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CATHERINE GASCOIGNE, O.S.B.

SOBRE O MODO DE ORAÇÃO DE PADRE AUGUSTINE BAKER


DA BIBLIOTECA MAZARINE, MS 1202, III

Passado um século sobre a chegada de Padre Augustine Baker, em Julho de 1624, a Cambrai,
para ser o director espiritual das Beneditinas Inglesas, foi escrito um manuscrito, em julho de
1724, na casa-filha de Paris, por uma monja Beneditina inglesa, anónima, referindo-se a ele
como 'padre anónimo'.
A fundação em Cambrai de Nossa Senhora da Consolação viria a ser Stanbrook Abbey, em
Worcestershire, e a fundação de Paris de Nossa Senhora da Boa Esperança, Colwich Abbey, em
Staffordshire, ambas as comunidades tendo regressado a Inglaterra que haviam deixado para o
exílio durante séculos, a seguir à Revolução Francesa.
Dona Gertrude More foi Madre Fundadora, 1623, de Nossa Senhora da Consolação, falecendo
em 1633, Dona Catherine Gascoigne a sua Abadessa de 1629-1676. Este manuscrito que
celebra os cem anos do método de oração do Padre Augustine Baker, suprimido por uma
revolução ateia, perdido para as suas comunidades religiosas, merece hoje ser partilhado e
usado por Stanbrook, por Colwich e por nós próprios, por religiosos e leigos, mulheres e
homens. Dona Gertrude More e Dona Catherine Gascoigne, ambas escreveram defesas dos
ensinamentos acerca da oração, do Padre Agustine Baker, apresentando-as ao Capítulo Geral
da Congregação Beneditina Inglesa em 1633, quando todos os seus manuscritos
contemplativos foram suprimidos. Tão persuasivos foram os seus textos que o Capítulo da
Congregação Beneditina Inglesa disse a Dona Catherine, 'Continuai corajosamente, escolhestes
o melhor caminho: rogamos a Deus Todo Poderoso que vos alcance essa união que o vosso
coração deseja'. Dona Catherine teria de opor resistência, ainda, em 1655, tal como Dom
Augustine Baker lhes tinha previamente dito que aconteceria, contra a supressão, uma vez
mais, de todos os seus manuscritos contemplativos. No seu leito de morte, em 1675, Dona
Catherine Gascoigne apelou para o então Presidente da Congregação Inglesa, Dom Benedict
Stapylton, para 'uma nova e muito ampla confirmação' destes escritos 'que são o maior
tesouro pertencente a esta pobre comunidade'. Uma das causas deste conflito foi o facto de
Padre Augustine Baker ter feito reviver a forma medieval de contemplação, através do estudo
e da partilha destes textos do século catorze, tais como Revelação de Amor de Julian de
Norwich,  Escada da Perfeição de Walter Hilton,  Remédios Contra as Tentações de William
Flete, A Nuvem do Desconhecimento, e os trabalhos dos Friends of God Continentais, tais
como John Tauler e Henry Suso. O que em vez disto estava na moda, eram os Exercícios
Espirituais Jesuítas, através da imagem, embora estes, por sua vez,  sejam reflexo de práticas
muito mais antigas, relacionadas com a veneração de Paula, em Belém e no Calvário,
observada por Jerónimo e copiada por incontáveis peregrinos dos Lugares Santos. Estes
escritos contemplativos, perderam-se com a Revolução Francesa, excepto dois pequenos
manuscritos  - um deles a 'Epistle of Privat Counsell', do Autor de Nuvem -, que foram
preservados nos bolsos das monjas enquanto estavam presas, de 1793 a 1795, parte deste
tempo, juntamente com as monjas Carmelitas Francesas que seriam guilhotinadas na prisão de
Compiègne. Estes manuscritos são agora um tesouro para as monjas da Abadia de Stanbrook,
juntamente com o hábito das Carmelitas executadas. Contudo, as monjas de Cambrai já
tinham fundado uma casa-filha em Paris, em 1651 e tinham-se assegurado que todos os seus
preciosos manuscritos - entre eles Revelação de Amor de Julian de Norwich fossem duplicados,
muitos deles tendo sido escritos por Dona Barbara Constable, O.S.B., que permaneceu em
Cambrai -, e que estes textos fossem levados pelas monjas que partiam para Paris, Dona
Clementia Cary, a sua madre fundadora, Dona Bridget More, a sua prioresa. Nossa Senhora da
Boa Esperança, de Paris, cautelosamente declarou na sua Constituição, tanto na versão em
Francês (escrita por Dona Bridget More) como na versão em Inglês (escrita por Dona Clementia
Cary), o desejo de continuar a herança espiritual de leitura e escrita, de Dom Augustine Baker,
e, assim, tornando mais profundo o seu chamamento à vida religiosa Beneditina.  Dom Serenus
Cressy veio a ser o capelão das monjas de Paris e deu-se ao cuidado de que os escritos de Dona
Gertrud More - 1657, 1689, incluindo a defesa dos ensinamentos de Augustine Baker por
Gertrude More, realizados ao mesmo tempo que os de Catherine Gascoigne -, Sancta Sophia,
Santa Sabedoria (1657) de Augustine Baker e Revelação de Amor de Julian de Norwich (1670),
fossem todos impressos e publicados. Da publicação de Revelação de Amor de Julian de
Norwich foi patrono Placid ou John Gascoigne de Lamspringe, irmão de Dona Catherine
Gascoigne e igualmente um Beneditino, durante a vida desta(A. Allanson, Biography of the
English Benedictines, Ampleforth Abbey, 1999, sobre Placid ou John Gascoigne, como Abade,
1651-1681), afirmando Serenus Cressy no prefácio 'Qualquer que seja o benefício que
colherdes deste Livro, estais obrigados para com o Venerando Abade da nossa Nação, por cuja
ordem e liberalidade ele é agora publicado e, em Consequência, devidamente Aprovado', a
notem à margem identificando o benfeitor como  'The V.R.F.Jo.Guscoyn.L.Abbot of Lamb-
spring'. Na verdade, é provável que Catherine Gascoigne ou a sua irmã Margaret, trouxessem o
manuscrito de Julian para Cambrai, em primeiro lugar. A família Gascoigne reclamava como
seu parente, Sir Thomas Gascoigne, Chanceler de Oxford e devoto da Abadia de Syon de Sta.
Brígida. Os Lowes, ligados à Abadia de Syon desde o século quinze até ao século dezanove,
tinham em seu poder a Revelação de Julian. Dona Margaret Gascoigne escreveu sobre
a Revelação de Julian e Dona Bridget More copiou o seu texto. As More's e Gascoigne's teriam
entrado logicamente para a Abadia de Syon, então no exílio em Lisboa, mas por causa de uma
calúnia publicada por um falsário contra Syon, quebraram-se estes tão fortes laços Brigitinos,
por parte destas duas famílias Inglesas, conduzindo-as até ao Mosteiro Beneditino de
Cambrai.  Deste modo, o precioso legado dos manuscritos da Revelação de Amor de Julian,
passou de claustros Brigitinos para claustros Beneditinos, sendo Brigitinos os textos de
Westminter, Amherst e Paris, Paris sendo o texto preparado para a impressão
Tudor/Elizabética pelas Brigitinas; os textos Gascoigne, Upholland, Sloane e Stowe, são
Beneditinos, e igualmente a primeira edição impressa com êxito, de Serenus Cressy. As
Beneditinas Inglesas de Paris, tal como as Beneditinas Inglesas de Cambrai, foram presas
durante a Revolução Francesa, mas depois de libertas, conseguiram negociar o regresso dos
seus manuscritos e livros para Inglaterra, onde agora se encontram na Abadia de Colwich.
Contudo, este manuscrito, escrito por uma das suas monjas, provavelmente encontrado na sua
Cela, quando morreu como era costume com estas antologias contemplativas, acabou por ir
parar à Biblioteca Mazarine de Paris.Este manuscrito especial, datado de 23 de Julho de 1724
pela sua escritora, uma monja anónima no exílio, é sarcasticamente tratado no Catálogo da
Biblioteca Mazarine de Paris, como sendo da autoria de um monge supersticioso. O
manuscrito, na verdade, contém na primeira página uma gravura de um monge Beneditino,
ajoelhado em oração, com raios de luz descendo sobre ele. O catalogador não deu conta de
que a antologia de escritos contemplativos, fora escrita por uma mulher cuja humildade nos
esconde a sua identidade, quase mesmo o seu sexo. Esta 'Antologia' inclui escritos do Padre
Augustine Baker, do Amigo de Deus John Tauler, Conversio Morum, de Angela de Foligno,
as Cartas de Direcção Espiritual, de Fénelon, Bispo de Cambrai, de Dona Gertrude More, com
excertos da sua defesa do Padre Augustine Baker apresentadas ao Capítulo Geral da
Congregação Beneditina Inglesa em 1633, e de Dona Catherine Gascoigne, mais uma vez o
texto da sua defesa dos ensinamentos do Padre Augustine Baker sobre a oração, apresentadas
no Capítulo de 1633, quando todos os manuscritos foram retirados de circulação.
Nesta mesma biblioteca se pode encontrar o Catálogo de todos os textos de Augustine Baker,
de Cambrai, contendo também Revelação de Amor de Julian de Norwich com o nome de 'The
Revelations of Sainte Julian', como um manuscrito que Cambrai possuía mas que não era da
antologia de Dom Augustine Baker, e ainda um outro manuscrito, que se perdeu, 'Colections
outt of Holy Mo: Juilan' [sic.]. Mais, este preciso manuscrito da 'Antologia' que sobreviveu,
inclui uma parte escrita pela própria monja anónima, com quase- citações de Revelação de
Julian. Este facto é uma afirmação de que a casa de Paris, um século depois da fundação de
Cambrai, continuava a preservar, a viver e a celebrar a sua herança contemplativa. É minha
esperança que estas transcrições para a web, devolvam os textos deste importante manuscrito
a essas monjas de clausura da Abadia de Stanbrook em Colwich. Ele é uma parte da sua
preciosa herança perdida. E, igualmente, partilhá-las não apenas com o claustro, mas também
com o mundo. Esse foi um dos principais objectivos dos seus escritos e cópias contemplativos,
quando no exílio, o exercício do 'apostolado do escrivão' como contributo  para a Missão
Inglesa dos monges Beneditinos junto do laicado da sua terra, então perdida.

ORAÇÃO

Não sei como dizer o que é a minha oração, mas parece-me ser uma saudade e veemente
desejo da alma sedenta da presença de Deus, procurando e querendo apenas e inteiramente
a sua vontade e satisfação, com toda a pureza de intenção que a minha imperfeição permitir.
Exerce-se apenas na vontade, umas vezes duma maneira, outras vezes de outra, de acordo
com as disposições de alma que se me deparam. Umas vezes humilhando-se 1000 vezes na
presença de Deus, outras louvando, abençoando, adorando-o; outras vezes, confundida com a
minha grande ingratidão, não ousando, assim, ir à sua presença, ou elevar-me a Ele pelo amor,
Ele a quem tanto ofendi; às vezes, penso tratar-se do que chamamos actos ou aspirações, ou
antes uma elevação da vontade para Deus e que procede duma moção interior e capacidade
de prosseguir, no entanto, nem sempre com o mesmo fervor, pois muitas vezes tenho um
grande e forte desejo de agradar e louvar Deus e, no entanto, de modo algum sou capaz de o
fazer e esse é o meu desgosto. Mas, assim vejo que não existe outro caminho que a paciência
e resignação, até que queira Ele, que apenas me pode tornar capaz, quando for do seu agrado
que eu faça melhor. Pois penso que quanto mais luto e me forço a mim mesma, mais me
afasto. Porque tudo, penso eu, mesmo o pensar em Deus e em coisas santas, mais alimenta as
imagens e é causa de multiplicidade na alma, e são para mim impedimentos e distracções na
oração e desejo de Deus. Portanto, devo manter-me no maior sossego que puder, sem usar
violência ou esforço, porque dou comigo muito atraída por este género de oração que tende
para uma unidade, sem ser por meio de qualquer criatura ou imagem particular, mas
procurando apenas aquilo que nosso Senhor disse ser necessário e que em si contém todas as
coisas, de acordo com este dito: Um, para mim, seria Tudo, Tudo em Tudo, esse Um procuro,
esse desejo, isso me contentaria ter e podia estar sem ter mais nada. Sempre mudando, como
muitos me imploram, não posso. Não sei como dizer ou desejar, mas sinto que não há nada
melhor, nada maior, mas tenho de pensar, se pode ser um entre tudo ou um acima de tudo. É
o meu Deus a quem me apegar e nele existir é o meu bem. Este modo de tender e aspirar
Deus, pelo amor e afeição, de modo algum dificulta que a alma desempenhe devidamente os
seus outros deveres e Obrigações e Obediências exteriores, muito menos, ser causa de
negligência, ou falta de estima para com os seus Superiores, as suas ordens e exigências (como
foi temido), pois é causa de que elas sejam observadas e cumpridas com maior pureza de
intenção, com mais prontidão e alegria, olhando mais a Deus ao fazê-las, que às próprias obras
que faz. E a alma que é conduzida nesta afectuosa inclinação para Deus, cumprindo
cuidadosamente o chamamento divino e as suas moções e abstraindo-se de impertinências e
de todas as coisas que não lhe pertence fazer ou viver, será capaz de servir-se de todas as
coisas a seu tempo, para seu progresso espiritual. Porque nada nos é pedido no nosso estado
de vida, mas se soubermos fazer bom uso dele, ele nos fará avançar no nosso caminho e,
especialmente o Ofício Divino e o atendimento ao Coro, como exercício que mais de imediato
pertence ao louvor e culto de Deus. Assim é que encontro aí, a maioria das vezes, grande ajuda
e incentivo - excepto quando o corpo está demasiado cansado, ou de outro modo indisposto -,
e este exercício de amor parece ser o melhor meio de comprar todas as virtudes. Porque a
alma que fielmente o prosseguir com perseverança e fielmente corresponder com a Graça
divina, de alguma maneira (segundo o seu progresso neste amor divino) exercita todas as
virtudes, porque é o caminho da Humildade, da abnegação, da sincera obediência, da perfeita
submissão e sujeição a Deus e toda a criatura por amor de Deus e segundo o seu bom prazer e
vontade, causa e aumenta na alma, uma santa e humilde confiança em Deus, que assim a
torna capaz de atravessar todas as dificuldades que acontecerem com boa disposição e alegria,
não que não se depare com elas (porque o caminho do amor é o caminho da cruz e cheio de
amargas mortificações), mas porque tanto é o seu desejo de agradar a quem ama, que tudo, o
que quer que seja, embora nunca tão contrário à natureza, torna-se-lhe fácil e tolerável
porque pode conduzi-la para mais perto dele. E tudo aquilo que pense possa ser um mal ou
impedimento no seu caminho para Ele, tais como medos, escrúpulos, etc., passa-lhes por cima
e transcende-os pelo amor, procurando e tentando sempre unir-se a Deus, segundo o seu
modo. E em aderir com perseverança a Ele e, ainda que talvez possa ser tido como grande
presunção de uma alma que tenha feito tão pouco progresso no caminho espiritual e esteja
cheia de defeitos e imperfeições, pretender exercício tão elevado como é o de amar e aspirara
por Deus, no entanto, a mim parece-me ser o melhor caminho de obter a verdadeira
humildade. Nem posso ver como é possível a uma alma outros meios de evitar o detestável
pecado do orgulho que tão secretamente se insinua e introduz nas nossas melhores acções e
nos nossos mais Santos exercícios. Mas só aderindo a Deus, o que exclui todo o orgulho e todo
o tipo de tentação, não há lugar para o orgulho na alma que procura e não quer nada senão
Deus, e caminha para Ele da melhor maneira que pode pela simplicidade, não se apegando a
Imagens ou coisa criada mas apenas ao próprio Deus. Por isso, não há exercício ou forma de
oração tão segura para a alma e menos matéria para Ilusões ou enganos da Vontade que este
exercício da vontade que é ao mesmo tempo claro e fácil para as almas que têm uma aptidão e
são chamadas a ele. Prosseguido fielmente, com a ajuda da graça de Deus. conduz a alma
através de todas as coisas. É o caminho da humildade e confiança. Porque tendo a alma
contínuo recurso a Deus pela oração, é por esse modo iluminada para ver o seu nada e
pobreza, e como é incapaz de qualquer coisa de bom sem a divina assistência. E vê que tem de
total e inteiramente depender de Deus e que esta dependência que se vê a ter continuamente
de Deus, penso que é capaz de a tornar humilde como o pó, além dos pecados e imperfeições
a que está sujeita e em que muitas vezes cai. E, na verdade, Deus tem muitos modos secretos
de tornar uma alma humilde e, pelo seu cuidado, assim providencia a que nunca lhe falte
matéria da humilhação segundo ela procure fazer uso dela. E, a maravilhosa condescendência
de Deus Todo Poderoso é tal para com a alma que procura e deseja nada senão ser-lhe fiel,
que dá origem e faz crescer uma grande confiança na sua bondade e no seu contínuo cuidado
e providência para com ela. De tal modo que, por parte dela parece não ter nada mais que
fazer no mundo senão tentar cumprir a sua vontade e agrado, caminhando e aspirando por
Ele, pela oraçãode que Ele a torna capaz por sua graça, sem cuidado ou solicitude relativas à
sua vida pessoal mas inteiramente dedicada à sua doce disposição, de tal modo que a sua
única preocupação consiste em agradar-lhe. E Ele providenciará para ela o bastante, em todas
as coisas relativas ao seu bem, Ele a quem ela se entregou e entregou tudo o mais, segundo
este modo, à Divina providência. Não desleixa aquilo a que está obrigada segundo o seu dever
e tarefa, mas o próprio Deus toma cuidado de tudo e tudo guia, e nada se perde, mas tudo é
muito melhor desempenhado ao entregar-lhe tudo a Ele, como disse Tauler Em Deus nada é
esquecido. E a alma, avançando deste modo com a maior simplicidade que puder, procurando
nada senão a Deus, a sua confiança cresce dia a dia, como diz a Sagrada Escritura: Quem
caminha na simplicidade, caminha com confiança. E ela caminha com segurança e depressa
sob a divina protecção, tudo concorrendo para seu bem, porque tudo quanto lhe acontece
com a permissão de Deus, serve para mais alimentar [à margem, e Causar] nela a verdadeira e
perfeita sujeição e conformidade com a vontade Divina. E assim, chega a ter e a fruir entre
Deus e a sua alma, duma verdadeira paz interior, mesmo no seio de todas as cruzes e
oposições, e variações a que somos sujeitos nesta movediça e miserável vida que é a nossa,
paz esta e segurança que nenhuma criatura pode dar a uma alma senão o próprio Deus e, por
isso, felizes aquelas almas que fiel e perseverantemente se apegam a Ele com uma
consideração interior da sua vontade em tudo. E este claro e simples exercício da vontade, que
nos foi ensinado por Padre Anónimo não pretende senão isto (tanto quanto eu o entendo),
que é trazer a alma a uma total sujeição a Deus e aos outros por causa de Deus. Na verdade,
não sou capaz de exprimir aquilo em que consiste e que em parte concebo, sobre a excelência
e valor deste felicíssimo exercício, de atender e aspirar por Deus pelo amor. Aqui tentei fazê-
lo, tão bem quanto podia, brevemente e com sinceridade a fim de que os meus superiores
percebam por isto, de que modo entendo e desejo praticar o mesmo. Submetendo-me
humildemente, e todos os meus modos e práticas, nisto e em tudo o mais, a ser por eles
corrigida, com o propósito e promessa de, pela Graça de Deus, sempre me ater ao seu juízo e
determinação em todas as coisas. E se Vossas Paternidades estimarem que isto é bom e vos
agradar aprová-lo, então eu, muito humildemente rogo o vosso consentimento e benção, com
a assistência das vossas santas orações, para que possa prossegui-lo com renovado fervor e
diligência, porque nada me perturba tanto quanto a preguiça e negligência com que o tenho
seguido. A St. Arsénio, meu Amado Patrono Deus mandou o seu Anjo cá baixo, para vos dar a
conhecer a sua bendita vontade que por vós era procurada, rogando-lhe que vos ensinasse
como caminhar de modo a ser levada ao seu encontro. O Anjo ordenou-vos: fugi e permanecei
no silêncio e não permitais que nada vos perturbe. Regai para que eu possa fugir para Deus e
guardar a paz e o ser, livres de todo o tumulto e ruído,trabalharem para que cessem todos os
Pensamentos. Que aqui, em solidão, em quietude esteja e assim viva na terra abstraída e que a
minha mente sempre possa estar nas alturas. E que os meus olhos para Deus sempre se
voltem, olhando a nada que aqui está em baixo. Aspirando todos os dias a ser inteiramente
consumida por este inflamado amor e nada saber senão apenas ele a quem desejo que em
mim seja minha porção, minha parte e tudo em tudo. Muitas vezes me arrependi de ter falado,
nunca de ter ficado calado, disse St Arsénio.
Fim
Deus e Maria sejam louvados.
23 de Julho, 1724
Vincenza Stroppa (1893 – 1982) A UNIÃO COM DEUS, A ORAÇÃO, O ESTUDO, A EUCARISTIA E
O SILÊNCIO

A ORAÇÃO
Chamando-nos a uma vida toda de amor, Jesus nos preparou e nos deu numa regra toda de
amor. A morte e a renúncia que fizermos por amor a Nosso Senhor, a quem queremos amar
acima de tudo, fará que não tenhamos o coração humanamente preso a coisa alguma, a
nenhuma criatura, nem a nós mesmas. Para ele morreremos a tudo. Nosso regulamento será o
meio que nos levará à união divina. O que é a vida de união? A alma está unida, e
amorosamente unida a Deus, quando tem em si a graça. Quando vive da graça está unida a ele
como a filha ao Pai. A esta união básica são chamadas todas as almas.Também o pecador tem
Deus em si. Deus continua a viver na alma pecadora. Estão juntos, mas não em união. Vivem
uma vida separada. E nós, a que vida de união somos chamadas? À vida perfeita, querida pelo
Pai divino. Há almas chamadas a uma perfeição especial de união de amor. estas devem
alcançar a vida perfeita de Jesus na sua santíssima humanidade. O meio que, com segurança,
nos leva a uma plena união com Deus é a oração, de qualquer tipo. Oração vocal, oração
mental, oração de contemplação, conforme Deus quiser de nós e nos inspirar. Basta que nos
unamos a ele com todas as forças e seja constante. Sim, a oração constante, que não desiste
nunca, como nos ensinou o nosso Seráfico Pai. A união acontece no amor e no conhecimento.
O amor faz conhecer e o conhecimento aumenta o amor. O conhecimento acontece
especialmente através da oração. O amor pede que ele se revele e, no conhecimento, o amor
se torna tão grande que leva à união; evidentemente, trata-se do conhecimento que vem dEle
próprio. Conforme o Criador e a criatura se doam no amor e no conhecimento, acontece a
união. A oração dá à alma toda a virtude e faz chegar ao estado de amor e união estabelecido
por Deus. Na oração se adquire sabedoria. Tão diferente da sabedoria humana quanto difere
um corpo material, opaco, impenetrável, morto, de um corpo sem matéria, claríssimo,
transparentíssimo, vivo. A essência da oração é o afeto, o amor, isto é, a caridade. E sabemos
que na caridade existe a fé e a esperança. Tanto na oração vocal, quanto na oração mental, a
essência é a caridade, o amor. Se Deus não agir de forma diversa, a alma começa sempre a
união com Deus através da oração vocal. A oração mental é a melhor, pois contém a perfeita
caridade, o perfeito amor. Chega-se à oração mental através do santo exercício da oração
vocal feita com caridade, com afeto do coração, pelo exercício das santas meditações, feitas
com o suave desejo de conhecer sempre mais o Senhor nosso. O regulamento de vida nos
chama à oração constante. Vê-se logo que por oração constante não se entende ficar sempre
ocupada em recitar orações ou em meditar, mas ter a alma elevada e o coração em Deus.
Devemos exercitar-nos com amor no conhecimento de Deus. Quanto o Senhor deseja isso! Ter
sempre o coração unido a ele em oração constante! Se durante a oração a alma rezou
realmente, quer dizer, se ela se uniu a Deus, certamente recebeu dele dons de amor; Deus ter-
se-á unido à alma, e agora que ela o conhece melhor, certamente o ama mais. A alma não
pode dizer: agora acabei as minhas orações e há uma separação entre mim e ele, até que eu
volte novamente às orações marcadas. Não, que amor pobre! A alma deve sair da oração com
a união aumentada e, se é assim, deve comprometer-se totalmente no exercício santo de
transformar nossa oração em verdadeira união com Deus. Feliz o dia em que a nossa oração
for constante, pois Deus nos terá dado a graça de finalmente estarmos unidas a ele.
Devemos rezar, rezar sempre, rezar constantemente para alcançar a união que Deus quer para
nós, nem se deve desistir do santo exercício da oração diante de qualquer dificuldade. Tudo
depende disso.
O ESTUDO
Procuremos compreender o Ofício Divino, estudar a doutrina cristã, ler os santos padres. Faz
muito bem à alma saciar-se destes santos alimentos.

A EUCARISTIA
É perto da Eucaristia, e intimamente unidas à Eucaristia, quando a recebemos, que acontece
toda a troca de amor, e o dom da parte de Jesus Cristo, Deus e homem. A hora da santa
comunhão é o momento em que a alma, por um instante, não tem mais vida terrena, não
necessita mais da vida terrena, vive em si mesma a Vida e ele vive dela. E o momento da
comunhão seja para nós um momento de total esquecimento de tudo, para ter um só
pensamento: ele em nós.

O SILÊNCIO
O silêncio é a base, a porta, a preciosa morada da alma que quer ter uma vida de amor. O
silêncio é o eixo precioso no qual se apóia a união com Deus. A mortificação constante, a
renúncia, leva a alma ao silêncio; o silêncio leva a alma à oração, onde finalmente Deus e a
alma se unem em perfeito relacionamento de perfeita caridade. O silêncio pedido por nosso
regulamento é amor vigilante. Não é exercício para determinadas horas apenas, ou para
alguns momentos e circunstâncias do dia ou da vida. É exercício de toda a vida e de cada
momento. Por isso diz o nosso regulamento: silêncio perpétuo. Silêncio perpétuo, exterior e
interior, de tudo o que não é caridade para si e para os outros. Depois de santos momentos de
união com nosso Senhor, no exercício das virtudes ou, especialmente, na oração, perdemos
tudo pela dissipação e, sobretudo, pela loquacidade, e até damos um passo para trás. E assim
não se progride nunca, não se chega àquela bendita união divina que nosso Jesus quer de nós.
Deixemos, pois, de falar por curiosidade, leviandade, ou outros egoísmos do amor próprio. O
silêncio é fecundo para a vida da alma. A conversa, ao contrário, se não for motivada pela
perfeita caridade, é árida, de uma aridez muito prejudicial à alma. Nisso, nosso especial
modelo é nossa divina Mãe. Pensemos como deviam ser suas palavras, com que graça divina
as terá pronunciado, e como terá vivido, sempre unida ao seu Eterno sol.

Vicenza Stroppa nasceu no dia 7 de setembro de 1893 em Urago d'Oglio (Bréscia), na Itália e
morreu no dia 24 de março de 1982 na sua cidade natal. Ela sonhava com uma vida
consagrada a Deus no meio do mundo.
WALTER HILTON (1340-1396)

Walter Hilton nasceu em 1340, em Thurgarton Priory. Foi escritor e místico inglês. Viveu
alguns anos como eremita e logo tornou-se cô nego Regular Agostiniano. Estudou teologia
em Paris e foi ordenado sacerdote. Pregou o caminho da introspecçã o em A Escala da
Perfeiçã o, obra destinada aos reclusos. Walter Hilton estudou em Cambridge, 1357-1382,
começando entã o os seus estudos em direito canó nico, antes de se tornar num Có nego
Agostiniano em Thurgarton, cerca de 1386. Sentiu-se atraído pela vida solitá ria,
escrevendo ao seu amigo Adam Horsely sobre o assunto antes de Adam ter entrado para a
Cartuxa de Beauvale. Além disso, escreveu a sua obra principal, A Escada da Perfeiçã o, e os
Oito Capítulos sobre a Perfeiçã o. Walter Hilton, é autor de "A Escala da Perfeiçã o", onde
temos o uso de metá foras coordenadas com o uso de funçõ es corporais para que se possa
compreender a importâ ncia de seu relacionamento com Deus; a sua preocupaçã o
constante com o mistério da Encarnaçã o evita os extremos de linguagem, mesmo à custa
de uma amputaçã o das tensõ es violentas que existem quando se vive a vida do espírito.
Hilton é considerado um dos grandes místicos ingleses na linha de A Nuvem do nã o-saber.
Sua obra "A Escala da Perfeiçã o", escrita em inglês, trata de restabelecer a imagem confusa
de Deus na alma em duas etapas: a) pela fé; b) pela fé e a experiência sensível. Deus
encontra-se separado da alma por uma "noite escura". A alma afastada das coisas terrenas
é dirigida pela fé até as coisas do espírito. No final está a verdadeira imagem do Deus vivo.
Hilton escreveu também outras obras espirituais em latim.
Walter Hilton morreu em 1396.

PENSAMENTOS DE WALTER HILTON

"É muito melhor ser separado da visã o do mundo nesta noite escura, por muito penoso
que isso possa resultar, que morar fora, ocupado nos falsos prazeres do mundo... Porque
quando está s nessa noite, te encontras muito mais perto de Jerusalém que quando está s na
falsa luz. Abre teu coraçã o ao movimento da graça e acostuma-te a residir nesta
obscuridade, intenta familiarizar-te com ela e encontrará s rapidamente que a paz, e a
verdadeira luz da compreensã o espiritual inundarã o tua alma".

"Deste tipo de oraçã o, fala nosso Senhor em um quadro, a saber: ‘E o fogo ascendido sobre
o altar nã o se apagará , senã o que o sacerdote porá nele lenha cada manhã ... nã o se
apagará .’ Quer dizer, o fogo do amor sempre estará asceso na alma de um homem ou
mulher devoto e limpo, o qual é o altar de Deus. E o sacerdote cada manhã deve agregar-
lhe madeira, e alimentar o fogo; quer dizer, este homem por meio de salmos santos,
pensamentos puros e um anelo fervente, deve alimentar o fogo do amor em seu coraçã o a
fim de que em nenhum momento se apague."

"Estas obras (de misericordia), ainda que só mente sejam ativas, ajudam muito, e dispõ e o
homem, no começo a alcançar depois a contemplaçã o".

"Um pecado venial de sua pró pria vontade é um obstá culo maior ao experimentar o amor
de Jesus Cristo do que o pecado de alguém, no entanto, muito maior. É evidente, entã o, de
que você tem que endurecer o seu coraçã o contra si pró prio, humilhando e detestando-se
mais fortemente por todos os pecados que fazem você voltar a partir da visã o de Deus, do
que você detesta os pecados dos outros. Se seu pró prio coraçã o está livre do pecado, os
pecados dos outros nã o vã o machucar você. Portanto, se você desejar encontrar a paz,
tanto neste mundo como no céu, siga os conselhos de um dos santos pais, e diga todos os
dias: "O que eu sou?" e nã o julgar outros"

"Eles nã o devem temer, nem considerar como pecado, ou tomar ao coraçã o qualquer mal
ou impulsos para o pecado ou a blasfêmia, ou dú vidas sobre o Sacramento, ou de qualquer
outra dessas tentaçõ es feias; para essa experiência as tentaçõ es fazem mal a alma nã o
mais do que o latido de um cã o ou a picada de uma pulga.
Eles sã o problemas para a alma, mas desde que nã o prejudiquem o homem, coloque-os de
lado e ignore-os. Nã o é bom para lutar contra eles, ou de tentar domina-los pela força, pois
o quanto mais uma pessoa luta contra eles, mais eles se tornam persistentes".

"A finalidade da oraçã o nã o é o de informar o que desejamos a nosso Senhor, porque Ele
conhece todas as suas necessidades. É capaz de tornar você habil e pronto para receber a
graça que nosso Senhor irá dar-lhe livremente. Esta graça nã o pode ser vivida até que
tenha sido refinado e purificado pelo fogo do desejo na devota oraçã o. No entanto, a
oraçã o, nã o é a causa pela qual nosso Senhor dá graça, ela é, todavia, o meio através do
qual a graça, dada livremente, vem para a alma"

"Considerem-se todos mais como um pecador, porque você nã o pode sentir-se ser aquilo
que você é".

"Portanto, nó s precisamos conhecer os dons nos dados por Deus, para que possamos usá -
los, por isso nó s vamos ser salvos."

"Algumas pessoas compreendem a caridade de nosso Senhor e sã o salvos por ela; outros,
nesta dependência da misericó rdia e bondade, continuam em seus pecados, achando que
ela pode ser deles sempre que assim o desejarem. Mas esse nã o é o caso, pois para eles, ela
é demasiado tarde e sã o apanhados em seus pecados antes de eles esperarem, e assim
danam a si pró prios".

"Há muitos que sã o hipó critas embora eles acham que nã o sã o, e há muitos que têm medo
de ser hipó critas, embora eles certamente nã o sã o. Qual é o que é um e qual é o outro sabe
Deus, e nenhum deles, mas Ele"

"O que é a humildade, mas verdadeira? Nã o existe nenhuma diferença real"

"Eu desejo o amor de Deus, nã o porque sou digno, mas porque eu sou indigno"

"Alguém que ama a Deus mantém a humildade em todos os momentos, e nã o com cansaço
e luta, mas com prazer e alegria".

"Outros, que têm a comum quantidade de caridade e ainda nã o cresceram em graça a esta
medida, mas sã o guiados por sua pró pria razã o, lutam e esforçam-se todos os dias contra
os seus pecados, a fim de adquirir virtudes. Tal como lutadores, eles estã o por vezes no
topo e, à s vezes, por baixo. Essas pessoas estã o fazendo bem. Eles adquirem virtudes
através da sua pró pria razã o e vontade, mas nã o porque eles amam e deleitam, na virtude,
por que têm de exercer toda a sua energia para superar os seus instintos naturais, a fim de
dominá -los. Por conseguinte, nunca desfrutam de paz verdadeira ou vitó ria final. Eles vã o
receber uma grande recompensa, mas eles ainda nã o sã o suficientemente humildes. Eles
ainda nã o colocaram a si pró prios totalmente nas mã os de Deus, porque eles ainda nã o
vêem-no".

Nã o se surpreenda com o fato de que a consciência da graça é ocasionalmente retirada de


quem ama a Deus, pois a Sagrada Escritura diz do esposo: “Busquei-o e nã o o achei;
chamei-o, e ele nã o respondeu”. Isto é, quando recaio na minha fraqueza natural, a graça é
retirada; se ela é retirada, a causa é a minha falha, nã o o fato de ele ter-se afastado de mim.
Mas a ausência faz-me sentir a minha miséria. Procuro-o com grande desejo no coraçã o, e
ele nã o me dá resposta que eu possa reconhecer. Entã o grito com toda a alma: Volta outra
vez, meu amado. No entanto, é como se ele nã o me ouvisse. A dolorosa consciência de mim
mesmo, os ataques do amor sensato e do medo, e minha carência de força espiritual
constituem de certo modo um clamor contínuo da minha alma a Deus. E, no entanto, ele se
torna um estranho por um tempo e, por mais que eu grite, ele nã o aparece. A razã o é que
ele tem certeza sobre o seu amante; ele sabe que nã o voltará outra vez inteiramente ao
amor do mundo porque nã o sente gosto nisso, e assim ele se mantém distante.

Mas no fim, a seu tempo e hora, ele volta, cheio de graça verdade, e visita a minha alma que
está lâ nguida de desejo e suspira apaixonada pela sua presença.

Bem-aventurada é a alma que sempre se nutre da experiência do amor quando ele está
presente, e é sustentada pelo desejo dele quando ele está ausente. Sá bio e bem orientado é
o amor a Deus que se mantém só brio e reverente na presença dele, que o contempla com
amor sem nenhuma leviandade descuidada, e fica paciente e tranqü ilo na sua ausência
sem nenhum pernicioso desespero e dolorosa amargura.

Texto extraído do livro: “A Biblioteca de C. S. Lewis”; BELL, James S. & DAWSON,


Anthony; Ed. Mundo Cristã o. P. 152.
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WALTER HILTON: Um dos escritores preferidos de C. S. Lewis, Walter Hilton (1340-
1396) foi um místico inglês, cô nego regular agostiniano. Ordenando ao sacerdó cio apó s ter
se formado em teologia em Paris, pregou o caminho da introspecçã o, Lectio divina. Sua
obra principal foi “A escala da perfeiçã o”. Para aqueles que apreciam a mística medieval
cristã (nã o esotérica), os escritos de Walter Hilton (como foi para Lewis) sã o fontes de
grande deleite para uma a alma ansiosa por Deus. 

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