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Publicação mensal • conteúdo atemporal • Apostolado da Igreja de Cristo

o Fiel Ca ólico
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SÃO BENTO DE NÚRSIA | A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO


O VENERÁVEL FULTON SHEEN || ORAÇÕES DA MANHÃ
Quanto nos ama Deus? Considere, num exercício de imaginação, que você
EditoriAl

pudesse descer, por amor, da sua condição de ser humano para a condi-
ção de um verme ou algum outro ser realmente desprezível, como uma
barata. Terrível, não? Você seria capaz disso? Deixar de ser homem para
ser verme ou barata, mesmo que isso não lhe fosse absolutamente neces-
sário, apenas por puro amor?
Pois isso ainda não basta para fazer entender o milagre do Amor de
Deus; foi coisa ainda infinitamente maior que fez, por amor de nós, Nos-
so Senhor Jesus Cristo, Ele que, sendo Deus infinitamente poderoso, Ser
absoluto e autossuficiente, de Natureza infinita e vivendo na plenitude da
felicidade celeste, despiu-de de todo seu poder e glória e fez-se carne
mortal, e carne de seus traidores – nós, seres humanos decaídos – pelo
nosso bem, sem mérito nenhum de nossa parte.
A comparação é de Santo Afonso Maria de Ligório e faz refletir, de
modo especial, sobre a dimensão da nossa inacreditável ingratidão para
com esse Deus todo amoroso. Reflita sobre isso e procure retribuir a Deus
ao menos no amor pelo próximo e na oração, todos os dias.

Expediente
O Fiel Católico #30 – publicada originalmente em 8/2018. Esta revista é mantida pela Fraternidade Laical
São Próspero, grupo católico apostólico romano sediado na cidade de São Bento do Sul (SC), com a mis-
são primeira de anunciar o Evangelho e esclarecer a autêntica fé cristã a partir do estudo da Teologia, da
Filosofia, da História e da Sã Doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Parte da distribuição é gratuita.
Colabore com este trabalho e receba as novas edições de ‘O Fiel Católico’ em seu e-mail. Informe-se
em nossa página: www.ofielcatolico.com.br ou escreva para ofielcatolico@gmail.com, ou, ainda, pelo
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• Direção geral: Henrique Sebastião • Editoração, diagramação, arte e projeto gráfico: Henrique Sebastião • Articulistas:
Prof. Rudy Albino Assunção; Prof. Dr. Joel Gracioso; Prof. Dr. Ivanaldo Santos; Igor Andrade; Felipe Marques; Vitor E. Matias
Figueiró; Henrique Sebastião; • Revisão de texto e revisão geral: Silvana C. Sebastião e Silva. Capa desta edição: Retrato anô-
nimo de São Bento de Núrsia.
São Bento de Núrsia
O Santo Fundador do
Monasticismo Ocidental
Onze de julho é a data em que a Igreja celebra São Bento de Núrsia,
irmão gêmeo de Santa Escolástica e o fundador do monasticismo
ocidental. No ano 1964, o papa Paulo VI declarou-o patrono da Eu-
ropa; em 2005, o cardeal Ratzinger o escolheu como patrono do seu
papado, adotando o nome pontifício Bento XVI. São Bento – ou São
Benedito – é, ainda, padroeiro dos monges, dos exploradores de ca-
vernas, dos trabalhadores agrícolas, dos engenheiros civis, dos que
sofrem com doenças renais e cálculos biliares e dos agonizantes.

Brevíssima biografia
São Bento nasceu em Núrsia, Itália, uma aldeia montanhosa a nor-
deste de Roma, por volta do ano 480. Seus pais o enviaram a Roma
para ser educado, mas ele achou a vida na "Cidade Eterna" deca-
dente demais para o seu gosto. Assim, fugiu para um lugar a sudes-
te de Roma chamado Subiaco, onde viveu como eremita em uma
caverna, por três anos. Um monge chamado Romano, que também
morava em Subiaco, o alimentava durante esse período.
A solidão de Bento foi interrompida quando um grupo de mon-
ges o convenceu a ser seu abade. Seu regime austero, porém, rapi-
damente revelou-se além das capacidades daqueles monges mor-
nos, que então planejaram envenená-lo. Deram-lhe um jarro de
vinho envenenado para beber, mas, quando Bento o abençoou, este
se despedaçou. Depois disso, abandonou os monges indisciplinados
e terminou por fundar doze mosteiros na área ao sul de Roma.
Em outra ocasião, um pássaro preto esvoçava ao seu redor.
Bento teve então uma forte tentação carnal em seus pensamentos.
Quando estava quase vencido, ajudado pela Graça, tirou a roupa e
jogou-se em uma moita de espinhos e cardos, ferindo todo o corpo.
Depois disso, nunca mais voltou a se ver perturbado daquela forma.
Mais tarde, mudou-se para Monte Cassino, perto de Nápoles,
onde destruiu o templo pagão dedicado a Apolo e trouxe o povo da
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região de volta ao cristianismo. Por volta do ano 530, ele começou
a construir o mosteiro que seria o berço do monaquismo ocidental.
Seus seguidores espalhavam a sua reputação de santidade e sabedo-
ria, e os milagres que Deus produzia por meio dele se espalhavam.
Foi no Monte Casino que Bento compôs a Regra para “estabelecer
uma escola ao serviço do Senhor”, que prescrevia o senso comum,
uma vida de abnegação moderada, oração, estudo, trabalho e vida
comunitária sob um superior. Enfatizava a obediência, estabilida-
de, zelo; tinha o Ofício Divino como o centro da vida monástica.
São Bento não só serviu como superior aos monges, mas acon-
selhou governantes e papas, ministrou aos pobres e indigentes, ten-
tou reparar os estragos da invasão da Lombardia por Tótila. Faleceu
em Monte Cassino aos 21 de março de 543.

A Medalha de São Bento

A medalha de São Bento é um sacramental reconhecido pela


Igreja, isto quer dizer que se trata de um sinal sagrado por meio
do qual "são significados efeitos principalmente espirituais, obtidos
pela impetração da Igreja" (CIC §167).
Há séculos ela vem sendo usada, como objeto sagrado que é,
na luta espiritual contra as forças do mal. Sua origem é historica-
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mente incerta, mas sabe-se que é usada desde tempos antigos. No
século XVII, durante um julgamento de bruxaria na Alemanha,
feiticeiras testemunharam que não tinham poder sobre a Abadia
de Metten porque esta estava sob a proteção da Cruz. Quando
se investigou, foram encontradas nas paredes dos recintos cruzes
pintadas rodeadas pelas letras que agora se encontram nas meda-
lhas. Posteriormente, foi encontrado um pergaminho com a ima-
gem de São Bento e as palavras completas das mesmas letras.
A Medalha com a forma que se conhece hoje é a que foi emi-
tida no ano 1880 por ocasião do jubileu do 14º centenário do nas-
cimento do Santo, lançada exclusivamente pelo Abade Superior
de Monte Cassino.
Com ela se pode obter a indulgência plenária na festa de São
Bento, seguindo as condições habituais conforme manda a Igreja
(Confissão sacramental, Comunhão Eucarística e oração segundo
as intenções do Sumo Pontífice).
A medalha tem na sua face frontal a imagem de São Bento com
uma cruz na mão direita (ele se servia do Sinal da Cruz para fazer
milagres e vencer tentações) e o seu livro de Regras (para os seus re-
ligiosos) na outra mão. Ao lado da figura do Santo estão os dizeres:
“Crux Sancti Patris Benedicti” (cruz do Santo Pai Bento). Pode-se
ver a um lado um corvo com um pedaço de pão no bico, e ao ou-
tro um cálice do qual sai uma serpente, lembrando duas tentativas
de envenenamento das quais sobreviveu milagrosamente o Santo,
ileso. Em forma circular, abreviada, a oração: “Eius in óbitu nostro
preséntia muniamur” ('Na hora da nossa morte sejamos protegidos
pela sua presença'). Na parte inferior central se lê: “Ex. S. M. Casino
MDCCCLXXX” ('Do Santo Monte Cassino, 1880').
No verso está a cruz de São Bento, juntamente com uma série
de letras, dispostas na cruz e em círculos sobrepostos, as quais têm
os seguintes significados:
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C.S.P.B. - “Cruz do Santo Pai Bento”.
C.S.S.M.L. - “A cruz sagrada seja minha luz”.
N.D.S.M.D. - “Não seja o dragão meu guia”.
PAX - “Paz”.
V.R.S. - “Retira-te, satanás”
N.S.M.V. - “Nunca me aconselhes coisas vãs”.
S.M.Q.L. - “É mau o que me ofereces”
I.V.B. - “Bebe tu mesmo os teus venenos”.

A medalha deve ser abençoada por um sacerdote


com uma oração especial, conforme segue:
V. O nosso Auxílio está no nome do Senhor
R. Que fez o Céu e a Terra.
V. Exorcizo-te, Medalha, por Deus Pai + onipotente, que fez o Céu
e a Terra, o mar e tudo o que contêm.
Todas as forças malignas e todos os exércitos diabólicos, com todos
os seus poderes e persuasões sejam afugentados e extirpados por
meio da fé e do uso desta Medalha, a fim de que todos os que a usam
tenham saúde de corpo e de espírito: Em nome do Pai + e do Filho
+ e do Espírito Santo +. Amém.
V. Ouvi, Senhor, a minha oração.
R. E chegue a vós o meu clamor.
V. O Senhor esteja convosco,
R. E com o teu espírito.
Pai Nosso…
V. Oremos: Deus eterno e todo-poderoso, pela intercessão de Nosso
Pai São Bento, vos suplicamos: seja esta Sacra Medalha com suas
inscrições e caracteres abençoada por Vós +, a fim de que seus por-
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tadores, movidos pela fé, possam realizar boas obras, obter santida-
de de corpo e de alma, receber a graça da santificação e as indulgên-
cias concedidas, ter o vosso Auxílio para afugentar o maligno com
suas fraudes e ciladas e um dia comparecer à vossa Presença santos
e imaculados. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.
Que a vossa bênção, Deus Pai onipotente +, Filho e Espírito
Santo, desça sobre esta Medalha e sobre quem a utiliza, e permane-
ça para sempre.

Oração a São Bento por uma boa morte


V. Intercede por nós, ó, santo pai S. Bento!
R. E obtêm para nós a graça de uma morte feliz!
Ó, Santo Bento, sublime modelo de tantas virtudes, ânfora de
Graça de Deus, humildemente genuflexo aos vossos pés eu vos peço
que lanceis sobre mim o vosso olhar. Imploro ao vosso amoroso
coração que interceda por mim diante do Trono de Deus. A vós
recorro em todos os perigos que me cercam. Protegei-me dos meus
inimigos visíveis e invisíveis e inspirai-me para que eu vos imite.
Que a vossa benção permaneça sempre comigo de modo que eu
despreze tudo aquilo que Deus proíbe me afaste de todas as oca-
siões do pecado. / Por vossa bondade, obtende de Deus a graça de
viver e morrer como filho fiel de Deus, e ser sempre submisso à
Santa Vontade Divina e a obter a eterna felicidade no Céu. Amém!
Ó Deus, que com tantos e tão grandes privilégios honrastes a
preciosa morte do glorioso Patriarca São Bento, concedei, nós vo-
-lo suplicamos, a nós que honramos a sua memória, que à hora de
nossa morte sejamos livres das ciladas e embustes dos nossos ini-
migos, pela presença daquele cuja memória celebramos. Por Cristo
Nosso Senhor. Amém!
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ESTÓRIAS
FANTÁSTICAS
E A CONSTRUÇÃO
DO IMAGINÁRIO
Por Igor Andrade

H
á alguns dias estive acometido por uma gravíssima doença que
gera nos homens barbados a estranha sensação de que são mor-
tais e não deuses. Esta maligna enfermidade, que dizimou cente-
nas de nativos americanos durante séculos após a chegada dos
grandes europeus (e não me refiro aos franceses) me levou a uma profunda
reflexão sobre a vida humana.
“Será que o fumo agrava a gripe?”, pensava eu enquanto, gripado, sabo-
reava um cigarro de duvidosa procedência (paraguaya).
De tal modo estava imerso nesta questão existencial que somente despertei
ao ouvir pancadas na porta do meu quarto – meu afilhado solicitava permissão
para adentrar em meus aposentos. Ele entrou e junto dele entrou o bom-senso
dos questionamentos infantis sobre a vida. Pegamos a conversar.
Lá pelas tantas, o nobre piá tece diversas narrativas sobre bruxas e zumbis
– seres estes de que tomou conhecimento através de vídeos no youtube (maligna
ferramenta que muitos pais usam para terceirizar a educação dos filhos).
O meu demônio da guarda me dizia para “não fomentar aquelas fantasias
pagãs”, mas meu anjo recitou para mim uma frase de Chesterton, que diz mais
ou menos o seguinte: “qualquer menino consegue imaginar um dragão, mas é
necessário um conto de fadas para que ele descubra que há um São Jorge com
seu cavalo e sua espada”1.
Assim, pus minha imaginação para funcionar e contei uma história de dra-
gão e contei um feito de um dos heróis que ele mais admira: eu. Levei-o para ver
o couro de Boitatá que matei em certa ocasião com minha brilhosa espada de
cavaleiro. “Então cortei-lhe a cabeça e arranquei uma tira de couro como lem-
brança”. Seus olhos brilhavam como os olhos da besta mitológica.
Claro, na realidade, o que fiz foi matar uma cascavel – que me preparara
um bote fatal – com um facão e a ajuda de um compadre, mas isso é muito chato
para uma criança cujo imaginário está em construção.
Ninguém pode me acusar de ser um mentiroso. Quem conta estórias fan-
tásticas não mente necessariamente, apenas comunica os medos e anseios da
alma por meio de palavras. Mentirosos são os doutores e os estatísticos – e para
uma criança como para um bárbaro, as estórias não só fazem sentido como tam-
bém explicam a realidade de modo satisfatório.
Podem até argumentar que falar de seres fantásticos – sacis, dragões,
caiporas, curupiras, matintas, anões, gigantes, bruxas (estas existem, não só no
imaginário como na realidade), etc. – incute medo nas pessoas, sobretudo nas
crianças. Mas o Apóstolo do Senso Comum acertou novamente quando disse
que “o medo não vem dos contos de fadas: vem do universo da alma”2.
Com “estórias fantásticas” quero significar todas as narrativas criadas pela
fantasia humana: contos de fadas, mitos, lendas, romances, etc. Estas estórias têm
uma dupla importância: retratam a realidade de tal modo que a misturam com os
medos e anseios da alma humana; e, no mais das vezes, ensinam a viver a vida.
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Desde as estórias de um Pedro Malas Artes até as mais fantasiosas estórias
de como as estrelas foram parar no céu, sempre há uma (ou mais) lição. Com os
mitos busca-se, geralmente, explicar um fato e ensinar uma lição. Por exemplo,
há uma narrativa mítica de uma certa tribo de índios que diz mais ou menos o se-
guinte: haviam muitos curumins desobedientes que subiam até o céu pelos cipós
que, há muito, ligavam o céu e a terra. As mães, já irritadas com a desobediência
dos meninos, certa noite, lhes mandaram que descessem depressa; como ne-
nhum deles obedeceu, elas cortaram os cipós e nunca mais eles puderam voltar
à terra, ficando presos e estáticos no céu. Eles brilham à noite para servir de
exemplo aos outros curumins.
Nas fábulas há muitos ensinamentos também, porque o homem é cons-
tituído de uma parte animal – e fica mais fácil enxergar as realidades anímicas
personificadas em lobos, ovelhas, raposas, e assim por diante. É muito mais fácil
reconhecer a injustiça de um poderoso (político ou magnata) por meio da fábula
do lobo e do cordeiro. Diz mais ou menos o seguinte:
Havia um cordeiro que estava a saciar sua sede num riacho que corria das
montanhas e desaguava num rio maior.
O lobo estava disposto a argumentar como fosse para saciar sua fome
com o cordeiro. O lobo pôs-se na parte alta do riacho e disse:
- Cordeiro! Você está sujando minha água com sua baba.
O cordeiro respondeu:
- Como pode ser tal coisa se estou na parte mais baixa do riacho?
- Você tem razão nisso – respondeu o lobo. – Mas no ano passado eu o ouvi falar
mal de meu pai.
- Como pode ser tal coisa – retrucou o cordeiro – se tenho menos de um ano?
- Você tem razão nisso também – replicou o lobo. – Então deve ter sido teu irmão!
- Mas eu não tenho irmão – disse o cordeiro.
- Está certo. Você tem razão em tudo o que diz, mas vou te devorar mesmo assim.
– E então o lobo saltou e devorou o cordeiro.
Moral da estória: não importa os teus argumentos, se você está ou não
com a razão, o que importa, no fim das contas, é a força.
É assim que a humanidade enxerga a realidade – claro que todos sabe-
mos que lobos e cordeiros não falam, mas homens fortes usam essa força contra
os mais fracos.
11
É evidente que estas coisas são melhor assimiladas pela fantasia, uma vez
que a razão indica que deveria ser de outro modo. Não à toa Nosso Senhor en-
sinava por meio de parábolas e não de tratados filosóficos. Justamente por isso
as estórias fantásticas devem ser contadas às crianças.
Monteiro Lobato, num de seus artigos,
fala sobre a construção do imaginário po-
pular. A intenção não é a de incutir medo
nas pessoas simples, mas externar o medo
natural por meio de estórias – além disso, é
uma tentativa de explicar o inexplicável. Em
suas palavras: “A rotação da Terra produz
a noite, a noite produz o medo e o medo
gera o sobrenatural [...]. Quando o sol raia,
desdemoniza-se a natureza. Satã afunda no
Inferno, seguido da alcateia inteira de de-
mônios menores”3.
Outro importante aspecto das estórias
fantásticas é o ensinamento de certas virtudes. Um detalhe que Chesterton obser-
va é que “nos contos de fadas o mundo inteiro enlouquece, mas o herói não”4.
O contrário acontece com os romances e novelas modernas tão apreciadas por
aqueles que criticam os contos de fadas: neles, o mundo permanece intacto, mas
o herói é um completo louco.
Isto ocorre também com as estórias infantis dos tempos atuais: o herói é
louco, acredita em múltiplos gêneros e outras mentiras, mas o mundo no qual ele
está inserido é um perfeito retrato naturalista da realidade. Bons valores não são
passados, somente as loucuras da pós-modernidade.
Estórias fantásticas são muito mais saudáveis que a realidade falseada
pelo homem. A imagem de São Jorge segurando a cabeça do dragão retrata
com maior assertividade o heroísmo do homem comum que a Grande Mídia, que
quer transformar o homem comum em cordeiros a serem devorados pelos lobos,
digo, “vítimas da sociedade”.
Além disso, é mais plausível que, em algum momento da história, um bando
de curumins escalou o céu por cipós e lá foram largados por suas mães que acre-
ditar que o ser humano é um mero fruto da Divina Providência do Mero Acaso.

1. CHESTERTON, G. K. Tremendas Trivialidades. Ecclesiae. Campinas: 2012. p. 112.


2. Loc. Cit.
3. LOBATO, Monteiro. Idéias de Jeca Tatu. In. Obras Completas de Monteiro Lobato. Vol. 4.
Editora Brasiliense. São Paulo: 1956. p. 163.
12
4. CHESTERTON, G. K. Ibidem. p. 109.
PROGREDIR
NA VIDA ESPIRITUAL
Um guia para a vida de
santidade baseado na obra
de Frederick Willian Faber
D
D

epois de vigiar-nos durante algum tempo, perce-
beremos se conseguimos vencer, ou não, o nosso
defeito ou pecado dominante. É então que a pre-
sunção poderá se apoderar de nós. Convém refletir
honestamente sobre si próprio, constantemente.
Claro que qualquer superação do nosso defeito dominante
é um bom sinal e motivo de alegria (estamos preparando para a
próxima edição um estudo completo sobre o exercício fundamen-
tal do cristão para identificar e vencer o seu defeito/pecado do-
minante), mas poderá não ser uma prova real de progresso, pois é
possível que nossas tentações estejam apenas momentaneamente
mais fracas, por qualquer motivo.
O demônio pode, com sua sutileza e assombrosa inteligência,
prever que haveríamos de nos examinar sobre esse ponto; talvez
queira se aproveitar disso para nos incutir uma falsa confiança, e
assim tenha talvez retirado temporariamente suas tropas de nos-
sas vidas, deixando-nos desfrutar de uma paz temporária com o
intuito de retornar mais tarde à carga, até com força redobrada, e
nos pegar desprevenidos.
Ou, então, poderá ser que nossos defeitos estejam mudan-
do, devido a alguma alteração da vida exterior, seja pelo peso dos
anos, seja por qualquer outra causa; o certo é que os defeitos tam-
bém mudam, e que essas mudanças dão lugar a alguns dos mais
notáveis fenômenos da vida espiritual.
É possível, ainda, que a sensibilidade e a delicadeza de nossa
conciência estejam como que turvas devido a alguma pequena
infidelidade à graça e, por conseguinte, estejamos menos concien-
tes dos nossos próprios defeitos. Haverá quem não tenha experi-
mentado semelhante situação e que só depois, olhando para trás,
14
percebeu o engano?
Não há, portanto, nenhum fundamento para a presunção es-
piritual pelo fato de notarmos menor número de reincidências em
algum dos nossos pecados mais habituais. Tampouco deverá ser
causa de desânimo se tivermos ultimamente tropeçado e caído
com mais frequência. Da mesma maneira que no caso da presun-
ção, porém em sentido contrário, pode ser que –, por diversas ra-
zões –, tenhamos agora mais conciência das quedas do que antes,
e isto é que nos dê a sensação de tudo estar pior; ou então, Deus
poderá estar permitindo essas quedas afim de nos manter humil-
des, talvez até ocultando nossos progressos em outras frentes.
Pode ser também que nosso grande inimigo invista forte-
mente contra nós nesse ponto em particular; talvez estejamos de
fato sofrendo um assédio espiritual de grande itensidade, e não
somente atravessando terras árduas, como é normal na caminha-
da de todo cristão. Não temos, pois, bastante conhecimento de
nós mesmos para desanimarmos com estes sinais.
Devemos continuar a nos observar atentamente por muito
tempo antes de poder, com segurança, medir os nossos progres-
sos. Somos sujeitos, como vimos nas edições anteriores, à pre-
sunção ou ao desânimo, conforme tivermos ou não a devoção
sensível nos nossos sinceros exercícios espirituais.
A presunção deve lembrar-se, portanto, que o suave senti-
mento de estar fazendo tudo certo pode resultar de causas físicas,
como a boa saúde, o bom tempo ou um temperamento natural-
mente feliz: meia hora de oração sob o céu azul e o ar inebriante
de uma bela praia, ou diante da paisagem luxuriante de uma re-
gião serrana, é um trabalho mais fácil do que meia hora de oração
entre os gases tóxicos do trânsito engarrafado em plena Avenida
Paulista num final de tarde de sexta-feira...
Embora a devoção seja uma operação da Graça, se desorde-
nada, até ela pode ser prova de enfermidade ou infância espiritual.
15
A verdadeira devoção piedosa é como que o "imã" com que
Deus, em sua santa condescendência, nos atrai, quando ainda não
temos uma virtude bastante sólida para distingui-lo dos seus dons
ou para servi-lo por sua causa, por amor de Quem Ele é, e não
por medo da morte e do Inferno ou para ganhar alguma graça.
Sim, um imã que devemos procurar e reter sempre conos-
co, com ardor, porque produzirá frutos verdadeiramente sólidos,
contanto que seja dom de Deus e não mero resultado de nossas
ilusões ou soberba. Se é dom, não é virtude; Deus a dá a quem
quer, quando quer e na medida do seu Desejo insondável. De
mais a mais, ao contrário do que pode parecer, a própria privação
é às vezes um grande favor divino que poderá nos ajudar mais do
que todas as bençãos, com o fim de elevar nossa alma a um estado
mais alto e aumentar-lhe o amor e os méritos. Mesmo um castigo,
vindo de Deus, pode ser um grande favor, pois Deus tira de todo
mal um bem maior, conforme ensinou Sto. Agostinho. Não é sen-
sato, portanto, desanimar pela ausência da devoção sensível.
Muitas pessoas entregam-se à tristeza porque estão certas de
que determinado sintoma de sua vida espiritual é um castigo divi-
no, que Deus lhes retirou a sua Face, que já não espera delas mais
nada e que seu destino está traçado. Ah! quando uma pessoa devo-
ta fica de mau humor, torna-se o mais desarrazoado dentre todos.
Não há nada de desanimador em ser punido por Deus: ao
contrário, quando Ele pune é sinal de que não nos esqueceu! Se
nos esquecesse, então, isso sim seria terrível. Além de que o seu
castigo é castigo de Pai; a dureza da repreensão e a dor da severi-
dade divina são, na verdade, apenas sinais da afeição que nos tem.
Se amamos mesmo a Deus sobre todas as coisas (artigo específico
na próxima edição), saberemos ser verdadeiramente gratos pelo
fato de o Pai Celeste querer nos corrigir.
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Nunca desejemos que Deus nos poupe dos seus castigos. Se-
ria esse um desejo que Ele poderia facilmente satisfazer, mas pelo
qual haveríamos de pagar muito caro, no fim. Deus interessa-se
por nós e, quando nos castiga, suas intenções são cheias de mise-
ricórdia e divino Amor. Sua Mão é temível, mas contém sempre
graças especiais que nos dará quando nossa natureza estiver pron-
ta e suficientemente mortificada.
Entre as desnecessárias preocupações, figura a de reparar se
a oração mental e a meditação (estudo especial sobre meditação
na próxima edição) se vão tornando mais fáceis. A meditação em
si é, normalmente, tão cheia de dificuldades que o menor sinal de
que a pratiquemos com um pouco mais de facilidade nos desperta
logo sentimentos de presunção. Devemos, porém, lembrar-nos
de que o hábito da oração não é a mesma coisa que a graça da
oração; a meditação é um método de oração em que o raciocínio
desempenha papel tão importante que é muito fácil formar-se-lhe
um hábito, sem que ela nos penetre ou nos afete a vida interior.
Exemplos disso apresentam-se continuamente diante de nós.
Há pessoas que nunca abandonam a meditação diária[1], sem por
isso parecerem melhores, levarem uma vida mais digna ou modes-
ta, vencerem sua paixão dominante, governarem suas línguas ou
se tornarem-se mais santas em qualquer aspecto.
Não nego que o hábito da oração seja coisa excelente, mas
este ainda não é o dom da oração, e somos tentados a exagerar-
-lhe a importância, confundindo-o com o dom divino. Pode tam-
bém acontecer que, em certas ocasiões, os assuntos de meditação
sejam mais fáceis, por serem mais conformes ao nosso gênio, ou
se inspirarem no ciclo litúrgico.
1. A récita do Rosário tem por objetivo a meditação dos Místérios da Vida, Paixão e
Morte de Nosso Senhor; entretanto, o hábito muito salutar de se fazer meditação dia-
riamente era bem mais comum do que hoje na época em que esta obra foi escrita.
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Para uns será o Natal, para outros a Quaresma ou Corpus
Christi. Alguns têm mais facilidade em meditar sobre a Paixão do
que sobre a santa Infância; outros encontram descanso e devoção
nas narrativas do Evangelho e nas Parábolas do Mestre, mas per-
manecem vacilantes diante da perspectiva de meditar diariamente
os Mistérios de Nosso Senhor como se faz tradicionalmente pelo
uso do santo Rosário. Outros sentem-se mais dispostos quando
a saúde está melhor, o sono mais restaurador, as circunstâncias
exteriores mais felizes e as emoções andam serenadas, mas têm
dificuldades quando há muitos problemas para resolver. Outros,
ainda, esquecem-se de rezar quando tudo vai bem e só procuram a
Deus quando sofrem. De todo modo, tudo deveria servir para nos
lembrar e precaver contra o perigo da presunção, que pode surgir
durante aqueles tempos quando a meditação corre mais suave.
Do mesmo modo, não há razão para desanimarmos quando
a meditação, ao contrário, em vez de se tornar mais fácil, parecer
tornar-se impossível. A facilidade na oração mental exige longo
trabalho, e resulta mais da mortificação do que do hábito; e o pro-
gresso na mortificação, conquanto deva ser constante e generoso,
deve também ser gradual e cauteloso, para não cairmos nos peri-
gosos excessos. Lembremo-nos que, em vista de nossa desgraça-
da fraqueza, muitas vezes é preferível fazer menos do que mais.
Além de tudo, como mostraremos a seguir, as meditações
áridas são muitas vezes as mais proveitosas, e é justamente a ari-
dez que cria a dificuldade. No mais, porque encarar tudo pelo
pior lado? Não há pecado algum em sentir dificuldade na oração.
Que não admita o cristão o direito de ficar desanimado em rela-
ção aos seus pecados, e tenha ainda maior certeza de que aquilo
que não chega a ser pecado nunca, jamais deverá desanimá-lo.

18 Adaptado da obra do Pe. Frederick Willian Faber,


'Pogresso na vida espiritual', 1ª edição (Vozes, 1939).
ORAÇÕES DA MANHÃ
Se você é mais um daqueles que, além do tempo escasso, possui uma na-
tureza ansiosa e enfrenta grandes dificuldades na prática da oração diária,
lembre-se das palavras de Sto. Afonso Maria de Ligório: 'Quem reza se
salva; quem não reza é condenado. Salvar-se sem rezar é dificilíssimo ou
impossível. Mas, rezando, a salvação é certa e facilíssima'. Rezar é semel-
hante a começar uma atividade física: 'Just do it!', como dizia o slogan de
uma famosa marca de artigos esportivos: 'Apenas faça!' Listamos abaixo
duas brevíssimas preces (escolher uma das duas primeiras) que não to-
mam mais do que 5 minutos e que todo católico deveria fazer, infalivel-
mente, todas as manhãs antes de iniciar o dia. Uma boa dica é escrevê-las
em um pequeno pedaço de papel e colá-lo em algum lugar visível pelo
qual necessariamente se vai passar todas as manhãs.

Oferecimento do Dia
Eu vos adoro, meu Deus, e vos amo de todo meu coração. Dou-Vos graças
por me terdes criado, feito cristão e conservado nesta noite. Ofereço-Vos
as ações deste dia; fazei que sejam todas segundo a vossa santa Vontade,
para maior glória vossa. Preservai-me do pecado e de todo o mal. A Vossa
Graça seja sempre comigo e com todos os que me são caros. Amém.
ou

Brevíssimo Oferecimento do Dia


Todos os meus pensamentos, todas as minhas palavras e obras deste dia,
e a minha vida inteira, Senhor Jesus Cristo, descontados os meus peca-
dos, eu vos ofereço por amor. Amém.
com

Oração para ganhar as indulgências do dia


Tenho intenção e desejo de ganhar hoje todas as indulgências de que pos-
sa ser capaz, e as ofereço em satisfação dos meus pecados e em sufrágio
pelas almas do Purgatório, especialmente as mais abandonadas. Amém.
19
Introdução Geral
à Teologia

SEXTA PARTE DO CURSO DE INICIAÇÃO À TEOLOGIA


COM BASE NA OBRA DO SACERDOTE E MESTRE, FILÓSOFO,
TEÓLOGO E AUTOR, PE .MAURÍLIO TEIXEIRA LEITE PENIDO.
Intervenção da vontade na Fé

É
bem de notar que o influxo do livre arbítrio não é peculiar somente
à fé religiosa; verifica-se também em relação a todas as verdades
que repercutem sobre nossa vida moral. Já Leibniz observou que, se
as matemáticas tivessem consequências éticas, o homem logo ten-
taria pô-las em dúvida. Não tão paradoxal é, como parece, o dito de Pascal:
"Ao que não ama a Deus é impossível ser convencido da verdade da Igreja".

Queria ele significar que, para aceitar o mistério da Igreja, devemos


antes retificar nossa vontade em relação ao fim supremo, porque, se esse
fim nós o colocamos fora de Deus, será forçoso que tais disposições influ-
am sobre a inteligência, levantando uma nuvem de sofismas que impedirão
de perceber a credibilidade da Igreja. Uma obra sobremaneira árdua é nos
entregarmos a uma verdade tão exigente como a verdade evangélica; muito
mais fácil sufocar a inspiração da Graça. Muitos, em tais questões, facilmen-
te procuram persuadir-se de que seja falso ou pelo menos duvidoso aquilo
que não desejam que seja verdadeiro”[1].

Ao contrário, uma vontade reta e acolhedora colocará a inteligência na


melhor posição possível para descobrir a verdade moral; pois amar esta ver-
dade é o melhor adjuvante para encontrá-la. Assim, a intervenção da vontade
na fé religiosa não tem por finalidade suprir a suposta deficiência das razões
de crer, mas de fazer com que o intelecto lhes perceba melhor a validez.

A necessidade da preparação moral à fé ressalta, com grande relevo,


na história das conversões. Vem à mente, entre vários outros, o exemplo de
Charles de Focauld. Após uma adolescência e primeira mocidade ímpias,
escandalosas até, esse ex-oficial de cavalaria e explorador do Marrocos, que
apesar de seus desvarios conservava nobre sua alma , começou a sentir certa
inquietação, certo desejo de virtude. O exemplo de parentes seus que não
apenas professavam de boca, mas viviam o catolicismo, leva-o a suspeitar
que talvez na religião encontrasse a verdade. Implora, então, humilde: “Meu
Deus, se Vós existis, dai-me a conhecer!”.

Entende que, para chegar à fé, falta-lhe instrução religiosa; certa ma-
nhã, apresenta-se ao confessionário de um sacerdote de excepcional virtude,
o Abade Huvelin. Sem se ajoelhar, declara: “Senhor padre, não tenho fé; ve-
nho pedir-lhe que me instrua”. O padre o fitou e disse: “Ponha-se de joelhos,
confesse-se a Deus e encontrará a fé”. A isso, tentou retrucar o buscador de
Deus, hesitante: “Mas eu não vim para isso...”, no que foi cortado pelo padre:
“Confesse-se!”. Sentiu então Focauld que a acusação dos seus pecados era,
para ele, condição da Luz.

Ajoelhou-se confessou todos os pecados da sua vida. Recebeu, então,


tamanho dom de fé que, em breve, transformou-se num dos mais espanto-
sos heróis cristãos de todos os tempos.

O que impele a vontade humana a buscar a Deus é o fato de a fé ser


apresentada como um bom motivo para crer, por ela mesma, como um bem
desejável por si. Com efeito, o Deus que a Revelação manifesta não é apenas
objeto de pensamento, é também o fim concreto em função do qual toda a
minha vida deve se organizar. Nada menos! Tal fim beatificante deve apete-
cer à alma. Longe de ser algo frio e impessoal, como o saber científico, a fé é
atitude pessoalíssima de um espírito que livremente se abre à Verdade divi-
na, por confiar n’Aquele que dá testemunho de Si mesmo.

A razão justifica, sim, o ato de fé, mas a razão não é a força que nos
impele a produzir esse ato, não apenas pelo fato de a Revelação ser misterio-
sa como também porque esta nos apresenta doutrina de vida e não só uma
verdade teórica: “escrevemos a fim de que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho
de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu Nome” (Jo 20,3).

É claro que a mensagem evangélica visa, além do intelecto, a pessoa


toda, pois é esta que vive. Portanto, dependerá muito da atitude que cada
pessoa adotará diante dessa vida nova, divina, que se lhe oferece, a aceitação
ou a rejeição da Doutrina. A quem deseja a vida cristã, logo se lhe apresen-
tarão argumentos justificativos da crença; a quem não a deseja, não conven-
cerão os mais portentosos milagres, as mais sólidas razões. É a vida que leva
à Verdade religiosa.
22
Não quer isso significar – repetimo-lo uma derradeira vez – que du-
vidosos sejam os argumentos e discutíveis os milagres; duvidar, muito ao
contrário, é sempre imprudentíssimo, porém permanecerá possível. Sob a
pressão de disposições morais adversas, o espírito não considerará as razões
de crer, ou transformará simples dificuldades em insuperáveis contradições.

O discurso de S. Paulo no Aerópago provocou três reações tipicamente


diversas: alguns deixaram a conversão para “uma outra vez”; outros zomba-
ram; só uns poucos abraçaram a fé (At 17,32-34).

Sepultado no Inferno, o rico avarento lembra-se dos cinco irmãos so-


breviventes. Suplica a Abraão que se compadeça e mande Lázaro, o mendigo
outrora desprezado, adverti-los para que não venham também eles ao lugar
tenebroso. Mas Abraão contesta: “Ainda que ressuscite algum dos mortos,
tampouco acreditarão!” (Lc 16,31). Aplicando aos judeus, Jesus declarava: “Se
eu não tivesse feito entre eles tais obras, quais nenhum outro fez, não teriam
culpa, mas agora viram-nas e, contudo, odiaram-me a Mim e a meu Pai” (Jo
15,24). Tomé queria ver para crer, mas os fariseus viram e ainda assim não
creram. Que tremenda culpa!

É da experiência cotidiana que adolescentes sem conta caiam na des-


graça, porque a Religião lhes põe algo que é, para eles, um sofrível freio mo-
ral. Vemos, igualmente, senhores de meia idade desejosos de constituir uma
segunda família, por exemplo –, pois a esposa envelheceu e surgiu agora
outra mulher mais jovem e mais bela, ou porque a dificuldade das muitas
obrigações do estado dos casados lhes pesa demais –, e que descobrem, em
consequência, a dificuldade da Religião que obriga ao Nono Mandamento.

Ou, ainda, há outros senhores respeitáveis, ávidos em enriquecer com


rapidez, que concluem que a religião mantenedora do Sétimo e do Décimo
Mandamentos é reservada apenas aos simples de espírito, coisa que eles não
são. Revoltam-se então contra a Fé, uma revolta condicionada pela inconfor-
midade contra a moral.

Com fina intuição psicológica, o grande Cardeal Newman muito in-


sistiu sobre a importância dos fatores morais na gênese e conservação da
Fé. Quando se anuncia que Cristo é Salvador do mundo, observa ele, este
homem aqui se sente abalado, impressionado, e logo investiga o fato; é uma
23
alma aberta diante da Mensagem divina. Já àquele outro isso não interessa;
permanece imóvel em seu canto, como se lhe anunciassem uma revolta em
algum país do outro lado do Globo terrestre: é uma alma fechada ao so-
brenatural. O primeiro corre ao encontro da Verdade, o segundo entende
que ela é que deve correr a procurá-lo, se quiser salvá-lo; aquele averigua se
Deus revelou; este, espera que alguém o demonstre e, ainda se lhe oferecem
provas, retruca friamente: "Não vejo, não sigo". É um crítico, um juiz. Não é
um homem em busca da Verdade, mas um negociante que regateia quando
deveria suplicar para obter a Luz ou os meios de alcançá-la. Quem ama o
pecado não deseja que o Evangelho seja verdadeiro.

** Na próxima edição: Colaboração da inteligência e da vontade

Estude Teologia em casa!

24
VOCÊ CONHECE
O VENERÁVEL
FULTON SHEEN?
Fulton Sheen, uma apresentação – texto de apresentação de Henri-
que Sebastião para o livro 'O Eterno Galileu' (Molokai, 2018)

Se eu não fosse Católico e estivesse procurando a verdadeira Igreja


no mundo de hoje, eu iria em busca da única Igreja que não se dá
muito bem com o mundo. Em outras palavras, eu procuraria uma
Igreja que o mundo odiasse. Se você tiver que encontrar Cristo
hoje, então procure pela Igreja que é acusada de estar desatualiza-
da com os tempos modernos, como Nosso Senhor foi acusado de
ser ignorante e nunca ter aprendido. Procure a Igreja que o mun-
do rejeita porque se proclama infalível, pois foi pela mesma razão
que Pilatos rejeitou Cristo: por Ele ter se proclamado a si mesmo
A VERDADE. Procure a Igreja que é rejeitada pelo mundo assim
como Nosso Senhor foi rejeitado pelos homens. Procure a Igreja
que em meio às confusões de opiniões conflitantes, seus membros
a amam do mesmo modo como amam a Cristo e respeitem a sua
voz como a voz do seu Fundador. (Dom Fulton Sheen) [1]

N
asceu Peter John Sheen este poderoso evangelizador, em El
Paso, no Illinois, EUA, aos 8 de maio de 1895, filho do fazen-
deiro Newt Sheen e sua esposa, Delia.
Aos 8 anos de idade já servia à Santa Missa como um coroinha,
para o bispo John L. Spalding, da cidade de Peoria. Um dia, Sheen dei-
xou cair um galheteiro no chão e o quebrou. Naquela época havia um
rigor muito maior do que há hoje para com as crianças, que dirá na-
quilo que se relacionava às coisas de Deus, e mais ainda numa cidade
do interior. O menino, naturalmente, ficou muito assustado. Depois
da Celebração, esperava, trêmulo, por uma dura reprimenda. O Bispo
Spalding, de fato, veio falar com ele, mas para a sua surpresa, ao invés
de lhe fazer uma advertência, sussurrou-lhe duas previsões inesperadas
sobre sua vida. Primeiro, o bispo disse que Sheen um dia estudaria em
Louvain, na Bélgica, o que naquele momento soava absurdo; segundo,
disse-lhe: "Algum dia, você será exatamente como eu sou".

26
Aquela criança certamente não entendeu muita coisa, naquele
momento. Anos mais tarde, viria a cursar o ensino médio no Instituto
Spalding, depois prosseguiu seus estudos no St. Viator College, Illinois,
e frequentou o St. Paul Seminary, em Minnesota, antes de ser ordena-
do sacerdote – aos 20 de setembro de 1919.

Brilho jovem e o início do cumprimento da profecia


Em 1920, Sheen vai à Catholic University of America para continuar
seus estudos. Ali permaneceu apenas um ano antes de partir para o es-
tudo avançado de Filosofia na Universidade Católica de Louvain, Bél-
gica, exatamente conforme predito pelo Spalding. Cinco anos depois,
voltou à Universidade Católica para ensinar.
Nos 23 anos seguintes, foi na Universidade Católica que o já des-
tacado Padre Sheen aperfeiçoou suas habilidades como acadêmico,
educador, orador e evangelista. Ele trabalhou, primeiro, na School of
Theology and Religious Studies (Escola de Teologia e Estudos Religio-
sos) daquela instituição, depois na Escola de Filosofia, ministrando
cursos relacionados a ambas as disciplinas, incluindo "Filosofia da Re-
ligião", "Deus e Sociedade" e "Deus e Filosofia Moderna".
Já nessa época, não só muitos estudantes como também uma ver-
dadeira multidão de visitantes lotavam a célebre sala 112 (‘McMahon
Hall’) para ouvir suas palestras.
Não havia como o singular talento do querido padre Sheen, como
orador e pregador, passar despercebido, mesmo em seus primeiros
anos, quando ainda amadurecia. Em janeiro de 1927, aos 30 anos e ain-
da em seu primeiro ano de ensino na Universidade, ele foi selecionado
para pregar na Missa Universitária anual. O tema pedido, complexíssi-
mo, foi a vida e obra do santo padroeiro, Santo Tomás de Aquino, o que
fez com brilhantismo.
Aos seus 39 anos de idade, Sheen foi feito Monsenhor pelo papa
Pio XI, no ano 1934. Um ano depois, foi o Mons. Sheen, e não um admi-
27
nistrador de alto escalão, o principal orador da Celebração do Sesqui-
centenário da Universidade.
Com firmeza, a reputação do jovem professor da Catholic Uni-
versity cresceu, primeiro no campus, depois em círculos cada vez mais
amplos, à medida que sua brilhante oratória e capacidade de comuni-
cação atraía mais atenção da mídia. A primeira experiência do Padre
Sheen com a radiodifusão foi no ano 1926, quando foi convidado para
gravar uma série de palestras, nas noites de domingo, em uma estação
de rádio.
Quatro anos mais tarde, o jovem Padre foi convidado a apresen-
tar, durante duas semanas, o programa de rádio “The Catholic Hour”
(A Hora Católica). A resposta do público foi tão positiva que ele foi
convidado a permanecer como palestrante semanal no programa.
De 1930 a 1950, as palestras semanais do então Monsenhor Sheen
em “A Hora Católica” apresentaram ao grande público o ensinamento
católico de uma maneira como nunca antes havia sido feita. A partir
do fundo de sua grande fé e sólida erudição, o Prof. Pe. Sheen abordava
tópicos que iam desde a devoção à Maria Santíssima (tema sempre po-
lêmico em uma nação de maioria protestante) até os graves perigos do
socialismo/comunismo.
Enraizado em seus profundos conhecimentos do pensamento fi-
losófico do grande Santo Tomás de Aquino, ele pregou o Evangelho e
mostrou como se aplica às decisões morais pessoais e às grandes ques-
tões sociais da época.
Em resposta às suas transmissões de rádio, o Mons. Sheen pas-
sou a receber um grande e constante fluxo de cartas. Em 1937, escreveu
numa carta ao reitor da Universidade, Mons. Joseph Corrigan:

Durante o ano passado, as cartas que exigiam atenção pessoal cor-


riam entre 75 e 100 por dia...
E isso juntamente com aulas que nunca eram dadas com menos
do que seis horas de preparação cada. Isso me deixava fisicamente
28
exausto, mas o bem a ser feito e uma tão grande oportunidade de
apostolado não se deve deixar de lado.[2]

Muitas dessas cartas deviam falar alto ao coração de Mons. Sheen,


que viajou por todo o país realizando palestras acadêmicas, participan-
do de missões, retiros, fazendo homilias como convidado, formaturas
e conferências em diversas organizações católicas.
O professor vivia eternamente muito ocupado, mas não apenas
manteve seu cronograma completo de ensino, como também encon-
trou tempo para escrever muitos livros. Publicou 34 obras durante seus
23 anos de carreira docente na Universidade Católica, e outros 32 de-
pois que deixou a Universidade.
Todos esses livros viriam a se tornar obras de referência para o
estudo do Catolicismo em todo o mundo, traduzidos para os mais di-
versos idiomas. Além disso, transcrições de suas palestras de rádio se-
manais foram publicadas (por iniciativa do patrocinador do Conselho
Nacional dos Homens Católicos) em dezenas de folhetos, impressos e
reimpressos milhares de vezes. Muitas de suas outras palestras e ser-
mões foram também publicados. Sheen foi ainda um colunista de des-
taque também na imprensa secular.

Transmissão de televisão de 1940


Nas décadas de 1930 e 40, um evento televisivo era um grande aconteci-
mento. No domingo de Páscoa, dia 24 de março de 1940, o Mons. Sheen
apareceu na primeira transmissão mundial de TV de um serviço reli-
gioso católico – e no maior país protestante do mundo. Ele falou então
sobre o simbolismo espiritual da televisão. O programa foi transmitido
pela W2XBS, o predecessor da atual WNBC de Nova York. Foi patroci-
nado pelo Conselho Nacional dos Homens Católicos, em comemora-
ção do seu vigésimo aniversário como organização e pelo décimo ani-
versário de seu patrocínio da transmissão de rádio "A Hora Católica".
29
Em 1950, Mons. Sheen deixou a Universidade Católica para se
tornar diretor nacional da Sociedade para a Propagação da Fé. A essa
época, ele já era um dos católicos mais conhecidos de sua época. O pró-
ximo capítulo de sua missão o levaria a ganhar fama e influência sem
precedentes para um membro da Igreja.
Fulton Sheen foi consagrado bispo aos 11 de junho de 1951. Termi-
nava de cumprir-se a profecia, nunca esquecida, do bispo Spalding.
No outono daquele mesmo ano, Sheen começa sua famosa série de
televisão, “Life is Worth Living” (‘vale a pena viver’). Foi um tremendo
e impressionante sucesso, chegando a cerca de 30 milhões de especta-
dores a cada semana, o que a tornaria a série religiosa mais amplamen-
te vista na história da televisão(!). Ele ganha um “prêmio Emmy” como
“Melhor Personalidade de TV”, é destaque na capa da revista “Time” e
torna-se um dos católicos mais influentes do século XX.
Acredita-se que o bispo Sheen tenha levantado muitos milhões
de dólares para apoiar as missões católicas através da Sociedade para
a Propagação da Fé. Por 16 anos, ele liderou esse esforço em 129 dioce-
ses nos Estados Unidos e influenciou a vida de dezenas de milhões de
pessoas em todo o mundo. Ele também era conhecido por ter levado
inúmeras almas a se converterem à Igreja Católica, desde os nova-ior-
quinos da classe trabalhadora que ele encontrou em sua vida cotidiana
até as celebridades, que o procuravam para instrução.
Entre aqueles cujas conversões Sheen influenciou estão o escritor
agnóstico Heywood Broun, o político Clare Boothe Luce, o fabricante
de automóveis Henry Ford II, o escritor comunista Louis F. Budenz, o
designer teatral Jo Mielziner, o violinista e compositor Fritz Kreisler e a
atriz Virginia Mayo.
Entre 1962 e 1965, o Bispo Sheen participou de todas as sessões do
Concílio Vaticano II. Trabalhou em estreita colaboração com o então
Padre Joseph Ratzinger e futuro Papa Bento XVI, que era um especia-
lista em Teologia na Comissão Missionária. Em uma entrevista de 2012
para a Rádio Vaticano, o já Papa Bento XVI relembrou, ao vivo, como
"Fulton Sheen nos fascinava às noites com suas palestras"[3].
30
Em 1966, Sheen foi nomeado bispo da diocese de Rochester. Ele
renunciou a essa posição em 1969. Em sua carta de renúncia, escreveu:
"Não estou me aposentando, apenas recapitulando". O Papa Paulo VI
nomeou-o Arcebispo da sede de Newport, no País de Gales.
O arcebispo Sheen permaneceu sempre ativo, passando os últi-
mos anos de sua vida escrevendo e pregando.
Um tema consistente nas pregações do Arcebispo Sheen ao longo
de sua vida, e especialmente em seus últimos anos, foi sobre os be-
nefícios de se realizar com frequência uma “Hora Santa” em frente ao
Santíssimo Sacramento, isto é, colocar-se em silêncio diante de Nosso
Senhor Sacramentado para adorar e falar com Ele em íntima oração.
O autor Michael Dubruiel disse: "Não há ninguém na igreja moderna
que tenha feito mais para popularizar a prática de rezar e meditar na
Presença de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento"[4].
Praticar regularmente a Hora Santa não foi um conselho que Ful-
ton Sheen tenha dado sem o praticar. Ao longo de seus anos na Uni-
versidade Católica, ele manteve sempre sua hora santa diária, rezando
na Capela Caldwell e na capela particular de sua residência. Muitas
pessoas que trabalharam perto dele, ao longo dos anos, atestam que
ele nunca deixou de guardar essa Hora Santa, desde o dia de sua or-
denação sacerdotal até sua morte, no chão de sua capela privada, na
Presença de Cristo.
No ano 2002, a Causa do Arcebispo Sheen para a Canonização foi
oficialmente aberta sob a liderança da Diocese de Peoria, e desde então
ele é reconhecido como "Servo de Deus".
Aos 28 de junho de 2012, o Papa Bento XVI anunciou que a Con-
gregação para as Causas dos Santos havia reconhecido a vida do arce-
bispo Sheen como uma vida de "virtude heroica" e o proclamou "Vene-
rável Servo de Deus Fulton J. Sheen".
No dia 6 de março do ano 2014, o conselho de especialistas mé-
dicos que assessorou a Congregação para as Causas dos Santos apro-
vou unanimemente um milagre relatado, atribuído à sua intercessão.
31
Aos 17 de junho de 2014, a Comissão teológica (de sete membros) que
aconselha a Congregação concordou unanimemente com a descober-
ta da equipe médica.
O próximo grande passo no processo de canonização da Igreja
seria a beatificação deste grande trabalhador do Reino de Deus.

Coisas partidas são preciosas. Nós comemos pão partido porque


partilhamos da morte de Nosso Senhor. Flores partidas dão perfu-
me. Incenso partido é usado em adoração. Um navio partido salvou
Paulo e muitos outros passageiros na sua ida para Roma. Às vezes,
a única maneira que Deus tem para entrar nalguns corações é par-
tindo-os. (Fulton Sheen)[5]

_______________
1. SHEEN, Fulton J. Radio Replies, vol. 1, p.9, ‘Rumble & Carty’, Tan Pu-
blishing (tradução de Gercione Lima).

2. Biographical Profile of Fulton J. Sheen do The Catholic University of


America, disp. em fulton-sheen.cua.edu/bio/index.cfm

3. Idem.

4. Ibidem.

5. ‘The precious broke bottle’, em DIETERICH, Henry. Through the Year


with Fulton Sheen: Inspirational readings for each day of the year. San Fran-
cisco: Ignatius Press, 1985, p. 58

______
Referência:
Biographical Profile of Fulton J. Sheen, do The Catholic University of Ame-
rica, disp. em: http://fulton-sheen.cua.edu/bio/index.cfm
Acesso 29/5/2018
32
O DRAMA DO
FIM DOS TEMPOS
Obra do Revmo.
Padre Emmanuel-André
OITAVO ARTIGO
escrito em outubro de 1885

A CRISE FINAL

–I–

Paremos um instante diante dos intrépidos missionários de Deus e notemos


a oportunidade divina de sua aparição.
Segundo São Pedro, “nos últimos tempos virão embusteiros, zomba-
dores sedutores vivendo as suas concupiscências, dizendo: Onde está a Pro-
messa e a Vinda (de Jesus Cristo)? Desde que nossos pais morreram, tudo
continua como desde o princípio da criação” (2 Pd 3, 3-4).
Esses sedutores, esses embusteiros, os estamos vendo com nossos pró-
prios olhos, ouvindo com nossos ouvidos. Chamam-se racionalistas, ma-
terialistas, positivistas: negam “a priori” toda causa superior, todo fato so-
brenatural; não se interessam em saber de onde vêm, nem para onde vão;
semelhantes aos insensatos do livro da Sabedoria olham a vida como uma
dessas nuvens da manhã que não deixam rastro ao raiar do sol. O que está
além do túmulo, chamam o grande desconhecido; recusam-se terminante-
mente a investigá-lo. Em consequência, o todo do homem, a seus olhos, está
em gozar o mais possível o momento presente, pois tudo o mais é incerto.
Esses falsos sábios relegam os escritos de Moisés a cosmogonias fabu-
losas. Recusam-se a reconhecer algum valor histórico nos livros santos. Se-
gundo o que dizem, todos esses documentos, em contradição com a ciência,
seriam obras de um judeu exaltado, Esdras, que quis realçar sua nação.
Quanto à vinda de Jesus Cristo, à ressurreição geral, ao julgamento
final, às recompensas e às penas eternas, tratam como sonhos absurdos. As-
seguram que a humanidade, em via de um indefinido progresso, encontrará
um dia o Paraíso na Terra.
Ora, para confundir esses impostores, Deus suscitará Henoc, repre-
sentante do período ante-diluviano; Henoc, quase contemporâneo das ori-
34
gens do mundo. Suscitará Elias, representante do judaísmo mosaico; Elias
que, de um lado, toca Salomão e David de outro Isaías e Daniel.
Estes grandes homens virão, com indiscutível autoridade, estabelecer
a autenticidade da Bíblia, e mostrar que o Cristianismo está ligado à era dos
profetas até Moisés e à era dos patriarcas até Adão. Neles se levantarão to-
dos os séculos para renderem testemunho à verdade da revelação. Nunca a
divindade do Cordeiro que foi morto desde a origem do mundo (Ap 13, 8)
resplandecerá de modo mais fulgurante.
Ao mesmo tempo anunciarão com veemência a aproximação do jul-
gamento. Retomando as palavras de S. João, clamarão a todos os confins do
mundo: “Fazei dignos frutos de penitência... o machado já está posto à raiz
das árvores... Ele tem a pá em sua mão e limpará bem a sua eira, e recolherá o
trigo no celeiro mas queimará as palhas em um fogo inextinguível”(Mt 3,8-13).
Continuando a predição do Eclesiástico, Henoc pregará a penitência às
nações, que compreendem todos os povos fora do judaísmo; ele lhes falará
com a majestade de um antepassado e lhes fará conhecer e reconhecer Jesus
Cristo, o Desejado das Nações.
Elias se dirigirá especialmente aos judeus que esperam Sua vinda; ele
se dará a conhecer por sinais de extrema evidência; fará Jesus brilhar a seus
olhos, Jesus que é osso de seus ossos e carne de sua carne.
É fora de dúvida que a essas pregações, apesar das ameaças e dos tor-
mentos, seguirão numerosas e estrondosas conversões, principalmente do
lado dos judeus; isto está formalmente predito.
As duas testemunhas de Deus pregarão tanto juntas como separadas;
e durante três anos e meio percorrerão verdadeiramente a terra toda. Os
jornais farão em volta deles a conspiração do silêncio (como em volta dos
milagres de Lourdes); mas eles se imporão à atenção do mundo. O Anticris-
to tentará em vão apanhá-los, pois o fogo devorará quem quer que ouse lhes
tocar. Eles passarão com o gládio da justiça de Deus no meio dos homens
que vivem no prazer e no deboche; eles os ferirão com chagas horríveis.
No entanto, assim como a missão de Nosso Senhor, a deles terá um
tempo determinado. Em dado momento perderão a assistência sobrenatural
que os protegia até então. Escutemos São João.
35
– II –

“E depois que tiverem acabado de dar o seu testemunho, a fera que sobe
do abismo fará guerra contra eles, e vencê-los-á e matá-los-á.

“E os seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se


chama espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o Senhor deles
foi crucificado.

“E os homens de diversas tribos, e povos e línguas e nações verão os seus


corpos durante três dias e meio; e não permitirão que seus corpos sejam
sepultados.

“E os habitantes da terra se alegrarão por causa deles e farão festas e


mandarão presentes uns aos outros porque esses dois profetas os ti-
nham atormentado.

“Mas depois de três dias e meio o espírito de vida entrou neles da parte
de Deus. E eles puseram-se em pé, e apoderou-se um grande temor dos
que os viram.

“E ouviram uma grande voz do céu que lhes dizia: Subi para cá. E subi-
ram ao céu numa nuvem e seus inimigos foram testemunhas disso.

“E naquela mesma hora deu-se um grande terremoto e caiu a décima


parte da cidade; e no terremoto morreram sete mil homens e os restan-
tes, atemorizados, deram glória ao Deus do céu” (Ap 11, 7-14).

Que conclusão de uma drama inaudito! Que afirmação do sobrenatu-


ral! Os dois profetas se encontrarão em Jerusalém, onde seu Senhor foi cru-
cificado. Participarão das divinas fraquezas de Jesus; como Ele, serão presos;
como Ele, julgados; como Ele, atormentados; como Ele, serão mortos, talvez
na cruz.
Pensar-se-á que chegou o fim. O Anticristo parecerá triunfar em toda
a linha. Zombarão dos dois profetas: rirão e dançarão em torno de seus ca-
dáveres; deixá-los-ão sem sepultura para se regalarem à vontade.
Mas de repente os dois profetas ressuscitarão; uma grande voz soará do
alto do céu e eles subirão ao céu diante de uma multidão inumerável tomada
de súbito terror. Haverá um grande terremoto na cidade deicida; sete mil
36
homens perderão a vida, outros baterão no peito e darão graças a Deus.
Repetimos, que drama, que desenlace!
O que fará o Anticristo diante de tais prodígios? Espumará de raiva,
sentirá que tudo lhe escapa, que a hora da justiça está próxima.
Pode-se acreditar que nesse mesmo instante surgirá sua punição pres-
crita por São Paulo: “Jesus Cristo o matará com o sopro de sua boca e o des-
truirá pelo brilho de sua vinda” (3 Ts 2, 8).
No entanto, segundo os cálculos de Daniel, parece que o castigo do
monstro será atrasado trinta dias depois da assunção triunfante de Henoc
e Elias. Daniel diz que a partir da supressão do sacrifício perpétuo, quando
aparecerá a abominação da desolação, passarão 1.290 dias (Dn 12, 11), por
conseqüência 30 dias mais do que o tempo da pregação de Henoc e de Elias.
Durante esses intervalo, o Anticristo tentará de todo jeito retomar a influên-
cia perdida. Não queremos admitir nenhuma visão no âmbito deste relato;
se fazemos exceção para a de Santa Hildegarda sobre o fim do inimigo de
Deus é porque não passa de um comentário da palavra de São Paulo: Jesus o
matará com o sopro de sua boca!
A Santa vê em espírito o monstro, cercado de seus oficiais e de imensa
multidão, subir uma montanha. Chegando ao cume, anuncia que vai elevar-
-se nos ares. Foi elevado, com efeito, como Simão o mágico, pelo poder do
demônio. Mas nesse momento reboa um forte trovão e ele cai fulminado.
Seu corpo se decompõe na mesma hora e exala um fedor intolerável e todos
fugirão apavorados.
Assim, ou de maneira análoga, acabará o inimigo de Deus.
E seu imenso império se evaporará como fumaça. O mundo se sentirá
aliviado de um peso esmagador. E haverá uma conversão geral que no dizer
de São Paulo parecerá uma ressurreição. Disso falaremos no próximo artigo.
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* Tradução clássica de Alexandre Correia
— ART. 3
SE DEUS EXISTE.
(I Sent., dist. 3, div. Prim. Part. Textus; Cont. Gent. I, 13, 15, 16, 44; II, 15; III, 44; De Verit., q. 5,
a. 2; De Pot., q. 3, a. 5; Compend. Theol., c. 3; VII Physic., lect. 2; VIII, lect. 9 sqq; XII Metaph.,
lect. 5 sqq.)

O terceiro discute-se assim — Parece que Deus não existe.


1. — Pois, um dos contrários, sendo infinito, destrói o outro totalmente. E
como, pelo nome de Deus, se intelige um bem infinito, se existisse Deus, o mal
não existiria. O mal, porém, existe no mundo. Logo, Deus não existe.
2. — Demais — O que se pode fazer com menos não se deve fazer com
mais. Ora, tudo o que no mundo aparece pode ser feito por outros princípios,
suposto que Deus não exista; pois, o natural se reduz ao princípio, que é a
natureza; e o proposital, à razão humana ou à vontade. Logo, nenhuma neces-
sidade há de se supor a existência de Deus.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Ex 3, 14), da pessoa de Deus: Eu Sou
Quem Sou.
SOLUÇÃO – Por cinco vias pode-se provar a existência de Deus. A primeira
e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado pe-
los sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido
por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente
àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é se-
não levar alguma coisa da potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo,
torna a madeira, cálido potencial, em cálido atual e dessa maneira, a move e
altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e potência, no mesmo ponto
de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido atual não pode ser
simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é impossível
uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto
de vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há-de sê-lo por outro.
Se, portanto, o motor também se move, é necessário seja movido por outro,
e este por outro. Ora, não se pode assim proceder até ao infinito, porque não
haveria nenhum primeiro motor e, por conseqüência, outro qualquer; pois, os
motores segundos não movem, senão movidos pelo primeiro, como não move
o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário chegar a um primeiro
motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de Deus.
A segunda via procede da natureza da causa eficiente. Pois, descobrimos
que há certa ordem das causas eficientes nos seres sensíveis; porém, não con-
cebemos, nem é possível que uma coisa seja causa eficiente de si própria, pois
seria anterior a si mesma; o que não pode ser. Mas, é impossível, nas causas
eficientes, proceder-se até o infinito; pois, em todas as causas eficientes orde-
nadas, a primeira é causa da média e esta, da última, sejam as médias muitas
ou uma só; e como, removida a causa, removido fica o efeito, se nas causas
eficientes não houver primeira, não haverá média nem última. Procedendo-se
ao infinito, não haverá primeira causa eficiente, nem efeito último, nem causas
eficientes médias, o que evidentemente é falso. Logo, é necessário admitir uma
causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de Deus.
A terceira via, procedente do possível e do necessário, é a seguinte —
Vemos que certas coisas podem ser e não ser, podendo ser geradas e corrom-
pidas. Ora, impossível é existirem sempre todos os seres de tal natureza, pois
o que pode não ser, algum tempo não foi. Se, portanto, todas as coisas podem
não ser, algum tempo nenhuma existia. Mas, se tal fosse verdade, ainda agora
nada existiria pois, o que não é só pode começar a existir por uma coisa já exis-
tente; ora, nenhum ente existindo, é impossível que algum comece a existir,
e portanto, nada existiria, o que, evidentemente, é falso. Logo, nem todos os
seres são possíveis, mas é forçoso que algum dentre eles seja necessário. Ora,
tudo o que é necessário ou tem de fora a causa de sua necessidade ou não a
tem. Mas não é possível proceder ao infinito, nos seres necessários, que têm
a causa da própria necessidade, como também o não é nas causas eficientes,
como já se provou. Por onde, é forçoso admitir um ser por si necessário, não
tendo de fora a causa da sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade
dos outros; e a tal ser, todos chamam Deus.
A quarta via procede dos graus que se encontram nas coisas. — Assim,
nelas se encontram em proporção maior e menor o bem, a verdade, a nobre-
za e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e o menos se dizem de diver-
sos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o
mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto,
algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por conseqüente, maximamente
ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como
diz o Filósofo1. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de
tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é
causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz2. Logo, há um ser,
causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e
chama-se Deus.

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A quinta procede do governo das coisas — Pois, vemos que algumas, como os
corpos naturais, que carecem de conhecimento, operam em vista de um fim;
o que se conclui de operarem sempre ou freqüentemente do mesmo modo,
para conseguirem o que é ótimo; donde resulta que chegam ao fim, não pelo
acaso, mas pela intenção. Mas, os seres sem conhecimento não tendem ao fim
sem serem dirigidos por um ente conhecedor e inteligente, como a seta, pelo
arqueiro. Logo, há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se or-
denam ao fim, e a que chamamos Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO — Como diz Agostinho,
Deus sumamente bom, de nenhum modo permitiria existir algum mal nas suas
obras, se não fosse onipotente e bom para, mesmo do mal, tirar o bem3. Logo,
pertence à infinita bondade de Deus permitir o mal para deste fazer jorrar o
bem.
RESPOSTA À SEGUNDA — A natureza, operando para um fim determina-
do, sob a direção de um agente superior, é necessário que as coisas feitas por
ela ainda se reduzam a Deus, como à causa primeira. E, semelhantemente, as
coisas propositadamente feitas devem-se reduzir a alguma causa mais alta, que
não a razão e a vontade humanas, mutáveis e defectíveis; é, logo, necessário
que todas as coisas móveis e suscetíveis de defeito se reduzam a algum primei-
ro princípio imóvel e por si necessário, como se demonstrou4.
RESPOSTA À TERCEIRA — Efeitos não proporcionados à causa não le-
vam a um conhecimento perfeito dela; todavia, por qualquer efeito nos pode
ser, manifestamente, demonstrada a existência da causa, como se disse. E as-
sim, pelos seus efeitos, pode ser demonstrada a existência de Deus, embora
por eles não possamos perfeitamente conhecê-lo na sua essência.

1. II Metaphys., c. 1
2. Ibid
3. in Enchiridio, c. 11
4. In corp.

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uvwxyz1234567890ABCD
EFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ=
!@#$%&*()_+/*-+.?"|<
41
‘a Virgem Clemente’

Cartões de oração antigos – série OFC (30) 'VIRGO CLEMENS' (Augsburg, Alemanha)

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