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Meu nome é Diogo Mizael Motta Teodoro, sou natural de São Paulo - SP, pertenço a

Paróquia São Paulo Apóstolo, Regional Episcopal Santana (Zona Norte), pároco:
Diácono Marcelo Reis. Sou batizado, crismado, em dia com os sacramentos da Igreja.
Não sou casado, não tenho filhos, nem sou arrimo de família. Meus pais já são
falecidos, moro sozinho em casa própria e trabalho numa empresa familiar de
confecção. Graças a Deus gozo de plena saúde física e psicológica.
A primeira oportunidade de iniciar um período vocacional foi dentro da Congregação
Missionária de Santo Inácio de Antioquia entre os anos de 2015/16. A época os frades
inacianos eram administradores da paróquia Jesus no Horto das Oliveiras próxima da
minha residência. Apesar da vida consagrada sempre me inquietar considerei que
naquele momento eu não deveria avançar por uma série de questões: idade, vida
conjugal, família,
etc. Havia ainda muitas dúvidas e questionamentos, de forma que segui atuando dentro
das pastorais. Desde 2017 até o ano de 2022 atuei dentro da Pastoral da Acolhida da
paróquia São Paulo Apóstolo. Também em anos anteriores na Pascom, Pastoral da
Escuta e do Dízimo.
Porém o chamado para a vida consagrada permaneceu de forma incisiva. Entre o final
do ano de 2020 e todo o ano de 2021 participei da promoção vocacional da Província
Carmelitana de Santo Elias, na Basílica do Carmo – SP. No último retiro do ano, o
Conselho Vocacional que contava com alguns outros frades além dos promotores
vocacionais decidiram por não me admitir no Postulantado. Acatei de forma obediente,
mas ainda inquieto no mesmo ano iniciei uma conversa com a Provincia Franciscana
dos Frades Menores, que de imediato também fui dispensado.
Estimulado por minha mãe, meu maior testemunho de vida cristã, desde muito cedo fui
atraído para as práticas de oração e participação ativa na Igreja. Desde criança fui muito
influenciado pelas formas de oração e discursos da Renovação Carismática Católica
(RCC), e em determinado momento da minha vida interior sentia que algo faltava, e no
decorrer do tempo fui atraído espontaneamente a prática de oração contemplativa,
desenvolvendo grande admiração e devoção a nosso Pai São Bento e toda a tradição que
se debruça sobre a Santa Regra (trapistas, camaldolenses, olivetanos). Mantive os
momentos de oração do terço e de Adoração ao Santíssimo Sacramento na paróquia
local como asceses insubstituíveis, e passei a buscar novas referências e ler as
hagiografias dos santos e místicos. Já na fase adulta tomei contato com Thomas Merton
e outros religiosos beneditinos. A leitura da Santa Regra me ajudou a compreender a
hospitalidade cristã, e a tratar a todos os que chegavam na Igreja como o próprio Cristo.
De forma que agora bato a porta da Abadia São Geraldo, e espero ter a oportunidade de
discernir minha vocação.

Em Cristo

Sou beneditino, do Priorado de Saint-Benoît d'Etiolles (91). Houve encontros


ao longo do meu caminho que foram revelações para mim. Por exemplo, na
década de 1970, Albert-Marie Besnard, um dominicano que era grande na
vida espiritual. Organizou no convento de l'Arbresle, perto de Lyon, sessões
intituladas: “Sabedoria do corpo e oração cristã”.
Eu estava, na época, muito "amarrada", incomodada com o meu corpo. Eu
estava pagando o preço de uma educação puritana onde, principalmente para
os religiosos, o corpo e a sexualidade eram percebidos como perigosos. Eles
tiveram que ser domesticados. Encontrei problemas de saúde provavelmente
ligados a essas rigidezes morais mal digeridas. Foi assim que contraí uma
tuberculose que me obrigou a passar vários meses num sanatório, não muito
longe da minha comunidade. Os irmãos vinham me visitar nas segundas-
feiras, e fazíamos capítulos em volta da cama. Foi aí que comecei a entender
que estava me prejudicando física e psicologicamente.
Curado, mas designado para trabalhar meio período, inscrevi-me em uma das
sessões de AM Besnard. Logo descobri ali que havia, para mim, uma
renovação possível e frutífera. Esta sessão veio para me dizer que o corpo
pode ser um aliado para caminhar na oração e na vida espiritual. Uma grande
lufada de ar, de repente! E uma grande obra que estava começando. Porque,
com a ajuda de alguns colaboradores, o Padre Besnard introduziu os
participantes na prática do zazen, ou seja, “meditação sentada”. Foi aí que
tomei consciência da ligação entre o corpo e a oração, descobri o papel da
respiração, a importância da postura corporal... Meditávamos duas vezes por
dia em almofadas ou banquinhos, tentando estar presentes no momento
presente , concentrando-se na respiração. Eu não sabia nada sobre esse
universo então, tendo vivido em um catolicismo bastante “cerebral”. Assim,
aos poucos, tornei-me consciente de que o corpo é realmente uma morada
sagrada.
Além disso, havia, neste curso, praticantes de Vittoz, nome dado a este
médico suíço que inventou, no início do século XX, um método que visava
uma melhor gestão mental baseada no exercício da sensorialidade. Aqui,
novamente, tudo era novo para mim: visto com desconfiança por toda uma
parcela do catolicismo da época, descobri que o corpo e a psique poderiam ter
um papel muito importante no desenvolvimento - ou, ao contrário, nos
"bloqueios" - da a vida espiritual. Sem dúvida, estabeleci nesta sessão as
primeiras pedras de uma reconciliação comigo mesmo e, em particular, com
meu próprio corpo.
De volta à minha comunidade, continuei os exercícios tradicionais de vida
espiritual: participação no ofício monástico com os irmãos, Lectio Divina
(meditação da palavra bíblica) vivida pessoalmente... O objetivo de cada uma
dessas práticas é alcançar o que o Primeiro Testamento chama "o Coração
profundo" (Sl 64), que o apóstolo Paulo às vezes chama de "Templo de Deus"
(1° Cor. 3, 16), e o Evangelho de João a "Habitação" (João 14, 23). Existe
sim, no fundo de cada homem, além das camadas do inconsciente, memórias
enterradas, reflexos adquiridos, um lugar sagrado que nada pode destruir,
aberto ao Infinito de Deus. As práticas não têm outra finalidade senão liberar
o acesso a este Centro para permitir que ele irradie no homem.
Em meados do século XX, precursores como o beneditino Henri Le Saux, Pe.
Jules Montchanin... foram introduzidos nas espiritualidades asiáticas na Índia.
Outros mergulharam no Zen Budismo, como o jesuíta Enomiya Lassalle no
Japão. Ao mesmo tempo, o budismo zen ou tibetano, assim como a ioga, se
enraizaram no Ocidente graças a mestres da Ásia. Assim, pudemos descobrir,
por um lado, técnicas de meditação que deram lugar de destaque ao corpo e
suas energias. Por outro lado, meditações sem objeto, que permitiam tornar-se
um com o receptáculo divino, dentro de cada Homem. Comecemos por esta
grande realidade descoberta: o corpo que medita. Eu já o havia descoberto em
Arbresle, então o praticava diariamente.
Esta entrada em um mundo cultural e espiritualmente estranho ao cristianismo
foi para mim e para outros uma experiência fascinante e a oportunidade de
experimentar uma verdadeira renovação na vida espiritual. Cercados por
jovens monges zen japoneses, tínhamos que sentar em almofadas pretas e
sentar de pernas cruzadas, poucos de nós sendo capazes de sentar na posição
de lótus. Era preciso ficar ali, de mãos uma na outra, quarenta e cinco minutos
sem se mexer. Pediram-nos para ficar de pé, olhos semicerrados, olhar voltado
para o chão. Fomos constantemente lembrados de deixar de lado os
pensamentos que passam pela mente e nos concentrar na respiração.
Regularmente, o Mestre passava com sua bengala e nos dava golpes em
ambos os ombros para relaxar os músculos tensos. Mas onde estava a oração,
o impulso para Deus, o amor de Cristo? Após três quartos de hora, o som do
tímpano libertou-nos das dores nas articulações, levantamo-nos para andar
pela sala durante quinze minutos, depois sentámo-nos novamente para uma
nova sessão de meditação (zazen). Nenhuma palavra para falar, exceto os
incompreensíveis sutras da manhã e da noite. Sem canções para amenizar a
dureza dos dias. Mas às vezes havia grandes momentos de paz ou alegria.
Surgiram de forma imprevisível radiantes minutos de oração, por isso fomos
convidados a reconciliar-nos com este “Corpo que sou”. Além disso, essa
posição meditativa muito estudada favoreceu a atenção profunda e
possibilitou acolher pensamentos que agitam a mente, sem se deixar dominar
por eles. Foi possível, portanto,
Mas há mais. No Ocidente, fomos educados a partir de um pano de fundo
filosófico que costuma ser chamado de Dualismo. A escola e a universidade
são construídas sobre esse pressuposto. Existe você e eu, certamente podemos
nos encontrar, até nos entender, mas você tem sua história, sua cultura, seu
temperamento... e eu tenho a minha. Se estudo um acontecimento, um objeto,
uma ideia, tenho que me distanciar e objetificá-los, sem misturá-los com meus
próprios preconceitos ou afetos. Da mesma forma, na tradição cristã,
costumávamos pensar em Deus como externo a nós, infinitamente perfeito e
misericordioso, enquanto nós estávamos aqui embaixo, imperfeitos e
limitados em todos os sentidos. O finito e o infinito estavam claramente
separados. Porém, aqui chegamos a uma cultura espiritual da qual a Não-
Dualidade foi um dos substratos. A vida cristã em geral, e a vida monástica na
escola de São Bento em particular, equilibraram nosso dualismo original; eles
nos ensinaram a tender para a unidade com Deus, a praticar o amor aos
irmãos, sendo estes vividos como os outros: “amarás o teu próximo como a ti
mesmo”. Em outras palavras, estávamos trabalhando na não-dualidade. Mas
essa abordagem experimentou uma aceleração decisiva no Japão. Certas
experiências espirituais foram marcadas com o selo do Uno. Foi assim que às
vezes me foi dado experimentar a profunda unidade de tudo o que existe. Eu
podia sentir o movimento da respiração com tanta intensidade que as sessões
aconteciam num piscar de olhos. Às vezes me sentia um com a nuvem que
passava, com o frio ou com o calor, com o vizinho do quarto. Nesses
momentos privilegiados, vi ali manifestações da Fonte divina, que é Una.
Foram pequenos Despertares (Kensho em japonês) aos quais, aliás, os mestres
recomendam não se apegar.
Venho, portanto, relacionar esses dois elementos constitutivos de toda
realidade: o Dois e o Um. Para ser mais fiel à tradição filosófica asiática, em
vez de dizer "o Dois e o Um", prefiro expressar isso por duas negações
sucessivas : “Ni Deux, Ni Un”. Porque a negação relativiza certas afirmações
ideológicas ou dogmáticas que parecem peremptórias e imprudentes: o que se
pode afirmar com certeza no domínio do Absoluto?
Além disso, descobrimos que as espiritualidades vindas da Ásia poderiam
lembrar à Igreja uma tradição que ela esqueceu demais e que seria bom
reviver agora: o apofatismo. Esta linha espiritual transmite a convicção de que
a verdadeira realidade de Deus está além das palavras, imagens, dogmas. São
Gregório de Nazianze, Dionísio o Areopagita que influenciou Jean de La
Croix, Mestre Eckhart e os místicos da Renânia o expressaram em seu tempo.
A teologia tradicional busca qualificar Deus em sua essência e em sua própria
natureza. A teologia apofática busca apenas permanecer na presença da
profundidade inefável de Deus. Essas duas abordagens são complementares
entre si, e também aí o não-dualismo pode ajudar a vivê-las simultaneamente.
Esta corrente de pensamento esteve muito presente em determinados
momentos da história das religiões mediterrânicas (islão, cristianismo e
judaísmo), e creio que está a voltar. No budismo, todos os ramos combinados,
como no hinduísmo, e no taoísmo, é fundamental.
Então eu pratico diariamente, na minha almofada, sentado silenciosamente e
sem objetivo. Eu pratico como cristão. A unificação interior requer um longo
período de confronto entre essas tradições, e pode aparecer se dermos
densidade a cada um desses dois caminhos. Para mim, foi feito em torno da
pessoa de Cristo, que transcende as religiões, ao mesmo tempo em que se
manifesta de forma única no cristianismo.
Irmão Benoît Billot

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