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Discurso das Mídias

Patrick Charaudeau

Carlos Orellana

Santa Maria, 10 de junho de 11


Neste livro, Charaudeau tenta descrever os fenômenos discursivos, linguageiros,
de informação e de comunicação. Inicialmente, o autor apresenta a diferença entre os
conceitos de informação e comunicação, sendo o primeiro essencialmente ligado à
questão da linguagem, mas que toda linguagem não é transparente, ela se constitui sob
uma perspectiva de mundo. O conceito de comunicação é o fenômeno social que se liga
a necessidade da humanidade de se relacionar.
Charaudeau analisa o conceito de informação sob a perspectiva da linguagem, e
que a linguagem articula um sistema de signos e de valores em uma circunstância de
comunicação particular. Portanto, a comunicação trata-se do uso da linguagem em ato
de discurso que organiza a circulação da fala numa comunidade social. Dessa maneira,
pode-se concluir que a informação implica processo de produção de discurso em
situação de comunicação (CHARAUDEAU, 2006: 34).
É importante compreender que a categoria de mídia, diferentemente, de
comunicação e informação, pode ser apreendida como um suporte organizacional que se
apropria das ideias de comunicação e informação sob diversas lógicas, econômica,
tecnológica e simbólica.
Nesse sentido, o trabalho de Charaudeau é mapear a estrutura que perpassa a
máquina midiática e seus lugares de construção de sentido. Há três lugares básicos dessa
estrutura midiática. O lugar de condição de produção, de recepção e de construção do
produto.
A primeira instância configura-se em dois outros lugares, o espaço externo-
externo que é o espaço que compreende as condições socioeconômicas da máquina
midiática enquanto empresa, nessa área podemos analisar as representações e os estudos
ligados a base econômica da mídia (operações financeiras, os preços, a difusão, circuito
de distribuição); e o espaço externo-interno que se relaciona às condições semiológicas
de produção do produto midiático, nesse lugar pode localizar os estudos das
representações do que pode ser difundido, a natureza e os interesses das práticas de
produção. Na instância de produção encontra-se a lógica dos efeitos esperados, a lógica
que organiza todo o esforço de produção.
A instância de recepção também se estrutura sob dois eixos: interno-externo e
externo-externo. No primeiro eixo interno-externo se localiza o conceito de destinatário
ideal (alvo) que é aquele imaginado pela instância de produção como suscetível de
perceber os efeitos visados por ela. E no eixo externo-externo encontra-se o público
real, aquele que interpreta as mensagens que são dirigidas segundo as próprias
condições de interpretação. É nessa região que se localiza os efeitos produzidos.
E a instância de construção do produto é o lugar em que todo o discurso se
configura em texto segundo certas regras formais, verbais e semiológicas. É nessa área
que se encontra a definição de efeitos possíveis, isto é, todo produto midiático está
carregado de efeitos possíveis que esse produto pode produzir.
Charaudeau propõe esses três lugares de construção do sentido que permite
explicar a informação como uma co-intencionalidade que compreende os efeitos
visados, possíveis e produzidos.
É necessário compreender todo sentido nunca é dado, mas construído pela ação
linguageira do homem na sociedade. Nesse sentido, todo sentido é apreendido através
da forma e toda forma por sua vez remete a um sentido. Assim, todo ato de linguagem
divide-se em duas ações básicas: transformação e transação. O processo de
transformação consiste em estrutura o mundo, a realidade e a vida sob certo número de
categorias podendo ser elas de nomeação, qualificação, narração, argumentação e
modalização. O processo de transação é processo primordial que dá sentido ao processo
de transformação, ele se refere à atribuição de um dado sentido que dá conta da relação
social. Assim, todo discurso, antes de representar o mundo, representa uma relação
(CHARAUDEAU, 2006: 42).
O autor também pretende nessa obra investigar que toda ação discursiva se
configura dentro de uma construção social do saber, que por sua vez é constituído como
resultado do exercício da linguagem. Portanto, observar as categorias do conhecimento
é simultaneamente entender a atividade discursiva.
O saber dentro dessa orientação teórica é dividido em dois grupos: saberes de
conhecimento e saberes de crenças. Os saberes de conhecimento referem-se aos
conhecimentos que procedem da racionalização da existência dos seres e dos fenômenos
sensíveis do mundo. É a tentativa de tornar o mundo inteligível determinando fronteiras,
estabelecer relações, hierarquias e conjuntos. Os saberes de conhecimento apóiam-se em
três categorias bases: existencial (objeto em si e suas propriedades), evenemencial
(eventos e processos implicados na existência do objeto) e explicativa (finalidade dos
acontecimentos).
Os saberes de crenças resultam da ação humana de comentar o mundo sob um
olhar subjetivo, não há mais a necessidade de inteligibilidade, mas de avaliação e de
apreciação. Essas crenças se inscrevem num determinado enunciado para compartilhar
julgamentos e assim desenvolver uma relação de cumplicidade entre os sujeitos.
As representações nascem nessa relação entre os saberes de conhecimento e dos
saberes de crenças, pois elas constroem uma organização do real através de imagens
mentais transpostas em discurso que são dadas como se fossem o próprio real. Em
resumo, as representações apontam para um desejo social, produzem normas e revelam
sistemas de valores (CHARAUDEAU, 2006: 47).
Do mesmo modo que a divisão entre os saberes há a divisão entre valor de
verdade e efeitos de verdade. O valor de verdade se constrói de modo exterior ao
homem, uma instrumentação explicativa elaborada que se pode definir como um
conjunto de técnicas de saber dizer, o que pode se configurar como um ‘ser verdadeiro’.
E os efeitos de verdade se localizam mais para o lado de acreditar ser verdadeiro. Surge
da subjetividade da relação do sujeito com o mundo.
Charaudeau explica que os efeitos de verdade ou valor de verdade variam de
acordo com quem é o informante de uma determinada informação ou locutor de um
discurso e do mesmo modo podemos compreender que a quem informar também
determina uma série de condições de como esses efeitos de sentido podem ser
construídos. Por exemplo, se o informador é uma notoriedade constitui uma série de
efeitos de sentido e de contrato de informação diferentemente se fosse uma mera
testemunha ou uma instituição.
A informação também vai apresentar modalidades em relação ao discurso no
qual se inscreve, ou seja, eles se estruturam a partir do gênero discursivo do qual ele é
devedor. A informação só pode ser entendida através de seus efeitos e apreendida
através de uma abordagem qualitativa. O discurso informativo mantém relações de
aproximação e distanciamento com os discursos propagandístico, demonstrativo e
didático, mas que o discurso informativo apresenta uma posição central em comparação
com os demais, pois os outros discursos compreendem de algum modo uma parte da
atividade informativa.
Além dos efeitos produzidos, dos gêneros discursivos, e das instâncias de
produção, recepção e do produto, a construção da modalidade informativa vai depender
do contrato simbólico que se estabelece, isto é, todo discurso depende das condições
especificas da situação de troca. Os parceiros da troca linguageira estão ligados a um
acordo prévio que é a referência pela qual a troca simbólica se constitui. Essas
condições específicas da troca estão organizadas em duas ordens: dados externos e
dados internos.
Os dados externos são relacionados às constantes que permanecem estáveis nos
atos de linguagem, ela pode ser identificada nas condições de identidade (traços
identitários), finalidade (objetivo), propósito (temática) e dispositivo (instância
material). Os dados internos são aqueles propriamente do discurso e que permitem
responder como dizer. Repartem-se em três espaços de comportamentos linguageiros:
espaço de locução (justificar o motivo de tomar a palavra), relação (construir a relação),
tematização (domínio do saber). Nenhum ato de comunicação está previamente
determinado, apenas uma parte está determinada, pois os agentes dispõem de uma
margem de manobra que permite realizar seus projetos de fala.
Depois de tentar mapear, hierarquizar e nomear como a informação se
desenvolve dentro dos atos discursivos, Charaudeau tenta entender o discurso na lógica
da comunicação midiática e de suas instâncias de produção e de recepção. A instância é
compreendida como entidade composta de vários tipos de atores. A instância de
produção contribui para fabricar uma enunciação aparentemente unitária e homogênea
cuja intencionalidade corresponde a um projeto comum que representa a ideologia do
organismo de informação.
A instância de recepção relaciona-se com a instância de produção de forma
desigual e ambígua, pois a relação de troca se desenvolve sem que haja acesso as
reações dos receptores, sem o diálogo ou mesmo as suas características. A instância de
recepção se desenvolve em duas grandes categorias: destinatário-alvo e o receptor-
público; o primeiro é um conjunto impreciso de sujeitos que podem se associar a
valores ético-sociais propostos pela instância de produção que por sua vez se
subdividem em alvo intelectivo e alvo afetivo. O alvo intelectivo é aquele sujeito capaz
de avaliar de modo racional a notícia. O alvo afetivo é aquele que se acredita não avaliar
de modo racional, mas sim de modo inconsciente através da ordem emocional. A
segunda grande categoria da instância de recepção é do receptor-público é a região que
é coberta pela pesquisas e estudos de comportamento do consumidor.
No último ponto dessa série de análises feitas por Charaudeau é da finalidade do
contrato de comunicação que se acha na tensão entre duas visadas: do fazer saber
(informação) e do fazer sentir (captação). Cada uma dessas visadas constitui-se sob uma
lógica própria e cada uma tem suas contradições e desafios.
A visada de informação que se relaciona ao fazer saber ao cidadão o que
aconteceu ou está acontecendo no mundo social. Ela se inscreve no desafio de
credibilidade, porque baseiam sua legitimidade no fazer crer que o que é dito é
verdadeiro. Assim, engajam-se num jogo de verdade que consiste em responder aos
diferentes imaginários sociais que as questionam.
A visada de captação é orientada para o busca do maior número de cidadãos
consumidores de informação, mas quanto maior for o número a atingir, menos os meios
para atingi-los dependem de uma atitude racionalizante. Essa instância está condenada a
procurar emocionar seu público, a mobilizar sua afetividade.
O contrato de informação midiática está fundamentalmente marcado pela
contradição, de fazer saber que deve buscar um grau zero de espetacularização para
satisfazer o principio de credibilidade; de fazer sentir que deve escolher a encenação da
informação para produzir efeitos de dramatização para captar consumidores.

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