Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Opinião e as Massas
Tradução
EDUARDO BRANDÃ O
Revisão da tradução
PAULO NEVES
Martins Fontes
São Paulo 2005
Título or igi na l: L'OPI NION ET LA FOULE.
Copyright © 19 92 , L ivraria Marti ns Fontes Editora Ltda. ,
S ã o Pau lo, para a presente edição .
I3 edição
agosto de 1992
2- edição
abril de 2005
Tradução
EDUARDO BRANDÃO
04-6477
índices para catálogo siste mátic o:
I. Massas : Opinião
2. Opinião pú blica:
pública Controle
: Controle socialsocial 303.38
303.38
2. Cf. Dom inique Reynié : "Opin ión du nom bre et irrati onalité, sur
Gustave L e^ o n et Ga bri el Tarde" , publi cado en^ O pi ni on pu bl i qu e et dé -
mocratie so b a aire çã o de Bernard Manin, Pasmi ale Pas quino e Domi ni
que Reynié, P. U.F. E ssç frab allio é extraid9.d e urn a tese de ciencia p olí
ti ca so br e as teo ri as d og rã n d er n lm é ro d e 198 8. S ob re G ab ri el Ta rd e,
pode-se consultar uma séri e de estudos: Gabr i el Tarde et la phil osophi e de
17tistoire, de Jean Milet, Paris, Vrin. Essa obra vale sobretudo por sua
biobi bli ogr afi a d etalhadíssim a. E ainda, "Histoires de psychologies so
ciales perdues, le cas de Gabriel Tarde", de Ian Lubek, R ev u e Fran çai se
de Soci ol ogi e, julho-setemb ro d e 198 1, XXII-3, pp. 361 -95; "Gabrie l Ta rd e
et l a mauva ise fortune d 'un 'baptém e sociol ogique' de la sci ence po liti-
qu e", de Pier re Favre, R ev ue Fra nçai se de Socio l ogie, janeir o-março de 1983,
XXIV-1, pp. 3-30.
INTRODUÇÃO IX
5. Les Loi s de Vimi t at i on, 2? ed., 1895 (edição srcinal, 1890), Slatkine,
coleção "Ressources", Paris-Genebra, 1979, p. 159.
6 . Ibid., p. 20.
7. Ibid., p. 49.
INTRODUÇÃO XI
odessa
produto denão
razão, umaencontram
razão no sentido de quedenão
nela a srcem suaprovêm
exis
tência, mas simplesm ente a origem de sua revelação. S ua
existência, de certo modo preexistente à descoberta, é
simplesmente anunciada pelo inventor ao conjunto da
sociedade. O produtor de idéia age como a peça de um
mecanismo, é por assim dizer instrumentalizado, curva-se
a uma demanda imperiosa que o ultrapassa. Sua ação equi
vale a realizar o grande desígnio da Natureza, rompendo
a camada que retinha uma idéia enterrada mas viva,
abrindo uma brecha pela qual a opinião nova irá jorrar
antes de se impor. A invenção é uma forma de simpatia,
de comunhão entre o homem social e a Natureza. O in
ventor lúcido poderia quase assistir ao "feliz cruzamen
to" que nele se produz. Por intermédio dele, a idéia é ar-
INTRODUÇÃO xm
9. Ibid.,p. 76.
10. Ibid., p. 84.
XIV A OPINIÃO E AS MASSAS
A opinião planetária
12 . Ibid., p. 399.
13. Ibid., p. 387.
14 . Ibid., p. 369.
INTRODUÇÃO XVII
A opinião consumida
16. Cf. "L a croyan ce et le désir: possibil ité de leur m esu re", jul ho-
dezembro de 1880, tomo X, pp. 150-80 e pp. 264- 83.
INTRODUÇÃO XIX
gar-se ecomo
social, não aorganizar-se.
coisa vital, deseja acima ão
A organizaç de não
tudoé émais
propa-
que
um meio cujo objetivo é a propagação, a repetição genera
tiva ou imitativa"19. Já vimos esse ponto: se uma opinião
não se propaga espontaneamente de maneira universal
é por causa da similitude imperfeita dos cérebros e de
uma liberdade também imperfeita de comunicação entre
eles. A propagação limitada ou não-un iversal de um a opi
nião repousa, portanto, na existência de obstáculos bio
lógicos e sociais, que são os únicos a impedir o acordo de
todos, acordo esse q ue continua sendo tend ência natural.
O desacordo dos espíritos não é, de modo algum, funda
do na razão; é como o signo de uma adequação inacabada
entre a humanidade e a grande lógica do mundo.
Assim, a imitação acarreta a propagação dos com
portamentos sociais e sua adoção pelo grande número
dos membros da comunidade. A similitude das opiniões
ou das necessidades conduz naturalmente à idéia de uma
quantidad e social, que um conjunto composto de uma plu
ralidade de elementos total ou grandemente heterogê
neos tornaria impossível ou pouco pertinente. O princí
pio da similitude abre a possibilidade de uma estatística
social. Mas, sobretudo, a opinião deixa de ser uma reali
dade individual
coletivo. para mudança
Eis aí uma se tomar um fato na
capital antes de maise nada
natureza no
estatuto da opinião.
dade insuficiente,
gênea aovisíveis,
s, mas m enos passo que outras,aos
escapam bem mais
calcu homo
ladores"34.
Aqui, Tarde designa duas carências que enfraquecem a
estatística. Em primeiro lugar, se é possível medir a ex
TardeNaocupa
história do conceito
certamente um de opinião
lugar pública,
à parte. Gabriel
Quando Ha-
bermas procurava, em O espaço público, reconstituir sua
evolução, sabemos que a pensava em termos de degra
dação. Ao contrário de uma srcem ideal situada nos sa
lões da burguesia esclarecida do final do século XVIII, a
opinião pública teria designado progressivamente uma
instância receptora de manipulação e de propaganda po
lítica e comercial: "O sintagma 'opinião pública' adquire
um sentido diferente, conforme a reivindiquemos como
instância crítica em face da 'publicidade' imposta, corre
lativa do exercício do poder político e social, ou confor
me nos sirvamos dela para designar a instância 'recep
tora' da 'publicidade' de demonstração e manipulação,
que enaltece bens de consumo, pr ogramas políticos, ins
tituições
questão doou julgamento
pers onalidad es."41
feito porDeixem os desobre
Habermas lado aqui
essa a
perversão, cuja avaliação suscita alguns problemas42. Num
plano estritamente histórico, pode-se concordar com a
constatação. Nessa perspectiva, a obra de Gabriel Tarde
assume uma importância maior por ter fortemente con
tribuído para essa transformação. Tarde é, assim, o pri
meiro a teorizar a nova forma da relação social de mas
sa, à qual ele dá o nome de público. A ciência do público
41. U Espace publ i c, trad. fr. Marc de Launay, Paris, Payot, 1986 (ed.
srcinal, 1962), p. 246.
42. Cf. a discussão de Bernard Manin em O pi ni ón pu bl i qu e et dé
mo-
cratie, P.U.F., op. ci t .
INTRODUÇÃO XXXIII
D o mi n i q ue R eyn i é
vista,
logia dessa concepçã
ordinária o misteriosa
e a psicologia para- traçar
social entreriríamos
que prefe a psico
chamar de interespiritual - uma distinção muit o nítida.
Com efeito, enquanto a primeira se prende às relações do
espírito com a universalidade dos outros seres exteriores,
a segunda estuda, ou deve estudar, as relações mútuas dos
espíritos, suas influência s unilaterais e recíprocas - unila
terais em primeiro lugar, recíprocas depois. Há, portanto,
entre as duas, a diferença entre gênero e espécie; mas a es
pécie aqui é de uma natureza tão singular e tão importan
te que quer ser separada do gênero e tratada por métodos
que lhe sejam próprios.
Os diversos estudos que se irão ler são fragmentos
de psicologia coletiva assim entendida. Um vínculo es-
2 A OPINIÃO E AS MASSAS
Ga b r i el T arde
M aio de 1901.
CAPÍT ULO I
O PÚBL ICO E A MULT IDÃO
uma espécie
crescer e cujadeexpansão
público bem diferente,
indefinida é umquedos
nãotraços
cessamais
de
marcantes de nossa época. Fez-se a psicologia das multi
dões; resta fazer a psicologia do público, entendido nesse
segundo sentido, isto é, como uma coletividade puramen
te espiritual, como uma disseminação de indivíduos fisi
camente separados e cuja coesão é inteiramente mental.
6 A OPINIÃO E AS MASSAS
essa crescente
xão sensação daé atualidade, que é tão estranha
uma das características e cuja pai
mais nítidas da
vida civilizada. O que é reputado "atualidade" é apenas o
que acaba de acontecer? Não, é tudo o que inspira atual
mente um interesse geral, mesmo que se trate de um fato
antigo. Foi "atua lidad e", nesses últimos anos, tudo o que
concerne a Napoleão; é atualidade tudo o que está na
moda. E não é "atualidade" o que é recente mas negli
genciado atualmente
orientada pelaDurante
noutra direção. atenção todo
da opinião pública,
o caso Dreyfus,
ocorriam na Á frica ou na Ásia f atos capazes de nos inte
ressar muito, mas foi dito que eles não tinham nada de
atual. Em suma, a paixão pela atualidade progride com a
sociabilidade, da qual ela não é mais que uma das mani
festações mais impressionantes. E como é próprio da im
prensa periódica, da imprensa cotidiana sobretudo, só
tratar dos assuntos de atualidade, não devemos nos sur
preender com ver formar-se e estreitar-se entre os leito
res habituais de um mesmo jornal uma espécie de asso
ciação pouquíssimo notada e das mais importantes.
Evidentemen te, para que essa sugestão a distância dos
indivíduos que compõem um mesmo público torne-se
possível, é preciso que eles tenham praticado por muito
O PÚBLICO E A MULTIDÃO 9
se fragmenta.
um Não creio
público filosófico que antes
distinto de Bayle
do grande tenha literário
público existido
ou que dele começasse a se destacar. Pois não chamo de
público um grupo de sábios, unidos, é verdade, apesar de
sua dispersão em diversas províncias ou diversos Esta
dos, pela preocupação com pesquisas semelhantes e a lei
tura dos mesmos escritos, mas tão pouco numerosos que
todos mantêm entre si relações epistolares e retiram des
sas relações pessoais o principal alimento de sua comu
nhão científica. Um público especial só se delineia a partir
do momento, difícil de precisar, em que os homens dedi
cados aos mesmos estudos foram em número demasiado
grande para poder em se conh ecer pessoalmente, perc e
bendo que os vínculos de uma certa solidariedade entre
eles só se estabeleciam por comunicações impessoais de
uma
gunda freqüência
metade do e de umaXVIII,
século regularidade suficientes.
nasce, cresce Na se
um público
político, que em seus transbordamentos irá em breve ab
sorver, como um rio, seus afluentes, todos os outros pú
blicos, literário, filosófico, científico. No entanto, até a Re
volução, a vida de público tem pouca intensidade por si
mesma e só adquire importância pela vida de multidão,
à qual ainda está ligada, através da animação extrema dos
salões e dos cafés.
Da Revolução data o verdadeiro advento do jorn alis
mo e, por conseguinte, do público, de que ela foi a febre
de crescimento. Não que a Revoluçã o tamb ém não ten ha
suscitado multidões, mas nisso não há nada que a dis
tinga das guerras civis do passado, nos séculos XIV, XVI,
12 A OPINIÃO E AS MASSAS
3. Pod er-se-á dizer que, se cad a grand e public ist a faz seu público,
cada público um pouco numeroso faz seu publicista? Essa última pro
posição é bem menos verdadeira que a primeira. Vemos grupos muito
numerosos que, por longos anos, não conseguem fazer surgir o escri
tor adaptado à sua verdad eira ori entaçã o. Ta l é o caso do m und o cató
lico no presente.
18 A OPINIÃO E AS MASSAS
-pouquíssimos
fazendo comanosque, quando seus condutores
por exemplo, se renovam
o público socialista fran
cês do presente em nada se assemelhe àquele do tempo
de Proudhon -, ao passo que as multidões francesas de
todo gênero conservam sua mesma fisionomia reconhe
cível através dos séculos.
Objetar-se-á talvez que o leitor de um jornal dispõe
bem mais de sua liberdade de espírito do que o indivíduo
perdido e arrastado numa multidão. Ele pode refletir em
silêncio sobre o que lê e, apesar de sua passividade habi
tual, poderá mudar de jornal, até encontrar o que lhe con
vém, ou que ele julga lhe convir. De outro lado, o jornalis
ta procura agradá-lo e retê-lo. A estatística das assinaturas
e das suspensões de assinaturas é um excelente termô
metro, consultado com freqüência, que adverte os reda
tores
Uma sobre a linha
indicação de natureza
dessa conduta emotivou,
de pensamento a seguir.
num caso fa mo
so, a súbita mudança de idéias de um grande jornal, e essa
reviravolta não é excepcional. O público, portanto, reage
às vezes sobre o jornalista, mas este age continuamente
sobre seu público. Após alguns tenteios, o leitor escolheu
seu jornal, o jornal selecionou seus leitores, houve uma
O PÚBLICO E A MULTIDÃO 19
gado
àqueleque o livro,
do que o adágio
a este. citadoporém,
Na verdade, é aindatodo
maisjornal
aplicável
tem
seu gancho, e esse gancho, cada vez mais em destaque, fixa
a atenção da totalidade dos leitores, hipnotizados por
esse ponto brilhante. No fundo, apesar da miscelânea de
artigos, cada folha tem sua cor própria, sua especialidade,
seja pornográfica, seja difamatória, seja política ou outra
20 A OPINIÃO E AS MASSAS
Eis por que é tão difícil fazer uma b oa lei sobre a im
prensa. É como se houvessem querido regulamentar a
soberania do Grande Rei ou de Napoleão. Os delitos de
imprensa, os próprios crimes de imprensa, são quase tão
impuníveis como eram os delitos de tribuna na Antigui
dade e os delitos de púlpito na Idade Média.
Se é verdade, como os aduladores das multidões têm
o hábito de repetir, que o papel histórico das individua
lidades está destinado a diminuir cada vez mais e na me
dida da evolução democrática das sociedades, deveríamos
ficar singularmente surpresos ao ver crescer dia a dia a
importância dos publicistas. Não é negável, porém, que
eles fazem a opinião nas circunstâncias críticas; e, quan
do dois ou três desses grandes chefes de clãs políticos ou
literários resolvem aliar-se em prol de uma mesma cau
sa, por pior que seja, ela está garantida de triunfar. As
sim, coisa curiosa, o último dos agrupamentos sociais a
se formar e o mais em via de desenvolver-se no curso
de nossa civilização democrática, ou seja, o agrupamen
to social em públicos, é aquele que oferece aos caracteres
individuais marcantes as maiores facilidades de se impor
e às opiniões individuais srcinais as maiores facilidades
de se expandir.
cada vez
nação, menos
pois inquieta
sabe-se ção se
bem que, ouchegarem
temor comaosua denom
poder, só oi
farão transformados a fundo. Em breve, dos partidos he
reditários e tradicionais de outrora não restará mais que
a lembrança.
A força relativa dos antigos agregados sociais tam
bém é singularmente modificada pela intervenção da im
prensa. Antes de mais nada, observemos que ela está
longe de favorecer
profissionais. a preponderância
A impren sa profissional,das classificações
aq uela dedicada a
interesses de ofício, judiciários, industriais, agrícolas, é a
menos lida, a menos interessante, a menos atuante, salvo
quando se trata de greve ou de política sob a aparência de
trabalho. É a divisão social por grupos de idéias teóricas,
de aspirações ideais, de sentimentos, que recebe da im-
O PÚBLICO E A MULTIDÃO 25
amplificam
força emmas
enorme, proporções inéditas.
passageira. PassamAdquirem então
a ter duas uma
caracte
rísticas que lhes eram desconhecidas: tornam-se suscetí
veis de se interpenetrar e de se internacionalizar. Interpe-
netram-se facilmente porque, como dissemos mais acima,
cada um de nós faz parte ou pode fazer parte de vários
públicos ao mesmo tempo. Intemacionalizam-se porque
o verbo alado do jornal vence sem dificuldade as fron
teiras jamais ultrapassadas,
mais célebre, do líder de umoutrora, pela
partido4. Foivoz do oradorque
a imprensa
5. Pode -se afirmar incl usive que se descreve cad a público pela na
tureza da multidão que dele nasce. O público devoto é representado
pelas peregrinações a Lourdes; o público mundano pelas corridas de
cavalo em Longchamp, pelos bailes e festas; o público literário pelos
auditórios de teatro, pelas recepções na Academia Francesa; o público
industrial por suas greves; o público político por suas reuniões eleito
ra is, suas Câm aras de deputados; o público revoluci onário por suas in
surreições e barricadas...
28 A OPINIÃO E AS MASSAS
entreApesar de tudo,
os diversos a distinção
públicos, como mais
entre importante
as diversas amulti
fazer
dões, é a que corresponde à natureza de seu objetivo ou
de sua fé. Pessoas na rua, passeando ou dirigindo-se ao
trabalho, camponeses reunidos numa feira, por mais que
formem um denso magote, não são mais que um aglo
merado até o momento em que uma fé comum ou um
objetivo comum os comove ou os move em conjunto. As
sim que um novo espetáculo concentra seus olhares e
seus espíritos, que um perigo imprevisto, uma in dignação
súbita orienta suas emoçõe s para um mesm o desejo, elas
começam a agregar-se docilmente, e esse primeiro grau
de agregado social é a multidão. Pode-se dizer do mesmo
modo: os leitores de um jornal, inclusive os habituais, na
32 A OPINIÃO E AS MASSAS
pular segundo
influência a qual "a
individual sobimprensa teria
o dilúvio desde então
cotidiano submergido
de suas opiniões toda impes
soai s..." . A imprensa, diz ele, "produziu o máximo de impressão sobre a
opinião públ ica quando fo i o porta-v oz de um a personalidade notá vel,
um Garrison, um Creeley. Além disso, o público não percebe muito
bem que, nas redações dos jornais, o homem de idé i as, ignora do do m un
do, é conh ecido de seus confrades e imprime sua individualidade sobr e
o cérebro e a obra deles".
O PÚBLICO E A MULTIDÃO 33
de
mam.arbitrário e subjetivo nos
Elas experimentam juízos ainda
de modo de gosto
maisque procla
imperioso
a nec essid ade de ver difundir-se e propagar-se seu en tu
siasmo p or este ou aquele artista, por Victor Hugo, Wag
ner, Zola, ou, inversam ente, seu horror por Zola, Wagner,
Victor Hugo, na medida em que essa propagação da fé
artística é praticamente sua única justificativa. Assim,
O PÚBLICO E A MULTIDÃO 35
um
memvisitante
popular,imperial,
tribuno,de um trem
general que deve
vitorioso, trazer oum
esperam ho
corte
jo do soberano ou a chegada do trem. A curiosidade de tais
multidões atinge proporções inusitadas, sem a menor re
lação com seu objeto, às vezes insignificante. Ela é ainda
mais intensa e exagerada do que nos públicos expectan
tes, nos quais se eleva, porém, bastante alto quando mi
lhões de leitores superexcitados por um caso sensacio
nalista ficam à espera de um veredicto, de uma prisão, de
uma notícia qualquer. O menos curioso, o mais sério dos
homens, se entra num desses ajuntamentos febris, per-
gunta-se o que é que o retém ali apesar de suas ocupações
urgentes, que estranha necessidade ele agora experimen
ta, como todo o mundo ao redor dele, de ver passar o car
ro de um imperador ou o cavalo negro de um general. No
temos, ademais,
muito mais que asdomultidões
pacientes expectantes
que os indivíduos emsão sempre
semelhan
te caso. Durante as festas franco-russas, multidões pari
sienses estacionaram por três ou quatro horas, imóveis,
comprimidas, sem nenhum sinal de descontentamento,
ao longo do trajeto por onde haveria de passar o cortejo
do czar. De tempos em tempos, um carro qualquer era to-
38 A OPINIÃO E AS MASSAS
vêem ou ouvem
pior que pe la metade
seja o lugar, oucaro
por mais ne mque
isso; notenha
lhes entan custa
to, por
do, sentem-se satisfeitos e de nada se queixam. Tais pes
soas, por exemplo, esperaram duas horas a chegada do
czar, que finalmente passa. Mas, amontoadas atrás de vá
rias filas de pessoas, não viram nada; sua única satisfação
foi ouvir um ruído de carros mais ou menos expressivo,
40 A OPINIÃO E AS MASSAS
pelo amor
sui com e pelo ódio;
freqüência, mas, diferentemente
quando daquela,
o amor a inspira, pos
uma eficácia
de produção direta, por ser mais refletida e calculada,
mesmo em suas violências. O bem que ela faz não se li
mita ao exercício diário da simpatia social dos indiví
duos, excitada pelas sensações cotidianam ente renova
das de seu contato espiritual. Ela suscitou algumas boas
leis de mútua assistência e de piedade. Embora nada te
nham de periódico e de regulado pela tradição, as alegrias
e os sofrimentos do público possuem, mesmo assim, como
as festas da multidão, o dom de abrandar as lutas e paci
ficar os corações, e é preciso abençoar a imprensa frívola,
não digo pornográfica, quando ela mantém o público num
bom humor mais ou menos constante, favorável à paz.
Quanto aos públicos de ódio, conhecemo-los também, e
o mal
nos que fazem
praticados ou que
pelas fizeramfuré iosas.
multidões bem superior aosé da
O público uma
multidão bem menos cega e bem mais duradoura, cuja
raiva mais perspicaz se acumulou e se sustenta durante
meses e anos.
Assim, surpreende-me que, após ter-se falado tan
to dos crimes da multidão, nada se tenha dito dos crimes
46 A OPINIÃO E AS MASSAS
11. Ver sobre esse assunto nossas Tmns format i ons du droi t [Trans
formações do direito], pp. 116 e 307, bem como a tese de René Worms
sobre a Vontade unil ate ral .
48 A OPINIÃO E AS fAASSAS
12. Pois há públicos com o assembléias que são tanto mais fácei s
de enganar quanto mais numerosos forem, como os prestidigitadores
sabem muitíss imo bem.
PÚBLICO
O MULTIDÃO
AE 49
campos
Ora,deessas
batalha.
histórias homicidas pouco crédito teriam
encontrado entre os camponeses enquanto eles vives
sem dispersos nos campos; mas, reunidos nas feiras ou
nos mercados, tornaram-se de repente crédulos a essas
odiosas imbecilidades; e o crime de Hautefaye foi um san
grento testemunho disso.
As multidões não são apenas crédulas, são loucas.
Várias
mesmadas s doscaracterísticas que observamos
pacientes de nossos hospícios:nelas são asdo
hipertrofia
orgulho, intolerância, imoderação em tudo. Elas vão sem
pre, como os loucos, aos pólos extremos da excitação e da
depressão, ora heroicamente furiosas, ora aniquiladas de
pânico. Têm verdadeiras alucinações coletivas: os homens
reunidos julgam ver ou ouvir coisas que isoladamente não
vêem nem ouvem mais. E, quando se acreditam persegui
das por inimigos imaginários, sua fé é baseada em racio
cínios de alienados. Encontramos um belo exemplo disso
emTaine. Por volta do final de julho de 1789, sob o impac
to da comoção nacional que havia suscitado por toda par
te, nas ruas, nas praças públicas, reuniões febris, um b oa
to se espalha gradativamente e logo toma conta de toda
a região de Angoumois, Périgord e Auvergne. Dez mil,
começou
foram a se formar,
cometidos: quedeosSão
a noite maiores crimes talvez,
Bartolomeu históricos
as
perseguições contra os protestantes sob Luís XIV certa
mente, e tantos outros! Os massacres de setembro [1792]
tiveram a aprovação entusiasta de um certo público, e sem
a existência, sem as provocações desse público, não teriam
acontecido. Num nível inferior de delito, as fraudes eleito-
54 A OPINIÃO E AS MASSAS
pessimista.
fundas I nclino -me sociais
transformações a crer, apesar de tudo,àque
que devemos as pro
imprensa
se fizeram no sentido da união e da pacificação finais. Ao
substituírem os agrupamentos mais antigos, ou se super
porem a eles, como vimos, os novos agrupamento a que
chamamos públicos, sempre mais extensos e maciços,
não fazem apenas o reinado da moda suceder ao reino
do costume, a inovação suceder à tradição, mas tamb ém
substituem as divisões marcadas e persistentes entre as
múltiplas variedades da associação humana, com seus
conflitos sem fim, por uma segmentação incompleta e
variável, de limites indistintos, em via de perpétua reno
vação e de mútua penetração. Tal me parece ser a con
clusão desse longo estudo.
Mas acrescento que seria um erro profundo enaltecer
as coletividades,
progresso mesmo
humano. Todasob sua forma
iniciativa mais espiritual
fecunda, em última do
análise, emana de um pensamento individual, indepen
dente e forte; e para pensar é preciso não apenas isolar-
se da multidão, como diz Lamartine, mas também do pú
blico. É o que esquecem os grandes aduladores do povo
agrupado em massa, que não percebem uma espécie de
56 A OPINIÃO E AS MASSAS
A opinião
A opinião es tá para o público, nos tempos mod ernos,
assim como a alma está para o corpo, e o estudo de um
nos conduz naturalmente ao outro. Poderão objetar que
sempre existiu uma opinião pública, enquanto o público,
no sentido que especificamos, é bastante recente. Isso é
certo, mas veremos
dessa objeção. O queem seguida
vem a ser aa opinião?
que se reduz
Comoo ela
alcance
sur
ge? Quais são suas fontes diversas? Como ela se expri
me ao crescer e, exprimindo-se, cresce, como indicam seus
modos de expressão contemporânea, o sufrágio universal
e o jornalismo? Qual é sua fecundidade e sua importância
social? Como ela se transforma? E para que foz comum,
se é que há uma foz, convergem suas múltiplas correntes?
Iremos esboçar algumas respostas para essas questões.
Digamos inicialmente que, nessa palavra opinião, con
fundem-se habitualmente duas coisas, que estão mistu
radas de fato, é verdade, mas que uma boa análise deve
distinguir: a opinião propriamente dita, conju nto dos juí-
60 A OPINIÃO E AS MASSAS
sões, suas
lações invasõe
múltiplas s recíprocas,
e variadas, sãosua
umação
dos mútua, suas
interesses re
pun
gentes da história. A vida social não tem nada de mais
interno n em de mais fecundo que esse longo trabalho de
oposição e de adaptação freqüentemente sangrentos. A
tradição, que permanece sempre nacional, é mais confi
nada entre limites fixos, mas infinitamente mais profun
da e estável que a opinião, coisa leve e passageira como o
vento e, da mesma forma que ele, expansiva, aspirando
sempre a tornar-se internacional como a razão. Pode-se
dizer, em geral, que a falésia da tradição é incessantemen
te roída pelo avanço da opinião, maré sem refluxo. A opi
nião é tanto mais forte quanto menos o for a tradição, o
que não quer dizer que a razão também é menos forte en
tão. Na Idade Média, a razão, representada pelas uni
versidades, os concilios
mais força que hoje parae resistir
as cortesà opinião
de justiça, tinha muito
popular e re-
idéia comum
uma pedra quesecaísse
estabelecia
do céu,nos
deespíritos, não era ecomo
srcem impessoal por
isso mais prestigiosa; cada um a representava ligada ao
timbre de voz, ao rosto, à personalidade conhecida de
quem ela procedia e que lhe davam uma fisionomia viva.
Pela mesma razão, ela só servia de vínculo entre pessoas
que, vendo-se e falando-se todo s os dias, não se en gana
vam muito umas em relação às outras.
Enquanto a extensão dos Estados não ultrapassou as
muralhas da cidade ou, no máximo, as fronteiras de um
pequeno cantão, a opinião assim formada, srcinal e forte,
forte contra a própria tradição às vezes, mas sobretudo
contra a razão individual, desempenhou no governo dos
homens o papel preponderante do coro na tragédia gre
dário e muito
tamente superior,
sem jamais cujas unidades
se terem visto nemseconhecido.
associam estrei
Re
sultam daí diferenças importantes, entre elas as seguin
tes: nos grupos primários, as vozes mais ponderantur que
numerantur, ao passo que, no grupo secundário e bem
mais vasto em que as pessoas se juntam sem se ver, às ce
gas, as vozes só podem ser contadas e não ponderadas.
66 A OPINIÃO E AS MASSAS
houvePode-se
nenhumafirmar que, até
belo crime de adireito
Revolução Francesa,
comum, não
não político,
não explorado por sectários, pelo qual a França inteira se
sentisse apaixonada.
A crônica judiciária, tal como a conhec emos, elemen
to infelizmente tão importante h oje em dia da consciência
coletiva, da opinião, a crônica judiciária f az, sem nenhum
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 69
mentos contemporâneos
dos. O monarca o são
de outrora dospor
tinha parlamentos passa
mérito supremo
constituir a unidade e a consciência da nação; o monarca
de hoje não pode mais ter outra razão de ser do que expri
mir essa unidade constituída fora dele pela continuidade
de uma opinião nacional consciente de si própria e con-
formar-se a ela ou curvar-se sem submeter-se a ela.
Para concluir sobre o papel social da imprensa, não é
aos grandes progressos da imprensa periódica que deve
mos sobretudo a delimitação mais nítida e mais ampla, o
sentimento novo e mais acusado das nacionalidades que
caracteriza politicamente nossa época contemporânea?
Não foi ela que fez crescer, juntamente com nosso inter
nacionalismo, nosso nacionalismo, que parece ser a ne
gação daquele e poderia muito bem não ser mais que seu
complemdecrescente,
lealismo ento? Se o nacionalismo crescente,
tornou-se a nova formaem
deluga
nossor do
patriotismo, não devemos atribuí-lo a essa força terrível
e fecunda? Pode ser espantoso ver, à medida que os Es
tados misturam-se e imitam-se mutuamente, assimilam-
se e unificam-se moralmente, a demarcação das naciona
lidades aprofundarem-se e sua s oposições mostra rem-se
74 A OPINIÃO E AS MASSAS
A conversação
-doura
não exerceriam
e profunda,soseriam
bre oscomo
espíritos
umanenh
cordauma ação dur
vibrante sema
base de harmonia; ao contrário, na ausência de jornais e
mesmo de discursos, a conversação, se conseguisse pro
gredir sem esses alimentos, o que também é difícil con
ceber, poderia, a longo prazo, suprir numa certa medida
o papel social da tribuna e da imprensa como formadora
da opinião.
diretaPor conversação,
e imediata, em entendo todo
que se fala diálogo por
sobretudo semfalar,
utilidade
por
prazer, por distração, por polidez. Essa definição exclui de
nosso tema tanto os interrogatórios judiciários como as
negociações diplomáticas ou comerciais, os concilios e até
mesmo os congressos científicos, embora se caracterizem
por muito falatório supérfluo. Ela não exclui o flerte mun
dano nem as conversas amorosas em geral, apesar da
transparência freqüente de seu objetivo que não as impe
de de serem agradáveis por si mesmas. Ela compreende,
além disso, todas as conversas de luxo inclusive entre bár
baros e selvagens. Se eu só me ocupasse da conversação
polida e cultivada como uma arte especial, não deveria
fazê-la remontar, ao menos depois da Antiguidade clás
sica, a muito antes do século XV na Itália, do XVI ou do
XVII
manha.na Contudo,
França e, depois, na Inglaterra,
muito antes do XVIIIdessa
do desabrochar na Ale
flor
estética das civilizações, seus primeiros botões começa
ram a mostrar-se na árvore das línguas; e por serem me
nos fecundos que as conversas de uma elite em resultados
visíveis, os intercâmbios terra a terra dos primitivos não
deixam de ter sua grande importância social.
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 77
fazem as um
licidade, vezes, na medida
número maior em que inte ressam, por in fe
de pessoas.
Deixando de lado muitas distinções secundárias, dis
tingamos antes de tudo a conversação-luta e a conversa-
ção-troca, a discussão e a mút ua informação. Não é de du
vidar, como veremos, que a segunda vai se desenvolvendo
em detrimento da primeira. O mesmo se dá no curso da
80 A OPINIÃO E AS MASSAS
5 . 0 costum e das visi tas e o dos pre sentes estão ligados ent re s i; pa
rece prováv el que a visi ta era apenas a conseqüê ncia necessária do pre
sent e. A visi ta é, em su ma, u m a sobreviv ência; o presente era sua razão
de s er na srcem , e e la sobreviveu a ele. Mas algo disso persiste. N as vi
sitas no interior, quando se vai à casa de anfitriões que têm filhos, ain
da é costume em muitas regiões levar bombons, guloseimas. Os cum
primentos deviam ser outr ora o simples acompanham ento dos present es,
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 81
Em todos
que seus os tempos,
sacerdotes os conversadores
ou professores, pais ou falam daquilo
mestres, ora
dores ou jornalistas, lhes ensinaram. É portanto dos m o
nólogos pronunciados pelos superio res que se alimentam
os diálogos entre iguais. Acrescentemos que, entre dois
interlocutores, é raro os papéis serem de uma igualdade
perfeita. Na maioria das vezes, um fala muito mais que
o outro. Os diálogos de Platão são um exemplo disso. A
passagem do mo nólogo ao diálogo verif ica-se na evolu
ção da eloqüência parlamentar. Os discursos solenes, en
fáticos, não interrompidos, eram habituais no s antigos par
lamentos; eles são excepcionais nos novos parlamentos.
As sessões das Câmaras de deputados assemelham-se
cada vez mais a discussões, se não de salão, ao menos de
associação ou de café. Entre um discurso da câmara fran
cesa cortado
sações de interrupções
violentas, a distância éfreqüentes
mínima. e certas conver
Fala-se para ensinar, pedir, mandar ou, enfim, para
questionar. Uma questão seguida de resposta já é um em
exceçõ es. Segun do as Cart as edi fi cantes , os illinois eram exce pciona lmente
dotados para a art e da con versação. "Eles sabem gracejar sem ofe nde r,
não costum am desavir-se nem exaltar-se ao conversarem. Jam ais int er
rompem alguém na conversação. Os homens, dizem-nos, levam uma
vida per feit amente ociosa; conversam fum ando cachimbo, e é tudo. As
mulheres trabalham, mas tampouco deixam de tagarelar."
88 A OPINIÃO E AS MASSAS
opanha
mu ndocomom ergulhado narepúblicas
em todas as polít ica, único assunto
espanholas dade conversações,
América do Sul.na Es
11. Um dos maiores obstáculos ao estabelecimento de sociedades
cooperativas d e consumo, que apresentam vantagens tão manife stas ao
consumidor, são, segundo u m excelente obser vador, "os hábitos de me
xericos que se praticam nas vendas. Ali é o ponto de encontro onde se
trocam as notícias do bairro, onde se exerce essa tagarelice miúda tão
cara às mulheres e que as liga aos fornecedores. E inclusive essa dispo
siç ão das m ulheres que decide certas sociedades (por exceção) a vender
ao públ i co (e não apenas aos associados), porque, entã o, o arm azém não
tem m ais um aspecto parti cular , e as mulheres julg am vir a um a vend a
qu alqu er". Percebem os por aí quan to é forte e i rresi stíve l a corren te das
con versações, um a vez lançada. Tem-s e outra prova diss o na dific ulda
de reconhecida de guardar um segredo, quando se sabe que este é ca
paz de interes sar a um int erlo cutor, mesm o que haj a interes se em calar -
se. Essa dificuldade, tão grande às vezes, serve para avaliar a força da
inclinação simpática, da necessidade de comunicação mental com nos
sos semelhantes.
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 91
13. Em seu li vro Les Françai s d 'au j ou rd 'hu i , que parece criado e tra
zido à luz expressamente pa ra servir de pedra de toque decisiva a suas
idéias gerais, Demolins explica, pela influênc ia da oliveira e d o ca sta
nheiro, o gosto dos meridionais pelas conversações e sua tendência às
hipérboles.
14. Aum enta também , é claro , com o número e a densidade da po
pulaç ão. C onvers a-s e muito men os - caet eri s pari bus [ficando iguais as
demais coisa s] no campo do que na cidade; a emigração do cam po para
as cidades favorece portanto a conversação e faz com que ela se trans
forme. Mas, nas cidades pequenas, onde abundam os ociosos e todo o
m un do se conhece, não s e conversa ma is que nas cidades? Nã o, pois f al
tam assuntos. A conversação que ali merece esse nome não é mais que
o eco da conversação das grandes cidades.
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 93
16. Antes do século XVIII , não se com preen deria um sal ão como o
de Holbach. O de Madame de Rambouillet era um salão l i t erár i o e pr e
cioso, sem a menor liberdade de espírito, onde só havia um pouco de li
berdade na conversação amorosa e galante (e olhe lá!), ao passo que no
salão de Holbach presenciava-se, diz Morellet, "a conversação mais li
vre, mais instrutiva e animada que jamais existiu. Quando digo livre,
refiro-me a questões de filosofia, religião e governo, pois os gracejos li
vres
ria nodeséculo
outraXVI
natureza
e na I estava m banidos".
dad e Média: o ditoEpicaxatam ente
nt e era o contrári
a em o ocor
ancipação das
conversações em ma téria de relaçõe s sexuais, prevalecendo sobre qual
quer outra liber dade. O salão de H olbac h, com o o d e Helvétius e os de
todo o final do século XVIII, reuniam conversadores de toda classe e
nacionalidade, ecletismo que não teria sido possível antes. Pela grande
diversidade de srcem dos conversadores, como pela extrema varieda
de e liber dade de seus assu ntos de con versa, esses salões difer iam mui
to dos anteriores.
96 A OPINIÃO E AS MASSAS
18. Mal é preciso notar, tanto isso me parece evidente, que a evolu
ção da conversação conforma-se às lei s da i mi t ação, especialmente à da
imitação do superior pelo inferior, considerado como tal e considerando-
se ele próprio como tal. Veremos, assim, a confirmação que nosso tema
oferece à idéia sobre a qual insisti várias vezes, de que as capitais, por
tanto as democracias, desempenham o papel das aristocracias antes de
las. Foi durante muito tempo da Corte, elite aristocrática, imitada pelas
mansões d as grandes cidades e pelos c astelo s, depois pelas casas d a bur
guesia, que emanaram as novas formas e o s novos temas de conversação.
É agora de Paris, imitada pelas grandes, médias e pequenas cidades,
até as menores aldeias onde são lidos os jornais, sejam parisienses, se
jam o eco telegráf ico das inform ações parisienses, que se difundem por
toda a parte o tom e o conteúdo da c onversação do dia . Tem- se a prova
dessa derivação,
o extremo sul daparticularmente pela difusão
França. Tanto entre nós comodonosotaque de Paris
estrangeiro, até
o sota
que da capital difundiu-se nas províncias e jamais o inverso aconteceu,
pelo menos lá onde a capital é realmente considerada como tal. Se a ca
pital da França fosse Bordéus, toda a França falaria à moda dos gascões.
19 . "Precisamos de todo ti po de pessoas para pod er fal ar de todo
tipo de coisas na conv ersação qu e, na vossa apreciação e na minha, éo
mai or p ra zer da vi da e quas e o úni co, em mi nha opi ni ão" , escreve Mademoi-
selle de Montpensier a Madame de Motteville.
100 A OPINIÃO E AS MASSAS
sões parisienses21.
burguesia MasXIX,
até o século suaquando
difusãonão
foi lenta nas casas
há pequeno da
apar
tamento que não pretenda ter sua sala de visitas. Na des
crição que Delahante nos oferece da casa que seu trisavô
mandou construir em Crécy, em 1710, observo que não
havia uma peç a separada p ara receb er as visitas. Sala de
estar, de jantar, quarto de dormir inclusive, uma única peça
fazia as vezes de tudo. E tratava-se de um homem da bur
guesia em via de enriquecimento. Co mia-se com freq üên
cia na cozinha. Mas havia, nessa casa, que era tida então
por muito confortável, um "gab inete de repouso" destina
do à solidão e não às recepções.
Na França, o castelo de Rambouillet, cujo salão é in s
talado quase na aurora do grande século, por volta de 1600,
foi, não o primeiro berço, mas a primeira escola da arte de
conversar.
tais lições eGraças às oitocentas
cujos nomes preciosas
nos foram formadas
conservados, por
difun
diu-se um "ardor geral de conversação", para empregar a
expressão de um contemporâneo; e da França, então mo
delo universal, essa paixão propagou-se em seguida ao es
trangeiro. Ela certamente desempenh ou sobre a formação
ou a transformação da língua francesa uma influência pro
funda. As preciosas, como nos informa o abade de Pure22,
delicadeza
língua e de imagináveis". Segundo
gramática surgem de inst
a todo Puré, as questões
ante de
e a qualquer
propósito, em suas conversas. Uma delas não quer que se
diga "j’aime le melón" [amo melão], porque é prostituir a
palavra "j'aime". Cada urna délas tem seu dia, em que re
cebem as competidoras desses torneios da conversação.
Atribuía-se esse costume a Mademoiselle de Scudéry de
quem inúmeras contemporâneas nossas, que também
"têm seu dia", são plagiárias sem saber.
Conversar, para as preciosas e para todas as grandes
damas que as tomavam por modelo, era uma arte tão ab
sorvente que elas evitavam cuidadosamente, em suas reu
niões, ocupar seus dez dedos, apesar dos hábitos contrá
rios das mulheres da época. "Procurei em vão", diz Rcede-
rer23, "nos escritos da época, a ocu pação que as mulheres
da altaentre
visto sociedade juntavam
suas mãos à conversação.
a agulha, a naveta, oGostaria de ter
fuso, a doba-
doura; desejaria ter visto essas mulheres bordarem, faze
rem tapeçaria". O que é ainda mais surpreendente por
vermos, mais tarde, Madame de Maintenon, fiel aos ve
lhos costumes, manusear os fusos, e contar seus novelos
enquanto conversava com Luís XIV.
Numa sociedade realmente civilizada, não basta que
os móveis mais úteis e mais simples sejam objetos de arte,
é preciso também que as menores palavras, os menores
gestos acrescentem sempre a seu caráter de utilidade, sem
nenhuma afetação, um caráter de graça ou de beleza pró
23. M é
m oi r es p our ser v i r àl 'hi st oi r e de l a soci é
tépo l i e en Fr a nce (1835).
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 103
E certo
o Antigo que a avida
Regime, vidadedesalão prejudicou,
familia. durante
Mas diríamos todo
o mes
mo de toda ocupação absorvente, seja profissional, esté
tica, política ou religiosa. O que prejudica a vida de f am í
lia, no presente, não é mais a vida de salão, mas a vida
de círculo ou de café, a vida de fábrica para o operário, a
vida de palácio para o homem de negócios, a vida elei
toral ou parlamentar para o homem político. Seria, mais
tarde ainda, se o sonho coletivista fosse realizável, a vida
de falanstério.
Tampouco podemos contar entre as características
essenciais da mundanidade o queTaine assinala como um
de seus traços mais próprios e marcantes: a repugnância
às novidades fortes, o horror às srcinalidades. Em reali
dade, toda vida social intensa tem por efeito lançar uma
corrente
montar etorrencial
na qual a de costumes,
maior opiniões,
parte das que é difícil
srcinalidades médias re
estão submersas. As srcinalidades fortes e excepcionais
nela se elevam sozinhas e, então, se tornam o núcleo de
um novo contágio que propaga sua marca pessoal, su bs
tituindo as antigas ou superpondo-se a elas. Tal foi a sel-
vageria de Rousseau que, destoando em meio à munda-
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 107
25. Morellet, entre outros con tem porân eos de Diderot, enaltece
sua conversação. "Ela possuía uma grande forç a e um grande encanto;
sua discussão era an imada d e um a perf eita boa-f é, sut il sem obs curida
de, variada em suas formas, brilhante de imaginação, fecunda em
idéias e capaz de despertar a dos outros: deixávamo-nos arrastar por
ela horas inteiras, como por um rio." As conversações privadas, mun
danas, a p artir da segund a metad e do sécul o XVI II , é que foram as fon
tes ocultas da grande corrente da Revolução. Eis aí uma objeção terrí
vel ao suposto misoneísmo dos salões.
108 A OPINIÃO E AS MASSAS
nos interessaria.Em
sas feministas. Sem a menor
suas dúvida,
reuniões, teriaooabade
segundo maiorde
interesse para nos
Puré, "examina
se a quem, nas ciências ou na poesia, cabe a preeminencia. Agita-se a
questão de saber se a história deve ser preferida aos romances ou os ro
mances à história. Pergunta-se qual a liberdade que as mulheres pos
suem e têm o direito de possuir na sociedade e na vida conjugal. A li
berdade preconizada nessa ocasião está mais próxima da dominação
do que da independência. Parece, diz uma argumentadora, que as sus
peita s do m arido d ão à mu lher o direi to de com eter f alt as. Um a precio-
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 11 1
das pregações,
estabelecem ou mas das conversações,
se enfraquecem. que de
Do ponto as religiões
vista políse
tico, a conversação é, antes da imprensa, o único obstáculo
aos governos, o abrigo inexpugnável da liberdade; cria as
reputações e os prestígios, determina a glória e, através
dela, o poder. Tende a nivelar os conversadores assimi-
lando-os e destrói as hierarquias à força de exprimi-las.
Do ponto de vista econômico, uniformiza os juízos sobre
a utilidade das diversas riquezas, cria e especifica a idéia
de valor, estabelece uma escala e um sistema de valores.
Assim, essa tagarelice supérflua, simples perda de tem
po para os economistas utilitários, é na realidade o agen
te econôm ico mais indispe nsável, uma vez que, sem ela,
não haveria opinião e sem opinião não haveria valor, no
ção fundam ental da econom ia política e, para falar a ver
dade,Dodeponto
muitas
deoutras ciências
vista moral, elasociais.
luta continuamente, na
maioria das vezes com sucesso, contra o egoísmo, contra
a tendência da conduta a perseguir fins meramente indi
viduais; traça e aprof unda, op ondo-a a essa teleolo gía in
dividual, uma teleología inteiramente social em favor da
qual abonam, através do louvor e da reprovação distribuí-
114 A OPINIÃO E AS MASSAS
dições primeiras.
Gidding, em seus Principios de sociologia, faz uma re
ferência à conversação, e uma referência importante. Se
gundo ele, quando dois homens se encontram, a conver
sação que mantêm é apenas um complemento de seus
olhares recíprocos, através dos quais se exploram e bus
cam saber se pertencem a mesma espécie social, ao mes
mo grupo social.
"Adoramos", diz ele, "a ilusão que nos faz crer que
conversamos porque nos preocupamos com as coisas de
que falamos, d o mesm o modo que adoramos esta ilusão,
a mais doce de todas: a crença n a arte pela art e. A verda
de é que toda expressão, pelo homem comum ou pelo ar
tista, e toda comunicação, desde a conversação acidental
da entrada em relações até as profundas intimidades de
um amor verdadeiro,
de conhecer-se tem conhecer
e fazer-se sua srcemmutuamente,
na paixão elementar
de defi
nir a consciência de espécie". Que as primeiras conversa
ções de dois desconhecidos que se encontram tenham
sempre o caráter indicado por Gidding, já é contestável,
embora seja verdade em muitos casos. Mas é certo que
as conversações ulteriores que mantêm entre si, depois de
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 11 5
gadas a fazer,tanto
genhosidade para maiores
serem compreendidas, esforços
quanto mais haviam de en-
perdido
o hábito de falar com correção e facilidade. O homem,
portanto, reencontrava-se quase na situação em que havia
estado nos períodos pré-históricos, nos quais, não falan
do ainda, fora obrigado, à força de engenhosas tentativas
também e concentrando na satisfação da necessidade ur
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 117
guasSe o abandono
cultivadas dasabastarda,
ou as conversações decompõe
a retomada das as lín
relações
sociais e das conversas que as acompanham necessaria
mente é a causa primeira d a formação das línguas novas.
Assim, essa obra de criação será lenta ou rápida confor
me se opere numa região de população muito dispersa e
fragmentada ou numa regiã o relativament e basta nte p o
voada e centralizada. E esse contraste que nos apresenta
a Inglaterra da Idade Média, comparada aos povos neo
latinos. E ele também pode servir para explicar por que
foram precisos tantos séculos para os dialetos franceses
se formarem, para o da íle-d e-Fran ce se impor a t odas as
províncias do país, ao passo que a língua inglesa criou-se
e difundiu-se com uma rapidez que maravilha os linguis
tas. É que, como assinalou Boutmy, entre outros historia
dores, a centralização
Bretanha bem mais cedodo do
poder
queestabeleceu-se na Grã-
na França e, auxiliada
nisso pelo aprisionamento insular dos habitantes, contri
buiu poderosame nte para sua homogeneidad e mais pre
coce. A imitação assimiladora funcionou ali, de grupo a
grupo, com mais intensidade do que na França e desde a
Idade Média. Imagine-se tudo o que se supõe de conver
11 8 A OPINIÃO E AS MASSAS
temente;absolutamente
víncias, a opinião da cidade contava
nada. Isso pouco
significa quee se
a das pro
conver
sava muito, na corte, dos assuntos públicos, pouco na cida
de e menos ainda no resto da França. Mas, no momento
da Revolução, essas proporções se inverteram, porque o
exemplo da conversação política, vindo de cima, pouco a
pouco desceu até o fundo do meio rural.
12 0 A OPINIÃO E AS MASSAS
miçangas
mentos ouque elede
peles exibe e lhe Salvo
animais. adquirem
essasem troca dea ali
exceções, in
fluência da conversação é capital para o surgimento e, mais
ainda, para a propagação das necessidades, e sem ela não
haveria jamais preço fixo e uniforme, condição primeira
de todo comércio um pouco desenvolvido, de toda indús
tria um pouco próspera.
As relações da conversação com a psicologia social e
moral
mente são evidentes
aí que no século
são aparentes. XVI I francês,
Horácio, numa demas nãosáti
suas é so
ras, enaltece a vida que leva em sua casa de campo. Lá ele
recebe com freqüência os amigos à sua mesa. "Cada con
viva, liberto das leis da etiqueta, esvazia à sua es colha ta
ças grandes ou pequenas. Ali se estabelece uma conver
sação, não sobre os vizinhos para falar mal deles, nem
sobre suas pr opriedades para invejá-los, n em sobre o ta
lento de Lepos na arte da dança; mas nos ocupamos de
assuntos que nos interessam mais e que é vergonhoso ig
norar: será a virtude, serão as riquezas, que to rnam o ho
mem feliz? Devemos, em nossas relações, nos pautarmos
pelo que é útil ou pelo que é honesto? Qual a natureza
do bem? Em que consiste o soberano bem? No entanto, a
um pretexto qualquer, Cérvio mistura a essas graves con
siderações
modo vemosalguma
que ashistória de mulher
conversações do povo."
em voga Deste
entre as pes
soas distintas do século de Augusto assemelhavam-se
num ponto importante àquelas da "gente de bem" do
nosso século XVII: elas também versavam sobre genera
lidades morais, quando não sobre julgamentos literários.
Só que a moral discutida pelos contemporâneos de Ho-
124 A OPINIÃO E AS MASSAS
laçãoAcom a psicologia
conversação mística.
é mãe da polidez. Isso acontece mes
mo quando a polidez consiste em não conversar. Nada
parece mais singular, mais antinatural a um provinciano
chegado a Paris, do que ver os ônibus cheios de gent e que
se abstém cuidadosamente de se falar. O silêncio en
tre desconhecidos que se encontram parece naturalmente
126 A OPINIÃO E AS MASSAS
gênuas. Adas
natureza prece, antesmodifica-se
lisonjas de tudo, é com
o elogio hiperbólico.
o tempo. Na ChiA
na, para louvar alguém, diz-se que tem um ar idoso; en
tre nós, que rejuvenesceu. Na Idade Média, a um jovem
religioso ostentando mortificações santificantes, o elogio
mais fino consistia em dizer-lhe que era magro e descar
nado. Há um sentido perceptível na evolução das lison
jas, como na dos insultos? Comparando as invectivas dos
heróis de Homero com as dos jornais difamadores, dir-
se-ia que o vocabulário dos insultadores antes enrique
ceu-se do que transformo u-se. A todos os defeitos físicos,
doenças, deformidades que se imputavam outrora aos ini
migos, vieram juntar-se apenas os vícios da civilização/as
depravações refinadas, as anomalias intelectuais que lhes
são também atribuídas, que lhes são prodigalizadas. Mas
essas injúrias
gios, são algo públicas da imprensa,
bem distinto beme dos
das injúrias como seusselo
elogio pra
ticados nas relações privadas, tendo conservado alguma
coisa de seu hiperbolismo primitivo. Tudo o que se dirige
a esse personagem grosseiro, o público, exige cores gritan
tes e grosseiras também: cartazes, programas eleitorais,
polêmicas de imprensa. Ainda assim é v erdade que, com-
128 A OPINIÃO E AS MASSAS
Dessa
vra para instituiç
fazer notarãoque
importante, di rei apenasseum
seu desenvolvimento a pala
confor
ma à lei da propagação dos exemplos de cima para baixo.
Os reis e os papas primeiramente, a seguir os príncipes e
34. Se fos se o lugar, eu m ostraria que não são men ores as quali da
des dissimuladas sob as quantidades físicas medidas por procedimen
tos científicos, análogos no fundo à estatística e não menos enganosos
que ela, embora de aparência mais sólida.
35. Ela seria possível se cada um de nós mantivesse regularmente
um diár io ínti mo semelhante ao dos Goncourt. Até aqui só se regist ram,
em m atéri a de conversações, as sessões do Congresso ou de Socie dades
científicas, e a estatística, nesse aspecto, atesta uma progressão constante.
13 6 A OPINIÃO E AS MASSAS
36. Os jorna list as tiveram bastante cedo consci ência desse tipo de
utilidade. Renaudot, organizando sua Gazeta em 1631 , fala do "alívio que
elas [a s gazetas] p roporcionam àqueles que escrevem a seus amigos, aos
quai s e ram obrigados antes, para conten tar sua curiosidade, a descrever
laborios amente not ícias muitas vez es inventadas sem motivo e baseadas
na incert eza de u m mero ouvir-dizer". Esse al ívi o era ai nda apenas p ar
cial nessa época, com o vemos pela carta de P atru que acabam os d e cit ar.
A OPINIÃO E A CONVERSAÇÃO 137
ficação,
to, a irradiação
não tem universal
as mesmas srcens daquela.
do livro. O
O jornal, com efei
livro procede
do discurso, do monólogo e, antes de tudo, do poema, do
canto. O livro de poesia precedeu o livro de prosa; o livro
sagrado, o livro profano. A srcem do livro é lírica e re
ligiosa. Mas a srcem do jorn al é leiga e familiar. Ele pro
cede da carta privada que, por sua vez, procede da con
versa. Assim é que os jornais começaram por ser cartas
privadas dirigidas a personalidades e copiadas num cer
to número de exemplares. "Antes do jornalismo impres
so, público40, mais ou menos tolerado ou, mesmo, mais ou
menos utilizado pelos governos, houve por muito tem
po na Europa um jornalism o manuscrito com freqüência
clandestino", que persistiu ou sobreviveu até o século
XVIII através das cartas de Grimm ou das memórias de
Bachaumont.
so e disjunto,
opiniões trabalho
locais, destas de
emfusão dasnacional
opinião opiniõesepessoais em
em opinião
mundial, unificação grandiosa do espírito público. Digo do
espírito público, e não dos espíritos nacionais, tradicionais,
que permanecem distintos em seu âmago sob a dupla in
vasão desse internacionalismo racional, mais sério, do qual
o primeiro em geral não é mais que a repercussão e o res-
14 0 A OPINIÃO E AS MASSAS
1. Creio dever reim primir aqui, como útil complem ento dos estu
dos precedentes, este estudo já publicado (em dezembro de 1893) na
Rev ue des D eu x M ond es e, depois, em meus Essai s et M é l a nges (Storck et
Masson, 1895). Já ant es dessas últ imas datas eu vinha m e ocup and o da
psicologia das multidões. Permito-me remeter o leitor curioso desse
tipo de literatura à minha Phi l osop hi e pé nal e (Storck et M asson, 1 890), ca
pítulo intitulado L e Cri m e, pp. 3 23 ss., e à minha dissertação sobre os cri
mes das m ulti dões, aprese ntada e dis cuti da n o Congresso de A ntropo
logia Criminal de Bruxelas em agosto de 1892, reproduzidos a seguir
em Essai s et M é l anges.
142 A OPINIÃO E AS MASSAS
oaí delito
duas espécies
de grupo-,muito
e nãodiferentes
será inútildenem
um inoportuno
mesmo gênero,
estu
dá-los conjuntamente.
Lutero, Rousseau,
cito, inclusive Voltaire,
o mais Napoleão? Citem-me
bem organizado, um exér
de onde tenha bro
tado espontaneamente um plano de campanha admirável,
tos de vista,
diversas há diferenças
formas notáveissociais.
de agrupamentos a estabelecer entre as
Não contemos
aqueles que consistem numa simples aproximação mate
rial. Passantes numa rua movimentada, viajantes reuni
dos, amontoados até num paquete, num vagão de trem,
num restaurante de hotel, silenciosos ou sem conversa
ção geral entre si, estão agrupados fisicamente, não so
cialmente. Diria o mesmo dos camponeses aglomerados
numa feira, por mais tempo que demorem a fazer transa
ções entre si, a buscar separadamente seus objetivos dis
tintos ainda q ue semelhantes, sem nenhum a cooperaç ão
numa mesma ação comum. Tudo o que se pode dizer des
sas pessoas é que elas co ntêm a virtualidade de um agru
pamento social, na medida em que semelhanças de lín
gua, de nacionalidade, de culto, de classe, de educação,
todas
fusão de srcem social,
imitativa a partiristo
de é,
umtodas causadas
primeiro por uma
inventor di
anônimo
ou conhecido, as predispõem a associar-se mais ou me
nos estreitam ente, se a o casião exigir. Se uma explosão de
dinamite ocorre na rua, se o barco ameaça afundar, o trem
descarrilar, se um incêndio irrompe no hotel ou se uma
calúnia contra um suposto açambarcador se espalha na
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 149
tipoentoar
to, de manifestação.
um começo Basta lançar
de canto; um a pedra,todo
prontamente daroum gri
m un
do irá atrás, e dirão depois que essa desordem foi espon
tânea. Mas foi preciso necessariamente a iniciativa desse
homem.
Considerados de f orma panorâmic a, todos os ajun
tamentos tumultuosos que procedem de uma sublev ação
inicial e encadeiam-se intimamente uns aos outros, fenô
meno habitual das crises revolucionárias, podem ser vistos
como uma única e mesma multidão. Há, assim, multidões
complexas, como em física há ondas complexas, encadea-
mentos dos grupos de ondas. Se nos colocarmos desse
ponto de vista, veremos que não há multidões sem con
dutores e, além disso, perceberemos que, se da primeira
dessas multidões componentes à última o papel dos con
dutores
res secundários
primários vai se enfraquecendo,
tende sempre a crescer a cadao novo
dos conduto
tumulto
nascido de um tumulto precedente por contágio a distân
cia. As epidemias de greve são a prova disso: a primeira a
ser deflagrada, aquela no entanto em que as reivindicações
são mais sérias e que deveria, por conse guinte , ser a mais
espontânea de todas, sempre deixa transparecer a perso
nalidade dos agitadores; as seguintes, embora às vezes
sem repercussã o - como vi esboçar-se entre operários d e
moinhos do Périgord, que queriam simplesmente estar
na moda - dão a impre ssão de expl osões sem mecha:
dir-s e-ia que elas disparam sozinhas como os fuzis ruins.
Reconheço aliás que aqui o nome condutores aplicado a
meros imitadores, que, sem desejá-lo expressamente,
156 A OPINIÃO E AS MASSAS
o exército,
bem é dasElas
informada. mãossãodemenos
uma autoridade
expostas aosinteligente
"entusiase
mos", pois nem sempre vivem no estado reunido, senão,
na maioria das vezes, no estado disperso, que permite a
seus membros, livres da coerção dos contatos, disporem
de sua razão pr ópria. Além disso, quand o o chefe de uma
corporação é reconhecido excelente, ainda que ele morra,
sua ação sobrevive a ele3: o fundador de uma ordem reli
giosa, canonizado após a morte, vive e age sempre no co
ração de seus discípulos, e a seu impulso acrescenta-se o
de todos os religiosos e reformadores que lhe sucedem e
cujo prestígio, como o dele, aumenta e depura-se com dis
tanciamento no tempo; ao passo que os bons condutores
de multidões4 - pois ex istem estes - cessam de agir tão
Como
sua acabo
longa de indicar
existência, nãde passagem,
o raro as corporações,
vár ias vezes secula r, apem
re
sentam uma série de líderes perpétuos, enxertados de
certo modo uns sobre os outros e retificando-se uns aos
outros; mais uma diferença em relação às multidões, em
que há no máximo um grupo de líderes temporários e si
multâneos, que se refletem exagerando-se. Outras tan
tas diferenças, outras tantas causas de inferioridade para
as multidões.
Há outras. Não são apenas os piores líderes que cor
rem o risco de ser escolhidos ou aceitos pelas multidões,
são também as piores sugestões, dentre todas aquelas que
ema nam deles. Por quê? D e um lado, porque as emoçõ es
ou as idéias mais contagiosas são naturalmente as mais in
tensas, assim como são os sinos maior es, não os mais bem
timbrados nem os mais afinados, aqueles cujo som se pro
paga mais longe; e, de outro lado, porque as idéias mais
intensas são as mais estreitas ou as mais falsas, impressio
nando os sentidos e não o espírito, e as emoções mais in
tensas são as mais egoístas. Eis por que, numa multidão,
é mais fácil propagar uma imagem pueril do que uma abs
tração verdadeira, uma comparação do que uma razão, a
fé num h omem do que a renúncia a um preco nceito; e por
que, sendo o prazer de denegrir mais intenso que o prazer
demandas entre patrões e operários. Ele aponta também o pouco dese
jo que se ntem os o perári os, ness es m omen tos crí tico s, de ve r cheg ar os
"senho res" polít ic os. Por quê? Porque ele s sabem que, uma v ez chega
dos, estes os subjugarão, queiram eles ou não. E um fascínio que eles
temem, mas a que ainda assim se dobram.
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 159
queada
educaçãocom maior freqüência
especiais, por umaque
por um noviciado seleção e uma
se prolonga
por vários anos.
Quando, por acaso, uma multidão em ação também
parece ser melhor, mais heróica, mais magnânima, que
a média daqueles que a compõem, isso se deve ou a cir
cunstâncias extraordinárias - por exemplo, ao entusiasmo
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 161
esses que
tidão rasgos
os admiráveis sãotalvez
cerca, movida habituais
peloeexemplo
cotidianos.
dosAbom
mul
beiros, por emulação, demonstra algumas vezes abnega
ção, enfrentando um perigo para salvar uma vida. Mas, se
observarmos que esses ajuntamentos são coisa tradicio
nal, que têm suas regras e seus costumes, que neles se di
videm as tarefas, que à direita se fazem circular os baldes
cheios, à esquerda os vazios, que as ações se combinam
de uma forma mais costumeira que espontânea, iremos
reconhecer em tais manifestações de piedade e assistên
cia fraterna um remanescente da vida corporativa própria
às "comunas" da Idade Média.
E necessário agora insistir para demonstrar que os
homens por atacado, nas multidões, valem menos que
os homens a varejo? Sim, já que isso foi contestado. Mas
seremos breves.
de Hautefaye queSeguramente,
mataram aosnenhum
poucosdos
o sr.camponeses
de Moneys,
nenhum dos amotinados parisienses que afogaram o agen
te Ricenzini teria sido capaz, isoladamente, não digo de
realizar, mas de querer esse abominável assassinato. A
maioria dos participantes dos massacres de setembro de
1792 estava longe de ser gente estúpida. Uma multidão
162 A OPINIÃO E AS MASSAS
tizes em
Mas, fugazes: é a necessidade
realidade, de matar."
não é nos homens Muito
do povo justo.
isolados
que as feridas ou os arranhões ao amor-próprio se elevam
a essa acuidade de exasperação homicida, é nas massas
populares. E não apenas nestas, mas em qualquer ajun
tamento de homens instruídos e bem-educados. Uma as
sembléia, mesmo a mais parlamentar do mundo, insul
tada por um orador, dá às vezes esse espetáculo de uma
fúria assassina de suscetibilidade.
Até que ponto as multidões e, de um modo geral, as
coletividades não organizadas, não disciplinadas, são mais
instáveis, mais descuidadas, mais crédulas, mais cruéis
que a maior parte de seus elementos, sempre foi algo di
fícil de imaginar, mas provas não faltam. Por acaso alguém
penso u nesta? Em outubr o de 1892, as explosões de dina
mite
genteaterrorizam Paris; parecia
do que defender-se contranão haver
essa nadaperpétua,
ameaça mais ur
que representava, com efeito, um grande perigo! Mas, de
pois de haver sido derrubado um ministério ne ssa ocasião
e votada uma nova lei de imprensa, remédio irrisório con
tra esse flagelo, eis que irrompe o escândalo do Panamá.
A partir de então, quero dizer, já no primeiro dia, quando
164 A OPINIÃO E AS MASSAS
se faziam ouvir".
facilmente para o Esses homens
massacre. "Umtranstornados partem
jovem empregado do
ministério do Interior foi massacrado na rua Saint-De-
nis, pela mera suspeita de ter queri do lançar ven eno nos
barris de um comerciante de vinhos..." Quatro massa
cres ocorreram nessas condições... Cenas an álogas regis
traram-se emVaugirard e no Faubourg Saint-Antoine.
Aqui "dois imprudentes fugiam, perseguidos por milhares
de furiosos que os acusavam de ter dado a umas crianças
uma fatia de pão envenenada". Os dois homens se refu
giam às pressas numa delegacia de polícia; mas o pos
to num instante é cercado, ameaça do, e nada teria i mpe
dido o massacre desses indivíduos se o comissário de
polícia e um ex-policial não tivessem tido a feliz idéia de
dividir entre si a fatia de pão ante os olhos da multidão.
"Essa presença em
imediatamente d ehilaridade."
espíri to fe z com que odesvarios
Esses fu ro r se convertesse
são de to
das as épocas: multidões de qualquer raça e clima, mul
tidões romanas acusando os cristãos pelo incêndio de
Roma ou por uma derrota da legião e lançando-os a feras,
multidões da Idade Média acolhendo contra os albigenses,
contra os judeus, contra um herético qualquer as suspei-
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 167
enraizada,
paixões qual deve
suscitadas nassermassas
então por
a potência contagiosa
um líder que lhes de
in
sufla idéias de assassínio, pilhagem e incêndio, ou lhes
promete mundos e fundos! O Dr. Aubry, que, em sua in
teressante obra sobre O contágio da violência, estudou
muito bem os fenômenos dessa última ordem, citou-me
uma pequena observação feita por ele durante seus es
tudos e que vem em apoio da reflexão precedente. "Nos
anfiteatros de dissecção", escrevia-me ele, "trabalha-se
muito, mas o trabalho é de tal natureza que não impede
conversar nem cantar. Um dia, eu e meus colegas ficamos
impressionados com um traço psicológico que batizamos
de reflexo musical. Ele consistia no seguinte: no momento
em que o silêncio era o mais a bsoluto possível , se um de
nós cantasse alguns trechos de uma canção conhecida e
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 169
vezes interrogamos
ora outro de nossos nosso continuador,
colegas, e vimos porque erarespostas
suas ora um,
que ele não havia se dado conta de ter seguido um impul
so, de ter continuado uma coisa começada. Não há nessa
sugestão, às vezes inconsciente, algo que lança um pouco
de luz sobre essas idéias que surgem nas multidões, não
se sabe por que nem como, vindas não se sabe de onde e
espalhadas com uma rapidez vertiginosa?"9
Voltemos ao nosso assunto. O público de teatro dá
ensejo a observações análogas. Embora seja o mais capri
choso dos públicos, também é o mais imitador: é tão di
fícil prever seus caprichos quanto reformar seus hábitos.
Em primeiro lugar, suas maneiras de exprimir a aprovação
ou a reprovação são sempre as mesmas num mesmo país:
aplausos e assobios, entre os franceses. Depois, é preciso
que lhe mostrem sempre o que ele está habituado a ver
em cena, por mais artificial que isso possa ser; e o que ele
está habituado a não ver é perigoso mostrar-lhe. Convém
ainda observar que um público de teatro é uma multidão
sentada, ou seja, uma multidão apenas em parte. A ver
dadeira multidão, aquela em que a eletrização por co nta-
10. Às vezes iss o é constata do, mas sem razão, porque o fato nem
sempre pode ser judi cial mente demonstrado. Em sua obra, muito bem
documentada aliás e interessantíssima, sobre as A ssoci ações pr of i ssi onai s
na Bé l gi ca (Bruxelas, 1891), o s r. Banderelde, grand e tribuno do socialis
mo belga, critica uma decisão do tribunal de Hainault, d e julho de 1886,
que condenou vários membros do sindicato dos vidreiros de Charleroi
por pro voca ção aos distú rbios causados pela greve dos operários vidrei
ros, em março do mesmo ano. Não havia contra eles, diz-nos Banderelde,
senão "suspeitas insuficientes". Mas, algumas linhas acima, ele mesmo
nos diz que, muito tempo antes da greve, o sindicato dos vidreiros pre
parav a-se para a lut a: "um a luta terríve l, um a luta de morte, escrevia seu
presidente à s sociedades da Inglaterr a e dos Estados Un idos" . O ra, nes
se mei o t emp o, irrompem os distúrbi os de março de 1886; no dia 25 , mi
lhares de mineiros entram em greve; no dia seguinte, essa massa enor
me espalha-se pelo país , faz pa rar as máquinas, saque ia as vid rarias...
destrói o estabelecimento Baudoux; em uma palavra, executa todo o
prog ram a do Sindi cato . Eis a í suspeitas gra ves , quando não sufici ente s.
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 175
mal
Idadequanto
Média;nonada
bem mais
. Nadamaléfico,
mais benéfico que a do
atualmente, Hansa
que na
a
seita anarquista11. Em ambos os casos, a mesma força de
expansão, salutar ou terrível. Nascida em 1241, a Hansa
tornou-se, em poucos anos, com uma rapidez de propa
gação inédita na época, "a suprema expressão da vida co
letiva, a concentração de todas as guildas mercantes da
Europa"12. No século XVI, ela forma uma federação que
compreende mais de oitenta cidades e estende suas agên
cias comerciais de Londres a Novgorod. No entanto, ela
se apóia "apenas no livre consentimento das guildas e das
cidades; não conhece outro meio de disciplina a não ser
a exclusão, e tão grande é a força corporativa que a Hansa
exerce, apesar de tudo, uma autoridade sobre toda a Eu-
Préval1 4, o anarquismo
malfeitores, não éem
mas "um partido umvias
simples amontoadocom
de organizar-se, de
um objetivo bem definido e com a esperança, certamente
fundada, de conquistar, pouco a pouco e à medida dos su
cessos obtidos, a grande massa do proletariado urbano".
Os anarquistas são chamados pelo mesmo escritor de "ca
valaria ligeira do socialism o". A propagação do niilismo na
Rússia não foi menos rápida. Os grandes processos mo
vidos contra ele em 1876 e 1877 são uma prova disso15.
das associações
ça, durante disciplinadas.
o dia, No verão,
com tempo bom, no Sul da Fran
é infinitamente mais
fácil provocar desordens de rua do que no inverno, no
Norte, à noite, debaixo de chuva; enquanto nos períodos
de crise política é quase tão fácil tramar uma conspiração
no inverno como no verão, no Norte como no Sul, de
noite como de dia ou de dia como de noite, com tempo
chuvoso ou com um sol esplêndido. Veríamos, ao contrá
rio, que o "fator antropológico", ou, mais simplesmente,
a com posição do grupo, tem u ma importância maior nas
associações do que nos ajuntamentos formados sob a in
fluência de um sentimento forte e passageiro. Uma mul
tidão, mesmo composta de uma maioria de pessoas de
bem, pode facilmente ser arrastada a crimes passionais,
a acessos de alienação homicida momentânea, enquanto
uma seita, crimes
só comete animada por um esentimento
refletidos calculados,resistente e tenaz,
sempre confor
mes a seu caráter coletivo e fortemente marcados com o
selo de sua raça.
Mas estas são apenas condições secundárias. A ques
tão é saber quais são as causas que ativam-nas e explo-
ram-nas. Não somente não há clima nem estação que
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 179
16. Depois que essas linhas foram escritas, uma leve me lhora pro
duziu-se do ponto de vista criminal.
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 1 85
talava-se um ódio
tes e, depois, feroz ocontra
adquirido asuclasses
hábito, então
ma raiva dominan
maníaca e vai
dosa de destruição. Também esses bandos tinham por trás
deles solistas para dogmatizar suas perversidades, como
por trás de todo déspota, segundo Michelet, há sempre
um jurista para justificar suas atitudes. E esses incêndios,
como as explosões atuais, eram um crime limpo, sem su
jar as mãos, poupando ao assassino a visão do sangue de
suas vítimas, a audição de seus gritos lancinantes. Nada
melhor para conciliar a crueldade mais selvagem com a
sensibilidade nervosa mais profunda.
Essa comparação mostra até que ponto uma seita cri
minosa pode ser inclusive mais temível que uma multi
dão criminosa. Em contrapartida, é visível também que a
repressão tem muito mais poder sobre a primeira do que
sobre a segunda. O que faz o per igo de uma seita é o que
faz sua força, isto é, a continuidadê do progresso em seu
caminho. Os sistemas de mechas e de i gnição começaram
por ser defeituosos, não tardando a ser substituídos por
outros mais perfeitos, pela bomba de efeito retardado que
foi uma obra de gênio infernal.
Um outro perigo das seitas é que elas não se recru
tam
menosapenas, como asentre
semelhantes multidões,
si pelosentre pessoas
instintos mais ou
naturais ou
pela educação, mas convocam e empregam diversas cate
gorias de pessoas bastante diferentes. Quem se asseme
lha se junta, mas quem se completa se associa, e para se
completar é preciso diferir. Quem se assemelha se junta
é válido sobretudo em relação às seitas. Há não um úni
co tipo, mas vários tipos jacobinos, niilistas, anarquistas.
192 A OPINIÃO E AS MASSAS
* Alph onse Bert illo n (185 3-19 14), criad or do sistema de identifi ca
ção dos criminosos conhecid o pelo nom e de an t ropo met ría. (N. do T.)
21. Ver Duruy, H i st oi re des Romai ns, t. III, pp. 430 ss.
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 195
-lhares de leitores.
o público, Suprima-se
os jornais, um desses
a concepção, cinco "fatores"
o dinheiro, a audá
cia -, e a terrível explosão não teria ocorrido. A cada bo m
ba que explode, portanto - e a cada escândalo financ eiro,
parlamentar ou outro qualquer que comova a opinião -,
podemos todos fazer, em maior ou menor grau, o nosso
?nea culpa; todos temos nossa pequena parte nas próprias
causas
nós de nosso
se tais alarme.poderosas
organizações É um pouco a culpa
acabaram decomo
mal, todos
se diz. Certamente, disso não se conclui que devamos ab
solver os malfeitores. Os contágios que sofremos nos re
velam a outrem e a nós mesmos às vezes, mais ainda do
que nos arrebatam; eles não nos absolvem. Quando a
multidão feroz se lança contra o mártir, alguns especta
dores são fascinados e arrastados por ela, mas outros o são
por ele. Diremos que esses últimos, heróis por imitação,
26. Ele se preocu pava muito com o que diriam del e na Córsega.
Essa preocupação dominante com a pequena sociedade e o esqueci
mento da grande são característicos. Também Ravachol só se inquieta
va co m a impressão produzida por seus c rimes no grupo de s eus "c om
panheiros".
AS MULTIDÕES E AS SEITAS CRIMINOSAS 199