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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:

parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DA CHANCE:


PARÂMETROS DE APLICAÇÃO À LUZ DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Theory of civil liability for loss chances: parameters of application according brazilian
Civil Law
Revista de Direito Privado | vol. 101/2019 | p. 263 - 291 | Set - Out / 2019
DTR\2019\40748

Vynicius Pereira Guimarães


Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Graduado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.
vynicius.pguimaraes@gmail.com

Área do Direito: Civil


Resumo: O presente estudo trata da teoria da perda de uma chance na legalidade
civil-constitucional brasileira. Partindo da premissa já consolidada dogmática e
jurisprudencialmente da aplicabilidade da teoria, o trabalho busca apresentar parâmetros
para a elucidação do an debeatur configurado pelas oportunidades perdidas, além de
alguns critérios para a quantificação do dano a ser ressarcido, questões que desafiam
problemas diversos ao intérprete-aplicador do direito.

Palavras-chave: Responsabilidade civil – Chance – Teoria da perda da chance – Direito


civil –constitucional – Parâmetros de aplicação
Abstract: The present study concerns the Theory of Civil Liability for loss of chances in
Brazilian civil-constitutional legality. Assuming as premise that the theory is reinforced
by Brazilian scholars and case precedents, this paper aims to identify parameters for the
clarification of in which moments the theory shall be applied and also parameters to
clarify the indemnity amount.

Keywords: Tort Law – Chance – Loss-of-Chance doctrine – Civil-constitutional Law –


Parameters of application
Sumário:

1.Introdução: a teoria da perda da chance no sistema brasileiro de responsabilidade civil


- 2.As chances perdidas no Direito Civil brasileiro - 3.Alguns parâmetros para
qualificação e quantificação da perda da chance - 4.A indenizabilidade das chances
perdidas na jurisprudência brasileira - 5.Síntese conclusiva - 6.Referências bibliográficas

1.Introdução: a teoria da perda da chance no sistema brasileiro de responsabilidade civil

Quantas perguntas há para as quais não existem respostas? À primeira impressão, a


reflexão pode soar desinteressante ao jurista, tão adentrado no mundo do dever-ser, em
que soluções, se inexistentes, devem ser criadas. Difícil imaginar como uma questão
irrespondível poderia gerar tantas outras indagações àqueles que se dedicam ao estudo
do Direito, mas, no dia 15 de junho de 2000, a pergunta realizada pelo apresentador
Silvio Santos a uma participante do programa Show do Milhão acabou por levar ao
Superior Tribunal de Justiça outras tantas indagações às quais a Corte não pôde se
furtar a responder. No cerne do debate encontrava-se a teoria da perda da chance.

“A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?”. Essa foi
a questão que, corretamente respondida, daria à participante o prêmio de um milhão de
reais em barras de ouro. Diante da “pergunta do milhão”, a aspirante à milionária achou
por bem não responder. E o fez sabiamente – deve-se dizer –, pois, como se provou na
ação que viria a ser proposta, ao questionamento não havia alternativa correta, já que a
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Constituição não reserva percentual algum do território brasileiro à população indígena.
Abstendo-se de responder à última pergunta, a participante fez jus ao valor de R$
500.000,00 (quinhentos mil reais). À outra metade só teria direito caso indicasse a
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parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

opção correta, o que não se fazia possível, já que, como bem designou o Ministro relator
do Recurso Especial 788.459/BA, “a pergunta era irrespondível”.

A teoria da perda da chance se desenvolveu no Direito europeu no decorrer do século


XIX, na tentativa de reparar danos consistentes na supressão de oportunidades que
detinha a vítima antes do ato lesivo. Ao Brasil chegou na década de 1990 e o primeiro
caso julgado pelo STJ foi justamente o REsp 788.459/BA. No caso, o Tribunal de Justiça
da Bahia havia mantido a decisão de primeira instância que condenara a empresa
responsável pelo programa ao pagamento do valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais).

No âmbito do STJ, contudo, a quarta Turma reformou o acórdão valendo-se da teoria da


perda de uma chance. No caso, não se pode afirmar que a participante perdeu o valor
total do prêmio, pois nada poderia garantir que, fosse outra a pergunta, ela teria
indicado a alternativa correta. Como bem salientou a Corte, o que perdeu a participante
foi a chance de ganhar o prêmio e não o prêmio em si. Por essa razão, o colegiado, por
unanimidade, reduziu o quantum indenizatório para R$ 125.000,00 (cento e vinte e
cinco mil reais), correspondente à probabilidade de 1/4 que a participante tinha de,
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aleatoriamente, acertar a única opção correta dentre as quatro apresentadas.

O caso Show do Milhão abriu os debates no STJ sobre a aplicabilidade da teoria da perda
de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro. Em sequência, outros tantos foram
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apreciados pela Corte, a suscitar importantes questões que vão desde o cálculo das
indenizações pelas oportunidades perdidas, passando pelas modalidades de aplicação da
teoria, até a própria ressarcibilidade das lesões à chance.

Com o fim de suscitar perguntas convenientes ao desenvolver do debate, o presente


estudo busca investigar, dentro da metodologia civil-constitucional, em que medida as
chances suprimidas devem ser indenizadas. Para tal fim, investigam-se os requisitos da
ressarcibilidade das chances perdidas no Direito brasileiro, além dos parâmetros para a
elucidação do valor a ser indenizado.

2.As chances perdidas no Direito Civil brasileiro

No Brasil, a compreensão da chance como interesse merecedor de tutela não se


consolidou sem debates. Carvalho Santos, por exemplo, adotou posição contrária à
aplicação da teoria no Direito brasileiro. Ao analisar casos de responsabilidade civil do
advogado pela não interposição de recurso cabível, consignou o autor que “somente
quando haja possibilidade de reforma da sentença é que o advogado ficará obrigado a
recorrer, a não ser que seu constituinte se oponha”, finalizando: “mas, ainda aí, parece
duvidoso o direito do constituinte, de poder exigir qualquer indenização, precisamente
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porque não lhe será possível provar que a sentença seria efetivamente reformada”.

Dessa maneira, percebe-se que, ao condicionar a indenização à prova do dano final, o


civilista ignora a tutelabilidade da oportunidade como interesse considerado em si
próprio. Em curtas palavras: não admitia a teoria da perda da chance no ordenamento
brasileiro.

Por outro lado, Agostinho Alvim, em 1955, ao comentar a conhecida hipótese de


responsabilidade civil de advogado, reconheceu que, embora impossível provar o êxito
do recurso se houvesse sido interposto, a negligência do mandatário gera dano – diverso
da perda da causa – consistente na lesão a uma oportunidade, um elemento ativo a
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repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio.

O autor, eloquentemente, cita o caso em que determinada pessoa participaria de um


concurso em que apresentaria um animal considerado raro. Ocorre que, por culpa de
outrem, o animal morre, restando impedido de concorrer no certame, a concluir que

“se o dono do animal, ao demandar o prejuízo, incluir aí o prêmio, é certo que sua
pretensão terá que ser repelida. Tal lucro era hipotético. Mas é inegável que o animal,
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parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

antes do certame, e tendo probabilidade de ganhar o prêmio, tinha o seu valor


acrescido, nesse momento, podendo por isso mesmo ser negociado por maior preço.
Esse a mais, que ele valia, entrava como elemento ativo no patrimônio de seu dono. De
modo que, se o que se pede é esse a mais, e não o prêmio, não se está no terreno da
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fantasia e, sim, do real.”

Dessa forma, reconhecendo o valor patrimonial da chance perdida, admite a aplicação da


teoria no ordenamento brasileiro.

José de Aguiar Dias, em um primeiro momento, pareceu enxergar nas chances perdidas
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hipóteses de lucros cessantes. Posteriormente, contudo, acolheu a teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance. Ao analisar decisão de primeira
instância proferida em 1929 no Rio de Janeiro, novamente sobre a responsabilidade de
advogado, o jurista admitiu que a perda da chance da vítima de ter seu recurso
apreciado pela instância superior, em razão da perda do prazo para sua interposição,
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constitui perda de um direito, sendo, portanto, passível de indenização.

Do mesmo modo, Serpa Lopes entendeu pela admissibilidade do ressarcimento quando a


possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo se pautasse em uma probabilidade
suficiente. Nos dizeres do autor, “tal indenização, porém, refere-se à própria chance”.
Assim, tem-se nas palavras do eminente jurista mais uma voz que ecoa em favor do
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reconhecimento da chance como interesse merecedor de tutela no Brasil.

Caio Mário da Silva Pereira também se posicionou favoravelmente à adoção da teoria da


perda da chance no Direito pátrio. Segundo o Professor, “é claro, então, que se a ação
se fundar em dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será devida se se
considerar, dentro da ideia de perda de uma oportunidade (perte d’une chance) e puder
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situar-se a certeza do dano”.

Mais recentemente, o tema da perda da chance sob a ótica da responsabilidade civil do


advogado foi objeto de estudo de Sérgio Novais Dias. O autor conclui, contudo, pelo não
reconhecimento da chance como interesse juridicamente tutelado. Explica-se: ao dizer
que a indenização pela chance perdida deverá se submeter a um juízo probabilístico de
êxito do recurso e que, em caso positivo (certeza de que o recurso seria provido), o
advogado teria de indenizar o cliente no valor equivalente ao que receberia do ex
adverso caso vencesse a demanda judicial, Sérgio Novais Dias se utiliza do raciocínio das
presunções, que, por vias transversas, nega a chance como bem tutelado em si mesmo
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e equipara sua perda a uma espécie de lucro cessante presumível no caso concreto.

Fernando Noronha advoga pelo reconhecimento da chance perdida como um interesse


independente merecedor de tutela autônoma. Segundo o autor, a perda da chance
configura sempre um dano específico, o dano da perda da própria chance, que se
distingue dos eventuais benefícios que eram esperados, mas que há de ser sempre
consequência adequada do ato lesivo que estiver em questão. O civilista, portanto,
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revela-se verdadeiro defensor da aplicação da teoria no Direito brasileiro.

No cenário brasileiro, dois estudos monográficos merecem destaque. O de Rafael Peteffi


da Silva, que, após prolongado exame da temática no direito comparado, conclui pela
sintetização da teoria em duas categorias: i) casos em que o processo aleatório em que
se encontrava a vítima é totalmente interrompido pela conduta do réu e ii) casos em que
a conduta do réu não interrompe o processo aleatório, fazendo com que haja apenas
uma diminuição das chances de auferir a vantagem esperada. Nesse segundo grupo,
segundo o autor, as chances perdidas não passam de causas parciais para a perda da
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vantagem esperada pela vítima. Dessa forma, na primeira hipótese, estar-se-ia diante
de um conceito específico de dano, enquanto que, na segunda, de uma causalidade
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parcial.

O segundo estudo que se dedicou exclusivamente à teoria é assinado por Sérgio Savi. A
obra buscou analisar somente as hipóteses da perda da chance de auferir um benefício.
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parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

Nesses casos, o autor afirma que a perda da chance deve ser considerada no
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ordenamento brasileiro uma subespécie de dano emergente. Para o autor, o
ordenamento jurídico brasileiro deve admitir a teoria da responsabilidade civil por perda
de uma chance, tendo como fundamento i) a cláusula geral da responsabilidade civil que
utiliza um conceito aberto de dano, ii) o princípio da reparação integral e iii) a evolução
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do sistema de responsabilidade civil.

Na linha do que já vinha apontado pela doutrina, os autores contemporâneos que se


debruçaram sobre o tema consideram, portanto, a chance como interesse (bem)
juridicamente tutelável, a merecer estudo específico de seus pressupostos e
quantificação.

Assim como ocorrido no Direito francês, à jurisprudência dos tribunais brasileiros coube
o concreto dimensionamento da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma
chance. O primeiro julgado a abordar o tema data de 1990, de relatoria do então
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Ruy Rosado de Aguiar
Júnior, por influência de palestra proferida por François Chabas (La perte d’une chance
em droit français), em maio daquele ano, na UFRS. O caso paradigma tratou-se de ação
indenizatória de danos decorrentes de erro médico. Curiosamente, embora tenha
analisado a teoria, o Tribunal gaúcho rejeitou sua aplicação ao caso, mesmo
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reconhecendo sua pertinência no Direito brasileiro.

Um ano após a prolação do referido acórdão, o Tribunal, novamente sob a relatoria de


Ruy Rosado de Aguiar Júnior, teve a oportunidade de revisitar o tema em caso de
responsabilidade civil do advogado. Dessa vez, o dano proveniente da lesão à chance foi
reconhecido in concreto. No caso, o advogado não informou à sua constituinte o extravio
dos autos, impedindo a parte autora de ter seu pedido de pensionamento apreciado em
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juízo.

Desde a prolação dos primeiros acórdãos, a responsabilidade civil pela perda de uma
chance vem ganhando relevância no cenário jurídico nacional, a ponto de se dizer que o
momento atual de alguns tribunais brasileiros se caracteriza pela “ebulição da teoria da
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perda de uma chance”.

O próprio Superior Tribunal de Justiça tem sido inundado por questões atinentes à teoria
em ambas as suas modalidades: tanto na perda de chance de auferir um benefício
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quanto na de evitar um prejuízo. Tome-se como exemplo da primeira modalidade um
caso ocorrido em agosto de 2013: a mesma emissora que teve de pagar indenização a
finalista do programa “Show do Milhão” (v. introdução) foi condenada, em nova
oportunidade, a indenizar o participante de um outro jogo de perguntas e respostas
(dessa vez o programa “Vinte e um”) pela “perda da chance de passagem a etapa
seguinte”, já que a alternativa correta para responder à pergunta formulada se baseava
na parte fictícia de um livro indicado como bibliografia, que contradizia a realidade. O
STJ decidiu não manter a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, segundo a qual o
contrato

“continha cláusula expressa no sentido de que a bibliografia básica para a formulação


das perguntas seria uma determinada obra – 'Corinthians é Preto no Branco', a qual
continha uma parte verdadeira, de cor preta, e uma parte fictícia, de cor branca, tendo o
candidato sido desclassificado por responder o resultado correto de uma partida, que
não se encontrava na parte correta, de cor preta, mas que constava, com resultado
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errado diverso, na parte fictícia de cor branca.”

Nesse caso, mais uma vez, o STJ reconheceu a chance como interesse jurídico tutelável
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e manteve a indenização pela perda da oportunidade de auferir um benefício. Em
relação a outra modalidade da teoria, o STJ também reconhece amplamente sua
aplicabilidade. Ao julgar o REsp 1.254.141/PR, a Ministra Nancy Andrighi deixou
consignado que

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parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

“a teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de
responsabilidade civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro tenha
reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha a falecer em
razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico.”

Segundo a relatora, “a chance em si – desde que seja concreta, real, com alto grau de
probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo – é considerada um bem
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autônomo e perfeitamente reparável”.

No entanto, fato é que o manuseio da teoria pelos tribunais ainda é muito incipiente, o
que provoca oscilações de entendimentos, principalmente no tocante aos requisitos de
aplicação da perda da chance, a natureza do dano gerado e sua quantificação. Em
verdade, a conformidade da teoria com o ordenamento jurídico brasileiro nunca foi alvo
de maiores disputas jurisprudenciais. O que se discute é a adequação da teoria aos
casos concretos – preenchimento dos requisitos de aplicação – e não sua serventia no
Direito pátrio. Assim, ultrapassada a barreira da aceitação da teoria, a chance tem
recebido tutelas das mais variadas, de modo que sua perda ora se compreende como
dano moral, ora como dano de natureza patrimonial.

Contudo, a chance deve se revestir de determinadas características para ser tutelável


pelo ordenamento. Ou seja, pode-se falar da necessidade do preenchimento de um
verdadeiro requisito para a aplicação da teoria, a permitir, assim, o reconhecimento da
oportunidade perdida como prejuízo a ser reparado pelo Direito. Como bem ensinam
doutrina e jurisprudência, não se devem proteger remotos sonhos e quimeras. Além dos
pressupostos de aplicação da teoriada perda da chance, os critérios de quantificação de
sua indenização mostram-se tarefa de que se ocupam a doutrina e a jurisprudência nos
últimos anos, assim como o próximo item deste trabalho.

3.Alguns parâmetros para qualificação e quantificação da perda da chance

A reparação de chances tem uma preocupante tendência à vulgarização. Como há o risco


de a vítima se utilizar da teoria para buscar indenização por quaisquer oportunidades
perdidas, preocupou-se a doutrina em estabelecer requisitos para delimitar a
ressarcibilidade da lesão à chance, de modo que a técnica não se revele uma porta
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escancarada à tutela de interesses não resguardados pelo ordenamento.

Deve-se verificar de que maneira se distinguem as perdas de chances indenizáveis


daquelas em que há lesão de um mero sonho do demandante. Em outras palavras, como
se diferenciam as chances verdadeiramente merecedoras de tutela pelo ordenamento
daquelas que não passam de um indiferente jurídico para fins de reparação civil.

3.1.Chance real e séria: uma questão de razoabilidade

A teoria da perda da chance atribui relevância jurídica às chances perdidas,


independentemente do resultado final que seu aproveitamento teria produzido. Não é,
contudo, qualquer chance que, ao ser violada, gerará direito à indenização. Para tanto, o
dano perda da chance deverá cumprir um requisito de ressarcibilidade.

Cumpre, neste momento, investigar o an debeatur que a teoria da perda da chance


busca resguardar. Isto é, a existência do prejuízo que será reparado por meio do
instituto. Somente haverá dano ressarcível à medida que a chance perdida preencha um
requisito que a permita ser considerada um interesse juridicamente tutelável. A dizer: a
oportunidade suprimida devia ser real e séria ou, como aqui se prefere chamar,
razoável.

Diferentemente do que ocorre quanto à natureza da perda da chance, doutrina e


jurisprudência bradam em uníssono o requisito de sua existência (rectius,
ressarcibilidade). Apesar da infinidade de expressões que busquem caracterizar a chance
como interesse tutelável e sua perda, logo, como dano reparável, todas convergem para
um mesmo significado: ainda que impossível saber se a chance lesionada teria resultado
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em benefício ou evitado prejuízo, basta que seja suficientemente real e séria para
ganhar relevância jurídica a ponto de se tornar um interesse tutelável. A doutrina
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entende que, nesses casos, justamente por gerar uma expectativa legítima em seu
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titular, a supressão da chance será suscetível de reparação.

Sérgio Savi conclui, em sua já citada obra, que “não é, portanto, qualquer chance
perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de
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indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real”. No
mesmo sentido posiciona-se a doutrina de Sergio Cavalieri Filho, para quem se faz
“preciso que se trate de uma chance séria e real, que proporcione ao lesado efetivas
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condições pessoais de concorrer à situação futura esperada”.

O Superior Tribunal de Justiça parece seguir o mesmo caminho ao consignar, em seu


informativo 456, que “se razoável, séria e real, mas não fluida ou hipotética, a perda da
chance é tida por lesão às justas expectativas do indivíduo, então frustradas”.

Em outras palavras, a chance só configura um interesse jurídico tutelável quando for real
e séria. Apesar de a expressão conter dois adjetivos, a doutrina não tem se preocupado
em distingui-los, o que permite a conclusão de que por chance real e séria se diz a
chance idônea a gerar em seu titular uma expectativa razoável de obter uma vantagem
ou de evitar um malefício. Ou seja, para que uma chance seja merecedora de tutela no
ordenamento brasileiro, impõe-se seja razoável. E somente nesses casos a lesão a tal
interesse será considerada indenizável.

Na lição de Gustavo Tepedino, mediante o princípio da razoabilidade,

“o intérprete poderá aferir em que medida a disciplina individuada para certa hipótese
fática, mesmo diante de regras aparentemente claras, se encontra consentânea com os
princípios e valores do ordenamento, tendo-se em conta as especificidades dos
interesses em questão.”

E alerta:

“é papel do intérprete, portanto, em nome da razoabilidade, entrever as consequências


da sua atividade interpretativa no caso concreto, em busca da solução razoável que, ao
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mesmo tempo, seja rigorosamente fiel aos valores do ordenamento jurídico.”

Significa dizer que, para a configuração de uma chance razoável, não basta a simples
30
alusão a utopias remotas. Deve-se exigir a demonstração in concreto de que a
oportunidade perdida já representava um interesse palpável no patrimônio da vítima,
sob pena de subverter os valores ordenamento por meio de uma “ultratutela” da vítima
que não foi vítima, pois não detinha um interesse merecedor de tutela.

Nas palavras de Anderson Schreiber, para que a lesão à chance seja indenizável, é
preciso verificar se a oportunidade realmente existiria não fosse a intervenção do
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infrator. Desse modo, para se falar em perda da chance, deve-se demonstrar que “o
normal desenrolar dos fatos conduziria ao gozo da oportunidade, que não dependia de
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outras condições que não as que já estavam presentes no caso concreto”.

Já com a data do casamento marcado e com os preparativos arranjados, a noiva que vê


morrer seu futuro marido por erro médico tem direito à indenização por perda da chance
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de casar – que será concedida a título de dano moral. Não fará jus, contudo, à
indenização pela perda da chance de ter filhos e de poder contar com o auxílio financeiro
dessa eventual família. O que permite a indenização na primeira hipótese e a impede, na
segunda? Simples: naquela, a chance (de se casar) era decorrência natural de um
processo que já estava em curso. A data marcada e os convites já enviados, por
exemplo, indicam que a chance de se casar já gerava uma expectativa razoável na
noiva, que foi ilicitamente retirada pelo médico-ofensor. Na segunda hipótese, por outro
lado, não se pode afirmar que a oportunidade de ter filhos e de obter deles auxílio
financeiro decorreria do curso normal dos acontecimentos. Outros fatores deveriam ser
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sopesados, como, por exemplo, a vontade do marido perdido de ter filhos ou até mesmo
sua própria sobrevivência.

Diante do exemplo narrado, percebe-se que algumas chances podem ser consideradas
razoáveis – quando do decurso natural dos fatos elas seriam aproveitadas – e outras,
contrariamente, devem ser consideradas hipotéticas e aleatórias. No primeiro caso, a
chance configura interesse tutelado pelo Direito e sua perda ensejará responsabilização;
no segundo, devem-se rejeitar as pretensões indenizatórias.

Nessas hipóteses, não se trata, a rigor, de negar existência literal da perda de uma
chance. De fato, havia a chance de a mulher ter filhos após casada e ela foi perdida por
ato imputável a terceiro. Contudo, por não configurar uma chance razoável, deve-se
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negar-lhe tutela jurídica, já que ausente o an debeatur.

Acrescente-se a lição de Fernando Noronha, que defende a utilização das regras de


experiência comum para a elucidação da razoabilidade de determinada chance que foi
lesionada. Nas palavras do autor, “para saber se a oportunidade perdida era real e séria,
haverá que recorrer às regras de experiência comum subministradas pela observação do
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que ordinariamente acontece”.

Importante atentar que o parâmetro de razoabilidade ora proposto não se confunde com
análises numérico-probabilísticas. Isto é, para a configuração do an debeatur –
existência da chance como interesse tutelável – não se faz necessário que haja uma alta
probabilidade de ganho. Veja-se o multicitado caso do “Show do Milhão” (v. introdução,
supra), em que, mesmo com reduzida probabilidade de acerto (25%), foi reconhecido o
36 37
direito à indenização. -

O estudo probabilístico entre a chance perdida e o resultado final se faz mais relevante
no momento posterior: a etapa de quantificação do dano. Vale dizer: uma vez
considerada razoável, está presente o an debeatur. Em seguida, verifica-se qual a
probabilidade de a chance ter produzido o efeito benéfico (ou evitado o malefício) diante
do curso natural dos fatos. E é dessa análise probabilística que se extrairá o quantum
debeatur.

Tecnicamente, o juízo de razoabilidade, apesar de não se confundir com o de


probabilidade, é por este influenciado, de modo que o merecimento de tutela da chance
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provirá de uma interação dialógica entre o razoável e o provável. Dizer que
determinada chance era razoável significa afirmar, ainda que por vias transversas, que
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nela estava contida alguma probabilidade de vantagem.

O que não parece adequado é vincular a existência da chance como interesse tutelável a
um critério probabilístico predeterminado (seja de 50, 20 ou 10 por cento), pois a
influência dialógica que a probabilidade terá no juízo de razoabilidade deverá ser
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avaliada nas vicissitudes de cada caso concreto. Isto porque, como bem nota a
doutrina, chances de poucas probabilidades podem revelar um interesse relevante para
vítima, cuja supressão gerará um dano ressarcível. Por outro lado, há vezes em que
chances muito prováveis podem não ter valor algum. Mais valem 15% de chance de
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realizar um sonho do que 95% de conseguir algo não tão desejado. Apenas o caso
concreto poderá informar a que ponto a análise probabilística deverá influenciar no juízo
de razoabilidade.

No caso do “Show do Milhão”, por exemplo, embora fosse a probabilidade de 25%, a


participante havia respondido corretamente a mais de dez perguntas formuladas, além
de, por confiar na seriedade do programa, ter escolhido enfrentar a “pergunta do
milhão” e dispor dos quinhentos mil reais já conquistados. Nesse cenário, agiu
corretamente o STJ ao conceder-lhe indenização pela chance perdida.

De fato, o juízo de probabilidade, por trabalhar com a frieza dos números, carece de um
olhar mais apurado para o caso concreto. Assim, a ciência probabilística, posto que
forneça uma precisão numérica certeira, não tem aptidão para viabilizar a precisão
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parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

jurídica esperada à luz de cada caso concreto. Ou seja, embora possa ser reconhecida a
probabilidade de 60% de sucesso de determinada intervenção cirúrgica, não será
possível saber a chance de sucesso do tratamento realizado in concreto pelo médico “A”
no paciente “B” em uma sala do hospital “C”, naquele dia “D” e naquela hora “E”.

Dessa forma, a ressarcibilidade da perda da chance não pode se submeter a um simples


e frio juízo de probabilidade. Tal critério terá como território fértil o da quantificação do
dano. No momento da determinação da existência do dano, a probabilística servirá tão
só como um dado a influenciar dialogicamente a avaliação da razoabilidade da chance
perdida.

Rafael Peteffi da Silva, em perspectiva distinta, infere que a perda de uma chance real
liga-se a “algo que repousa entre uma ‘probabilidade e uma certeza’ ou a um
“alargamento do nexo de causalidade”, que poderia “significar a perda de uma chance
sendo utilizada para suavizar o ônus da prova do nexo de causalidade entre a conduta
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do réu e o dano final”.

Na verdade, a utilização do requisito da seriedade e certeza – aqui compreendido como


razoabilidade – não trata propriamente de uma “suavização do ônus da prova do nexo
de causalidade”, mas, como demonstrado, da própria averiguação da chance como
interesse merecedor de tutela.

3.2.O teto de quantificação das chances perdidas

A quantificação da perda da chance tornou-se a principal preocupação da jurisprudência.


O tema, bastante tormentoso, ganha também cada vez mais relevo doutrinário. Assim,
diante da perda de determinada oportunidade, buscam-se parâmetros para dizer qual o
efetivo prejuízo patrimonial a ser reparado ou, no caso de dano moral, qual o quantum
apto a compensar a vítima.

O artigo 944 do Código Civil (LGL\2002\400) impõe que a indenização corresponda à


exata extensão do dano, o que traz à tona a difícil questão de como quantificar a chance
perdida. A complexidade do problema escapa aos limites deste trabalho, de modo que se
pretende apenas apontar, de acordo com a doutrina, dois parâmetros de quantificação:
i) o teto categórico da quantificação pela perda da chance, consistente no valor do dano
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final e ii) o juízo probabilístico.

Suponha-se que um pintor tenha submetido uma obra sua a um concurso cujo prêmio
seja de cem mil reais. Por culpa da transportadora, o quadro não chega a tempo de ser
submetido à banca avaliadora do certame, razão pela qual o pintor perde a chance de
sagrar-se vencedor. Quanto vale a perda da oportunidade a ser indenizada?

O consenso esposado pela doutrina é no sentido de que “a indenização da chance


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perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil esperado”. Trata-se de um teto
categórico de indenização, pois, afinal, se fosse possível, por um juízo de probabilidade
objetiva, presumir a certeza da vitória no concurso, não se trataria de perda de uma
chance, mas de lucros cessantes, já que se indenizaria tudo aquilo que o pintor
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“razoavelmente deixou de lucrar”.

Rafael Peteffi da Silva faz referência ao que aqui se denomina teto categórico pela
expressão “regra de granito”, “inquebrável” (inafastável) pelo intérprete. Segundo o
autor, “a ‘regra de granito’ limita a quantificação das chances perdidas a um valor
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obrigatoriamente menor do que o valor da vantagem esperada pela vítima”.

Nos casos de perda da chance clássica – de auferir uma vantagem –, tem-se que o fato
de a situação ser idônea a produzir apenas provavelmente e não com certeza absoluta o
lucro influi sobre a valoração do dano, já que “a chance de lucro terá sempre um valor
47
menor que a vitória futura, o que refletirá o no montante da indenização”. Portanto, no
exemplo formulado, o teto da indenização seria de cem mil reais – valor da vantagem
perdida, que, na perspectiva da lesão, denomina-se dano final. Nessa hipótese, a chance
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

de ganhar um prêmio de cem mil reais deve valer menos que cem mil reais.

A respeito dos casos de perda da chance de evitar um prejuízo, tome-se como exemplo
um médico que, por negligência, omite-se em aplicar terapia cuja probabilidade de êxito
é cientificamente comprovada. Conseguintemente, o paciente vem a óbito. Nessa
hipótese, a indenização pela perda da chance de cura terá como teto a indenização
cabível pela lesão à vida. Isto é, questiona-se: qual o valor da compensação devida à
família caso o médico houvesse, de fato, matado o paciente? Esse será o teto da
48
indenização pela perda da chance.

Tal foi o entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do


REsp 1.2541.141/PR, de relatoria da ministra Nancy Andrighi. No acórdão, o Tribunal
fixou que:

“Não é possível a fixação da indenização pela perda de uma chance no valor integral
correspondente ao dano final experimentado pela vítima, mesmo na hipótese em que a
teoria da perda de uma chance tenha sido utilizada como critério para a apuração de
responsabilidade civil ocasionada por erro médico. Isso porque o valor da indenização
pela perda de uma chance somente poderá representar uma proporção do dano final
49
experimentado pela vítima.”

Tem-se, portanto, que o teto indenizatório da perda de uma chance deve pautar-se no
limite do valor da vantagem perdida, isto é, no dano final. Trata-se de teto categórico, já
que ignorá-lo seria subverter a teoria, desconsiderando a chance como interesse
merecedor de tutela e transformando, pela via indenizatória, a oportunidade em
realidade. O que justificou o desenvolvimento da teoria, sobretudo, foi o reconhecimento
da necessidade de tutela desse interesse jurídico – a chance – cujo valor é logicamente
inferior ao da vantagem perdida. Desconsiderar o teto é, no fim das contas, rasgar a
teoria e fazer da chance perdida verdadeiros lucros cessantes, o que não se mostra
adequado no ordenamento jurídico brasileiro.

O primeiro parâmetro encontra-se estabelecido: a indenização da chance perdida terá


como valor máximo a indenização pelo dano final. Como já dito, a perda da chance de
lucrar cem mil reais vale menos que cem mil reais. De que forma, contudo, pode-se
dizer quão menos?

Para se responder à questão, vem à tona o critério da probabilidade matemática, pelo


qual aplica-se sobre o resultado do aproveitamento da chance um percentual
correspondente à probabilidade que a vítima teria de sucesso caso a chance não tivesse
50
sido frustrada. Dessa maneira, se o pintor teria uma chance em duas de vencer o
51
concurso, deverá ser indenizado em 50% do valor do prêmio.

Assim, a influência da álea na delimitação do montante indenizável se reflete na


avaliação das chances perdidas em duas etapas, conforme ensina a doutrina:

“Num primeiro momento, determina-se qual seria o ganho auferido ou a perda evitada,
se a vítima tivesse obtido o resultado aleatório esperado. Depois, esse valor será
multiplicado pela porcentagem de chances que a vítima perdeu em função do ato do réu,
e o resultado desta conta será o montante a ser indenizado a título da perda da
52
oportunidade.”

Nesse sentido é a lição de Fernando Noronha, para quem

“a determinação do quantitativo a ser atribuído ao lesado vai depender da probabilidade,


maior ou menor, que havia de que o resultado se concretizasse. Essa probabilidade há
de ser traduzida numa percentagem sobre o valor do dano total (ou dano final) que o
53
lesado teria, se a vantagem desejada se concretizasse.”

Ocorre que, assim como o princípio da razoabilidade sofre influências do juízo


probabilístico no momento da constatação da existência do dano, aqui, na etapa de
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

quantificação, o critério da probabilidade matemática será por ele permeado. Isso


porque a matemática não se mostra suficiente, em muitos casos, para se identificar qual
a real probabilidade de sucesso.

A estatística estará sempre aquém de um retrato fiel da realidade, justamente por se


54
pautar em uma média extraída de um universo idealizado de situações idênticas. No
mundo da vida, como se sabe, cada caso concreto é composto de circunstâncias que o
55
particularizam em relação ao todo, pois peculiar é cada indivíduo.

Dessa forma, os dados estatísticos oferecerão apenas um parâmetro ao magistrado para


que ele, em análise minuciosa do caso concreto, defina o quantum da chance perdida a
ser indenizada. Assim, entra em cena o princípio da razoabilidade, que atuará
dialogicamente com o juízo probabilístico-matemático.

Razoabilidade, na quantificação do dano pela perda da chance, significa a análise das


condições específicas da vítima. É o ajuntamento realizado pelo magistrado da fria tábua
da matemática estatística à realidade dos fatos. Tal aproximação faz-se necessária para
uma adequada avaliação da chance perdida, visto que – permanecendo no exemplo –,
sendo um concurso de obras de arte disputado por dez participantes, cada artista terá,
estatisticamente, 10% de chance de sagrar-se vencedor e receber o prêmio. Contudo, a
perda da chance de um renomado pintor tido por especialistas como favorito a ganhar o
certame sem dúvida deverá ser reparada em maior medida do que a lesão à chance de
um amador que se inscrevera no concurso por mero capricho.

Assim, o princípio da razoabilidade impõe que os aspectos particulares de cada caso


sejam considerados pelo magistrado na etapa da quantificação do dano, sob pena de,
por um lado, conceder indenização maior do que a devida à vítima ou, por outro, de não
56
satisfazer o princípio da reparação integral dos danos.

Em conseguinte, quando a análise da chance in concreto subverter a lógica da


probabilidade-estatística, o julgador não poderá se furtar de distanciar a indenização
daquilo que seria devido na média dos casos, devendo fazê-lo, é claro, sob a devida
57
fundamentação. Afinal, detrás de cada caso, há um indivíduo singular cujas
particularidades devem ser observadas pelo magistrado ao julgar a lide, a partir da
interpretação-aplicação integral do ordenamento unitário, complexo, sistemático e
58
coerente.

Por fim, observe-se como exemplo, nos casos de perda da chance de evitar um prejuízo,
a seguinte situação: um médico, por negligência, deixa de aplicar terapia cuja
probabilidade de êxito é, em média, de 70%, o que acaba por resultar na morte de seu
paciente. A análise probabilística indica que a compensação devida giraria em torno de
70% daquilo que seria devido pela lesão direta à vida. Contudo, resta comprovado que a
vítima, por sofrer de outra doença rara, detinha apenas 30% de chance de cura com o
tratamento. Dessa forma, o quantum reparatório deve se distanciar dos 70% sugeridos
pelo juízo probabilístico inicial e se aproximar daquele de 30%, dado pelo princípio da
razoabilidade.

Portanto, o teto categórico e o juízo probabilístico, em diálogo com o princípio da


razoabilidade, revelam-se parâmetros sólidos para a quantificação da indenização pela
perda de uma chance no Direito brasileiro, cuja incidência variará a depender da
modalidade de aplicação da teoria de que se estiver diante. Por possuírem lógicas
distintas e características próprias, o estudo das categorias da perda da chance deve ser
objeto de estudo apartado, fugindo ao escopo deste artigo.

4.A indenizabilidade das chances perdidas na jurisprudência brasileira

Para que se possa falar em perda da chance indenizável, como visto, é preciso que a
oportunidade se revista de razoabilidade, isto é, impõe-se que a chance perdida seja o
resultado natural de um processo aleatório já em curso e não um sonho remoto da
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

vítima. Para tanto, o cálculo probabilístico atuará em auxílio do critério da razoabilidade,


a fim de influenciá-lo na verificação da ressarcibilidade da chance em cada caso
concreto.

Assim, faz-se necessário que a chance não dependa de outros fatores cuja presença não
seja verificável na análise do caso concreto. Nesse aspecto, o Superior Tribunal de
Justiça tem se mostrado bastante cauteloso, buscando avaliar minuciosamente o
requisito de razoabilidade para, não estando preenchido de acordo aos aspectos do caso
concreto, rejeitar a aplicação da teoria da perda de uma chance.

Ilustrativo nesse sentido foi o julgamento do AgRg no REsp 1220911/RS, no qual o


relator Ministro Castro Meira negou o pedido de indenização ao exigir que a chance por
cuja perda se busca indenizar “se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao
59
lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada”.

O caso tratava de uma ação ordinária por meio da qual o autor pedia indenização da
União por ter sido reprovado no exame psicotécnico inicial do concurso público para o
cargo de Policial Rodoviário Federal. Embora a injustiça de sua reprovação tenha sido
reconhecida, seu pedido de indenização com base na teoria da perda da chance foi
rejeitado, pois, ainda que aprovado na primeira fase do certame (prova de
conhecimento), “ficaram pendentes as quatro fases seguintes da primeira etapa,
compreendendo os seguintes exames: psicotécnico (considerando a inexistência de
resultado válido), médicos, capacidade física e motricidade; e, ainda, a segunda etapa,
60
de caráter eliminatório – Curso de Formação”.

Em 2008, a terceira turma do STJ, em acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrighi,


posicionou-se no sentido de que o advogado negligente responde “pela perda da
probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real”. E
enfatizou: “Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples esperança
subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso
61
obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance”.

O entendimento foi ratificado pelo mesmo órgão no ano de 2010, no julgamento do REsp
1115687/SP, em cujo acórdão restou consignado que “Somente a perda de uma
oportunidade real, plausível e séria justifica a compensação por danos morais”. Na
hipótese, a Corte acabou por afastar a teoria da perda da chance, pois, a seu entender,
a oportunidade de evitar um malefício – purga da mora apta a evitar o leilão
62
extrajudicial de imóvel de propriedade dos recorrentes – era “remota e inexpressiva”.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento de apelação que versava sobre


perda da chance, enfatizou os requisitos para a aplicação da teoria, quais sejam:

“a existência do dano acarretado à vítima, uma vez que esta oportunidade já estava
inserida em seu patrimônio, que a configuração deste dano fora gerado pela perda da
oportunidade, real, séria e atual na obtenção de certa vantagem, ou para evitar um
63
prejuízo.”

Tratava-se de caso em que a apelante pedia ao Tribunal que reconhecesse a perda da


chance de obter uma bolsa de pesquisa junto à FAPERJ – Fundação de Auxílio à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro. A parte ré, um condomínio edilício, ao não fiscalizar
devidamente uma obra, deu causa a um acidente que, por lesar a integridade física da
autora, teria lhe retirado a chance de pleitear a referida bolsa para pesquisa de campo.
Contudo, o Tribunal posicionou-se no sentido de que do conjunto fático probatório não
evidenciaria os requisitos para a responsabilidade pela perda da chance, concluindo que

“meras esperanças ou expectativas aleatórias não se encontram tuteladas nas possíveis


ações de indenizações, sob pena de nos deixar levar pelas mesmas artimanhas e
armadilhas a que foi submetida a reparação do dano moral, totalmente desvirtuada do
seu propósito original e pejorativamente conhecida como ‘indústria do dano moral’. De
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

fato, temos que não restou comprovado se haveria real possibilidade de renovação da
bolsa, caso a primeira Autora estivesse em condições físicas de efetuar o trabalho de
campo, inexistindo qualquer comprovação de que novas bolsas seriam concedidas na
64
área de atuação da Demandante.”

No âmbito de outro caso em que se discutiu o cabimento de responsabilidade civil pela


perda da chance, a 23ª Câmara Cível do Tribunal rejeitou a aplicação da teoria
justamente pela falta dos requisitos apontados anteriormente. A hipótese enfrentada
pela Corte era de um sujeito que adquirira títulos de capitalização junto ao banco HSBC
que permitiam ao autor concorrer em sorteios mensais por meio dos números de seus
títulos. Ou seja, cada título deveria representar uma chance distinta de o autor sagrar-se
vencedor da rifa.

Ocorreu que o Banco, por falha na prestação do serviço, emitiu seis títulos de igual
numeração, motivo pelo qual o autor exigiu indenização pela perda das chances de
ganhar o sorteio que a numeração sequencial correta dos documentos lhe traria. Dado o
exposto, decidiu o Tribunal que

“se deve tratar de uma chance palpável, factível. Há que se tratar não de mera
possibilidade abstrata, mas perda de uma oportunidade séria e real. Chances meramente
matemáticas, diminutas, dificilmente realizáveis, não chegam a atrair a obrigação
65
reparatória, já que recaem na hipótese do mero dano hipotético.”

O caso narrado permite a observação concreta do que já foi dito: a análise probabilística
atuou dialogicamente com o princípio da razoabilidade para a determinação do an
debeatur. A equivocada numeração sequencial dos títulos não ocasionou, pela análise do
caso concreto, uma diminuição severa da probabilidade de o autor ganhar o sorteio.
Desse modo, ao critério probabilístico foi permitido influenciar a qualificação da chance
como razoável e, portanto, seu reconhecimento como interesse tutelável.

5.Síntese conclusiva

Em conclusão, buscou-se elucidar, ao longo deste estudo, parâmetros para a aferição da


ressarcibilidade da chance perdida (an debeatur) e, em segundo momento, da
quantificação da reparação (quantum debeatur). No que toca ao primeiro, tem-se que a
chance deve perfazer um pressuposto para que eventual lesão a si seja considerada
ressarcível. Trata-se o requisito do que a doutrina denomina ser a chance “real e séria”,
que nada mais é do que a compreensão da chance como razoável a trazer o benefício ou
evitar o malefício. Tecnicamente, tal juízo razoabilidade, apesar de não se confundir com
o de probabilidade, é por este influenciado, de modo que o merecimento de tutela da
chance provirá de uma interação dialógica entre o razoável e o provável. O que não
parece adequado é vincular a existência da chance como interesse tutelável a um critério
probabilístico predeterminado, pois a influência dialógica que a probabilidade terá no
juízo de razoabilidade deverá ser avaliada nas vicissitudes de cada caso concreto.

A respeito do quantum indenizatório, há consenso doutrinário no sentido de que a


reparação pela chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil esperado.
Trata-se de um teto categórico de indenização, pois, afinal, a chance de vencer um
prêmio vale logicamente menos do que o prêmio, assim como a simples chance de
sobreviver tem valor existencial inferior do que a vida em si.

Assim, o processo de quantificação se dará por meio de uma probabilidade, que será
traduzida em uma percentagem sobre o valor da vantagem esperada ou do dano final
que o lesado teria, a depender da modalidade da perda de aplicação da teoria. Assim
como o princípio da razoabilidade sofre influências do juízo probabilístico no momento da
constatação da existência do dano, na etapa de quantificação, o critério da probabilidade
matemática será por ele permeado. Os dados estatísticos oferecerão apenas um
parâmetro ao magistrado para que ele, em análise minuciosa do caso concreto, defina o
quantum da chance perdida a ser indenizada.
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

O princípio da razoabilidade impõe que os aspectos particulares de cada caso sejam


considerados pelo magistrado na etapa da quantificação do dano, sob pena de, por um
lado, conceder indenização maior do que a devida à vítima ou, por outro, de não
satisfazer o princípio da reparação integral dos danos. Em conseguinte, quando a análise
da chance in concreto subverter a lógica da probabilidade-estatística, o julgador não
poderá se furtar de distanciar a indenização daquilo que seria devido na média dos
casos, devendo fazê-lo, é claro, sob a devida fundamentação.

6.Referências bibliográficas

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1 A suposta resposta seria a alternativa “d) 10%”, retirada da enciclopédia Barsa.


Contudo, a Constituição da República não reserva aos índios percentual algum do
território brasileiro.

2 “Recurso Especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa


de televisão. Perda da oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e
respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não
indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas
instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o
dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela
perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido” (STJ, REsp
788459/BA, 4ª T., rel. min. Fernando Gonçalves, j. 08.11.2005).

3 Outros casos julgados pelo STJ serão analisados ao longo deste trabalho, em especial
nos itens 1.3 e 2.2.2, v. infra.

4 CARVALHO SANTOS, João Manoel de. Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1956. v. XXI. p. 321-322.

5 Transcreva-se a preciosa lição do autor: “A possibilidade e talvez a probabilidade de


ganhar a causa em segunda instância constituía uma chance, uma oportunidade, um
elemento ativo a repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o grau dessa
probabilidade ser apreciado por peritos técnicos. Tanto isso é verdade, que o autor de
uma demanda pode, mesmo perdida a causa em primeira instância, obter uma quantia
determinada, pela cessão de seus direitos, a um terceiro que queira apelar. No exemplo
figurado, os peritos técnicos, forçosamente advogados, fixariam o valor a que ficara
reduzido o crédito após a sentença da primeira instância, tendo em vista, para isso, o
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

grau de probabilidade de reforma da mesma, de modo a estabelecer-se a base


negociável desse crédito. O crédito valia dez. Suposta a sentença absolutória, que mal
apreciou a prova, seu valor passou a ser cinco. Dado, porém, que a mesma haja
transitado em julgado, tal valor desceu a zero. O prejuízo que o advogado ocasionou ao
cliente, deixando de apelar, foi de cinco. Se este cálculo não traduz exatamente o
prejuízo, representa, em todo o caso, o dano que pôde ser provado, e cujo
ressarcimento é devido. O remédio nem sempre cura; muitas vezes melhora. Será este o
caso). (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1980. p. 192).

6 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São


Paulo: Saraiva, 1980. p. 194 (grifos do original).

7 O autor cita hipóteses clássicas de perda da chance em nota de rodapé referente aos
lucros cessantes: “Assim, a probabilidade de ganhar uma causa; vencer a corrida de
cavalo, vencer um concurso, ganhar na bolsa; obter o prêmio em uma exposição de
pintura, probabilidade perdida, respectivamente, em consequência de fato do advogado;
do transportador que não conduziu o animal a tempo ou do espectador que provocou o
acidente de que resultou originariamente a sua má colocação; do mandatário que não
promoveu a habilitação do candidato, a ele confiada; do banqueiro que não proporcionou
em tempo o numerário ao cliente; do indivíduo que destruiu o quadro etc.”. (AGUIAR
DIAS, José de. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. 827).

8 Nas palavras do autor: “Magistrado bisonho, confortado por acórdão do 1º Tribunal de


Alçada do Rio de Janeiro, como votos vencidos que lhe salvaram a eminente reputação,
decidiu que o advogado não é responsável pela perda de prazo, em recurso de
reclamação trabalhista, porque esse fato não constituía dano, só verificável se o
resultado do recurso fosse certo. Confundiram-se o an debeatur e o quantum debeatur,
por má informação sobre o conceito de dano. Sem dúvida que este deve ser certo e
provado desde logo na ação. Mas o dano, na espécie, era a perda de um direito, o de ver
a causa julgada na instância superior. Se a vitória não podia ser afirmada, também o
insucesso não podia. E este, ainda que ocorresse, correspondia ao quantum debeatur, o
que sucede mais vezes do que supõem os que desconhecem a distinção, pois, ainda que
ganha uma causa, a liquidação pode ser negativa, isto é, não representar valor
pecuniário”. (AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2012. p. 297).

9 Confira-se a íntegra das palavras do autor: “Tem-se entendido pela admissibilidade do


ressarcimento em tais casos, quando a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo era
muito fundada, isto é, quando mais do que a possibilidade havia uma probabilidade
suficiente, é de se admitir que o responsável indenize essa frustração. Tal indenização,
porém, se refere à própria chance”. (SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito
Civil: obrigações em geral. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. v. II. p. 391).

10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 42.

11 DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado: perda de uma chance. São
Paulo: LTr, 1999.

12 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2013. p.
671.

13 As modalidades da perda da chance serão propriamente analisadas no Capítulo III,


infra deste trabalho.

14 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma
análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. p. 230.
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

15 A natureza do dano gerado pela lesão à chance será devidamente estudada no


Capítulo II deste trabalho. No mais, v. SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de
uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 102.

16 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas,
2006.

17 TJRS, Ap. Civ. 598069996, rel. des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. 12.06.1990. O
acórdão está a seguir ementado: “Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultando
névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se
tratar, no caso, de obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance”.

18 TJRS, Ap. Civ. 591064837, rel. des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. 29.08.1991. O
acórdão está a seguir ementado: “Responsabilidade civil. Advogado. Perda de uma
chance. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo
judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar
à mandante pela perda da chance”.

19 “O momento atual, porém, e mais uma vez guardando correspondência com a


produção doutrinária, se caracteriza pela ebulição da teoria da perda de uma chance em
alguns tribunais brasileiros”. (SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda
de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 185).

20 Sobre as modalidades da perda da chance, v. Capítulo III, infra.

21 O trecho do acórdão é reproduzido na decisão do STJ a seguir ementada: “Recurso


especial. Ação indenizatória. Programa televisivo de perguntas e respostas – boa-fé
objetiva do participante – contrato que estabelecia obra-base composta de duas partes,
uma real e outra fictícia – contrato que não obrigava a responder errado de acordo com
parte fictícia da obra-base – perda de uma chance – peculiaridades do caso –
prequestionamento inexistente – aplicação das súmulas 5, 7, 282 e 356 do STF.” (STJ,
REsp 2012/0079391-7, 3ª T., rel. min. Sidnei Beneti, j. 27.08.2013).

22 O Tribunal já havia reconhecido a tutela autônoma da chance em outras


oportunidades: STJ, REsp 821.004/MG, 3ª T., rel. min. Sidnei Beneti, j. 19.08.2010;
STJ, EDcl no REsp 1.321.006/MS, 4ª T., rel. min. Antonio Carlos Ferreira, j. 23.04.2013,
entre outros.

23 STJ, REsp 1.254.141/PR, 3ª T., rel. min. Nancy Andrighi j. 04.12.2012.

24 Como bem nota CARNAÚBA, Daniel Amaral. A responsabilidade civil pela perda de
uma chance: a técnica na jurisprudência francesa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.
101, n. 922, ago. 2012. p. 163.

25 Sobre a correta interpretação da expressão legítima expectativa nesse contexto: “A


legítima expectativa a que aqui se refere compreende toda aquela em que exista para o
sujeito a possibilidade de usufruir de uma chance futura. Não se trata aqui da
expectativa do direito (isto é, do benefício futuro), mas da chance de obtê-lo”
(FIGUEIREDO, Nathália Canuto de; SILVA, Rafael Cândido da. Modalidades da
responsabilidade civil pela perda de chance. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do
Rêgo (Org.). Problemas de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Revan, 2016. p. 213).

26 FIGUEIREDO, Nathália Canuto de; SILVA, Rafael Cândido da. Modalidades da


responsabilidade civil pela perda de chance. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do
Rêgo (Org.). Problemas de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Revan, 2016. p. 213.

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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

27 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas,
2006. p. 60.

28 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p. 98.

29 TEPEDINO, Gustavo. Razoabilidade e sua adoção à moda do jeitão. Revista Brasileira


de Direito Civil – RBDCivil, Rio de Janeiro, v. 8, n. 02, abr.-jun. 2016. p. 06.

30 “Se a teoria [da perda de uma chance] tem aplicação quando não é possível provar
cabalmente o nexo causal entre a ação ou omissão e o resultado danoso e, além disso,
se a sua fundamentação teórica relaciona-se com uma apreciação em abstrato, baseada
na probabilidade, é necessário, para se assegurar um patamar mínimo e inafastável de
segurança jurídica, que tal probabilidade seja real, ou seja, que se possa verificar que a
chance perdida tenha representatividade” (KONDER, Carlos Nelson; DALSENTER,
Thamis. Questões atuais da responsabilidade civil médica e hospitalar. In: TEIXEIRA,
Ana Carolina Brochado; DADALTO, Luciana. Dos hospitais aos tribunais. Belo Horizonte:
Del Rey, 2013. p. 488).

31 SCHREIBER, Anderson. A perda da chance na jurisprudência do Superior Tribunal de


Justiça. In: SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p.
197.

32 SCHREIBER, Anderson. A perda da chance na jurisprudência do Superior Tribunal de


Justiça. In: SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p.
198.

33 Fala-se em chance pois nada garante que o noivo, no dia da cerimônia, diria sim.

34 Em perspectiva diversa, embora com a mesma conclusão, v. Anderson Schreiber,


para quem, uma vez não constatada a seriedade da chance, deve-se “simplesmente
rejeitar o exercício concreto da pretensão indenizatória, em atenção a outra regras e
princípios do ordenamento jurídico (princípio da insignificância, etc.)” SCHREIBER,
Anderson. A perda da chance na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In:
SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 197).

35 “Em primeiro lugar importa averiguar se a chance perdida era real e séria: se for,
haverá obrigação de indenizar; se ela tiver caráter meramente hipotético, não. E para
saber se a oportunidade perdida era real e séria, haverá que recorrer às regras de
experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”
(NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 674)
(grifos do original).

36 No mesmo sentido, v. Anderson Schreiber: “Vale dizer: para que tenha aplicação a
teoria da perda da chance, não é necessário que haja uma alta probabilidade de ganho,
superior a 50% ou a qualquer outro patamar. Mesmo chances reduzidas de sucesso
(25%, por exemplo) podem dar ensejo à indenização” (SCHREIBER, Anderson. A perda
da chance na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: SCHREIBER, Anderson.
Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 197).

37 Em sentido contrário, Sérgio Savi afirma que somente nos casos “em que for possível
fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção
do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em
reparação da perda da chance como dano material emergente”. (SAVI, Sérgio.
Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 61).
Contudo, ao analisar o acórdão proferido pelo STJ no caso do “Show do Milhão”, o autor
afirma que a decisão é “quase impecável” e merecedora de aplausos. Mesmo tendo a
Corte concedido indenização a uma chance de 25%, o civilista declara que “não há como
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

afirmar que o acórdão está equivocado. A diferença entre o entendimento esposado pelo
STJ neste acórdão e aquele por nós defendido neste livro é, tão somente, em relação ao
critério a ser adotado” (SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance.
São Paulo: Atlas, 2006. p. 80).

38 Conforme ensina NORONHA, Fernando: “A probabilidade poderá ser alta ou reduzida;


poderá até ser tão desprezível que nem possa ser tida como correspondendo a um
interesse digno de tutela jurídica” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013. p. 675).

39 Nesse sentido, cf. a lição de NORONHA, Fernando: “A determinação da


verossimilhança da vantagem esperada depende do grau de probabilidade que havia em
obtê-la no futuro, tal como, inversamente, a avaliação o prejuízo que efetivamente
aconteceu depende do cômputo do grau de probabilidade que havia em ele poder ser
evitado” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 665).

40 Nesse sentido, valiosa a lição de Agostinho Alvim: “A teoria da reparação do dano


exige que se tenham em vista todas as circunstâncias que rodeiam o caso, não sendo
possível traçar, a priori, regras fixas, que invariavelmente se ajustem a todas as
hipóteses” (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 195). Em análise semelhante, v. CARNAÚBA, Daniel
Amaral. A responsabilidade civil pela perda de uma chance: a técnica na jurisprudência
francesa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 922, ago. 2012. p. 164: “Se o
objetivo é separar as chances relevantes daquelas que não o são, nenhuma cifra
estabelecida a priori poderá servir de critério”.

41 Em sentido semelhante, cf. exemplo de CARNAÚBA, Daniel Amaral. A


responsabilidade civil pela perda de uma chance: a técnica na jurisprudência francesa.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 922, ago. 2012. p. 164: “Qualquer
vestibulando sabe, por exemplo, que 20% de chances de passar em uma faculdade de
primeira linha valem muito mais do que 80% de chances de ser aprovado em uma
instituição de pouco renome”.

42 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma
análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. p. 204.

43 Para o desenvolvimento maior da quantificação da perda da chance, v., por todos,


SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise
do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007.

44 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas,
2006. p. 63 (grifos do original).

45 Em análise da perda da chance causada por advogado, afirma Sérgio Savi:


“Demonstrado que a súmula vinculante obrigaria o Tribunal julgador a acolher o pedido
do cliente prejudicado, o advogado negligente deveria ser condenado ao pagamento de
indenização, a título de lucros cessantes, de tudo aquilo que seu cliente razoavelmente
receberia em caso de provimento do recurso intempestivamente interposto, ou seja, em
caso de vitória na ação judicial em que foi derrotado” (SAVI, Sérgio. Responsabilidade
civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 62).

46 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma
análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. p. 205.

47 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas,
2006. p. 63 (grifos do original).

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parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

48 Não se ignora a dificuldade de quantificação da indenização por dano moral, mas o


tema foge dos objetivos deste trabalho. Para aprofundamento da questão, v. BODIN DE
MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

49 STJ, REsp 1.2541.141/PR, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012. O acórdão
está a seguir ementado: “Direito civil. Responsabilidade civil. Fixação do valor da
indenização pela perda de uma chance. Não é possível a fixação da indenização
pela perda de uma chance no valor integral correspondente ao dano final experimentado
pela vítima, mesmo na hipótese em que a teoria da perda de uma chance tenha sido
utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro
médico. Isso porque o valor da indenização pela perda de uma chance somente poderá
representar uma proporção do dano final experimentado pela vítima”.

50 “Uma alta probabilidade de sucesso conduz a uma indenização por perda da chance
que será próxima ao valor do resultado final. Uma possibilidade reduzida de acerto
conduzirá a uma indenização diminuta e uma chance ínfima que pode mesmo deixar de
ser indenizada, em atenção à ausência de relevância jurídica da perda, conforme já
destacado” (SCHREIBER, Anderson. A perda da chance na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça. In: SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo:
Atlas, 2013. p. 201).

51 “A fórmula em questão nada mais é do que a aplicação ao Direito de uma


constatação econômica: a de que o valor de uma oportunidade é diretamente
proporcional ao valor do resultado almejado e à probabilidade deste resultado ser
obtido” (CARNAÚBA, Daniel Amaral. A responsabilidade civil pela perda de uma chance:
a técnica na jurisprudência francesa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 922,
ago. 2012. p. 162).

52 CARNAÚBA, Daniel Amaral. A responsabilidade civil pela perda de uma chance: a


técnica na jurisprudência francesa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 922,
ago. 2012. p. 162.

53 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2013. p. 675
(grifos do original).

54 No ramo da sociologia, cf. a análise de Pierre Bourdieu em L’opinion publique n’existe


pas, em que o autor conclui pela insuficiência do dado estatístico que se denomina
opinião pública.

55 Sobre a singularidade do indivíduo retratada na literatura, cf. HESSE, Hermann: “mas


cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo,
sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela
forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e
divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da natureza, é
algo maravilhoso e digno de toda a atenção” (HESSE, Hermann. Demian. Rio de Janeiro:
BestBolso, 2016. p. 07-08).

56 Sobre o princípio da reparação integral dos danos, v., por todos, MONTEIRO FILHO,
Carlos Edison do Rêgo. O princípio da reparação integral e sua exceção no Direito
Brasileiro. In: Rumos contemporâneos do direito civil: estudos em perspectiva
civil-constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

57 Sobre o dever de fundamentação das decisões judiciais à luz da metodologia


civil-constitucional, v. TERRA, Aline Miranda Valverde. A Discricionariedade Judicial Na
Metodologia Civil-Constitucional. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, v. 60,
n. 3, set.-dez. 2015. p. 377-378: “Por meio da fundamentação, o magistrado justifica o
raciocínio jurídico empreendido e demonstra a racionalidade da decisão, ainda que se
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Teoria da responsabilidade civil pela perda da chance:
parâmetros de aplicação à luz do Direito Civil brasileiro

trate de ‘racionalidade imperfeita’ (TARUFFO 2001, p. 454). É pressuposto da decisão


racional que a validade de sua estrutura seja controlável segundo critérios lógicos de
referência. Contemporaneamente, referida estrutura lógica não mais repousa sobre o
raciocínio silogístico e subsuntivo, e sim sobre a ponderação, pela qual se individua a
normativa mais compatível com os interesses em jogo, a partir da hierarquia desses
interesses no ordenamento e das circunstâncias peculiares do caso concreto, de modo a
relativizar a decisão sem ferir o princípio da igualdade. Ademais, a fundamentação
apenas servirá verdadeiramente para o controle da decisão discricionária se for
completa, isto é, se todos os aspectos fundamentais, se todas as escolhas que
conduziram o magistrado à decisão final estiverem devidamente esclarecidos. Desse
modo, tendo em vista que o magistrado efetua valorações não apenas quando interpreta
a lei, mas também quando decide sobre as provas apresentadas, a motivação deve
fornecer a justificativa racional sobre a individuação da norma aplicada ao caso concreto,
calcada em argumentos idôneos, bem como sobre o acerto dos fatos, por meio de
referências específicas aos elementos de prova e às razões pelas quais o juiz os reputou
relevantes”.

58 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste
Cordeiro Leite dos Santos. Rev. técnica Claudio De Cicco. Apres. Tércio Sampaio Ferraz
Júnior. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 34. Sobre o papel criativo do
magistrado, atente-se, contudo, para a lição de Gustavo Tepedino: “O reconhecimento
do papel criativo dos magistrados [...] não importa em decisionismo, ou voluntarismo
judiciário. A própria noção de segurança jurídica há de ser reconstruída a partir do
compromisso axiológico estabelecido pela Constituição da República, com a elaboração
de dogmática sólida, capaz de enfrentar a complexidade dos novos fenômenos sociais e
de suas mudanças. Nessa esteira, torna-se imperioso fortalecer e difundir a teoria da
argumentação, associada à interpretação unitária do ordenamento, não já à valoração
individual de cada juiz, a fim de legitimar o discurso jurídico e a decisão judicial”
(TEPEDINO, Gustavo. Itinerário para um imprescindível debate metodológico. Revista
Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 35, 2008. p. iv).

59 STJ, AgRg no REsp 1.220.911/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro Almeida, j. 17.03.2011.

60 O acórdão está ementado a seguir: “Agravo regimental no recurso especial.


Processual civil e direito civil. Teoria da perda de uma chance. Pressupostos
indenizatórios. Alegada violação do art. 159 do código civil. Dano material hipotético.
Impossibilidade. Dano moral. Acórdão a quo baseado no conjunto fático-probatório.
Revisão de fatos e provas. Súmula nº 07/STJ” (STJ, AgRg no REsp 1.220.911/RS, 2ª T.,
Rel. Min. Castro Almeida, j. 17.03.2011).

61 STJ, REsp 1.079.185/MG, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrihi, j. 11.11.2008.

62 STJ, REsp 1.115.687/SP, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.11.2010.

63 “O conjunto probatório não emerge com clareza a invocada responsabilidade pela


perda de uma chance, a qual deve cumprir alguns requisitos, não evidenciados no caso
concreto, quais sejam: a existência do dano acarretado à vítima, uma vez que esta
oportunidade já estava inserida em seu patrimônio, que a configuração deste dano fora
gerado pela perda da oportunidade, real, séria e atual na obtenção de certa vantagem,
ou para evitar um prejuízo” (TJRJ, Ap. Civ. 0209293-51.2013.8.19.0001, 19ª Câmara
Cível, Rel. Des. Lúcio Durante, j. 16.02.2017).

64 TJRJ, Ap. Civ. 0209293-51.2013.8.19.0001, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Lúcio
Durante, j. 16.02.2017.

65 TJRJ, Ap. Civ. 002517-90.2009.8.19.0054, 23ª Câmara Cível, des. Rel. Maria da
Gloria Oliveira Bandeira de Mello, j. 15.03.2017.

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