabalho é parte integrante de uma pesquisa
de mestrado em educação que está sendo desenvolvida. Para nossa investigação nos
utilizaremos dos LD de História para os anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º
ano), cabe nesse momento ressaltar que ainda não fizemos as escolhas das coleções a
serem utilizadas, porém em concomitância estamos analisando a ficha de avaliação que
compõe unicamente cada um dos guias dos LD. Escolhemos os triênios de 2007, 2010 e
2013, pois, elas se apresentam respectivamente nesses guias.
Para a pesquisa de mestrado iremos analisar a imagem da mulher nos livros
didáticos de História (1996-2013) pautada em dois métodos de análise, o iconológico
pela perspectiva da autora Martine Joly em consonância com a categoria analítica de
gênero proposta por Joan Wallach Scott. Tendo em vista o presente estudo, sem perder
o foco da pesquisa nos nortearemos por uma análise teórica que propicie a
problematização e o contexto das fichas de avaliação dos guias didáticos refletindo a
cerca das relações de gênero e de livro didático.
Entendemos que o produto cultural, denominado livro didático, encontra-se
presente diariamente nas escolas brasileiras sendo utilizado como suporte ou principal
material pedagógico do professor. Segundo as informações contidas no site do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) é o mais antigo dos programas voltados à distribuição de obras
didáticas aos estudantes da rede pública de ensino brasileiro. A última escolha dos
livros para os anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) ocorreu em 2013 e
num total foram beneficiadas 47.056 dos anos iniciais. Tendo um total de investimento
de R$ 751.725.168,04 (lucro revertido para as Editoras participantes) entre os anos
iniciais e anos finais (incluindo a modalidade de ensino para jovens e adultos – EJA).
O Programa Nacional do Livro Didático foi criado em 1985 (Brasil, 2012). A
partir de 1997 houve uma mudança significativa na forma de organização e distribuição
dos livros. Eles agora se complementam por coleções e não por séries, no caso do de
História, ele vem acompanhado do livro de Geografia até o PNLD de 2004 (BRASIL,
2003). A separação dessas disciplinas pelos livros do PNLD é apresentada no Guia de
2007 (BRASIL, 2006) e segue-se respectivamente pelo PNLD de 2010 e 2013.
O livro didático ou o artefato da cultura escolar como descreve Garcia (2013)
preenche um espaço considerável nas aulas e na sua utilização pelos professores e
alunos. Assim, considerando em números as escolas que são atendidas pelo Programa e
supostamente a quantidade de docentes e discentes que irão relacionar-se com esse
produto, podemos pensar que há vários tipos de conhecimentos científicos sendo
disseminados, cada coleção apresenta-se de um modo, porém, os editais de cada PNLD
indicam a estrutura que os livros pretendidos deverão seguir, e isso vale tanto para sua
estética quanto para o seu conteúdo.
De acordo com as pesquisas desenvolvidas por Garcia (2013, p. 82) e demais
pesquisadores no Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas (NPPD/UFPR) devem
lembrar estes pesquisadores, que, no Brasil o PNLD: “[...] impõe estruturas, conteúdos e
formas que devem ser atendidos pelas editoras para que uma obra seja aprovada e
disponibilizada à escolha dos professores e escolas”. As coleções possuem autonomia
na disposição dos assuntos, mas ao mesmo tempo devem nortear-se pelos critérios
indicados.
No caso do livro da disciplina de História ocorre a produção de outro livro de
História Regional. Ao escolhermos os LD de História como suporte para análise do
nosso objeto partimos da expectativa dos anos iniciais como lócus de processo do
desenvolvimento do saber científico com relação intrínseca a vida social. Tomando
como pressuposto as considerações de Cainelli e Oliveira (2013, p. 294) acreditamos
que:
[...] se entendermos os anos iniciais como um espaço de formação,
como um dos lugares nos quais o sujeito entrará em contato com o
saber científico e considerando que o saber histórico transita entre as
memórias advindas de toda vivência social, que essas memórias
interferem na aprendizagem histórica e que o sujeito precisa aprender
a se locomover entre memória e história, entre passado e presente,
refletindo sobre o anacronismo ou sobre o decalque do passado no
presente e vice-versa [...].
Questões como a aprendizagem histórica e o uso do LD em sala de aula não
serão abordado na pesquisa, portanto, não faremos investigações acerca dos temas. Por
outro lado não podemos nos abster que essas questões estabelecem relações com o
assunto pesquisado, afinal, falaremos de um instrumento que pode servir de apoio para
os docentes na escolha dos livros, que, primeiramente foi utilizado pelos profissionais
especialistas na disciplina que avaliaram as coleções e elaboraram as resenhas.
A ficha de avaliação funciona como um meio de apoio ao docente no momento
em que está em contato com a resenha de cada coleção. Os critérios de avaliação das
fichas seguem as normas da proposta de conteúdo e formas indicada pelo edital de
convocação de cada PNLD. Na ficha do PNLD de 2007 consta a seguinte informação:
“A ficha é reproduzida a seguir para o professor, se assim o desejar, possa ter um ponto
de referência para as próprias análises” (Brasil. 2006, p. 26).
A disposição das fichas é basicamente em forma de questionário. Em uma parte
dessas fichas é analisada especificamente a questão da mulher ou o modo como aparece
nos livros didáticos. Nelas podemos notar as seguintes perguntas a serem analisadas. No
guia do PNLD de História de 2007 as questões de gênero e mulher encontram-se no
item de princípios gerais que aborda a construção da cidadania:
IV – Princípios gerais
Construção da cidadania
O livro didático (nos textos, atividades e ilustrações) está isento de
preconceitos ou indução a preconceitos de: (exclusão):
[...] gênero
[...] Promove positivamente, visando uma sociedade justa e igualitária:
A imagem da mulher [...] (Brasil. 2006, p. 29).
Nessa parte tem que ser preenchidos “sim” ou “não” para cada item, além disso,
alguns critérios também constam com outras respostas como “bom”, “satisfatório”,
“inexistente” entre outros similares. Também, no guia do PNLD de História de 2010
essa questão está em consonância com o desenvolvimento da cidadania:
IV – CIDADANIA
[...] Desenvolvimento de ações positivas à cidadania
71 – Promove positivamente a imagem da mulher, considerando sua
participação em diferentes trabalhos e profissões e espaços de poder
72 – Aborda a temática de gênero e da não violência contra a mulher,
visando à construção de uma sociedade não sexista, justa e igualitária,
inclusive no que diz respeito ao combate à homofobia
73 – Promove a imagem da mulher através do texto escrito, das
ilustrações e das atividades, reforçando sua visibilidade (Brasil. 2009
p. 328).
REFLEXÃO
Primeiramente destacamos que as impressões apresentadas com relação as fichas
de avaliação estão passivas a outros questionamentos que surgirão no decorrer da
pesquisa podendo mudar as considerações apresentadas aqui. Concomitantemente
entendemos que a problematização do seu conteúdo é inerente a mais estudos sobre a
temática o que pretendemos continuar realizando para o feito da dissertação. Por isso
consideramos pertinente a apresentação do trabalho em eventos que discutem o assunto,
sendo contribuinte a ocasião para a pluralização dos nossos conhecimentos.
Retomando a indagação do título: onde estão as mulheres? Descrevemos que
elas se encontram em lugares supostamente reservados a elas e mesmo assim pouco
ampliado o espaço para a discussão nos livros visando os critérios aplicados nas fichas.
Por outro lado, as fichas não ocultam a mulher e lhes atribuem significados quanto a sua
representação na sociedade, representação essa a ser questionada na pesquisa que
compreende a mulher construída por suas relações sociais. Cabe aqui um ilustre
pensamento de Simone de Beauvoir, expressado e desenvolvido também por outras
historiadoras e feministas, (1970, p. 57) que ao tentar entender nos entrelaces da
sociedade a construção mulher, salienta:
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. (Trad. Sérgio Milliet). 4. ed. São Paulo:
Difusão Européia do livro, 1970.
CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Sandra Regina F. “Se está no livro de História
é verdade”: as ideias dos alunos sobre os manuais escolares de História no ensino
fundamental. In: GARCIA, Tânia Maria F. Braga; SCHMIDT, Maria Auxiliadora;
VALLS, Rafael (orgs). História e manuais escolares: contextos Ibero-americanos.
Ijuí: Unijuí, 2013. p. 291-312.
GARCIA, Tânia Maria F. Braga. Os livros didáticos na sala de aula. In: GARCIA,
Tânia Maria F. Braga; SCHMIDT, Maria Auxiliadora; VALLS, Rafael (orgs). História
e manuais escolares: contextos Ibero-americanos. Ijuí: Unijuí, 2013. p. 69-102.