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1
SETA DE FOGO
Santa Teresa de Ávila

SETA DE FOGO
22 poemas

tradução, prólogo e notas de


JosÉ BENTO

2.• e d i ç ã o

A S SÍR I O & ALVI M


© ASS(RIO & ALVIM (201 I)

RUA PASSOS MANUEL, 67 B, I 150-258 LISBOA

EDIÇÃO 0275
!.• EDIÇÃO SETEMBRO 1989 / 2.• EDIÇÃO DEZEMBRO 20 1 0
ISBN 978-972-37-0234-7
PROLOGO
Santa Teresa de jesus nasceu em Avi/a em 28 de
Março de 1515. Seus pais gozavam de uma situação
económica desafogada pela posse de terras e pelo comér­
cio. Pelo lado paterno, descendia de judeus conversos: o
avô foi processado pela Inquisição de Toledo em 1485,
sendo obrigado a percorrer as igrejas de Toledo durante
sete sextas-feiras, levando um sambenito com cruzes.
Apesar da oposição do pai, Santa Teresa ingressou no
convento carmelita da Encarnação de Avi/a em 1535,
tomou o hdbito no ano seguinte e professou em 1537.
Pouco depois sofreu uma doença até 1542, ano em que
se iniciou uma crise espiritual que durou até à quaresma
de 1554. Deu-se então nela uma completa transforma­
ção, a partir da qual não cessa de avançar espiritual­
mente através de experiências místicas extraordindrias.
Em 1560 resolveu empreender a reforma da sua
Ordem, no que, desde o início, deparou com uma forte
oposição. A sua vida decorreu num contínuo aperfei­
çoamento espiritual e numa actividade incansdvel de
reformadora e fundadora de conventos (São José de

9
Ávila, Medina de! Campo, Valhadolide, Toledo, Pas­
trana, Salamanca, Alba de Tormes, Segóvia, Beas, Sevi­
lha, Palência, Burgos, etc. ), para o que teve de efectuar
viagens constantes. À contemplação e à oração, pelas
quais atinge alturas dificilmente compreensíveis, unia
uma caridade incansdvel e um ânimo forte e ardente
que lhe permitia mover-se e triunfar nos meandros da
perfidia que sempre aperseguiu. Para ld de toda esta ac­
tividade, ainda escreveu livros em que se revela uma es­
critora genial· Libro de la Vida (a primeira versão em
1562, a segunda estava pronta em Fevereiro de 1568);
Camino de perfección {escrito de 1562 a 1564); Mo­
radas del castillo interior (escrito em 1577); Libro de
las fundaciones (iniciado em 1573 e continuado em
1574 e, depois, à medida que iafUndando conventos),
além de outros escritos menos extemos.
Como medida final do sofrimento que suportou
para aumentar e dignificar o Carmelo, ficaram as úl­
timas visitas que fez a dois conventos da sua Ordem, o
de Valhadolide e o de Medina de! Campo: em ambos
foi muito mal recebida pelas prioras; para cúmulo, a
do primeiro era uma sua sobrinha, e no segundo nem
comida lhe deram para o caminho, o derradeiro que
fez, jd muito doente, para Alba de Tormes, onde mor­
reu poucos dias após ld ter chegado, em 4 de Outubro
de 1582.

lO
Depois de ter saído em Évora, em 1583, o Camino
de perfección, o primeiro volume da sua obra foi pu­
blicado em Salamanca, em 1588, preparado por Frei
Luis de León, um dos maiores vultos do Renascimento
espanhol
A poesia de Santa Teresa chegou até nós através de
um processo de transmissão textual complexo e cheio de
incertezas: por manuscritosJeitos nos seus conventos por
freiras que lhe escutavam os poemas, ou que os tinham
escutado a outras, ou lido, manuscritos esses cujo con­
teúdo passava de uns conventos a outros. As informações
que tenho sobre autógrafos de poemas de Santa Teresa
são insuficientes para uma conclusão: Tomds de la Cruz
encontrou o autógrafo de um poema e de parte de outro
nos conventos carmelitas de Florença e de Savona {Itd­
lia), dando a conhecer o seu achado nas Ephemerides
Carmeliticae n. 0 21 (1970) e n. 0 24 (1974); na sua
edição das Obras completas, Efrén de la Madre de
Dios e Otger Steggink dizem sobre esses manuscritos que
parece tratar-se de letras autógrafas recortadas, cola­
das, façanha, infelizmente, demasiado frequente
(p. 658), pelo que julgo não dispor de elementos para
concluir sobre a autenticidade desses autógrafos. (Angel
Custodio Vega, no livro La poesía de Santa Teresa re­
vela a existência de um manuscrito idêntico do poema
Ayes del destierro (pp. 251 a 253, 133 e 134).

II
Assim, os poemas de Santa Teresa não beneficia­
ram do interesse merecido pelos seus escritos em prosa,
com a conservação dos autógrafos e de cópiasfidedignas
e a publicação oportuna. Enquanto se possuem hoje os
autógrafos do Libro de la Vida, do Camino de perfec­
ción, das Moradas del castillo interior, do Libro de las
fondaciones, e códices autorizados de outras prosas, que
alids foram publicadas pouco depois da morte da au­
tora, só demasiado tarde os poemas atraíram o cuidado
que então era possível Ángel Custodio Vega, no livro
antes mencionado, conta que verdadeiramente provi­
dencial foi a ordem do «Definitorio General Carme­
litano» ao encarregar em 1754 o Padre Francisco de
Santa Maria e o Padre Andrés de la Encarnación de
fazer o índice de todos os escritos de São João da
Cruz e de Santa Maria existentes nos arquivos, bi­
bliotecas e comunidades de Espanha (p. XVII).
E acrescenta que ao Padre Andrés de la Encarnación se
deve uma compilação magistralmente feita, pois não
somente descreve todos e cada um dos cadernos con­
forme a sua procedência, isto é, conforme o convento
a que pertenciam, e quem era a autora de cada um, se
constava; mas também as poesias que cada um conti­
nha, as notas que no princípio, no meio e no fim le­
vava, e qualquer referência histórica ou circunstancial
que tivesse (p. XVIII). Eftén de la Madre de Dios e

12
Otger Steggink, na Introducción a las Poesías da sua
edição das Obras completas informam que o citado
Padre Andrés de la Encarnación realizou pesquisas
minuciosas em alguns conventos e coleccionou
grande número de poesias, a maior parte em Toledo
(16), outras em Cuerva (5), Madrid (5) e Guadala­
jara (5) (p. 653). Apesar desse esforço meritório, os re­
sultados obtidos devem ser olhados com alguma reserva,
pois, como previnem estes editores na mencionada In­
troducción a las Poesías, é difícil discernir com cer­
teza a autenticidade de cada peça, misturadas como
estavam com outras de diferentes freiras e frades e
que vão descobrindo como agora fez Victor García
de la Concha com o arsenal de poesia que guarda­
vam as freiras descalças de Valhadolide (p. 653). (Re­
ferem-se ao Libro de romances y copias del Carmelo
de Valladolid que, em 1982, foi publicado por Victor
García de la Concha e Ana M Alvarez Pellitero, de­
monstrando, uma vez mais, que a actividadde poética
era prdtica corrente nos conventos carmelitas, se­
guindo-se o magistério de Santa Teresa, pelo que épos­
sível que alguns dos poemas que lhe são atribuídos não
lhe pertençam e sejam seus outros que sejulgam de ou­
trem, ou circulam anónimos. )
Ángel Custodio Vega no referido livro La poesía
de Santa Teresa reúne 28 poemas; Victor García de la

13
Concha, num livro hoje indispensdvel, El arte literario
de Santa Teresa considera que os intentos de Ángel
Custodio Vega se desviam pelos caminhos subjecti­
vos da crítica interna (p. 318). Contudo, a edição das
Obras completas feita por Efrén de la Madre de Dios e
Otger Steggink abona na quase totalidade os critérios
de atribuição de Ángel Custodio Vega.
Os versos de Santa Teresa têm sido, pois, acolhidos
com uma escassa atenção, em contraste com o entusiasmo
(manifestado em múltiplas edições e estudos) que tem
suscitado a sua prosa. Para além de ser verdade que a
obra em verso de Santa Teresa é inferior aos seus livros de
prosa, o desinteresse que tem acompanhado ospoemas ela
grande reformadora do Carmelo é devido ao pouco cui­
clado posto, desde o início, na edição destes; ao facto ela
maiorparte dessespoemas não ser lielafora dos condicio­
nalismos em queforam escritos, isto é, fora dos objectivos
a que deve a sua existência, como manifestação de epara
a viela das comunidades religiosas a que se destinaram; à
inevitdvel comparação com os grandespoemas de S. João
ela Cruz, que inegavelmente em muito os superam. Tal­
vez também oJacto de serem alheios à renovação traziela
por Boscdn e Garcilaso à poesia espanhola do seu tempo,
com a introdução dos modelos italianos que marcaram o
apogeu ela poesia renascentista em Espanha, lhes tenha
imposto um acento anacrónico, que continua apesar so-

14
bre eles quando lidos no contexto dapoesia espanhola do
seu tempo; e aqui tem defalar-se de novo em S. João da
Cruz, cuja obrapoética beneficiou com a lição de outros
poetas renascentistas espanhóis, nomeadamente de Gar­
cilaso e de Frei Luis de Léon.
De facto, grande parte da poesia de Santa Teresa
tem de ser lida considerando-se a circunstância em
que foi escrita, isto é, como uma das suas actividades
como freira carmelita, que escrevia versos para os actos
de culto religioso celebrados nos seus conventos, os
quais ela queria que participassem também da sua
reforma, imprimindo-lhes o espírito que ansiava ilu­
minasse todo o Carmelo: participação de todos nesses
actos, e não a sua presença só como assistentes, com re­
curso ao canto e até à dança como manifestação dejú­
bilo na aceitação de tudo por todos, considerando
como capazes de elevar o espírito mesmo as tarefas
aparentemente mais humildes. Aliás como poeta
Santa Teresa não estava só nos seus conventos, pois sa­
bemos que, sob a influência do seu exemplo e do seu en­
tusiasmo, outras freiras escreveram versos. Alguns dos
poemas de Santa Teresa escritos para os seus conventos
não ultrapassam hojepara nós a mediania na sua qua­
lidade, não se distinguindo dos que foram escritos por
outras carmelitas (o que, como se disse anteriormente,
aumenta a dificuldade da identificação da autoria de
alguns poemas encontrados), e devem ser tomados, por­
tanto, como documentos tÚl espiritualidade carmelita de
então, para a qual muito contribuiu Santa Teresa, para
quem a poesia era quase sempre um meio (de edificação,
de devoção, de recreação tÚls suas filhas espalhat:Úls pelos
numerosos conventospor elafoneútdos). Mais que depoe­
sia, a prop6sito de muitos dos seus homens serd mais
exactofolar-se em canto, pois destinavam-se a ser canta­
dos e até t:Úlnçados, segundo testemunhos tÚl época. O Pa­
dre Francisco Ribera, que em 1590 publicou La vida de
la Madre Santa Teresa de Jesús escreveu: Queria [Santa
Teresa} que tivessem todos os dias o seu tempo desti­
nado ao recreio e que cantassem nas festas dos santos
e fizessem copias. Mas como gostava de dar exemplo
em tudo, fazia-as ela mesma e cantava-as em conjunto
com as suas freiras, sem nenhum instrumento musi­
cal, mas acompanhando-se com a mão, dando leves e
suaves palmadas, para marcar o compasso e fazer certa
harmoniosa cadência. Muito significativa também é
esta nota do c6dice de Cuerva: Numa véspera desta festa
[da Circuncisão] estando as religiosas de noite no seu
recreio, saiu a Santa da sua cela... dançando e can­
tando, e disse que o convento a ajudasse .. O dançar
.

que então e naqueles tempos a Santa Madre e suas fi­


lhas dançavam não {era} ordenadamente nem com
uma viola, pois somente batiam as palmas, como diz

r6
o Rei David, «omnes gentes plaudite manibus,» e mo­
viam-se assim com [mais} harmonia e graça de espí­
rito que de outra coisa.
A maior parte dos poemas de Santa Teresa que
hoje conhecemosfoi escrita comoforma de participação
na vida das comunidades carmelitas: festas litúrgicas
(Natal, Circuncisão, Reis, diversos santos) e actos de
maior importância para asjovens que ingressavam nos
conventos (tomadas de hábito, profissões). Provavel­
mente Santa Teresa escreveu muitos mais poemas com
este objectivo que os que temos actualmente, pois muitos
devem ter-se perdido ou não estão identificados como
seus. A celebração pelo canto dos actos quotidianos dos
conventos era uma forma de enaltecer e dar um carác­
ter festivo aos actos mais simples, o que é bem demons­
trado pelo poema Pues nos dais vestido novo, que foi
escrito para ser lido ou cantado para afastar os piolhos
das suas vestes. (Ver a nota sobre este poema. )
Alguns destes poemas revestem a forma de vilan­
cicos, mostrando-nos que Santa Teresa conhecia bem
esta forma de composição poética, nomeadamente os
vilancicos deJuan del Encina (1468-1522), cujo Can­
cionero foi editado pela primeira vez em 1496, com
diversas reedições no primeiro quartel do século XVI
Victor García de la Concha, no mencionado livro
El arte literario de Santa Teresa, dedica à poesia da

17
autora das Moradas del castillo interior o último ca­
pítulo desse livro, Lírica de Santa Teresa en la poesía
carmelitana, em que estuda separadamente os poemas
nascidos no transe místico. Aí cita uma passagem do Li­
bro de la Vida: Eu sei de uma pessoa que, não sendo
poeta, lhe acontecia fazer de súbito copias muito
sentidas revelando a sua dor; não feitas por sua inte­
ligência, mas para gozar mais a glória, que tão sabo­
rosa dor lhe dava, queixava-se dela ao seu Deus.
Todo o seu corpo e a sua alma queria que se despe­
daçasse para mostrar o gozo que com esta pena sente
(capítulo XVI, 4). E salienta oJacto de para Santa Te­
resa - que é apessoa a que ela se refere como uma outra
pessoa - as copias serem escritas inesperadamente, de
súbito (de presto) e não nascerem da inteligência (de
su entendimiento). Concluímos quepara Santa Teresa
a poesia era uma actividade espiritual que surgia como
por inspiração, de presto, e não da inteligência mas do
sentimento. Para Victor García de la Concha, dos poe­
mas de Santa Teresa somente dois com certeza e um
terceiro provavelmente nasceram ligados ao transe
místico. São esses poemas: Oh hermosura que exce­
déis, Vivo sin vivir em mi e, provavelmente, Sobre
aquellas palabras (pp. 318 a 325).
Emílio Orozco Díaz, um dos maiores conhecedo­
res do Barroco espanhol que publicou o livro Expre-

r8
sión, comunicación y estilo en la obra de Santa Te­
resa, em que patenteia uma profonda simpatia pela
obra da grande reformadora, não isenta de rigor, de­
monstrando um conhecimento invulgar da poesia mís­
tica em geral (que vinha a estudar de hd muito, pois em
1959 lançou Poesía y mística, em que se debruça sobre
a lírica de S. João da Cruz, detendo-se também napoe­
sia de Santa Teresa) encontra na obrapoética teresiana
um conjunto de poemas (Vivo sin vivir en mí, Sobre
aquellas palabras «Dilectus meus mihi», Oh hermo­
sura que excedéis, Buscate en mí, Vuesta soy, para
vos nací, Si el amor que me tenéis, Ayes del des­
tierro) do mais elevado lirismo, que acusam no seu
impulso e demoradamente a pegada emocional
transcendente de um estado de espiritualidade trans­
bordante, como saída de uma experiência mística e
são os suficientes em número para os valorizar num
lugar culminante em relação com o dito aspecto dos
seus escritos em prosa (p. 128). E acrescenta, um
pouco adiante: Este grupo de poemas a que nos esta­
mos a referir é o que propriamente há que situar no
alto clima da poesia mística. Por isso, dentro desses
traços estilísticos assinalados, respondem a uma ex­
pressão fortemente pessoal e directa (p. 128).
A personalidade de Santa Teresa de jesus tinha
duasfaces, que se uniam paraformar o seu rosto único:
uma nascida da oração e da contemplação (a que cor-

I9
respondem os poemas de arrebatado misticismo), e a
que sefoi moldando nos tormentosos caminhos dos ho­
mens, onde se lançou por amor dos outros, sem o qual
aquela oração e aquela contemplação nada seriam
(que deu os poemas humildes escritospara servir os seus
conventos). Se lembrarmos isto, ficaremos certos que
ler os seus poemas não é vão, pois tudo o que é obra de
um espírito como o da extraordindria carmelita parti­
cipa da sua grandeza.
Apresentamos e traduzimos o texto que Ángel
Custodio Vega faculta na segunda edição do livro La
poesía de Santa Teresa, excepto no poema Pastores
que veláis, num verso que indicamos na respectiva
nota. Do poema Ya viene el alba preferimos a versão
da pdgina 146.

20
Bibliografia

A bibliografia sobre Santa Teresa é vastíssima. Aqui


mencionamos somente os livros que tratam da sua poesia uti­
lizados no prólogo e nas notas.

DE SANTA TERESA:

Angel Custodio Vega, La poesía de Santa Teresa, Biblioteca


de Autores Cristianos, Madrid, 1972; segunda edição,
1975 . (Contém os poemas de Santa Teresa e um longo
estudo.)
Obras Completas, Edição de Efrén de la Madre de Dios e Ot­
ger Steggink, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid,
1986. (Citamos pela 8 .a edição.)

SOBRE SANTA TERESA:

Helmut Hatzfeld, Estudos !iterarias sobre mística espano/a,


Editorial Gredos, Madrid, 195 5 ; terceira edição, 1976.
Victor García de la Concha, E! arte !iteraria de Santa Teresa,
Editorial Ariel, Barcelona, 1978.
Emilio Orozco Díaz, Expresión, comunicación y estilo en la
obra de Santa Teresa, Diputación Provincial de Gra­
nada, 1987.

21
SETA DE FOGO
22 poemas
Pues vienen veces que estas ansias y ldgrimas y sospirosy los
grandes ímpetos que quedan dichos (que todo esto parece proce­
dido de nuestro amor con gran sentimiento, mas todo no es nada
en comparación de estotro, porque esto parece un Juego que está
humeando y puédese sufrir, aunque con pena); andándose ansí
esta alma abrasándose en sí mesma, acaese muchas veces por un
pensamiento muy ligero u por una palabra que oye de que se
tarda el morir, venir de otra parte - no se entiende de dónde ni
cómo - un golpe, u como si viniese una saeta defuega (no digo
que es saeta, mas cualquier cosa que sea, se ve claro que no podía
proceder de nuestro natural; tampoco es golpe, aunque digo
golpe; más agudamente hiere, y no es adonde se sienten acá las
penas - a mi parecer -, sino en lo más hondo y íntimo de!
alma), adonde este rayo que de presto pasa todo cuanto halla de
esta tierra de nuestro natural y lo deja hecho polvo, que por el
tiempo que dura es imposible tener memoria de cosa de nuestro
ser; porque en un punto ata las potencias de manera que no
quedan con ninguna libertad para cosa, sino para las que hacer
acrecemar este dolor.

Santa Teresa de Jesus, Moradas de! casti!lo interior, 6, XI.

24
Por vezes vêm essas ânsias, e lágrimas, e suspiros, e os
grandes ímpetos que já disse (que tudo isto parece que pro­
cede do nosso amor com grande sofrimento, mas tudo não é
nada comparado com esta outra coisa, porque esta parece um
fogo que lança fumo e pode suportar-se, embora sofrendo) ;
andando assim esta alma a abrasar-se em si mesma, acontece
muitas vezes por um pensamento muito leve ou por uma
palavra que ouve de que demora o morrer, vir de algures-
não se entende de onde nem como- um golpe, ou como se
viesse uma seta de fogo (não digo que seja uma seta, mas seja
o que for, vê-se claramente que não podia proceder da nossa
natureza; tão-pouco é um golpe, embora eu lhe chame golpe;
fere mais profundamente, e não é onde se sentem cá as dores
- parece-me-, mas no mais fundo e íntimo da alma) ,
onde este raio, que num instante atravessa tudo o que acha de
terreno na nossa natureza e o deixa feito em pó, que en­
quanto dura é impossível ter presente seja o que for do nosso
ser; pois num momento ata as potências de maneira que não
ficam com nenhuma liberdade para nada, senão para o que
lhe há-de aumentar esta dor.
I.
VIVO SIN VIVIR EN MÍ

Vivo sin vivir en mí


y tan alta vida espero,
que muero porque no muero.

Vivo ya fuera de mí,


después que muero de amor,
porque vivo en el Sefior,
que me quiso para sí.
Cuando el corazón le di
puso en él este letrero:
Que muero porque no muero.

Esta divina prisión


del amor en yo vivo,
ha hecho a Dios mi cabtivo
y libre mi corazón.
Y causa en mí tal pasión
ver a Dios mi prisionero,
Que muero porque no muero.
I.
VIVO SEM VIVER EM MIM

Vivo sem viver em mim


e tão alta vida espero,
que morro por não morrer.

Vivo já fora de mim,


depois que morro de amor,
porque vivo no Senhor,
que me quis só para si.
Meu coração lhe ofereci
pondo nele este dizer:
Que morro por não morrer.

Esta divina prisão


do amor em que hoje vivo,
tornou Deus o meu cativo
e livre meu coração.
E tal em mim tal paixão
Deus meu prisioneiro ver,
que morro por não morrer.

27
jAy qué larga es esta vida!,
jqué duros estos destierros!,
jesta cárcel, estos hierros,
en que el alma está metida!
Sólo esperar la salida
me causa dolor tan fiero,
que muero porque no muero.

jAy qué vida tan amarga,


do no se goza al Sefior!,
porque, si es dulce el amor,
no lo es la esperanza larga.
Quíteme Dios esta carga,
más pesada que el acero,
que muero porque no muero.

Sólo con la confianza


vivo de que he de morir,
porque, muriendo, el vivir
me asegura m1 esperanza.
Muerte, do el vivir se alcanza,
no te tardes, que te espero,
que muero porque no muero.

Mira que el amor es fuerte:


vida, no me seas molesta;
Ai, que longa é esta vida!
Que duros estes desterros!,
esta prisão, estes ferros
em que a alma está metida!
Só esperar a saída
causa em mim tanto sofrer,
que morro por não morrer.

Ai, que vida tão amarga,


sem se gozar o Senhor!,
porque, se é doce o amor,
não é a esperança larga.
Tire-me Deus esta carga,
pesada a mais não poder,
que morro por não morrer.

Somente com a confiança


vivo de que hei-de morrer,
porque, morrendo, o viver
me assegura minha esp'rança.
Oh morte que a vida alcança,
não tardes em me aparecer,
que morro por não morrer.

Olha que o amor é forte:


vida, não sejas molesta;

29
mira que sólo te resta,
para ganarte, perderte.
Venga ya la dulce muerte,
venga el morir muy ligero,
que muero porque no muero.

Aquella vida de arriba,


que es la vida verdadera,
hasta que esta vida muera,
no se goza estando viva.
Muerte, no me seas esquiva;
viva muriendo primero,
que muero porque no muero.

Vida, �qué puedo yo darle


a mi Dios que vive en mí,
si no es perderte a ti,
para mejor a El gozarle?
Quiero muriendo alcanzarle,
pues a El solo es al que quiero:
que muero porque no muero.
pra ganhar-te só te resta
perder-te, sem que me importe.
Venha já a doce morte,
venha já ela a correr,
que morro por não morrer.

A vida no alto cativa,


que é a vida verdadeira,
até que esta não nos queira,
não se goza estando viva.
Não me sejas, morte, esquiva;
só p'la morte hei-de viver,
que morro por não morrer.

Como, vida, presenteá-lo,


o meu Deus que vive em mim,
se não perdendo-te a ti,
pra melhor poder gozá-lo?
Quero, morrendo, alcançá-lo,
pois só dele é meu querer:
que morro por não morrer.

31
2.
SOBRE AQUELLAS PALABRAS
«DILECTUS MEUS MIHI»

Yo toda me entregué y di,


y de tal suerte he trocado,
ques mi Amado para mí,
y yo soy para mi Amado.

Cuando el dulce Cazador


me tirá y dejá rendida
en los brazos del amor,
mi alma quedá caída.
Y cobrando nueva vida,
de tal manera he trocado,
ques mi Amado para mí,
y yo soy para mi Amado

Tiráme con una flecha


enherbolada de amor,
y mi alma quedá hecha
una con su Criador.

32
2.
SOBRE AQUELAS PALAVRAS
«DILECTUS MEUS MIHI»

Toda me entreguei, sem fim,


e de tal sorte hei trocado,
que é meu Amado para mim,
e eu sou para meu Amado.

Quando o doce Caçador


me atirou, fiquei rendida,
entre os braços do amor
ficou minha alma caída.
E ganhando nova vida,
de tal maneira hei trocado,
que é meu Amado para mim,
e eu sou para meu Amado.

Atirou-me com uma seta


envenenada de amor,
a minha alma ficou feita
una com seu Criador.

33
Yo ya no quiero otro amor,
pues a mi Dias me he entregado,
y mi Amado es para mí,
y yo soy para mi Amado.

34
Eu já não quero outro amor,
que a Deus me hei entregado,
meu Amado é para mim
e eu sou para meu Amado.

35

jOH HERMO SURA QUE EXCEDÉIS!

jOh hermosura que excedéis


a todas las hermosuras!
Sin herir, dolor hacéis,
y sin dolor deshacéis
el amor de las criaturas.
jOh fiudo que ansí juntáis
dos cosas tan desiguales,
no sé por qué os desatáis,
pues atado fuerza dais
a tener por bien los males!
Juntáis quien no tiene ser
con el Ser que no se acaba;
sin acabar acabáis,
sin tener que amar amáis,
engrandecéis vuestra nada.

FORMO SURA QUE EXCEDEIS!

Formosura que excedeis


mesmo as grandes formosuras!
Sem ferir, sofrer fazeis,
e sem sofrer desfazeis
o amor das criaturas.
Oh, laço que assim juntais
duas coisas tão díspares!
não sei porquê vos soltais,
pois atado força dais
pra ter por bem os pesares.
Quem não tem ser vós juntais
com o Ser que não se acaba;
sem acabar acabais,
e sem ter que amar amais,
engrandeceis vosso nada.

37
4.
BUSCATE EN MÍ

Alma, buscarte has en Mí,


y a Mí buscarme has en ti.

De tal suerte pudo amor,


alma, en Mí te retratar,
que ningún sabio pintor
supiera con tal primor
tal imagem estampar.
Fuiste por amor criada
hermosa, bella y ansí
en mis entrafias pintada;
si te perdieres, mi amada,
alma, buscarte has en Mí.
Que Yo sé que te hallarás
en mi pecho retratada,
y tan al vivo sacada,
que, si te ves, te holgarás
viéndote tan bien pintada.

BUSCA-TE EM MIM

Alma, buscar-te-ás em Mim,


A Mim buscar-me-ás em ti.

De tal sorte pôde amor,


alma, em Mim te retratar,
que nenhum sábio pintor
sab'ria com tal primor
tal imagem estampar.
Foste por amor criada
formosa, bela, e assim
em meu coração pintada;
se te perderes, minha amada,
alma, buscar-te-ás em Mim.
Pois Eu sei que te acharás
em meu peito retratada,
e tão ao vivo tirada
que, se te vês, folgarás
ao ver-te tão bem pintada.

39
Y si acaso no supieres
dónde me hallarás a Mí
no andes de aquí para allí.
Si no, si allarme quisieres,
a Mí buscarme has en ti.
Porque tú eres mi aposento,
eres mi casa y morada,
y ansí llamo en cualquier tiempo,
si hallo en tu pensamiento
estar la puerta cerrada.
Fuera de ti no hay buscarme,
porque para hallarme a Mí
bastará sólo llamarme;
que a ti iré sin tardarme,
y a Mí buscarme has en ti.

40
E se acaso não souberes
onde me acharás a Mim,
não vás daqui para ali.
Se não, se achar-me quiseres,
a Mim buscar-me-ás em ti.
Porque és o meu aposento,
és minha casa e morada,
e assim chamo em qualquer tempo,
se acho no teu pensamento
estar a porta fechada.
Fora de ti, não há buscar-me,
porque para achar-me a Mim
basta somente chamar-me;
vou a ti sem demorar-me,
e a Mim buscar-me-ás em ti.

4I

VUESTRA SOY, PARA VO S NACÍ

Vuestra soy, para Vos nací:


d Qué manddis hacer de mí?

Soberana Majestad,
eterna Sabiduría,
Bondad buena al alma mía;
Dios, Alteza, un Ser, Bondad:
La gran vileza mirad,
que hoy os canta amor ansí:
dQué manddis hacer de mí?
Vuestra soy, pues me criastes;
vuestra, pues me redimistes;
vuestra, pues que me sufristes;
vuestra, pues que me llamastes.
Vuestra, pues me conservastes,
vuestra, pues no me perdí:
dQué manddis hacer de mí?
�Qué mandáis, pues, buen Sefior,
que haga tan vil criado?

SOU VO SSA, PARA VÓS NASCI

Sou vossa, para Vós nasci:


Que mandais fazer de mim?

Soberana Majestade,
eterna Sabedoria,
Bondade que me sacia;
Deus, Alteza, um Ser, Bondade:
Olhai a grande maldade,
que vos canta amor assim:
Que mandais fazer de mim?
Sou vossa, pois me criastes;
vossa, pois me redimistes;
vossa, pois que me assististes;
vossa, pois que me chamastes.
Vossa, pois me conservastes,
vossa, pois não me perdi:
Que mandais fazer de mim?
Que mandais, pois, bom Senhor,
que faça tão vil criado?

43
�Cuál oficio le habéis dado
a este esclavo pecador?
Veisme aquí, mi dulce amor;
amor dulce, veisme aquí:
d Qué manddis hacer de mí?
Veis aquí mi corazón,
yo le pongo en vuestra palma:
mi cuerpo, mi vida y alma,
mis entrafias y afición.
Dulce Esposo y Redención,
pues por vuestra me ofrecí:
dQué manddis hacer de mí?
[Dadme muerte, dadme vida;
dad salud o enfermedad,
honra o deshonra me dad;
dadme guerra o paz crecida,
flaqueza o fuerza cumplida,
que a todo digo que sí:
dQué queréis hacer de mí?]
Dadme riqueza o pobreza,
dad consuelo o desconsuelo,
dadme alegría o tristeza,
dadme infierno o dadme cielo,
vida dulce, sol sin velo:
pues del todo me rendí:
d Qué manddis hacer de mí?

44
Qual ofício haveis Vós dado
a este escravo pecador?
Eis-me aqui, meu doce amor;
amor doce, estou aqui:
Que mandais fazer de mim?
Eis aqui meu coração,
eu ponho-o na vossa palma:
minha vida, corpo e alma,
e entranhas e afeição.
Doce Esposo e Redenção,
se por vossa me ofereci:
Que mandais fazer de mim?
[Dai-me morte, dai-me vida;
saúde ou enfermidade,
honra ou desonra, à vontade;
dai-me guerra ou paz crescida,
fraqueza ou força cumprida,
que a tudo digo que sim:
Que quereis fazer de mim?]
Dai-me riqueza ou pobreza,
consolo ou mágoa sem fim,
dai-me alegria ou tristeza,
dai-me inferno ou dai-me o céu,
doce vida, sol sem véu:
pois de todo me rendi:
Que mandais fazer de mim?

45
Si queréis, dadme oración;
si no, dadme sequedad,
si abundancia y devoción,
y si no esterilidad.
Soberana Majestad,
sólo hallo paz aquí:
�Qué manddis hacer de mí?
Dadme, pues, sabiduría,
o, por amor, 1gnoranc1a;
. .

dadme afios de abundancia,


o de hambre y carestía.
Dad tiniebla o claro día,
revolvedme aquí y allí:
�Qué manddis hacer de mí?
Si queréis que esté holgando,
quiero por amor holgar;
si me mandáis trabajar,
morir quiero trabajando:
decid dónde, cómo y cuándo;
decid, dulce Amor, decid:
�Qué manddis hacer de mí?
Dadme Calvario o Tabor,
desierto o tierra abundosa;
sea Job en el dolor,
o Juan que al pecho reposa;
sea vifia fructuosa,
Se quereis, dai-me oração;
se não, dai-me frialdade,
se abundância e devoção,
se não esterilidade.
Soberana Majestade,
só encontro paz aqui:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me, pois, sabedoria,
ou, por amor, ignorância;
dai-me anos de abundância,
ou de fome e carestia.
Dai-me treva ou claro dia,
castigai-me aqui e ali:
Que mandais fazer de mim?
Se quereis ver-me folgando,
por amor quero folgar;
se me mandais trabalhar,
quero morrer trabalhando:
dizei onde, como e quando;
dizei, doce Amor, enfim:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me Calvário ou Tabor,
deserto ou terra viçosa;
seja eu Job na minha dor,
João que ao peito repousa;
vinha estéril ou frutuosa,

47
o estéril, si cumple así:
�Qué mandáis hacer de mí?
Sea José puesto en cadena
o de Egipto adelantado,
o David sufriendo pena,
o ya David encumbrado.
Sea Jonás anegado,
o libertado de allí:
� Qué mandáis hacer de mí?
Haga fruto o no lo haga,
esté callando o hablando,
muéstreme la rey mi Baga,
goce de Evangelio blando;
esté penando o gozando,
sólo Vos en mí viví:
�Qué mandáis hacer de mí?
Vuestra soy, para Vos nací:
� Qué mandáis hacer de mí?
se tem que ser mesmo assim:
Que mandais fazer de mim?
Seja eu José na prisão
ou no Egipto elevado,
David na expiação
ou já David exaltado.
Seja Jonas afogado,
ou libertado dali:
Que mandais fazer de mim?
Faça fruto ou não o faça,
sempre em silêncio ou falando,
mostre-me a lei minha chaga,
goze de Evangelho brando;
esteja em pena ou gozando,
Vós somente em mim vivi:
Que mandais fazer de mim?
Sou vossa, para Vós nasci:
Que mandais fazer de mim?

49
6.
PARA PEDIR PACIENCIA EN LAS
ADVERSIDADES

Nada te turbe,
nada te espante;
todo se pasa,
Dios no se muda.
La paciencia
todo lo alcanza.
Quien a Dios tiene
nada le falta.
Sólo Dios basta.
6.
PARA PEDIR PACIÊCIA NAS
ADVERSIDADES

Nada te inquiete,
nada te assuste;
pois tudo passa,
Deus nunca muda.
A paciência
alcança tudo.
Quem Deus possui
nada lhe falta.
Só Deus nos basta.

51

LOA A LA CRUZ REDENTORA

Cruz, descanso sabroso de mi vida:


Vos sedis la bien venida.

iOh bandera, en cuyo amparo


el más flaco será fuerte!
jOh vida de nuestra muerte!,
iqué bien la has resucitado!
Al león has amansado,
pues por ti perdió la vida:
Vos sedis la bien venida.
Quien no os ama, está cabtivo
y ajeno de liberdad;
quien a Vos quiere allegar,
no tendrá en nada desvío.
jOh dichoso poderío,
donde el mal halla cabida!:
Vos sedis la bien venida.
Vos fuistes la libertad
de nuestro gran cautiverio;

52

LOA À CRUZ REDENTORA

Cruz, sab'roso descanso em minha vida:


sede Vós bem aparecida.

Oh bandeira, em cujo amparo


o mais fraco será forte!
Oh vida da nossa morte!,
que bem a ressuscitaste!,
O leão tu amansaste,
pois por ti perdeu a vida:
sede Vós bem aparecida.
Quem não vos ama, é cativo
e alheio da liberdade;
quem a Vós quiser chegar,
em nada terá desvio.
Oh ditoso poderio,
onde o mal não tem cabida!:
sede Vós bem aparecida.
Vós fostes a liberdade
para o nosso cativeiro;

53
por Vos se repará el mal
con tan costoso remedia.
Para con Dias fuistes media
de alegría conseguida:
Vos seáis la bien venida.

54
por Vós tratou-se a maldade
com tão custoso remédio.
Para Deus foste intermédio
de alegria conseguida:
sede Vós bem aparecida.

55
8.
COLOQUIO DE AMOR

Si el amor que me tenéis,


Dios mío, es como el que os tengo,
decidme: 2en qué me detengo?,
o Vos, 2en qué os detenéis?
- 2Alma, qué quieres de Mí?
-Dios mío, no más que verte.
- 2Y qué temes más de ti?
-Lo que más temo es perderte.
Un alma en Dios escondida,
2qué tiene que desear
sino amar y más amar,
y, en amor toda encendida,
tornarte de nuevo a amar?
Un amor que ocupe os pido,
Dios mío, mi alma os tenga,
para hacer un dulce nido,
adonde más la convenga.
8.
COLÓQUIO DE AMOR

Se o amor que, meu Deus, me tendes,


é como o que a Vós eu tenho,
dizei-me: em que me detenho?,
ou Vós, em que vos detendes?
-Alma, que queres de Mim?
- Oh Deus meu, não mais que ver-te.
-E que mais temes de ti?
-O que mais temo é perder-te.
Uma alma em Deus escondida,
que terá que desejar
senão amar e mais amar,
e, em amor toda encendida,
tornar-te de novo a amar?
Só Vos peço um amor pleno:
Deus meu, minha alma vos tenha,
pra fazer um ninho ameno
onde melhor lhe convenha.

57

AYES DEL DESTIERRO

jCudn triste es, Dios mío,


la vida sin Ti!
Ansiosa de verte,
deseo morir.

Carrera muy larga


es la de este suelo;
morada penosa,
muy duro destierro.
iOh Duefio adorado,
sácame de aquí!
Ansiosa de verte,
deseo morir.
Lúgubre es la vida,
amarga en extremo:
que no vive el alma,
que está de Ti lejos.
jOh dulce bien mío,
que soy infeliz!

AIS DO DESTERRO

Quão triste é, Deus meu,


sem Ti o viver!
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.

Corrida tão longa


a deste carreiro;
morada penosa,
mui duro desterro.
Oh Dono adorado,
leva-me bem cedo!
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
Lúgubre é a vida,
amarga em extremo:
pois não vive a alma,
sem Ti padecendo.
Oh meu doce bem,
que infeliz me vejo!

59
Ansiosa de verte,
deseo morir.
jOh muerte benina,
socorre mis males!
Tus golpes son dulces,
que al alma libertan.
jQué dicha, mi Amado,
estar junto a Ti!
Ansiosa de verte,
deseo morir.
El amor mundano
apega a esta vida;
el amor divino
por la otra suspira.
Sin Ti, Dias eterno,
�quién puede vivir?
Ansiosa de verte,
deseo morir.
La vida terrena
es continuo duelo;
vida verdadera,
la hay sólo en cielo.
Permite, Dias mío,
que yo allí.
Ansiosa de verte,
deseo morir.

6o
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
Oh morte benigna,
socorre meus males!
Teus golpes são doces,
libertam minha alma.
Que alegria, Amado,
estar de Ti perto!
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
O amor mundano
prende a esta vida;
o amor divino
pela outra suspira.
Sem Ti, Deus eterno,
quem pode viver?
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
A vida terrena
é estar sempre triste;
vida verdadeira
só no céu existe.
Permite, Deus meu,
que viva eu além.
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.

61
2Quién es el que teme
la muerte del cuerpo,
si con ella logra
un placer inmenso?
iOh, sí: el de amarte,
Dios mío, sin fin!
Ansiosa de verte,
deseo morir.
Mi alma afligida
gime y desfallece.
iAy!, 2quién de su amado
puede estar ausente?
Acabe ya, acabe
aqueste sufrir.
Ansiosa de verte,
deseo morir.
El barbo cogido
en doloso anzuelo
encuentra en la muerte
el fin del tormento.
iAy!, también yo sufro,
bien mío, sin Ti.
Ansiosa de verte,
deseo morir.
En vano mi alma
te busca, ioh mi Duefio!
Quem é o que teme
a morte do corpo,
se com ela alcança
um imenso gozo?
Oh, sim: o de amar-te,
infindo, meu Deus!
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
A minha alma aflita
geme e desfalece.
Quem do seu amado
pode estar ausente?
Termine, termine
este meu sofrer.
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
O barbo apanhado
no anzol traiçoeiro
encontra na morte
o fim do tormento.
Ai!, também eu sofro,
sem ter-te, meu bem.
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
Em vão minha alma
te busca, oh meu Dono!
Tú, siempre invisible,
no alivias su anhelo.
iAy!, esta la inflama
hasta prorrumpir:
Ansiosa de verte,
deseo morir.
iAy!, cuando te dinas
entrar en mi pecho,
Dias mío, al instante
el perderte temo.
Tal pena me aflige,
que me hace decir:
Ansiosa de verte,
deseo morir.
Haz, Sefi.or, que acabe
tan larga agonía.
Socorre a tu sierva,
que por Ti suspira.
Rompe aquestros hierros
y sea feliz:
Ansiosa de verte,
deseo morir.
Mas no, Duefi.o amado:
que es justo padezca:
que expíe mis yerros,
mis culpas inmensas.
Tu, sempre invisível,
não lhe dás consolo.
Isto tudo a inflama
até irromper:
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
Ai, quando te dignas
entrar em meu peito,
Deus meu, nesse instante
perder-te receio.
Tal pena me aflige,
que me faz dizer:
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
Faz, Senhor, que finde
tão longa agonia.
Socorre tua serva,
que por Ti suspira.
Destrói estes ferros
e feliz eu seja:
Ansiosa por ver-te,
desejo morrer.
Mas não, Dono amado:
que é justo eu padeça:
que exp1e meus erros,
minha culpa imensa.
jAy!, logren mis lágrimas
te dines me oír:
Que Ansiosa de verte,
deseo morir.

66
Que, enfim, minhas lágrimas
me possam valer:
Ansiosa p or ver-te,
desejo morrer.
IO.
PASTORES QUE VELÁIS

jAh, pastores que veláis


por guardar vuestro rebafío!
Mirad que os nace un Cordero,
Hijo de Dios soberano.

Viene pobre y despreciado,


comenzalde ya a guardar,
que el lobo os lo ha de llevar
sin que le hayamos gozado.
Gil, dame acá aquel cayado,
que no me saldrá de mano,
no nos lleven el Cordero:
�No ves que es Dios soberano?

-jSoncas!, que estoy aturdido,


de gozo y de penas junto.
- Si es Dias el que hoy ha nacido,
�cómo puede ser difunto?
-jOh, que es hombre también junto,

68
IO.
PASTORES QUE VELAIS

Ah, pastores que velais


pra guardar vosso rebanho!
Nasceu-vos hoje um Cordeiro.
Filho de Deus Soberano.

Chega pobre e desprezado,


começai já a guardá-lo,
pois o lobo irá levá-lo
sem que o tenhamos gozado.
Gil, dá cá esse cajado,
não o largarei, insano,
não nos levem o Cordeiro:
Não vês que é Deus soberano?

- Caramba!, estou aturdido,


alegria e penas junto.
Se é Deus o que hoje há nascido,
como ficará defunto?
- Oh, que é homem também junto,
la vida estará en su mano!
Mirad que es este Cordero
Hijo de Díos soberano.

No sé para qué le piden,


pues le dan después tal guerra.
-Mia fe, Gil, mejor será
que se nos torne a su uerra.
- Si el pecado nos destierra
y está el bien todo en su mano,
ya que ha venido, padezca
este Díos tan soberano.

Poco te duele su pena:


ioh cómo es cierto que al hombre,
cuando nos viene provecho,
el mal ajeno se asconde!
-�No ves que gana renombre
de Pastor de gran rebafi.o?
-Con todo, es cosa muy fuerte
que muera Díos soberano.
vida terá, bem humano!
Olhai que é este Cordeiro
Filho de Deus Soberano.

Não sei para que o pediram,


se depois lhe fazem guerra.
-Por minha fé, é bom, Gil,
que regresse à sua terra.
-Se o pecado nos desterra
e o bem detém, sem engano,
já que veio cá, padeça
este Deus tão soberano.

Pouco te dói sua pena:


oh como é certo que ao homem,
quando isso nos dá proveito,
o mal alheio se esconde!
-Não vês que ganha renome
de Pastor deste rebanho?
-Contudo, é coisa mui forte
que morra Deus soberano.

71
II.
AL NACIMIENTO DEL REDENTOR

Hoy nos viene a redimir


un zaga!, nuestro pariente,
Gil, que es Dios onipotente.

Por eso nos ha sacado


de prisión a Satanás.
Mas es pariente de Bras,
y de Menga, y de Llorente.
jOh, que es Dios onipotente!
- Pues si es Dios, �cómo es vendido
y muere crucificado?
-�No ves que mató el pecado
padeciendo el inocente?
Gil, que es Dios onipotente.
- Mi fe, yo lo vi nacido,
y una muy linda zagala.
Pues si es Dios, �cómo ha querido
estar con tan pobre gente?
dNo ves que es onipotente?

72
II.
AO NASCIMENTO DO REDEN TOR

Hoje vem-nos redimir


um zaga!, nosso parente,
Gil, que é Deus omnipotente.

Por isso veio tirar-nos


de presos por Satanás.
Mas é parente de Brás,
e de Menga e de Vicente.
Oh, que é Deus omnipotente!
-Pois, se é Deus, como é vendido
e morre crucificado?
Não vês, matou o pecado
padecendo ele, inocente?
Gil, que é Deus omnipotente.
- Por minha fé, vi-o nascido
e uma formosa zagala.
Pois se é Deus, como há qu'rido
estar com tão pobre gente?
Não vês que é omnipotente?

73
-Déjate de esas preguntas.
-Miremos por le servir.
Y pues El viene a morir,
muramos con El, Llorente:
Pues es Dios onipotente.

74
- Deixa-te dessas perguntas.
-Tratemos de o atender.
E já que ele vem morrer,
morramos com Ele, Vicente:
Pois é Deus omnipotente.

75
12.
YA VIENE EL ALBA

Migallejo, mira quién !lama:


- Angeles son, que ya viene el alba.
Hame dado un gran zumbido,
que parece camiliana;
mira, Bras, que ya es de día;
vamos a ver la zagala.
Migallejo, mira quién !lama:
-Angeles son, que ya viene el alba.
�Es parienta del alcaide,
o quién es esta doncella?
Ella es hija de Dios Padre,
relumbra como una estrella.
Migallejo, mira quién llama:
- Angeles son, que ya viene el alba.
12.
JÁ VEM A ALVA

Miguelzinho, olha quem chama.


- Anjos são, que aí vem a alva.
Ouvi um ruído enorme,
que parecia cantilena.
Olha, Brás, que é já de dia;
vamos lá ver a zagala.
Miguelzinho, olha quem chama.
- Anjos são, que aí vem a alva.
Será parenta do alcaide,
ou quem é esta donzela?
-Ela é filha de Deus Pai,
rebrilha como uma estrela.
Miguelzinho, olha quem chama.
- Anjos são, que aí vem a alva.

77
IJ.
VERTIENDO ESTÁ SANGRE

Vertiendo está sangre,


jDominguillo, eh!
j Yo no sé por qué!

-�Por qué -te pregunto­


hacen de él justicia,
pues ques inocente,
y no tien malícia?
Tuvo gran codicia,
yo no sé por qué,
de mucho amar-mé:
jDominguillo, eh!
Pues luego, en naciendo
�le han de atormentar?
-Sí, que está muriendo
por quitar el mal.
jOh qué gran zagal
será, por mi fe!
jDominguillo, eh!
IJ.
ESTÁ A VERTER SANGUE

Estd a verter sangue,


Dominguinhos, eh!
Eu não sei porquê!

-Porquê -te pergunto -


lhe fazem justiça,
sendo ele inocente
e sem ter malícia?
Foi sua delícia,
eu não sei porquê,
de muito amar-me:
Dominguinhos, eh!
Pois logo ao nascer
hão-de atormentá-lo?
- Sim, que está a morrer
pra tirar o mal.
Que grande zagal,
sim, por minha fé!
Dominguinhos, eh!

79
�Tu no has mirado
que es nifio inocente?
Ya me lo han contado
Brasillo y Llorente.
-jGran inconveniente
será no amar-lê!
jDominguillo, eh!

8o
Teus olhos notaram
que é um inocente?
Isso me contaram
Brasinho e Vicente.
-Grande inconveniente
será não querer-lhe!
Dominguinhos, eh!

8r
1 4.
EN LA FIESTA DE LO S REYES

Pues que la estrella


es ya !legada,
vaya con los Reyes
la mi manada.

Vamos todos juntos


a ver al Mesías,
que vemos cumplicias
ya las profecías.
Pues en nuestros días
es ya llegada,
vaya con los Reyes
la mi manada.

Llevémosle danes
de grande valor,
pues vienen los Reyes
con tan gran hervor.
Alégrese hoy

82
14.
NA FESTA DO S REIS

Visto que a estrela


jd é chegada,
que siga com os Reis
minha manada.

Vamos todos juntos


a ver o Messias,
pois vemos cumpridas
já as profecias.
Porque em nossos dias
é já chegada,
siga com os Reis
minha manada.

Levemos-lhe prendas
de grande valor,
pois os Reis chegaram
com alto fervor.
Alegre-se hoje
nuestra gran zagala:
Vtzya con los Reyes
la mi manada.

No cures, Llorente,
de buscar razón,
para ver que es Dios
aquestre garzón,
Dale el corazón
y yo esté empenada:
vaya con los Reyes
la mi manada.
a nossa zagala:
Siga com os Reis
minha manada.

Não trates, Vicente,


de buscar razão,
para ver que é Deus
aquele garção.
Dá-lhe o coração
e eu fique obrigada:
Siga com os Reis
minha manada.
I 5.
A SAN ANDRÉS APÓSTOL

Si el padecer con amor


puede dar tan gran deleite,
aué gozo no dará el verte?

�Qué será cuando veamos


a la eterna Majestad,
pues de ver Andrés la cruz,
se pudo tanto alegrar?
jOh que no puede faltar
en el padecer deleite!
�Qué gozo no dará el verte?
El amor, cuando es crecido,
no puede estar sin obrar,
ni el fuerte sin pelear
por amor de su querido.
Con esto la habrá vencido
y querrá que en todo acierte:
�Qué gozo no dará el verte?

86
1 5.
A SANTO ANDRÉ, APÓSTOLO

Se o padecer com amor


pode dar tanto deleite,
- que gozo não dard ver-te?

Que será quando nós virmos


a eterna Majestade,
pois ao ver André a cruz
se pôde tanto alegrar?
Oh que não pode faltar
no sofrimento deleite!
Que gozo não dard ver-te?
O amor, quando encendido,
nunca deixa de actuar,
nem o forte de lutar
por amor do seu querido.
Com isto a terá vencido,
querendo que em tudo acerte:
Que gozo não dard ver-te?
Pues todos temen la muerte,
2cómo te es dulce el morir?
- ph, que voy para vivir
en más encumbrada suerte!
iOh mi Dias, que con tu muerte
al más flaco hiciste fuerte!
�Qué gozo no dard el verte?
iOh cruz, madero, precioso,
lleno de gran majestad!
Pues, siendo de despreciar,
tomaste a Dias por Esposo,
a ti vengo muy gozoso,
sin merecer el quererte:
1-Esme muy gran gozo el verte!

88
Se todos temem a morte,
-como te é doce o morrer?
-Oh que vou para viver
na mais exaltada sorte!
Oh Deus, que com tua morte
ao fraco fizeste forte!
Que gozo não dará ver-te?
Oh cruz, madeiro precioso,
cheio de alta majestade!
Pois, sendo de desprezar,
tomaste a Deus por Esposo,
a ti venho jubiloso,
sem que mereça querer-te:
Gozo imenso é pra mim ver-te!
1 6.
A SAN HILARIÓN ANACORETA

Hoy ha vencido un guerrero


al mundo y sus valedores.
Vuelta, vuelta, pecadores,
sigamos este sendero.

Sigamos la soledad
y no queramos monr
hasta ganar el vivir
en tan subida pobreza.
jOh qué grand es la destreza
de aqueste nuestro guerrero!
Vuelta, vuelta, pecadores,
sigamos este sendero.
Con armas de penitencia
ha vencido a Lucifer.
Combate con la paciencia,
ya no tiene que temer.
todos podemos valer
siguiendo a este caballero.

90
r 6.
A SANTO HILÁRIO, ANACORETA

Hoje venceu um guerreiro


o mundo e seus protectores.
Dai a volta, pecadores,
sigamos este carreiro.

Sigamos a solidão
e não queiramos morrer
até ganhar o viver
em tão subida pobreza.
Oh que grande é a destreza
do nosso grande guerreiro!
Dai a volta, pecadores,
sigamos este carreiro.
Com armas de penitência
ele venceu Lúcifer.
Combate com a paciência,
já nada tem que temer.
Todos podemos valer
seguindo este cavaleiro.

91
Vuelta, vuelta, pecadores,
sigamos este sendero.
No ha tenido valedores;
abrazóse con la cruz.
Siempre en ella hallamos luz,
pues la dia a los pecadores.
iOh qué dichosos amores_
tuvo este nuestro guerrero!
Vuelta, vuelta, pecadores,
sigamos este sendero.
Ya ha gando la carona
y se acabó el padecer,
gozando ya el merecer
con muy encumbrada gloria.
iOh venturosa victoria
de nuestro fuerte guerrero!
Vuelta, vuelta, pecadores,
sigamos este sendero.

92
Dai a volta, pecadores,
sigamos este carreiro.
Nunca teve protectores,
tomou nos braços a cruz.
Sempre nela achamos luz,
pois a deu aos pecadores.
Oh que ditosos amores
teve este nosso guerreiro!
Dai a volta, pecadores,
sigamos este carreiro.
Ele já ganhou a coroa
e acabou seu padecer,
gozando já o merecer
com mui elevada glória
Oh venturosa vitória
do nosso forte guerreiro!
Dai a volta, pecadores,
sigamos este carreiro.

93
1 7.
A SANTA CATALINA MÁRTIR

iOh gran amadora


del eterno Dias!
iEstrella luciente,
amparadnos Vos!
Desde tierna edad
tomastes Esposo.
Fue tanto el amor,
que no os dia reposo.
Quien es temeroso,
no se llegue a Vos,
si estima la vida
y el morir por Vos.
Mirad los cobardes
aquesta doncella,
que no estima el oro
ni verse tan bella.
Metida en la guerra
de persecución
para padecer
con gran corazón.

94
1 7.
A SANTA CATARINA, MÁRTIR

Oh grande amadora
do eterno Deus!
Estrela luzente,
valei-nos, dos céus!
Desde tenra idade
tomastes Esposo.
Foi tanto o amor:
não vos deu repouso.
O que for medroso,
não se chegue a Vós,
se estimar a vida
e o morrer por Vós.
Olhai vós, cobardes,
bem esta donzela,
que não preza o ouro
nem ver-se tão bela.
Metida na guerra
da perseguição,
padecendo com
grande coração.

95
Más pena le da
vivir sin su Esposo;
y así, en los tormentos
hallaba reposo.
Todo le es gozoso
y quería morir,
pues que con la vida
no puede vivir.
Las que pretendemos
gozar de su gozo,
nunca nos cansemos
por hallar reposo.
jÜh engano enganoso!,
y que sm amor
es querer sanar
viviendo el dolor.
Mais pena lhe dá
viver sem o Esposo;
e assim, nos tormentos
achava repouso.
Tudo lhe é gozoso,
quena morrer,
pois que com a vida
não pode viver.
As que pretendemos
gozar de seu gozo,
nunca nos cansemos
para achar repouso.
Oh engano enganoso!:
pots que sem amor
é querer sarar
ao viver a dor.

97
r 8.
A LA VELACIÓN DE LA HERMANA
ISABEL DE LO S ÁNGELES

Hermana, por que veléis


os han dado hoy este velo;
y no os va menos que el cielo;
por eso, no os descuidéis.

Aqueste velo gracioso


os dice que estéis en vela,
guardando la centinela
hasta que venga el Esposo.
Que, como ladrón famoso,
vendrá cuando no penséis;
por eso, no os descuidéis.
No sabe nadie a cuál hora;
si en la vigilia primera,
o en la segunda, o tercera;
todo cristiana lo ignora.
Pues velad, velad, hermana,
no os roben lo que tenéis;
por eso, no os descuidéis.
1 8.
À TO MADA DE HÁBITO DA IRMÃ
ISABEL DE LO S ÁNGELES

Irmã, para que veleis


vos velaram neste véu;
não vos traz menos que o céu;
assim, não vos descuideis.

Velada em véu tão gracioso,


diz ele que estais de vela,
a fazer de sentinela
até que chegue o Esposo.
Que, como ladrão famoso,
virá quando não penseis;
assim, não vos descuideis.
Não sabe ninguém a hora;
se na vigília primeira,
na segunda ou na terceira;
todo o cristão o ignora.
Pois velai, velai, irmã,
não vos roubei o que haveis;
assim, não vos descuideis.

99
En vuestra mano encendida
tened siempre una candeia,
y estad con el velo en vela,
las renes muy bien cefiidas.
No estéis siempre amodorrida,
catad que peligraréis;
por eso, no os descuidéis.
Tened olio en la aceitera
de obras y merecer,
para poder proveer
la lámpara, que no se muera.
Porque quedaréis de fuera
si entonces no la tenéis;
por eso, no os descuidéis.
Nadie os le dará prestado;
y si lo vais a comprar,
podríaseos tardar,
y el Esposo haber entrado.
Y desque una vez cerrado,
no hay entrar, aunque llaméis;
por eso, no os descuidéis.
Tened continuo cuidado
de cumplir como alma fuerte,
hasta el día de la muerte,
lo que habéis hoy profesado.

roo
Na vossa mão, sempre erguida,
mantende uma vela acesa,
velada e a velar presa,
a cintura bem cingida.
Não fiqueis amortecida,
grande perigo correis;
assim, não vos descuideis.
Tende cheia a almotolia
de obras e de merecer,
para que possais encher
a lâmpada, se se esvazia.
Ficareis sem companhia
se então não a acendeis;
assim, não vos descuideis.
Ninguém cede óleo emprestado;
e, se o fordes comprar,
podereis então tardar
e o Esposo ter entrado.
E depois de Ele fechado,
não se entra, embora chameis;
assim, não vos descuideis.
Tende contínuo cuidado
de cumprir como alma forte,
até ao dia da morte,
o que hoje haveis professado.

101
Porque, habiendo así velado,
con el Esposo entraréis;
por eso, no os descuidéis.

102
Porque, tendo assim velado,
com o Esposo entrareis;
assim, não vos descuideis.

!0 3
1 9.
EN UNA PRO FESIÓN RELIGIO SA

jOh qué bien tan sin segundo!


jOh casamiento sagrado!
Que el Rey de la Majestad
haya sido el desposado.

Oh jqué venturosa suerte


os estaba aparejada!:
jque os quiera Dias por amada!
iY haos ganado con su muerte!
En servirle estad muy fuerte,
pues que lo habéis profesado.
Que el Rey de la Majestad
es ya vuestro desposado.
Ricas joyas os dará
este Esposo, Rey del cielo;
claros ha mucho consuelo,
que nadie os lo quitará.
Y, sobre todo, os dará
un espíritu humillado,

104
19.
NUMA PRO FISSÃO RELIGIO SA

Oh que bem tão sem segundo!


Oh casamento sagrado!
Por o Rei da Majestade
ter sido hoje o desposado.

Oh que venturosa sorte


vos estava preparada!:
que Deus vos quer por amada!,
ganhou-vos com sua morte!
Em servi-lo sede forte,
pois o haveis professado.
Pois o Rei da Majestade
éjá vosso desposado.
Ricas jóias vos dará
este Esposo, Rei do céu;
dá o consolo, que é seu,
que ninguém vos tirará.
Sobretudo vos dará
um espírito humilhado,

10 5
ques Rey y bien lo podrd,
pues quiere hoy ser desposado.
Más os dará este Sefior:
un amor tan santo y puro,
que podréis, yo os lo asiguro,
perder al mundo el temor,
y al demonio, muy mijar,
porque hoy queda maniatado.
Que el Rey de la Majestad
ha sido hoy el desposado.

ro6
que é Rei e bem poderá,
quer hoje ser desposado.
Mais vos dará tal Senhor:
um amor tão santo e puro,
que podereis, asseguro,
perder ao mundo o temor,
e ao demónio, inda melhor,
pois fica manietado.
Pois o Rei da Majestade
foi ele hoje o desposado.
20.
YA NO DURMAIS, NO DURMAIS

Todos los que milítdis


debajo de esta bandera
ya no durmdis, no durmdis,
pues que no hay paz en la tierra.

Y como capitán fuerte


quiso nuestro Dios morir,
comencémosle a seguir,
pues que le dimos la muerte.
iOh qué venturosa suerte
se le siguió de esta guerra!
Ya no durmdis, no durmdis,
pues Dios falta de la tierra.
Con grande contentamiento
se ofrece a morir en cruz
por damos a todos luz
con su grande sufrimiento.
iOh glorioso vencimiento!
iÜh dichosa aquesta guerra!

I08
20.
NÃO DURMAIS JÁ, NÃO DURMAIS

Todos os que militais


debaixo desta bandeira,
não durmais jd, não durmais,
pois que não hd paz na terra.

E como capitão forte


o nosso Deus quis morrer,
sigamo-lo sem nos deter,
pois nós Lhe demos a morte.
Oh que venturosa sorte
teve ele após esta guerra!
Não durmais jd, não durmais,
porque Deus falta na terra.
Com grande contentamento
se oferece a morrer na cruz,
para a todos nos dar luz
com seu grande sofrimento.
Oh glorioso vencimento!
Oh que ditosa esta guerra!

10 9
Ya no durmdis, no durmdis,
pues Dios falta de la tierra.
jNo haya ningún cobarde!
jAventuremos la vida!
Pues no hay quien mejor la guarde
que el que la da por perdida.
Pues Jesús es nuestro guía,
y el premio de aquesta guerra.
Ya no durmdis, no durmdis,
porque no hay paz en la tierra.
Ofrezcámonos de veras
a morir por Cristo todas,
y en las celestiales bodas
estaremos placenteras.
Sigamos esta bandera,
pues Cristo va en delantera.
No hay qué temer, no durmdis,
pues que no hay paz en la tierra.

IIO
Não durmais jd, não durmais,
porque Deus falta na terra.
Não haja ninguém cobarde!
Aventuremos a vida!
Não há quem melhor a guarde
que quem a deu por perdida.
Pois é Jesus nosso guia,
sendo o prémio desta guerra.
Não durmais jd, não durmais,
porque não hd paz na terra.
Ofereçamo-nos inteiras,
a morrer por Cristo todas,
para nas celestiais bodas
nós estarmos prazenteiras.
Sigamos esta bandeira,
pois Cristo vai na dianteira.
Nada a temer, não durmais,
pois que não hd paz na terra.

III
2!.
EN LA PRO FESIÓN DE ISABEL
DE LO S ÁNGELES

Sea mi gozo en el llanto,


sobresalto mi reposo,
mi sosiego doloroso,
y mi bonanza el quebranto.
Entre borrascas mi amor,
y mi regalo en la herida,
esté en la muerte mi vida,
y en desprecio mi favor.
Mis tesoros en pobreza,
y mi triunfo en pelear,
mi descanso en trabajar,
y mi contento en tristeza.
En la escuridad mi luz,
mi grandeza en puesto bajo,
de mi camino el atajo,
y mi gloria sea la cruz.
Mi honra sea el abatimiento,
y mi palma padecer,
en las menguas mi crecer,
y en menoscabos mi aumento.

112
2!.
NA PRO FISSÃO DE ISABEL
DE LO S ÁNGELES

Seja meu gozo no pranto,


sobressalto o meu repouso,
meu sossego doloroso,
minha bonança o quebranto.
Nas tormentas meu amor,
meu deleite na ferida,
só na morte minha vida,
no desprezo o meu favor.
Meus tesouros na pobreza,
meu triunfo em pelejar,
meu descanso em trabalhar,
minha alegria em tristeza.
Na escuridão, minha luz,
grandeza em que nada valho,
do meu caminho o atalho,
minha glória seja a cruz.
Minha honra, a inquietação,
minha palma padecer,
nas privações meu crescer,
no desdém, a exaltação.

II 3
En el hambre mi hartura,
mi esperanza en el temor,
mis regalos en pavor,
mis gustos en amargura.
En olvido mi memoria,
mi alteza en humillación,
en bajeza mi opinión,
en afrenta mi victoria.
Mi lauro esté en el desprecio,
en las penas mi afición,
mi dignidad sea el rincón,
y la soledad mi aprecio
En Cristo mi confianza
y de El solo mi asimiento,
en sus cansancios mi aliemo,
en su imitación mi holganza.
Aquí estriba mi firmeza,
aquí mi seguridad,
la prueba de mi verdad,
la muestra de mi fineza.

Il 4
Na fome, minha fartura,
minha esp' ança no temor,
meus deleites no pavor,
o meu gozo na amargura.
No esquecimento a memória,
a fama na humilhação,
na vileza a opinião,
na afronta minha vitória.
Meus louros sejam desprezo,
seja a dor minha afeição,
meu título o meu rincão,
a solidão meu apreço.
Só em Cristo a confiança,
nele o enraizamento,
em seu cansaço meu alento,
em imitá-lo folgança.
Estribo aqui a firmeza,
a minha seguridade,
prova da minha verdade,
mostra da minha fineza.

II 5
22.
PUES N O S DAI S VESTIDO NUEVO

Pues nos dais vestido nuevo,


Rey celestial,
librad de la mala gente
este sayal.

LA S A N TA

Hijas, pues tomáis la cruz,


tened valor;
y a Jesús, que es vuestra luz,
pedid favor;
El os será defensor
en trance tal.

TODAS

Librad de la mala gente


este sayal.

LA S A N TA

Inquieta este ganado mal


en oración,

u6
22.
JÁ QUE NO S DAIS VESTE NOVA

]d que nos dais veste nova,


Rei celestial,
livrai da gente malvada
este saia!.

A SANTA

Filhas, pois trazeis a cruz,


tende valor;
e a Jesus, que é vossa luz,
pedi favor;
Ele é vosso defensor
em transe tal.

T O DAS

Livrai da gente malvada


este saia!.

A S A N TA

Incomoda este mau gado


na oração,

II 7
y al ânimo mal fundado
en dévoción.
Mas Dias en el corazón
tened igual.

TODAS

Librad de la mala gente


este sayal.

LA S A N TA

Pues vinistes a morir,


no desmayéis;
y de gente tan cevil
no temeréis.
Remedia en Dias hallaréis
en tanto mal.

TODAS

Pues nos dais vestido nuevo,


Rey celestial,
librad de la mala gente
este sayal.

n&
e o ânimo mal fundado
na devoção.
Guardai Deus no coração
de modo igual.

TO D A S

Livrai da gente malvada


este saia!.

A S A N TA

Já que viestes pra morrer,


não descorçoeis,
e de gente tão ruim
não temereis.
Remédio em Deus achareis
em tanto mal.

T O DAS

jd que nos dais veste nova,


Rei celestial,
livrai da gente malvada
este saia!.

11 9
NOTAS
Estas notas socorrem-se dos livros seguintes, mencionados
na Bibliografia, nelas indicados pelas seguintes abreviaturas:

AC- Ángel Custodio Vega, La poesía de Santa Teresa;


EO- Santa Teresa, Obras completas, edição de Efrén
de la Madre de Dios e Otger Steggink;
OD - Emilio Orozco Díaz, Expresión, comunicación y
estilo en la obra de Santa Teresa.
VG- Victor García de la Concha, El arte literario de
Santa Teresa.

A proveniência de cada citação indica-se pela abrevia­


tura do livro respectivo seguida da página ou páginas.

I. VIVO SEM VIVER EM MIM


S. João da Cruz glosou o tema

Vivo sin vivir en mí


y de tal manera espero,
que muero porque no muero.

Nos seus Estudios literarios sobre mística espaiiola Hel­


mut Hatzfeld dedica o capítulo IV ao estudo de Dos tipos de
poesía mística ejemplificados en Santa Teresa y San Juan de la

123
Cruz, analisando e confrontando o poema de Santa Teresa e
o de São João da Cruz sobre o mesmo tema.
Este poema de Santa Teresa foi escrito na terça-feira de
Páscoa de 15 7 1 , após o seu êxtase depois de ter ouvido a can­
ção Véante mis ojos pela freira Isabel de Jesús, mais tarde
priora do convento de Palência (V. Helmut Hatzfeld, Obra
citada, p. 17 1). A esse transe se refere Santa Teresa nas Mora­
das de! casti!lo interior (Livro VI, capítulo 1 1) .
Victor García de la Concha inclui este poema entre os
que nasceram ligados ao transe místico (VG, 321).

2.SoBRE AQUELAS PALAVRAS << DILECTUS MEUS MIHI>>


Victor García de la Concha considera que este poema,
provavelmente, nasceu ligado ao transe místico (VG, 325).
Este poema é inspirado num versículo do Cântico dos
Cânticos: Meu amado é meu e eu sou dele, do pastor das açuce­
nas (2, 16). Santa Teresa escreveu umas Meditaciones sobre los
cantares, que são considerações sobre diversas frases do Cân­
tico dos Cânticos.
Ángel Custodio Vega (AC, 75) e Victor García de la
Concha (VG, 325) opinam que este poema está relacionado
com a vivência da transverberação, experimentada por Santa
Teresa pela primeira vez em 1560.

3· fORMOSURA QUE EXCEDEIS


Na carta que escreveu a seu irmão Lorenzo, Santa Te­
resa transcreve este poema. Porque nessa carta a Santa diz
que escreveu esse poema estando con harta oración y parecía
que descansava mds, Victor García de la Concha deduz que
este poema nasceu ligado ao transe místico (VG, 320).

124
6. NADA TE INQUIETE
Este poema, segundo Ángel Custodio Vega (AC, 108) ,
guatdava-o Santa Teresa no seu breviário; Efrén de la Madre
de Dios e Otger Steggink afirmam que este poema se achou
no seu breviário quando ela morreu (EO, 667) . Há uma glosa
deste poema que não é aceite como sendo de Santa Teresa
(AC, 107 e EO, 667) .

9·AIS DO DESTERRO
Victor García de la Concha põe em dúvida a autentici­
dade deste poema pois não consta de nenhum códice primitivo,
embora se conserve uma especialíssima cópia realizada com letras
da santa coladas, à maneira de embutido, num papel. Por certo
que tal documento constitui base insuficiente para assentar uma
afirmação sólida (VG, 323 e 324) . Ángel Custodio Vega e
Efrén de la Madre de Dios e Otger Steggink, na sua edição
das Obras completas consideram-no de Santa Teresa (AC,
125 e EO, 656) .

10. pASTORES QUE VELAIS


À leitura Sonzas! de Ángel Custodio Vega no verso 13
prefiro Soncas!, da edição das Obras competas de Efrén de la
Madre de Dios e Otger Steggink. Sobre os vilancicos escritos
por Santa Teresa colhemos este texto de Emilio Orozco Díaz:
Embora respondam a uma celebração religiosa muito especial­
mente apreciada no Carmelo, não é estranho que os vilancicos de
Natal atribuídos a Santa Teresa estejam mais de acordo que os
anteriores com o que era geral e comum nestes cantos na vida de
devoção e regozijo do povo nesta festa e a cujas «toadas» sem dú­
vida se acomodam. D. Vicente de la Fuente sentia «suspeitas>> de
que nãofossem legítimos da Santa estes vilancicos. Esquecia-se do
que representavam para a vida conventual carmelitana. Afir-

12 5
mava que «essas copias de Gil e Pascoal são tão desleixadas, os
conceitos tão vulgares, as palavras tão toscas que propriamente
não são mais que "copias de papel de cego ': que em nada se pa­
recem com as outras composições de Santa Teresa». Não somente
é excessiva esta opinião, mas, além disso, esquece-se do cardcter de
canto popular que logicamente tinha de coincidir - e algumas
vezes só repetir - com o que se cantava entre o povo. [. . .] Assim
hd que admitir dentro da lírica tradicional carmelita esses vi­
lancicos como obra da Santa e de algumas das suasfreiras. Em­
bora apareça isoladamente neles algum toque da espiritualidade
conventual, contudo os traços dominantes nas suas toscas expres­
sõespastoris, com os vulgares nomes tópicos dospastores, Gil, L/o­
rente, Brds e Menga, alusão ao Zaga! e à Zaga/a, e emprego das
formas dialogadas, é natural que resultem composições muito se­
melhantes com o que é caracteristica geral dos vilancicos da noite
de Natal nessas datas e em anos posteriores. O facto não é estra­
nho, jd que se trata da comemoração central do ano litúrgico
cristão celebrada em todos os sectores sociais. O cardcter de canto,
como é lógico, estd sempre muito marcado e com a variedade que
supõem as formas dialogadas; mas nestes casos as religiosas não
faziam mais que repetir o sabido e ouvido no mundo antes de te­
rem ingressado no Carmelo (OD, 157 e 158).

18. À TOMADA DE HÁBITO DA IRMÃ ISABEL DE LOS ÁNGELES


Este poema foi escrito para a tomada de hábito da irmã
Isabel de los Angeles, que se realizou em Madrid em Setembro
de 1 569. Sobre este poema transcrevemos o seguinte comentá­
rio de Emilio Orozco Díaz: Estd concebido para ser posto na
boca da Priora que, nas estrofes, em graciosojogo conceptual de pa­
lavras - com «velo» e «velar» -glosa nas suas recomendaçõespa­
rdbolas evangélicas especialmente a das virgens insensatas e
prudentes. O vilancico inicia-se com uma chamada à religiosa

126
que ia professar, «Hermana, por que veleis, I Os han dado hoy este
velo, I Y no os va menos que e! cielo, I Por eso no os descuideis. » O
coro de freiras repetiria no final das estrofes este verso que contém
implícito a essencial advertência de «velad» dirigida à irmã que
professava. (OD, 1 55 ) . Na tradução portuguesa perde-se o jogo
nas palavras velo (véu) e velar (vigiar) . Os versos 9 a 1 5 aludem
a palavras bíblicas, que podem ser do Evangelho de São Lucas,
1 2, 39-40 Oesus disse: [ . . . ] Se o dono da casa soubesse a que ho­
ras vinha o ladrão, não deixaria arrombar a porta. Portanto, este­
jam também preparados porque o Filho do Homem vird quando
menos o esperam.) ou da Primeira Epístola de São Paulo aos
Tessalonicenses, 5, 2 ( Vocês sabem muito bem que o dia do Se­
nhor hd-de vir como um ladrão, pela calada da noite.) Os versos
26 a 38 aludem à parábola das dez virgens, que consta do capí­
tulo 25 do Evangelho de São Mateus, versículos 1 a 1 3 : Então
o Reino dos Céus serd semelhante a dez virgens que, tomando as
suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo. Cinco eram insensa­
tas e cinco eram prudentes. As insensatas, ao pegarem nas lâmpa­
das, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes levaram
vasos de azeite com as suas lâmpadas. Atrasando-se o noivo todas
elas começaram a dormitar e adormeceram. À meia-noite ouviu­
-se um brado: <<Aí vem o esposo, ide ao seu encontro!» Despertaram
então todas aquelas virgens e aprontaram as lâmpadas. As insen­
satas disseram às sensatas: «Dai-nos do vosso azeite, porque as nos­
sas lâmpadas estão a apagar-se». Mas as sensatas responderam:
«Não, talvez não chegue para nós e para vós; ide antes aos que o
vendem e comprai-o para vós mesmas>>. Mas, enquanto foram
comprd-lo, chegou o esposo e as que estavam prontas entraram com
ele para o aposento das núpcias e fechou-se a porta. Mais tarde,
chegaram as outras virgens e disseram: «Senhor, abre-nos a porta>>.
Mas ele respondeu: «Em verdade vos digo: Não vos conheço.
Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora>>.

12 7
O verso 22 alude aos versículos 35 a 38 do capítulo 1 2
do Evangelho de São Lucas: Tende os rins cingidos e as lâmpa­
das acesas. Sede semelhantes a homens que esperam o seu Senhor
voltar das núpcias, a fim de Lhe abrirem, Logo que ele vier a ba­
ter. Felizes os servos que o senhor, à sua chegada, encontrar vigi­
Lantes. Em verdade vos digo, ele se cingird e os colocard à mesa,
passando de um para o outro, os servird.

20. NÃo DURMAIS JÁ, NÃO DURMAIS


Ángel Custodio Vega escreve a propósito deste poema:
O Padre Silvério intitula este poema «Para uma profissão», que
não parece adequado. Sem dúvida é uma composição para um
tempo de perseguição, como foi a destes anos do núncio Felipe
Sega e do Padre Jerónimo Tostado. É, sem dúvida, uma exorta­
ção vibrante a todos os que militam sob o estandarte do Carmelo
para seguirem Cristo crucificado (A C, 267).
Emílio Orozco Días escreveu sobre este poema: Embora
neste estribilho e na segunda estrofe apareça aforma masculina <<to­
dos>> -possivelmente como chamada combativa aos cristãos cató­
Licos frente à heresia - estd concebida para ser cantada pela
comunidade carmelita no acto de uma profissão. É esta comuni­
dade que é chamada e estimuladapela solista - que seria a Madre
Teresa - e cantajuntando-se ao coro dasfreiras nos versosfinais do
estribilho. Observemos com relação àforma masculina «todos>> que
é substituível pela correspondente feminina, e que esta - «todas>>
- que aparece na estrofe final rimando com «bodas>>, é pelo con­
trdrio impossível de substituí-La pela masculina (OD, 1 54) .

21.NA PROFissÃo DE IsABEL DE Los ÁNGELES


Este poema foi escrito para a profissão de Isabel de los
Angeles (a quem se refere também o poema 1 8) , que se reali­
zou em Salamanca em 1 57 1 (EO, 665) .

128
Sobre este poema escreveu Emilio Orozco Díaz: Outra
das composições deste género, ao que parece, composta pela Santa
<<para a profissão de Isabel de Los Angeles - Seja meu gozo no
pranto>> - está concebida indubitavelmente para ser recitada ou
cantada pela própria religiosa no acto de professar. Assim o con­
teúdo desta série de redondilhas éprecisamente a declaração e pro­
fissão de fé e entrega na clausura conventual a um ideal de
perfeição religiosa que se cifra e desenvolve numa repetida série de
terminantes expressões paradoxais ou antitéticas, nas quais se re­
vela a recordação de algum romance cavalheiresco e da Lírica amo­
rosa dos cancioneiros; tudo isso muito dentro do jogo de antíteses,
apreciado - como algo inevitável - pela Santa na expressão do
seu contraposto sentimento místico de gozar e sofrer simultanea­
mente. já na primeira estrofe se declara em quatro expressões essa
postura tão teresiana de entrega ao sofrimento como gozo: «Seja
meu gozo no pranto, I sobressalto o meu repouso, I meu sossego do­
Loroso, I minha bonança o quebranto» (OD, 156 e 157).

22. jÁ QUE NOS DAIS VESTE NOVA


Este poema deve ser acompanhado de um esclarecimento
sobre a circunstância em que foi escrito, o que confirma
quanto Santa Teresa usava os seus versos para acompanhar a
vida quotidiana dos conventos nos seus diversos aspectos.
Sobre isto escreveu Emilio Orozco Díaz: Até que extremo che­
gam estasfinalidades práticas ocasionais do canto a unir regozijo
e devoção, demonstra-o o poema que compôs nos primeiros tem­
pos dos carmelitas descalços, no convento de S. José de Avi/a,
quando as religiosas trocaram os hábitos de estamenha pelos de
xerga e saia! para mais penitência. Conta-nos a religiosa Doro­
tea de la Cruz - na sua declaração no processo de Valhadolide
de 1 61 0 - que, ao ver «que se cobriram de piolhos de forma
que não ospodiam suportar ao incomodá-las durante a oração»,

12 9
organizaram uma procissão para pedir a Deus que as livrasse de
tal praga. Madre Teresa compôs umas copias que foram can­
tando todas, desde o dormitório até ao Coro, depois das matinas,
encabeçadas por um Santo Cristo - que por isso se chamou «dos
piolhos» -. Lidas as copias, vê-se claramente que a fondadora
ia à cabeça da procissão e actuava como solista e as religiosas re­
petiam em coro o estribilho. [ . ] Recordemos uma vez mais este
. .

caso porque demonstra bem até que extremos de fins práticos


prosaicos introduzia a Santa o canto na vida religiosa dos seus
conventos (00, 1 59 e 1 60) .
Um relato idêntico a este foi feito pela irmã Teresa, so­
brinha da Santa, na sua declaração para o processo de beatifi­
cação, como informa Ángel Custodio Vega (AC, 1 9 1 e 1 92) .

130
ÍN D I CE
Vivo sin vivir en mí . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Sobre aquellas palabras «dilectus meus mihi)) . . 32
jOh hermosura que excedéis! . . . . . . . . . . . . . . 36
Buscate en mí . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Vuestra soy, para vos nací . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Para pedir paciencia en las adversidades . . . . . . 50
Loa a la cruz redentora . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Coloquio de amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Ayes del destierro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Pastores que veláis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Al nacimiento del Redentor . . . . . . . . . . . . . . . 72
Ya viene el alba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Vertiendo está san gre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
En la Fiesta de los Reyes . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
A San Andrés apóstol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
A San Hilarión anacoreta . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
A Santa Catalina mártir . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
A la velación de la hermana Isabel de los Angeles 98

132
Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

S ETA D E F O G O

Vivo sem viver e m mim . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27


Sobre aquelas palavras «dilectus meus mihi» . . 33
Formosura que excedéis! . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Busca-te em mim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Sou vossa, para vós nasci . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Para pedir paciência nas adversidades . . . . . . . . 51
Loa à cruz redentora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Colóquio de amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Ais do desterro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Pastores que velais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Ao nascimento do Redentor . . . . . . . . . . . . . . 73
Já vem a alva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Está a verter san gue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Na Festa dos Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
A Santo André, apóstolo . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
A Santo Hilário, anacoreta . . . . . . . . . . . . . . . . 91
A Santa Catarina, mártir . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
À tomada de hábito da irmã Isabel de los Angeles 99

133
En una profesión reli giosa . . . . . . . . . . . . . . . . 1 04
Ya no durmáis, no durmáis . . . . . . . . . . . . . . . 1 08
En la profesión de Isabel de los Ángeles . . . . . . 1 12
Pues nos dais vestido nuevo . . . . . . . . . . . . . . . 1 16

1 34
Numa profissão reli giosa . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Não durmais já, não durmais . . . . . . . . . . . . . . 1 09
Na profissão de Isabel de los An geles . . . . . . . . 1 13
Já que nos dais veste nova . . . . . . . . . . . . . . . . 1 17

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

13 5
C O L E C Ç Ã O G A T O M A L T :f. S
O Teatro, Emma Santos
tradução de ManuelJoão Gomes
A Casa do Incesto, Anais Nin
tradução de Isabel Hub Faria
Hist6ria Universal da Infâmia, Jorge Luis Borges
tradução de José Bento
Primeiro Livro de Urizen (ed. bilingue), William Blake
versão de João Almeida Flor
Do Caos à Ordem (ed. bilingue), Ezra Pound
tradução e prefdcio de Lu!sa Campos e Daniel Pearlman
Mocidade, Joseph Conrad
tradução e introdução de Anlbal Fernandes
Cálamo (ed. bilingue), Walt Whitman
versão de José Agostinho Baptista
A Princesa, D . H . Lawrence
tradução de Anlbal Fernandes
A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock (ed. bilingue), T.S. Eliot
tradução e prefácio de João Almeida Flor
Lunar Caustic, Malcolm Lowry
tradução de Anlbal Fernandes
De Três em Pipa, L.F. Céline
tradução de Anibal Fernandes
A Fera na Selva, Henry James
tradução de Maria Teresa Guerreiro
«8 fcones>>, Arsenii Tarkovskii
versão de Paulo da Costa Domingos
Bartleby, Herman Melville
tradução de Gil de Caroalho
Os Hinos à Noite, Novalis
tradução de Fiama Hasse Pais Brandão
A Voz Humana, Jean Cocteau
tradução de Carlos de Oliveira
Seta de Fogo, Santa Teresa de Ávila
tradução prólogo e notas de José Bento
A Mão ao Assinar Este Papel, Dylan Thomas
tradução e prefocio de Fernando Guimarães
Pela Água, Sylvia Plath
tradução de Maria de Lurdes Guimarães
Ficção Suprema, Wallace Stevens
tradução e prefdcio de Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos
xix poemas, e.e. cummings
selecção tradução e notas de Jorge Fazenda Lourenço
O Tempo Aprazado, Ingeborg Bachmann
selecção, tradução e introdução de João Barrento
Aos Monos da União e Outros Poemas, Robert Lowell
selecção, tradução e introdução de Mdrio Ave/ar
Antologia Breve, William Carlos Williams
selecção e tradução deJosé Agostinho Baptista
O Livro das Igrejas Abandonadas, Tonino Guerra
introdução de Vicente Jorge Silva, tradução de José Colaço Barreiros
Elegias Amorosas, John Donne
tradução e introdução de Helena Barbas
Esta É a Minha Carta ao Mundo, Emily Dickinson
tradução de Cecília Rego Pinheiro
A Última Costa, Francisco Brines
tradução e introdução de José Bento
Poemas de Amor do Antigo Egipto
tradução de He/der Moura Pereira, prefdcio de Paulo da Costa Domingos
Morismos, Teixeira de Pascoaes
selecção e organização de Mdrio Cesariny
Greguerías, Ramón Gómez de la Serna
selecção e tradução de Jorge Silva Melo
A Teoria e o Cão I Os Caminhos Que Tomamos, O . Henry
tradução de Fernando Pessoa
O Nariz, Nikolai Gógol
tradução do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra
Hamlet - Tragédia Cómica, Luis Bufiuel
tradução de Mdrio Cesariny
Chuva na Primavera e Outros Poemas, Li Shang-yin
selecção e tradução de José Alberto Oliveira
O Capote, Nikolai Gógol
tradução do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra
Poemas, Victor Hugo
selecção e tradução de Manuela Parreira da Silva
O Fogueiro, Franz Kafka
tradução de Alvaro Gonçalves
História do Soldado, C.-F. Ramuz
versão de Mário Cesariny
A Guerra Santa, René Daumal
tramcriação de Ant6nio Barahona
O Dom das Lágrimas (orações da antiga liturgia cristã),
introdução e tradução de Joaquim Félix de Carvalho e José Tolentino Mendonça
Vanina Vanini, Stendhal
tradução e introdução de Ant6nio Mega Ferreira
Avenida Névski, Nikolai Gógol
tradução do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra
Diário de Um Louco, Nikolai Gógol
tradução do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra
Primeira Neve (Haikus), lssa Kobayashi
versões de Jorge Sousa Braga
O Menino ao Colo. Momentos, Falas, Lugares do Sublime Santo António,
Armando Silva Carvalho
O Jogo das Nuvens, Johann Wolfgang Goethe
selecção, tradução, prefocio e notas de João Barrento
Poemas Anónimos - Turcos, Mongóis, Chineses e Incertos
organização e tradução de Gil de Carvalho
A Flagelação das Bolsinhas de Camurça seguido de Um Outro Kratki­
Baschik, Heimito von Doderer, tradução deJosé A. Palma Caetano
O Retrato, Nikolai Gógol
tradução do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra
O Imenso Adeus - Poemas celtas do amor
tradução de José Domingos Morais
O Grito do Gamo - Poemas celtas da fé e do sagrado
tradução deJosé Domingos Morais
Parábolas e Fragmentos, Franz Kafka
selecção, tradução e prefocio deJoão Barrento
O Homem que Morreu, D.H. Lawrence
tradução e apresentação de Anfbal Fernandes
O Oficial Prussiano, D . H . Lawrence
tradução e apresentação de Aníbal Fernandes
O Poema do Manto, Ka'b ibn Zuhayr
transcriação e aijamia manuscrita por António Barahona
A Perfeita Harmonia - Poemas celtas da natureza
tradução deJosé Domingos Morais
O Fim do Mundo Filmado pelo Anjo N.-0., Blaise Cendrars
tradução, apresentação e notas de Aníbal Fernandes
Folhas de Viagem, Blaise Cendrars
selecção, tradução e notas de Liberto Cruz
Lorenzaccio seguido de O Prisioneiro de Sintra, Paul Morand
tradução e apresentação de Anibal Fernandes
E Cantou como Canta a Tempestade,
Anna Akhmátova e Marina Tsvétaieva
selecção de Inês de Medeiros, tradução de António Mega Ferreira
Frágua de Amor I Floresta de Enganos, Gil Vicente
tradução e notas de José Bento
O Livro Branco, Jean Cocteau
tradução e apresentação de Anfbal Fernandes
Os Cardos do Baragan, Pana"it lstrati
tradução e apresentação de Aniba! Fernandes
Tenzo Kyokun - Instruções para o cozinheiro zen, Eshei Dogen
tradução de Virgfnia Essenreiter
posfocio de Yves Shoshin Crettaz
O Bebedor Nocturno, versões de Herberto Hei der
O Tempo das Suaves Raparigas e O utros Poemas de Amor, Ruy Belo
Carra a O. Luís Sobre as Vantagens de Ser Assassinado I O Seu
Enterro, F ialho de Almeida
REVISÃO: ANTÓNIO LAM PREIA

TIRAGEM: 1 000 EXEMPLARES


DEPÓSITO LEGAL: 3 2 1 600/ 1 1

I MPRESSO NA GUIDE - ARTES GRÃFICAS , LDA


RUA HERÓIS D E CHAIMITE. 1 4
ODIVELAS

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