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CINEMA E HISTÓRIA:

o imaginário norte americano através de Hollywood.


Por: Priscila Aquino Silva*

Neste artigo procuramos entender os processos de


interação da sétima arte com seu contexto histórico,
tendo em vista perceber o nascimento de uma Era
da Imagem. A escolha do período de estudo, entre
1910/ 1940, se dá por corresponder ao período
inicial de florescimento da técnica e da indústria
cinematográfica. A relevância do assunto consiste
na possibilidade de melhor entendimento das
articulações e influências do contexto histórico no
cinema numa época em que vemos o advento da
sociedade de consumo norte-americana e às
transformações ocorridas que levaram ao
incremento do “american way of life”. Trata-se de
ver o cinema como uma forma de discurso público,
o que nos direciona para a necessidade da
construção de uma alfabetização crítica com
relação à imagem. A necessidade de decodificar e
interpretar a mensagem por trás da imagem.

*
Estudante do curso de graduação de História da Universidade Federal Fluminense desenvolve pesquisa
vinculada ao Scriptorium – Laboratório de Estudos Medievais e Ibéricos da UFF sob a orientação da
professora doutora Vânia Leite Fróes.

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Cinema: Indústria ou Arte? chama Gramsci, ao lançarmos nosso
A historiografia durante muito olhar para o fordismo; a questão da
tempo negou a legitimidade do filme construção da nação americana; a
como documento histórico. Uma história Primeira Guerra Mundial e, como não
de cunho positivista teimava em podia deixar de ser, o cinema como
considerar o cinema como um válvula de escape e formador de uma
instrumento de distorção do passado, nova mitologia e simbologia para aquela
que quando não o falsificava, trivializava- época e para aquelas pessoas. Contudo,
o. Somente a partir de 1970, com a antes de começar o estudo da sociedade
1
“revolução francesa da historiografia” , em si, faz-se necessário esclarecer
ou seja, com Escola dos Annales e a nossos pressupostos teóricos ao
reformulação do conceito e dos métodos analisarmos as produções
da História, é que a historiografia passou cinematográficas com as quais
a encontrar no filme um importante canal trabalhamos.
através do qual conseguiu apreender Em primeiro lugar gostaria de
testemunhos da sociedade, de sua definir o tipo de conceito de ideologia
mentalidade, de seus costumes e de sua que estamos nos imbuindo, já que o
ideologia. Nosso objetivo de estudo campo que está sendo tratado aqui é
nesse artigo, é justamente tentar, através justamente esse. Tentaremos, como
do cinema, abrir uma janela que nos Duby2, conceber a ideologia como
permita entrar em contato com a representação do real, nunca o real em
sociedade norte- americana do início do si – e por ser uma representação ela não
século XX – e assim empreender consegue abarcar a realidade em sua
também análise do nascimento do plenitude, é sempre reducionista e
cinema. Nesse sentido tentaremos formadora de estereótipos. Ou seja,
desvelar o significado histórico de alguns consideramos o real sempre mais rico de
filmes escolhidos por serem possibilidades e por isso ao lançarmos
paradigmáticos. Esperamos esclarecer nosso olhar para o cinema e para sua
questões concernentes ao advento de influência na sociedade norte- americana
uma economia programática, como 2
DUBY, Georges, História social e ideologia das
sociedades, in História: Novos Problemas. Rio de
1
BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-
Janeiro: Francisco Alves,1995.
1989. A Revolução Francesa da Historiografia.
Editora Unesp,São Paulo. 1997.

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não o enxergaremos como reflexo estruturas sociais, políticas e
fechado e cristalino desta. Assim, o econômicas - difundindo hábitos e
cinema está para a sociedade americana costumes e influenciando a sociedade.
tal qual a religião estava para a Insere-se no mundo da máquina como
sociedade européia do século anterior, um instrumento de coerção moral mas
ele representa um modelador do isso não o descaracteriza como arte.
inconsciente coletivo -através de seus Segundo George Sadoul: “é impossível
heróis, de suas sagas, de seu glamour, estudar a história do Cinema como arte,
ele criou uma simbologia e uma forma de sem evocar os seus aspectos industriais.
se relacionar com o público que conduz E a indústria é inseparável da sociedade,
o receptor a internalização desse da sua economia, da sua técnica”4 E se
significado. Tem uma missão civilizatória, o cinema é uma indústria o filme é uma
narrando e atualizando o mito “América arte. Portanto, esse será o nosso olhar,
para os americanos”, estabelecendo um imbuídos desses pressupostos teóricos
código de ética próprio e cumprido uma que tentaremos chegar à sociedade de
função expansionista ao conquista novas consumo norte- americana e às
3
fronteiras culturais. transformações ocorridas que levaram
Porquanto, a pergunta que se faz ao incremento do “american way of life”.
mister, pois sua resposta norteará a No bojo dessa análise tentaremos
nossa análise, é: afinal, o cinema é uma entender historicamente os primórdios do
indústria maquiavélica que a mando da cinema, enquanto técnica e como essa
burguesia controla a vida dos pobres nova forma de relação pode modificar
trabalhadores, ou ele seria uma inocente radicalmente a percepção humana da
obra de arte? Acreditamos que nem uma realidade. Portanto utilizaremos uma
nem outra. Consideramos sim, o cinema análise profunda do discurso veiculado
como arte, que tal qual a arte através da imagem sem vilipendiar as
renascentista, precisa de um mecenas. E técnicas utilizadas para a construção
como qualquer arte, é preciso historicizá- dessa imagem. .
la. Muitas vezes sua produção tem um
quê de industrial; arregimentando em A construção de uma nação
torno de si todo um complexo de

3 4
KEHL, Maria Rita. “Cinema e Imaginário.”In. SADOUL, George. Appud GÓES, Laércio
XAVIER, Ismael. (org) O Cinema no século. Rio Torres de. O mito cristão no cinema: “o verbo se
de Janeiro, Imago. 1996. fez luz e se projetou entre nós” Salvador:
EDUFBA, 2003. Pg 13.

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Quando lançamos nosso olhar atividades da Ku Klux Klan no Sul dos
para o início do século XX nos Estados Estados Unido, uma associação branca
Unidos nos deparamos com diversos de combate violento a qualquer tentativa
fatores que levam à exacerbação do negra de exercer seus direitos. Não
patriotismo nacional. A primeira guerra obstante, a realidade para a população
foi, obviamente, um dos fatores negra daquele tempo era ainda mais
principais, visto o poder de união cruel, visto que enfrentavam o racismo
nacional contra um outro desencadeado institucionalizado. As leis Jim Crow
pela guerra. Assim, fazia-se imperativo consubstanciavam o ostracismo racial,
construir e reiterar a idéia de nação para impedindo os negros de freqüentar,
um povo evidentemente múltiplo em estudar, ou trabalhar em lugares
suas origens. Neste contexto insere-se o destinados a população branca.
filme “O nascimento de uma nação” de Porquanto, tentaremos mostrar
D. W. Griffith - um dos pais do cinema por meio do filme como o nacionalismo
americano. Nele podemos ver o advento americano nasce sob o véu do
de uma linguagem cinematográfica que segregacionismo. Contudo, seria um
servirá de modelo narrativo para os reducionismo encarar a idéia de nação
demais filmes que o seguiram. Desta de Griffith como o pensamento geral de
forma este filme representa um toda sociedade. É importante salientar,
paradigma no cinema mundial e então a classe social, o lugar social
principalmente hollywodiano.O filme desse agente da história do cinema, pois
produzido em 1915, portanto um ano a sua concepção de mundo está ligada a
após a eclosão da primeira Grande essa origem. O filme é um olhar sob o
Guerra na Europa, nos mostra o cineasta meio social imbuído de pressupostos e
concebendo uma “idéia” de nação. Foi preconceitos ligados àqueles que o
escolhido para esse trabalho por sua criaram. Não queremos aqui dizer que
extrema repercussão nos Estados precisa-se desvelar a intenção do autor,
Unidos, sendo o pioneiro na utilização de pois conforme Martine Jolly5 ninguém
diversas técnicas de filmagem - como o tem a menor idéia do que o autor quis
close - mas principalmente por dizer – muito menos o próprio autor tem
evidenciar o racismo extremado que domínio completo do significado da
acompanhava de perto a formação da imagem. Mas é preciso inserir certos
nova sociedade de consumo em massa. 5
JOLLY, Martine. “A análise da imagem:
Esta época noticia o crescimento das desafios e métodos”. In. Introdução à análise da
Imagem.

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dados autorais para que percebamos privilegiavam a dramaticidade, e um tipo
que o filme (ou a arte) não é uma de narrativa peculiar que ainda hoje é
invencionice maluca que nasce do nada utilizada. O cinema mudo, que teve sua
– ela possui uma materialidade no aurora na Europa, com os irmãos
cotidiano e na realidade do autor. O Lumière apresentando pequenos
nosso diretor, especificamente é um documentários sobre o cotidiano da
sulista, filho de um aristocrata falido após cidade – a chegada do trem na estação e
a Guerra de Secessão, além de ser a saída da fábrica são as películas mais
evidentemente apegado a valores famosas desta época -, experimentou
protestantes. Talvez isso explique o sua apoteose na montagem narrativa
ressentimento contra o Norte que feita a partir de Griffith, diretor que
perpassa a película. É um filme transformou seus filmes em sucessos
institucional uma vez que legitima o absolutos de público em seu tempo.
racismo do Estado transformando os Após esses preâmbulos
negros historicamente em inimigos da fundamentais começaremos a análise do
nação. Um outro grande sucesso do filme em si. A película começa com uma
nosso diretor foi “Intolerância” (1916), frase de impacto: “Se conseguirmos
uma ode contra as barbáries do entre- transportar os horrores da guerra para
guerras. suas mentes este trabalho não terá sido
Ademais, o cinema nesta época em vão”. A partir daí, a tela passa a nos
era um fato novo que começava a atrair mostrar as terras do Sul, no Piemont,
grandes investimentos de banqueiros e explicitando o posicionamento do diretor
industriais. E Griffith foi um dos quanto a esse lugar: “onde a vida é
primeiros diretores dessa época bela”. A harmonia nessas terras reina, os
primordial onde o cinema ainda era escravos negros vivem em condição de
mudo a vislumbrar as possibilidades subserviência amistosa com os brancos.
lucrativas dessa atividade e utilizar uma Duas famílias amigas se encontram: a
técnica de montagem das seqüências de família sulista Cameron, e a família
forma industrial. Nessa perspectiva esse nortista Stoneman. Ressalta-se, contudo
diretor é considerado o criador de uma que o chefe da família Stoneman, é
linguagem própria do cinema que ditou membro da Casa Nacional dos
regra na indústria hollywodiana. Ele Representantes e não compartilha da
inaugura a utilização de flash backs, do amizade de seu filho com a família
close movimentos de câmera que sulista, não estando ele presente ao

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encontro. O encontro se dá sem maiores seja, o papel da mulher se restringe
transtornos com Margareth, a filha mais unicamente ao lar e às dores que ele
velha dos Cameron que se apaixona possa lhe causar. Não obstante, os
pelo filho mais velho dos Stoneman. As apelos da mãe do rapaz comovem o
duas famílias se despedem e logo após presidente que concede a ele a liberdade
aparece em cena o presidente Lincoln – vemos aí a figura de Lincoln como o
assinando a Proclamação da bondoso e sábio chefe de governo.
Emancipação (1863). Uma grande festa Ao voltar à sua cidade natal junto
dos negros sulistas é vista na tela. Tanto com sua amada o jovem Benn encontra
os irmãos Stoneman quanto os irmãos muita coisa diferente, os negros agora se
Cameron partem para guerra. No campo dirigem “desrespeitosamente” aos
de batalha os irmãos caçulas atiram um brancos. Vemos por duas vezes a
no outro e, ao se reconhecerem, morrem marcante diferença entre o
abraçados, numa cena impressionante. comportamento nortista e sulista diante
Benn, filho mais velho dos Cameron é da presença do negro como igual. Em
um dos líderes da Confederação dos uma das vezes a menina Stoneman
Estados do Sul. Quando o norte ataca o aperta a mão do negro e Benn se recusa
Piemont os confederados vão em sua a sequer olhar para ele. A mesma
defesa e perdem a batalha mas, como situação se repete com a irmã caçula de
não podia deixar de ser, perdem Benn. Em 14 de abril de 1865, Lincoln é
bravamente, lutando até o fim. Benn é assassinado e a cena é apresentada na
capturado e levado para uma enfermaria tela. Com a morte de Lincoln, Stoneman
onde conhece a filha mais velha dos se transforma no maior poder da
Stoneman e se apaixona por ela. É ela América, conferindo mais liberdades aos
que o salva do seu destino de morte por negros, inclusive o direito de voto. Lynch,
ser prisioneiro de guerra, chamando a um negro, é apresentado como braço
mãe de Benn para implorar a Lincoln a direito de Stoneman no Sul e é
vida do filho. Nesta parte aparece um apaixonado por sua filha. “A indefesa
intertexto muito interessante: “o papel da minoria branca” é impedida de votar
mulher” e logo após surge a irmã de pelos negros e com isso Lynch se elege.
Benn chorando em casa pelo possível A “opressão” e a “anarquia” negra contra
destino de seu irmão. Podemos perceber os brancos é evidenciada com cenas de
uma visão altamente machista e negros matando brancos e de desordem.
moralista refletida nesse comentário, ou A jovem irmã de Benn morre ao se atirar

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de um precipício por causa da no filme, notadamente Stoneman e sua
perseguição de um negro – que, aliás, só filha, foi explicitado o quanto são pouco
queria se casar com ela. Triste com a confiáveis – tanto para cargos públicos
morte da irmã, Benn tem a inspiração quanto como pessoas. O “Nascimento de
que irá salvar o Sul da “anarquia negra”: uma nação” deixa claro e evidente que o
a Ku Klux Klan. E o primeiro ato de negro tem o seu lugar na sociedade
vingança é contra o algoz de sua irmã. americana, o de servir o branco. Outra
Lynch, que aparece como covarde marca evidente da exclusão racial no
beberrão e vingativo, rapta a filha de filme está na não utilização de atores
Stoneman, pois a quer como sua negros para representarem os principais
esposa. Os negros que permaneceram personagens negros. Esse detalhe nos
subservientes aos brancos, assim como revela que:1) aos negros americanos
na época da escravidão, são saudados estava interditada as condições ou
pelo filme como “almas fiéis”. Uma cena oportunidade de ingressar na indústria
mostra bem como a figura do negro no cinematográfica por questões
filme de Griffth é estigmatizada: um evidentemente racistas e; 2) ao mostrar
branco luta no bar contra seis negros e um filme, no qual a maioria dos
ganha a briga revelando-nos a visão de personagens negros são interpretados
que os brancos são fisicamente por atores brancos, o cineasta nos passa
superiores aos negros – mas no final da a imagem de uma “nação branca” – o
luta é assassinado pelas costas por um que aliás parece ser seu intento, seu
negro, exortando-nos da covardia negra. ideal de nação. Neste aspecto o nosso
O final triunfante do filme nos diretor está apenas de acordo com as
mostra Benn com centenas de teorias racialistas de sua época que
cavalheiros brancos encapuzados saudavam a superioridade da raça braça
salvando sua amada das mãos negras em detrimento das raças inferiores –
de Lynch, e salvando também todo o sul onde se inseria obviamente a raça negra.
da tirania negra. Ora, o filme legitima os A tentativa de construir uma idéia de
atos de crueldade contra os negros, visto nação branca não foi exclusividade
em sua narrativa eles são historicamente norte-americana, perpassando políticas
culpados e merecedores desta crueldade como na Argentina, em Cuba e no
– isso numa época de crescimento de Ku próprio Brasil. Porém, os negros norte-
Klux Klan era extremamente perigoso. americanos lutaram fortemente contra
Aos brancos que confiaram nos negros esse ideal excludente, fundando em

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1910 a National Association for the oposição masculina, reiterando-a e
Advancement of Colored People apoiando-a. Assim, espero que
(NAACP), a mais importante organização tenhamos deixado claro o quanto o filme
de luta pelos direitos civis negros no analisado revela de sua época e como
país; e defenderam sua cultura negra ele é importante para perceber o tipo de
através do Jazz e do Blues, que nos nação que se pretendia construir –
anos 20 se transformaram em linguagem branca e viril. Contudo, historicamente,
crítica contra a exclusão do negro. não à revelia de nossos pequenos atores
Além disso, a questão da figura sociais: os negros e as mulheres.
da mulher é posta no filme com o papel Por fim, é importante discorrer
de cuidar do lar e de seus malogros. É sobre a questão desse filme representar
preciso salientar que apenas em 1920 é um paradigma, um modelo para diversos
aprovada a Emenda Constitucional para filmes que se seguiram. A partir dele
o sufrágio universal feminino. Portanto, à podemos falar de uma narrativa fílmica
época de produção do filme as mulheres clássica que incorpora certas
estavam em plena luta pelos seus características industriais como a
direitos políticos e a sutil observação do produção para grande massa, a divisão
papel feminino feita pelo filme, talvez nos do trabalho, a distribuição de tarefas – ou
revele como o elemento masculino seja, uma série de atividades que exigem
encarava essa luta. Mais do que isso, a a elaboração de regras e princípios que
cena revela um moralismo explícito no possibilitem e estruturem o produto filme,
que diz respeito ao fato das mulheres como já havíamos colocado. Nele vemos
estarem saindo de casa para a instalação da continuidade narrativa,
enfrentarem o mercado de trabalho – onde o modelo para a construção da
fato, esse que se exacerba com a linguagem não é mais o teatro e sim o
entrada dos Estados Unidos na Primeira romance. Outras características desse
Grande Guerra. A oposição masculina foi cinema são: a homegeinização do
apenas uma das vicissitudes que o significante visual e do signo narrativo de
movimento sufragista feminino teve de modo a formar uma unidade, um todo
enfrentar, mas o voto para as feministas homogêneo – como podemos ver na
era fundamental visto que em sua luta linguagem linear usada por Griffith, onde
pela justiça social essa seria uma arma as seqüências de planos possuem um
decisiva para influenciar os políticos. O vínculo narrativo uno. Outras inovações
filme nos revela um pouco dessa que foram amplamente utilizadas por

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Griffith são a montagem alternada, que sistema transforma a organização do
permite a narração de dois eventos trabalho e a dispõe em termos
concomitantes – como vimos que foi feito científicos, estabelecendo a “gerência
durante o filme, com a orquestração da científica”. Ou seja, é a separação entre
história entre sul e norte. E a técnica do as fases de planejamento, concepção e
insert que dá ao espectador um plano direção – que evidentemente fica com as
detalhe mostrando-lhe a importância de classes dominantes e os detentores do
determinado objeto. Portanto vemos com trabalho intelectual – das tarefas de
Griffith o florescimento não apenas uma execução e produção destinadas ao
de idéia de nação socialmente proletariado, aperfeiçoando a divisão
demarcada, mas também de uma técnica social do trabalho. Em 1914, Henry Ford
que prima pela homogeneidade, pela introduz seu dia de oito horas e cinco
linearidade, e pela coerência da dólares para os trabalhadores de sua
narrativa. linha de montagem. Com isso, Ford
incrementa o método de Taylor em dois
aspectos, primeiro utilizando a produção
O homem e a máquina em série o que possibilita maior
O início do século XX foi, produtividade; e, segundo, percebe que
marcantemente, a época da fábrica nos produção em massa significa consumo
Estados Unidos. Em 1911 Taylor publica em massa. Mais do que isso, o fordismo
“Os princípios da administração significava um novo sistema de
científica”, livro que prega a reprodução de força, um novo tipo de
decomposição do trabalho para o política, uma nova estética, uma nova
aumento da produção, retirando do psicologia, enfim, a formação de um
trabalhador sua capacidade de reflexão novo modo de agir e pensar, a formação
sobre os movimentos que estava de um novo indivíduo/trabalhador. E para
fazendo, ou seja, transformando o garantir a existência desse novo homem,
trabalhador em um “macaco amestrado”. Ford criou abrangentes mecanismos de
O taylorismo implantou a racionalização coerção, que regulavam a vida dos
da produção, possibilitando o aumento trabalhadores através de assistentes
da produtividade do trabalho através de sociais – controlando e vigiando como e
novas técnicas e do controle do tempo onde os trabalhadores da fábrica iam
por meio do cronômetro e da introjeção gastar seu salário e o seu tempo. O
da disciplina no trabalhador. Este controle, lógicamente, tinha um cunho

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moralista de proteção à família e de não Rocha, “Chaplin conta a dialética
aceitação de vícios como o alcoolismo. histórica de um proletariemigranteuropeu
Assim, nos deparamos com uma série de que pratica, através do cinema, a
medidas para reprimir sexualmente o revolução humanista do povo.”
6
trabalhador, com o fim de que ele não Imigrante, Chaplin prefere os
gaste sua energia senão de forma personagens marginalizados socialmente
racional, consubstanciando uma moral como o operário, o vagabundo, e o
puritana refletida no proibicionismo. próprio imigrante. Seus mais famosos
Esta foi também a época do filmes foram: O imigrante; O Aventureiro
progressivismo nos EUA. A Era (1917); Em busca do ouro (1925); Luzes
Progressista politicamente propiciou um da cidade (1931);Tempos Modernos
movimento que visava reformas; (1936); e O Grande Ditador (1940). Para
intelectualmente se funda no nós, contudo, Chaplin é antes de tudo
crescimento das novas ciências sociais e um humanista, um artista que consegue
significou uma ruptura com os velhos colocar na tela todo desassossego
princípios absolutistas; e culturalmente humano quanto às transformações
inspirou uma nova forma de expressão. ocorridas em sua época. Consideramos
A mudança mais drástica dessa época Tempos Modernos essencial para nossa
ocorreu no âmbito das idéias que análise justamente por essa
desafiavam o status quo e exigiam peculiaridade.
reformas. Acreditavam no progresso, na O filme inicia sua história com a
moralidade individual e na ação coletiva. seguinte frase: “Tempos Modernos é
Ou seja, a ação para os progressistas uma História sobre a industria, a
deveria vir dos aparelhos privados de iniciativa privada e a humanidade em
hegemonia, da sociedade civil. Como busca da felicidade”. A primeira cena do
disse Gramsci, no sistema fordista filme é um rebanho de carneiros indo
americano a hegemonia vem da fábrica e para o matadouro seguido de uma cena
é ela que dita as medidas desse novo de uma turba de homens entrando na
indivíduo que nasce. A moral fábrica. A comparação metafórica é
individualista concilia-se com uma
6
sociedade civil organizada que influencia ROCHA,Glauber. O século do cinema, Rio de

o Estado. É nesse contexto que iremos Janeiro: Editorial Alhambra/ Embrafilmes, 1983,
inserir o filme “Tempos Modernos” (1936)
pág 11.
de Charles Chaplin. Para Glauber

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explícita: o homem animalizado; o quanto a luta pela produtividade muitas
homem comparado a uma besta. A vezes ultrapassava os níveis de
fábrica animaliza o homem – essa é a humanidade.
mensagem por nós decodificada. O filme As cenas que se seguem são as
possui falas. Porém a conversação não é mais significativas do filme: Carlitos
feita pelo vagabundo – o filme é então preso a uma peça da linha de montagem
predominantemente mudo. Na primeira é levado esteira abaixo para dentro da
parte do filme, quando Carlitos está na máquina e seus colegas de trabalho o
fábrica, o chefe fala pelo microfone, tiram de lá, mas ao sair vemos um
controlando não só a velocidade das Carlitos enlouquecido, ou melhor,
máquinas, mas também todos os bestificado. Mais uma vez a metáfora da
movimentos de seus operários, inclusive bestialização do homem através da
a ida de nosso protagonista ao banheiro máquina. Tudo que nosso protagonista
– nesta hora o chefe fala a seguinte faz agora é repetir os movimentos que
frase: “Pare de vadiar, volte ao trabalho”. ele fazia na linha de montagem em todo
Ora, essa vigilância extremada reflete objeto parecido com um prego que lhe
muito bem a técnica fordista de controle apareça à frente e colocar óleo em todos
de seus operários, de rígida disciplina os seus colegas de trabalho, como se
dos instintos sexuais, de proteção à eles próprios fossem máquinas – na
família, regulamentando as relações verdade enxergamos aí uma crítica
sexuais e os hábitos ditos libertinos – contundente do ideal taylorista de
como aliás já havíamos colocado. A essa transformar o tempo do homem no
cena se segue outra onde um grupo de tempo da máquina. Nosso personagem
vendedores tentam – eles também não consegue, como seus colegas,
possuem o dom da fala no filme – vender introjetar o tempo fabril – onde o tempo
ao capitalista dono da fábrica uma do trabalho não é o tempo da vida – e
máquina que dava de comer ao por isso todo seu desespero. Ao perder
trabalhador. Afinal, porque parar para o a razão, Carlitos teve seu momento de
almoço? Carlitos, logicamente é o maior lucidez, pois consegue
escolhido para que os vendedores momentaneamente vislumbrar as
demonstrem a praticidade da máquina. distorções humanas de seu tempo.
Tudo dá errado e o chefe os dispensa Mandado para o hospício, nosso
com a frase: “Não serve, não é prática.” vagabundo se cura da crise de nervos e
Esse episódio nos revela um pouco do desempregado sai para uma nova vida.

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Na cena que segue, nosso protagonista a cena nos revela o sonho americano de
percebe que uma bandeira cai de um vida e explicita também o consumismo
caminhão. Pega-a do chão e sacode-a inerente a essa sociedade. A seguir, o
seguindo o caminhão para devolvê-la. nosso casal passa a sonhar com uma
Logo atrás dele, entretanto, dobra a vida semelhante, mas o filme nos mostra
esquina uma manifestação que o quanto é difícil consegui-la na
carregava cartazes como os seguintes sociedade do zero ou um. Ou seja,ou
dizeres: União; Liberdade; Liberdade ou você é um zero, um perdedor (loser), ou
Morte. A polícia chega e Carlitos é visto é o um, o vencedor (winner) que está
como líder da manifestação. sempre no perigo iminente da queda;
Preso, o vagabundo se torna o não existe meio termo. O vagabundo
detento exemplar, tendo uma ótima consegue, então, um emprego numa loja
relação com os policiais e impedindo que de departamentos como vigia noturno.
um preso perigoso fuja. Enquanto isso, a Nosso protagonista e a moça passam a
tela nos apresenta a moça – “uma noite se divertindo na loja. O vagabundo
menina do cais que se recusa a passar é mais uma vez preso por ficar bêbado,
fome”. O pai desempregado dessa enquanto ladrões roubavam a loja. Solto,
menina é morto em uma manifestação Carlitos recomeça sua vida de trabalho
de rua. Suas duas irmãs são mandadas na fábrica e novamente o movimento
para um orfanato - a moça foge e passa grevista aparece como fator
a viver na clandestinidade. Carlitos é determinante para nosso personagem
solto da prisão por bom comportamento - ser preso. A moça consegue emprego
a frase por ele proferida nessa hora é em um café, e quando Carlitos é solto,
significativa: “posso ficar mais um pouco, ela o indica como cantor e garçom.
estou tão feliz aqui” - e logo o destino Entretanto as autoridades descobrem
junta os dois. Querendo ser preso, afinal a pequena clandestina e isso
Carlitos assume a culpa de um pão que acaba com a vida de sucessos que os
a menina havia roubado. Por fim, os dois dois começavam a ter. A vida de
conseguem fugir da polícia. Sentados na peregrinação clandestina continua, com
relva os dois vêem sair da casa em a fuga do nosso casal antítese do
frente o marido, enquanto a mulher o modelo americano e na cena final os
enche de beijos e abraços e volta para dois andam por uma estrada que talvez
sua bela casa. O casal antítese dessa simbolize a estrada da vida e o encontro
cena olha pasmo sentado na relva. Ora, com o mundo.

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“Tempos Modernos” nos passa, fábrica fordista fez surgir um novo
então, uma visão crítica do modelo indivíduo, uma nova sociedade, baseada
fordista de produção ao nos fazer refletir no puritanismo e num moralismo
sobre o quanto essa alienação do hipócrita que regulava a vida sexual dos
trabalho incomoda o homem e como isso de baixo mas fechava os olhos para os
pode leva-lo à loucura. O filme nos casos que viessem de cima. O
revela o consumismo, a marginalização proibicionismo foi um exemplo
imposta por uma sociedade onde o lema contundente dessa forma de repressão,
é “vencer ou vencer”, a alienação do desta feita nas mãos do Estado que
mundo e de si imposta pelo novo modo consistiu na proibição de bebidas
de produção vigente, a repetição alcoólicas, o que na realidade serviu
maçante dos movimentos, comparando o para o aumento da criminalidade nos
homem com a máquina - e a constante anos 20. A Lei Seca contribuiu para que
vigilância com a qual os operários as bebidas fossem contrabandeadas
fordistas tinham de conviver. O filme pela máfia para as mãos daqueles que
pensa a relação homem/ máquina da tinham dinheiro para pagar. Outra
mesma forma que essa relação tinha característica desta época é o marcante
sido pensada por Marx ao por em xeque anticomunismo do governo americano
a alienação. Contudo, concordamos com que aliado aos códigos religiosos de
Gramsci quando este afirma que não censura e preservação moral pública,
existe o suposto macaco amestrado de acusou Chaplin de comunista pela cena
Taylor. O homem sempre está com a da “bandeira vermelha” (note-se: o filme
mente em funcionamento, muito embora é em preto e branco!).
o trabalho para ele já não signifique
construção, ou melhor, ele constrói A guerra no imaginário norte-
partes de um objeto sem saber sua americano
relação com o todo. Mas, enquanto seus No início do século XX, os EUA
braços estão mecanicamente estão a caminho de se transformarem
programados para um movimento, sua numa potência mundial. Com a eclosão
mente tem o poder de abstração e de da primeira guerra na Europa em 1914 o
criação – e quiçá, de revolução. O poder governo norte americano toma uma
coercitivo exercido sobre o indivíduo posição de neutralidade apoiada pelos
através dos aparelhos privados de progressistas que viam a entrada na
hegemonia, mais especificamente pela guerra uma interdição das inúmeras

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reformas exigidas. Não obstante, a sobre a guerra e que, como o
guerra mexia com o imaginário da Nascimento de uma nação, é um
população norte-americana por sua paradigma ou modelo para os filmes de
ligação – tanto nas instituições quanto na guerra feitos posteriormente a ele.
língua em comum – com os aliados. A Contudo, visto que esse curta será de
Alemanha era via de regra vista como rápida análise, gostaríamos também de
culpada pela guerra. Ademais, a posição falar um pouco de outros filmes que
de neutralidade pregada por Wilson foi refletem essa época.7
duramente atacada por grupos que O filme Ombros, Armas começa
defendiam medidas belicistas urgentes. com Carlitos no campo de treinamento
Contudo, a reeleição de Wilson em 1916 com o esquadrão, seguindo os
com o lema “ele nos manteve fora da comandos dirigidos a eles e logo depois
guerra” mostra que grande parte da vão ao abrigo. Ora, esse é o começo
população americana apoiava a típico da maioria dos filmes de guerra. O
neutralidade. Com o ataque de navios exército germânico também é posto em
americanos por submarinos alemães em cena e o sargento alemão é um furioso
1917, a coisa mudou de figura. Wilson, baixinho – porquanto, o inimigo é
não podendo mais manter a apresentado como um pequeno e furioso
neutralidade, declara guerra a 2 de abril problema, e é de certa forma rebaixado.
de 1917 com a bandeira que é utilizada Com isso, temos a inter relação entre os
em todas as guerras norte-americanas: inimigos brutais e os bons Ianques,
a defesa da democracia. Assim, toda a numa tendência maniqueísta comum nos
nação se mobilizou patrioticamente filmes de guerra. A correspondência
numa guerra que exigiria também um chega, mas nosso vagabundo não
forte investimento de capital. recebe nenhuma carta. Quando a noite
A Primeira Guerra foi um marco cai a água invade o abrigo tornando o
que coloca em evidência a não sono impossível: estas cenas têm o
neutralidade do cinema e sua intrínseca poder de revelar, com o humor típico de
relação com a política, muitas vezes Chaplin, as dificuldades da guerra e o
sendo um fator de forte influência sobre sentimento de solidão que envolve o ser
ela. Analisaremos nessa parte um curta- humano nessas ocasiões. Carlitos então
metragem de Charles Chaplin datado de
1918, que mostra um pouco do que 7
E que não puderam ser utilizados pelo difícil
passava pelo imaginário norte-americano acesso no mercado brasileiro.

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se apresenta como voluntário para ir até Kaiser aparece em visita ao posto onde a
a linha inimiga. O sargento o parabeniza menina está presa. É preciso prestar
e fala a seguinte frase: “Você nunca atenção nessa figura que aparece
deve voltar”. Nosso personagem, que de estereotipada em todos os filmes de
bravo não tem nada, tenta voltar atrás, guerra dessa época. Carlitos, disfarçado
mas acaba tendo que ir para as linhas agora de oficial germânico consegue
inimigas. Essa passagem contêm em si o salvar heroicamente a menina francesa e
início da idéia da “guerra privada” aonde os dois fogem no carro do Kaiser. Nosso
um único soldado, com seu heroísmo herói consegue cruzar a linha de
guerreiro e patriótico, vai de encontro ao combate e volta para o lado dos aliados.
exército inimigo derrotando-o sozinho. É carregado triunfalmente pelo exército
Estamos diante então do precursor aliado. Ora, a seqüência mostra como o
histórico do próprio Rambo, ou dos homem certo no lugar certo pode salvar
heróis de guerra que permeiam as telas o mundo, pode ganhar uma batalha –
dos cinemas atuais. Ironias à parte, a como, aliás, ainda hoje nos mostram os
idéia individualista de um único soldado filmes de guerra norte-americanos.
vencendo a guerra é justamente herança Agora passaremos à parte na
narrativa dos filmes desta época. qual, sempre tendo como parâmetro o
Nas linhas inimigas Carlitos se filme Ombros, Armas, citaremos outros
disfarça de árvore, mas é descoberto filmes que poderiam ter sido usados
pelos inimigos germânicos. Foge e explicando o porquê. É preciso antes de
consegue despistá-los, derrotando tudo salientar que as nações aliadas
alguns deles pelo caminho. Em sua fuga, levaram vantagem ao representarem os
nosso protagonista acha uma casa em alemães – os hunos, os boches – como
ruínas onde se esconde. Quando a demônios de olhos semicerrados,
moradora da casa, uma menina bigodudos, lúbricos, com todos os
francesa, entra, ele a avisa que é instintos voltados para rapina e o
americano. Os alemães chegam, e vandalismo, como também aconteceu
Carlitos consegue escapar, mas a em Ombros, Armas na cena em que a
menina é presa e levada ao oficial menina francesa é maltratada. Assim, os
alemão que age com ela de forma filmes retratavam a virgindade feminina,
violenta. Ora, essa cena nos mostra o a inocência infantil e a velhice
inimigo como o malvado oficial que não desprotegida sendo violadas pelos
respeita nem a pureza feminina. O sádicos inimigos. Temos um exemplo

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clássico disto em A Pequena Americana de guerra é justamente sua
na cena que provocou indignação particularidade belicista, mesmo quando
nacional, onde Mary Pickford caminha o governo americano ainda primava pelo
para sua sina nas mãos dos hunos, isolacionismo. Talvez isso seja explicado
enquanto o coronel prussiano falava pois muitas companhias
sorridente: “Meus homens precisam cinematográficas eram ligadas a setores
relaxar”. Os filmes dessa época foram econômicos que se beneficiariam com a
armas eficientes na guerra psicológica, guerra. Temos entre esses filmes que
ganhando a simpatia dos neutros e moldaram a opinião pública em favor da
inflando o nacionalismo. No caso dos entrada americana na guerra, o filme
norte-americano, nos meses que se Gritos de Guerra e de Paz, de J Stuart
seguiram à guerra em 1914, os filmes Blackton (1915). Nele, os alemães
adotam uma atitude de neutralidade e aparecem sitiando Nova York e
pacifismo, como o filme de Thomas Ince, reduzindo os edifícios em ruínas – ou
Civilização, onde Cristo permitiu-se seja, desde os primórdios do cinema
encarnar no corpo de um engenheiro norte-americano vemos a tendência
submarino morto, para poder pregar de extremamente atual de filmes onde a
novo seu evangelho de paz e amor. O cidade de Nova York, símbolo-mor do
mais interessante, contudo, é que de nacionalismo desse povo e de sua
acordo com a imprensa do Partido democracia, é tomada e destruída.
Democrático, Civilização foi um dos Assim, o pacifismo das películas
fatores por trás da reeleição de Wilson, anteriores a 1914 se transformou em
por incorporar o slogan: “ele nos militarismo apoiado em grandes
manteve fora da guerra”. Isso porque, interesses econômicos. Por exemplo, no
num epílogo ao filme, o presidente filme Noivas de Guerra de 1916 a
Wilson aparece oferecendo ao diretor mocinha grávida que ama a paz prefere
seus bons ofícios. Entretanto, mesmo o suicídio a botar no mundo mais um
esse filme, declaradamente pacifista, soldado. Este filme foi proibido por ser
deixava claro os sentimentos perigoso aos ideais militaristas. Em The
antigermânicos, estigmatizando-os como Spirit of 76 que por narrar a
guerreiro bárbaros e brutais. Vemos aí o independência americana da Inglaterra
filme influindo politicamente na realidade. um pouco antes dos EUA entrarem na
Uma característica da indústria guerra ao lado dos ingleses, custa ao
cinematográfica americana nesses anos produtor Robert Goldstein uma sentença

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de 10 anos de prisão baseada no artigo Vemos, então, o nascimento de um novo
11 do Código de Espionagem. tipo de sociedade onde o simulacro e a
Sepultadas as vozes do pacifismo, o fantasia possuem a potência tantas
cinema americano se tornou uma vezes negada pela sociedade ocidental.
declaração patriótica de guerra contra os Aprender a ler o sentido e a
alemães. Mas podemos ver o ápice intencionalidade, mesmo inconscientes,
desse sentimento antigermânico em que subjazem a imagem cinematográfica
Kaiser, a fera de Berlim e com O Kaiser é uma proposta que precisa ser
para o inferno, ambos de 1917, onde o incorporada pela sociedade atual.
título já nos diz muita coisa de como a Decerto que a imagem e a narrativa que
figura do Kaiser era vista pelos nascem com o advento do cinema não
americanos. No último, o fiel amigo do são possuidoras de neutralidade – o
Kaiser, Satã, encorajava-o a afundar o trabalho que fizemos revela que por trás
Lusitânia, usar gás venenoso e atacar de cada filme pudemos descortinar toda
hospitais da cruz vermelha. Portanto, a uma complexa rede de relações e
guerra mostrou o quanto o cinema e a interesses de classes específicas ou do
fotografia são importantes instrumentos próprio Estado. Ditar comportamentos
de persuasão e como foram amplamente socialmente aceitos e legitimar
utilizados com esses fins pelo governo posicionamentos políticos fazem parte
norte americano. integrante do nascimento da narrativa
O cinema, utilizado como cinematográfica hollywodiana. Mas não
instrumento patriótico de incentivo à podemos ignorar a existência de espaço
guerra, ou de repúdio à ela – o que fosse para a crítica social, como foi inúmeras
mais interessante para o governo – é o vezes feito por Chaplin. Ver o cinema
que se nota nesta primeira fase da como uma forma de discurso público nos
indústria cinematográfica. Ele adquiriu, direciona para a necessidade da
assim, aspectos industriais e um alcance construção de um alfabetismo crítico
enorme na população – o que logo foi com relação à imagem. Decodificar e
percebido pelos industriais que o interpretar a mensagem por trás da
financiaram e pelo próprio governo imagem – eis o grande desafio dos
americano. Enfim, o cinema marca o homens que estão imersos na avalanche
início de uma era onde irão imperar os de imagens da contemporaneidade.
meios de comunicação de massa, onde ••••••••••••••••••••••••
o maior capital será a informação.

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O nascimento de uma nação- EUA, 1915, D. W. Griffith.
Ombros, Armas,1918, Charles Chaplin.

Sites consultados:
www.ufba.br/~revistao/o3cris.html

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