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23 – 31 de janeiro de 1883

ÍNDICE
“Marie começou no dia 28 a ouvir da boca do Mestre bem-amado instruções relativas ao
futuro, muito claras e precisas.”
“No dia 29 de manhã, na santa comunhão, elas se tornaram mais claras ainda.”
“No dia 29 à noite, durante uma prolongada oração, elas me foram comunicadas:
“Jesus disse à sua esposa as palavras de Deus a Abraão: “Egredere de terra tua et de
cognatione tua et de domo patris tui, et veni in terram quem monstravero tibi, faciamque
te in gentem magnam et benedicam tibi…”[3]
“Jesus quer que se retome a obra do Pe. Muard a fim de lhe dar o seu pleno e verdadeiro
desenvolvimento. Jesus diz que as filhas e os filhos da sua pequena esposa e de seu pai
espiritual serão numerosos, que eles terão a forma e o espírito desejados por São Bento,
mas na sua unidade e simplicidade primitivas: que será necessário, de certa forma,
suprimir as tradições dos séculos posteriores a Nosso Pai São Bento, fazer como se
estivéssemos recebendo a Regra de sua mão, sem intermediário, retomar a obra do Pe.
Muard tal como ele a explica nas suas constituições e  restabelecê-la sem nenhuma outra
influência que a de Nosso Pai São Bento na sua Regra.”
“Jesus faz entender que essa dupla família de filhos e filhas de São Bento e do Pe.
Muard vai se constituir, dentro de alguns anos, sobre as ruínas amontoadas pelas
catástrofes que nos ameaçam. O começo será muito pobre e pequeno. As duas almas,
que vão ser as pedras fundamentais, terão muito que sofrer para realizar a obra do Bem-
Amado.”
“Jesus nos mostrou a necessidade de realizar esse projeto para reparar os ultrajes feitos à
sua infinita bondade, para pôr em vigor novamente o verdadeiro e primitivo espírito
monástico livre das misturas modernas, para reservar para si almas escolhidas nas quais
ele poderá encontrar suas delícias.”

Colóquios de Jesus a respeito da Obra


ÍNDICE
Santa Catarina, 25 de novembro de 1883.
“Durante a ação de graças, Jesus me falou acerca de pensamentos próprios ao Prefácio
das Constituições das Beneditinas do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado
Coração de Maria, das filhas do Pe. Muard e, sobretudo, tendo como título no seu
Coração “suas esposas bem-amadas”, pois começando essa espécie de ditado para a
introdução de nossas Constituições, Ele disse: “Jesus às suas esposas bem-amadas.”
“Lembrando-me de seus diferentes apelos à Obra, Ele os mostrou a mim numa só luz,
depois, de novo, Ele me repetiu as memoráveis palavras do dia 29 de janeiro: “Sai do
teu país e da casa do teu pai e vem para a terra que te mostrarei, edifica-me uma morada
espiritual, dá-me almas que se multiplicarão e se tornarão uma raça escolhida, um povo
de eleitos.”[4]
“O que Ele quer, acrescentou, é um jardim fechado, isto é, uma comunidade de almas
interiores, de almas generosas que renovem e lembrem o fervor das primeiras virgens da
Igreja.  Queixou-se dolorosamente, tristemente de não ser amado e, do mesmo modo
que nos primeiros tempos, no meio da corrupção geral, chamou Noé, mandando-lhe
construir a arca para abrigar-se nela com a sua família, assim, neste século de
iniqüidade, Ele, o Deus forte e poderoso, sente a necessidade de ordenar uma arca
espiritual que será sua própria morada, onde Ele virá se consolar, onde na terra as almas
esforçar-se-ão por amá-Lo, servi-Lo, à maneira dos Anjos, onde, apesar das iniqüidades
crescentes, haverá almas que viverão d’Ele e O servirão com toda a fidelidade que Ele
delas espera, onde será o Bem-Amado, o Mestre absoluto. Esse será seu lugar escolhido,
se as almas chamadas tiverem a felicidade de  entender isso e de responder a esse
chamado. “Não é uma novidade, disse-me Ele, não é uma nova congregação, não são
novas práticas, uma nova devoção, é um rebento das mais belas e antigas devoções da
Santa Igreja, da vida religiosa em comum, da prática da vida interior, do despojamento
de si mesmo para fazer viver e resplandecer Jesus Cristo, seu modelo, seu esposo, seu
tesouro: é um novo elã, uma nova floração na antiga Regra de São Bento. Nenhuma
inovação: a Regra, somente a  Regra. Mas estudada, amada, traduzida em ações, a fim
de atingir o cume da perfeição.”
“Jesus quer almas interiores. A Obra terá por finalidade única  formar almas interiores,
viver em união íntima com Jesus. Ele promete derramar bênçãos escolhidas, mas Ele
quer almas generosas que se apliquem à contemplação, que não regateiem, que sejam
grandes e nobres na virtude, que delineiem as virtudes religiosas dos primeiros
discípulos de São Bento e cuja única sede seja a santidade. “Deixando às almas uma
grande liberdade e confiança, eu lhes dou por código a Regra por excelência, por meio a
Oração, a vida recolhida que as ensinará a se despojarem alegremente, a serem
humildes, mortificadas, a subirem de grau em grau até a união completa com Deus. Na
oração, elas acharão tudo: pobreza, castidade, obediência, fidelidade, amor, sacrifícios
amados. Minha via é simples. O que quero são almas. Quero-as minhas íntimas. A
minha finalidade é de lhes pedir a vida interior, é de ter um edifício espiritual.”
“1) Jesus quer a aplicação da Santa Regra.”
“2) Que como filhas do Pe. Muard, conformemo-nos a seus pensamentos e adotemos
seu plano e sua vida. Homem de oração, de prece… suas filhas devem ser
particularmente fiéis à oração. Jesus quer a verdadeira santidade. Ele ma representou
generosa, larga, alegre, confiante para com Ele, que é tão bom. Era muito belo. Era
mesmo a verdadeira santidade.”
“Já existem comunidades beneditinas, disse-me, mas Ele quer este ramo. Ele quer este
pequeno jardim fechado, Ele quer este oásis de seu Coração. Ele me disse que se uma só
alma verdadeiramente fiel lhe traz muita glória, quanto mais um canteiro de Virgens
fiéis. Ele me disse que ninguém pode nos impedir de nos consagrarmos totalmente a Ele
e levarmos uma vida celeste.”
“Ele me disse que está ansioso para ver seu desejo realizado, que está acumulando
tesouros para no-los prodigalizar, que o Pai e a Mãezinha devem pôr todo o cuidado em
bem formar essas almas, a fim de torná-las enérgicas e viris. Ele insiste sobre a
necessidade de aumentar o fervor viril, a energia no bem, o espírito de oração e de
prece, que uma só comunidade assim regrada teria grande poder junto a Deus, seria a
glória de Jesus e, para essas almas bem-aventuradas, a felicidade eterna. Deve-se rezar
nesta época de impiedade, e compreenderíamos como importa rezar, consagrar-se a Ele,
viver para Ele, ah! se víssemos com o olhar de Jesus.”
“Jesus então abençoa de novo a Obra e chama as bênçãos de seu Pai, as luzes do
Espírito Santo, a fim de que ela siga o objetivo divino, que seja preservada do erro, e
que se torne o santo templo no qual muitas almas virão buscar a pura santidade.”
“Não traduzo bem tão admiráveis palavras. Sofri o dia inteiro pela impossibilidade em
que me encontrava para traduzir a visão da manhã, sobretudo para explicar a perfeição
tal como Jesus a pintou. Mas sinto que esse quadro permanecerá e que olhando-o
sempre, ele me guiará e esclarecerá sem cessar. O que vejo nele sobretudo, é uma
grande pureza de ação, o desapego de si mesmo, para seguir todos os conselhos da vida
regular. Se isso não for bastante completo, pedirei a Jesus que me faça escrever
suficientemente.”
“A Obra é simples e imensa ao mesmo tempo. A Obra pede somente a santidade, mas
ela a quer sem limites, de tal maneira que as almas se esforcem sem cessar para subir. A
Obra não as limita, ela lhes diz: Eis o objetivo. É preciso atingi-lo. A Obra, na boca de
Jesus, é bela, divina, grande, santa e abençoada.”
Segundo esses dois textos, Nosso Senhor mesmo pediu que a fundação de En-Calcat e
Dourgne fossem conformes às idéias do Pe. Muard e, segundo a idéia deste último, ao
espírito primitivo da Regra. Ir ao Pe. Muard é ir a São Bento por um caminho direto.
“O Pe. Muard tomou a Regra tal como ela era na origem, diz-nos Dom Romain. Era a
volta pura e simples à Regra.”
Mas a Regra de São Bento basta? Satisfaz a todas as questões?  – “Há quinze séculos, as
mais graves autoridades da Igreja ensinaram que a Regra, inspirada por Deus, basta-se a
si própria e que não se deve subtrair nada dela, nem acrescentar nada. Na Regra há tudo
o que é necessário para agradar a Deus e servir utilmente à Igreja.”
“Escrita para os séculos, sob a inspiração divina, ela bastará sempre e em toda parte,
com a simplicidade do seu texto ao mesmo tempo imutável e largo, universal e
particular, grandioso e simples, antigo e muito atual, ascético e prático, levando ao Céu,
mas esclarecendo as vias terrenas com um bom senso invencível e especial. São Bento
conhece duma maneira admirável a natureza humana. Ele a toma tal como ela é, mas
sem as suas fraquezas. Sua Regra convém ao século vinte como ao século quinto da
Igreja, a todas as fases da vida espiritual, a todas as condições físicas e mesmo morais.
A Obra dos santos não desaparece nunca.”
A Regra tem suas provas, com efeito!  – “Contam-se cerca de trinta e cinco papas saindo
dessa milícia monástica. Quanto aos bispos , não é possível contá-los. E os mártires, os
confessores da fé, os escritores! Quantos rios de ciência saíram da Ordem beneditina!
Não se sabe na verdade quantos monges e monjas se puseram a imitar São Bento desde
Subiaco e Monte Cassino, em todos os países do mundo. Mas pôde-se estabelecer o
número de mosteiros durante a época de maior desenvolvimento da Ordem: chegaram a
trinta mil!”
Como disse o Pe. Muard, o autor dessa Regra foi  “um dos maiores santos do qual a
Igreja se honra, um dos maiores legisladores que existiu”[5] – “São Bento tem o gênio
da ordem, da administração. A Igreja, adotando uma palavra de São Gregório Magno,
no-lo apresenta como “cheio do espírito de todos os justos”. Segundo essa palavra, os
dons de Deus, diversificados em cada um dos santos, encontram-se todos no Patriarca
dos monges. Do ponto de vista histórico, é isso que explica como a Ordem Beneditina,
no decorrer dos séculos, chegou a servir a Igreja através das mais variadas obras. Na
seqüência da missa própria em honra de nosso bem-aventurado Pai, a Igreja o compara
aos profetas, aos mais famosos personagens do Antigo Testamento. Ele pode rivalizar
também com todos os santos do Novo Testamento, que encontram nele algo de si
próprios.”
Todos os fundadores de Ordem, que vieram depois dele, basearam-se nele? – “Todos
proclamaram estar sob a proteção de São Bento e de sua Regra. Temos a ventura de
possuir a Regra mais fundada na tradição, a mais aprovada pela Igreja. A Regra por
excelência.”
Qual foi a missão do Pe. Muard em relação à Regra de São Bento?  – “Nosso Pe. Muard
foi suscitado por Deus: 1) para mostrar em sua pessoa a pobreza, a humildade, a
penitência, a oração e o amor a Jesus crucificado dos monges dos primeiros séculos; 2)
para dar à Igreja uma família de monges beneditinos fortemente marcados pelas mesmas
características e animados de um grande zelo pelo serviço da Igreja e pela salvação das
almas.”
Não se encontra tudo isso nos Cistercienses?  – “O Espírito de Deus que conduzia o Pe.
Muard também o conduziu à Trapa para lá haurir a melhor e mais autêntica maneira de
praticar a Regra. Tenho, pela observância Cisterciense, o gosto e o atrativo do Pe.
Muard. Ser-me-ia muito agradável se Deus me quisesse encerrar na Trapa. Que
profunda solidão! Que silêncio celeste! Que salmodia grave, solene e tão piedosa!”
E Solesmes?  – “Em Solesmes há por toda parte uma notável característica de
superioridade intelectual, de antigüidade, de sobrenatural e de toque monástico. Lá não
falta a santidade. Ela se parece a São Pedro pela arquitetura. Não há luxo, mas grandeza.
É um ponto de afluência e, atualmente, é a capital da ordem beneditina na França. É a
glória de Deus, da Igreja e da França. Amo esta família e quero-lhe bem e muito.” – Já
que o senhor gosta tanto da Trapa e de Solesmes, por que o senhor fez outra obra?  –
“Jesus deu-nos o seu programa, o espírito do seu Coração e seu servo o Pe. Muard. É
isto o que devemos conservar, amar e querer dar aos que amamos e que tiverem
confiança em nós.”
Este programa foi exposto pelo Pe. Muard em suas Constituições: “Sendo a finalidade
de nossa sociedade trabalhar para a glória de Deus, para a nossa santificação e a do
próximo, pela humildade, pela pobreza, pela penitência e pela pregação, tomamos por
princípio que nosso espírito particular seria um espírito de humildade, de pobreza, de
expiação e de zelo (mas particularmente de humildade, porque o orgulho é o vício
dominante de nosso século que pode-se bem chamar o século do orgulho). Ademais,
pusemos nossa sociedade sob o patrocínio do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado
Coração de Maria, porque as virtudes que devem constituir o espírito de nossa
sociedade são as virtudes por excelência do Sagrado Coração de Jesus e do Coração de
sua Santa Mãe.”[6]
“É necessário que sejamos filhos do Pe. Muard, quanto ao espírito de uma maneira
profunda, marcada, absoluta. É também necessário, que o sejamos quanto às
observâncias, no que elas têm de possível para os temperamentos contemporâneos.”
“Na época presente, é necessário, creio, conformar-se em estabelecer observâncias de
acordo com a fraqueza dos temperamentos e, em compensação, fazer o que o Bem-
Amado pede com tão vivas instâncias: orientar inteiramente as almas para a vida
interior, para a união com Jesus, para as pequenas virtudes quotidianas. A imolação que
Jesus pedia a nosso Pe. Muard será talvez menos aparente, mas será mais íntima e
eficaz.” – São Francisco de Sales não falava diferentemente!  – “Devemos amar São
Francisco de Sales, porque o espírito com que ele esteve animado e que ele imprimiu
tão bem à Visitação é precisamente o espírito de nossa Ordem. Seria fácil prová-lo pelo
estudo da Regra e pela história de nossos primeiros santos. Dá-se muita atenção às suas
austeridades, necessárias em seu tempo, para subjugar a natureza vigorosa que eles
possuíam. Não se dá bastante atenção ao espírito interior e de oração dos quais eles
estavam cheios.” – Mas o senhor mesmo, em sua juventude, acaso não imitou as
austeridades dos antigos?  – “Tive o erro de considerar demais as virtudes exteriores,
não considerando as virtudes interiores  na mesma proporção.”
Em suma, o senhor quer orientar os seus monges para a vida interior  – “Deus, no
programa do dia 29 de janeiro de 1883, pede-nos uma casa cuja característica
fundamental, cujo ponto de partida e cuja força primeira sejam o espírito interior com
tudo o que se lhe refere.”
Mas, diminuindo as austeridades, o senhor não introduz o relaxamento? – “Quanto
mais, em princípio, queremos as grandes observâncias, tanto mais, na prática, devemos
e podemos impor atenuações àqueles nossos filhos que disso têm necessidade. É o
próprio espírito da Regra: os princípios intactos, e as atenuações dadas com uma
atenção e cuidado maternais.”
Esses princípios, aos quais Dom Romain dava uma grande importância, foram-nos
deixados por ele em seu testamento.– “A falta de princípios solidamente estabelecidos é
um terrível obstáculo ao desenvolvimento pacífico e sério de uma comunidade.”
Viva o Coração de Jesus!
Primeira sexta-feira do mês 5 de junho de 1914.
Meus filhos muito amados,
Os homens da minha idade desaparecem em grande número. Só Deus conhece minha
hora e meu dia.
Após longas hesitações, parece-me que devo deixar algumas linhas, que, com a bênção
do Sagrado Coração, poderão vos servir.
I. Meu Sucessor.
É de vossa honra e de vosso interesse escolhê-lo dentre vós e elegê-lo unanimemente.
Chegareis a tal sem dificuldade, se vos preparardes com fé e pelas sessões preliminares
que vos parecerem úteis.
Sede bastante fortes para não haver necessidade de nenhuma intervenção estranha à
Comunidade.
Não vos lanceis nem vos percais em conjecturas.
Durando o período indicado é o que tendes de melhor a fazer.
Agrupada ao redor de um chefe, a Comunidade prosperará.
II. O que é importante.
É acima de tudo a vida cenobítica segundo a Regra, com o Opus Dei, razão de ser de
nossa vocação, dando preferência à vida claustral, com apego fiel à autonomia e à
estabilidade, com a constante aplicação à Escritura, à Teologia, à Patrologia, com o zelo
das Observâncias, sobretudo com a profunda e suave caridade.
Nossos missionários só serão abençoados na proporção em que se mantiverem monges
segundo os princípios.
No dia em que eles viverem mais do exterior que do interior, eles estarão em perigo.
Não esqueçais que, para constituir uma Abadia, é necessário um mínimo de cinqüenta
padres.
Solicitude extrema pelo Noviciado e seu recrutamento e a formação dos indivíduos.
Manter constantemente o Alunato e fazê-lo progredir sempre.
Independentemente dos motivos de ordem geral, é em virtude da Justiça que devemos
nossa assistência e nosso devotamento à Abadia de Santa Escolástica. Nosso Senhor que
ama essa comunidade abençoar-nos-á proporcionalmente.
Um profundo e religioso respeito, um devotamento infatigável, a dignidade sacerdotal e
o desapego devem caracterizar esse ministério.
A Obra Beneditina pela Igreja Padecente adquiriu direito sobre nós. Nosso Senhor a
guarda e não devemos negligenciar nada para mantê-la e desenvolvê-la.
III. Saídas da Comunidade.
Nossos superiores não as imporão. Os que crerem dever pedi-las para ir para outros
lugares são livres de o fazer. Mas é necessário não esquecer que o voto de estabilidade,
que é característico da profissão beneditina, é obrigatório como os outros e que ele traz
consigo graças e vantagens das quais é melhor não se despojar facilmente.
IV. Fundações.
Há cinqüenta anos que vejo desmoronar um grande número delas. Outras se debatem na
agonia. A explicação está na maneira como estas empresas foram começadas. Meus
Filhos, sede mais que prudentes nesta matéria. Dai tempo ao tempo, rezai, interrogai a
vontade de Deus. Uma fundação monástica difere totalmente da fundação de um
simples posto ou de uma obra.
V. O Temporal.
Nada de dívidas, nada de empréstimos. A pobreza sempre.
Esperar na Providência. Saber suportar as privações. Fazer caridade com ordem,
discrição, amplidão.
VI. Ortodoxia.
Exatidão severa em seguir todas as condutas e indicações da Sé Apostólica em tudo e
por tudo.
Tomai cuidado com a imprensa e as publicações que se multiplicam.
Se se revelam em nossas fileiras espíritos dissidentes e temerários, não os sigamos.
Invoco sobre cada um de vós, meus Filhos muito amados, as bênçãos do Sagrado
Coração de Jesus que vos serão obtidas no instante de minha morte através do
Imaculado Coração de Maria. Sua presença e assistência ser-vos-ão sensíveis.
Chegando lá em cima, velarei por vós com mais poder e afeição.
Ir. Romain O.S.B.
Natal de 1914.
Meus Filhos, tomai muito cuidado. Sede Franceses católicos. Franceses monges.
Franceses em filosofia tomista. Franceses em teologia tomista. Franceses em toda a
ordem intelectual, literária, artística. É o meio de servir à Igreja.

CAPÍTULO II: A família monástica

Procurei como São Bento define a vida monástica. No Prólogo, ele


concebe o mosteiro como “UMA ESCOLA DO SERVIÇO DO
SENHOR”[7]. No primeiro capítulo,  anuncia que, “COM O
AUXÍLIO DO SENHOR”, ele vai “DISPOR SOBRE O
PODEROSÍSSIMO GÊNERO DOS CENOBITAS”, “ISTO É, DOS
MONGES QUE MILITAM EM UM MOSTEIRO SOB UMA
REGRA E UM ABADE”[8]. É esta a definição exata e completa da
vida monástica?
“A vida monástica é a consagração total da existência humana ao
serviço solene de Deus.”
Em que ela difere da vida religiosa? – “O estado religioso é o do
cristão que se consagra de uma maneira exclusiva ao serviço de
Deus. Ele faz profissão pública de perfeição, renuncia aos bens
passageiros, desfaz-se de todos os laços da carne e faz abnegação
total de si mesmo sob o jugo da obediência, em conformidade a uma
regra aprovada pela Igreja.” – Como o senhor define o estado
religioso? – “A profissão pública da perfeição cristã…”
“Que mais ainda é o estado religioso? Uma participação da Cruz e
dos sofrimentos de Nosso Senhor. – São Bento escreve, com efeito, no
Prólogo da Regra: “DE MODO QUE, PERSEVERANDO NO
MOSTEIRO ATÉ A MORTE, PARTICIPEMOS, PELA
PACIÊNCIA, DOS SOFRIMENTOS DO CRISTO A FIM DE
TAMBÉM MERECERMOS SER CO-HERDEIROS DE SEU
REINO.” – No serviço de Deus é necessário ser bravo e não aspirar
ao repouso.”
“Por sua natureza, o estado religioso é um estado de conversão.
“NOVITER VENIENS AD CONVERSIONEM.”[9] Parece-me que
esta definição é a mais exata. É necessário cada dia recomeçar o
trabalho de nossa conversão.” – Esta idéia de obrigação ao progresso
está contida na palavra “ESCOLA” escolhida por São Bento para
designar o mosteiro: “ESCOLA DO SERVIÇO DO
SENHOR”[10] – “DOMINICI SERVITII SCHOLA.” Poderíamos
traduzir sem temeridade por esta outra palavra: “Dominici schola
amoris”, escola do amor de Deus. É isso o que o glorioso Patriarca
quis dizer. Ele explica isso no começo e no fim do capítulo sétimo,
quando faz brilhar acima do décimo segundo grau de humildade o
esplendor “DAQUELE AMOR QUE, QUANDO PERFEITO,
AFASTA TODO TEMOR”[11] –  Logo, somos religiosos para
aprender a amar a Deus.
“O fundo íntimo do estado religioso é a prática contínua e mais
perfeita possível do primeiro mandamento: “Adorar a Deus e amá-
Lo de todo coração.”
Nisto o estado monástico não se distingue do estado religioso. – “A
vida monástica é o exercício contínuo, pleno e inteiro do estado
religioso.”
No entanto, a vida monástica acrescenta algo às condições da vida
religiosa. – “Ela acrescenta a separação do mundo, a reclusão
voluntária no claustro, o ofício divino de noite e de dia, o silêncio, a
penitência, uma dependência que envolve todos os detalhes e, enfim,
a estabilidade sob um mesmo superior num mesmo mosteiro.”
– Sobretudo a clausura e a estabilidade: “A OFICINA” onde o monge
deve exercitar-se é, diz-nos São Bento, “O CLAUSTRO DO
MOSTEIRO ASSIM COMO A ESTABILIDADE NA
COMUNIDADE.”[12] “A vida monástica é o campo entrincheirado,
como que a fortaleza inexpugnável do estado religioso.”
2. – A REGRA
“A maior necessidade de uma alma consagrada a Deus é a de ser
governada. O monge milita sob uma Regra, lei escrita, e sob um
Abade, lei viva.”
“A Regra de São Bento… “Haec est via”, é o caminho pelo qual
Nosso Pai São Bento entrou no céu, o caminho pelo qual devemos aí
chegar também e que nos oferece a maior segurança.”
“O texto da Regra não é o texto de um livro qualquer, é o programa
de perfeição que devemos realizar; é o programa de Deus. É o
verdadeiro programa do amor que devemos a Nosso Senhor. É o
código dos direitos de Deus e de nossos deveres.”
Este código é suficientemente detalhado? – “A Regra trata de nossa
vida de modo detalhado. Desafio qualquer um a descobrir no dia
beneditino um quarto de hora que não esteja em comunicação, em
união com a Regra. Nosso Pai São Bento não deixou nada de lado,
nem mesmo as coisas mais transitórias! A refeição? Pensa que ele a
esquece? De maneira alguma! Ele lhe fixa a hora, a disposição. Ele
fixa o acordar, o deitar, o trabalho, o que ele chama de leitura e que
é em realidade a meditação da Sagrada Escritura. Ele não esquece
nada. Quando aparecermos diante de Deus, seremos indesculpáveis,
porque não há nenhum detalhe de nossa vida que não esteja previsto
na Regra, sobre o qual a Regra passe em silêncio. Todos os assuntos
que possam ocorrer a nosso espírito, que interessem à salvação, à
santificação de nossa alma, são tratados na Regra, e de modo
admirável. Não há um minuto no dia que possa escapar à Regra.”
“Trate-a com respeito. Diga a si mesmo: Serei julgado por esta
Regra. Convém que me esforce por praticá-la. É necessário que eu
seja uma alma de Regra. A Regra será a medida com a qual serei
medido no juízo final.”
“A Regra, para um filho de São Bento, é, então, preferível mesmo à
Bíblia.” Por quê? “O código monástico é para ele a explicação da
Sagrada Escritura.”
Qual a finalidade da Regra? “São Bento, sua Regra e sua Ordem
estão na Igreja  para formar verdadeiros adoradores de Deus. Todos
os detalhes de nossa vida monástica a isso se referem como a um fim
dominante e único. Esta visão é a única que pode explicar toda a
Regra em seu conjunto, em seus detalhes e sobretudo em seu
espírito.”
“O cume da Regra é o amor perfeito.”
Como ela nos conduz até aí? “São Bento começa-o desde o Prólogo:
“APRESSAI-VOS, CORREI, diz ele, NÃO TENDES TEMPO A
PERDER.”[13] Não se trata de dissertar, de discorrer, de apreciar,
de saborear, mas de combater e de marchar. É necessário marcar
cada etapa do caminho por vitórias, por obras positivas. Seu estilo
eminentemente marcial denota quanto o espírito dos Cecilii, seus
ancestrais, havia passado para ele. Essa maneira ardente e guerreira
de nos mostrar a virtude prova também que para ele a santidade
consiste não em sentimentos, não em palavras, não em projetos, mas
somente em atos, sempre em atos. Aí não há lugar para a fantasia.
São Bento põe em destaque a ação, a ação militante aplicada ao
trabalho que é ao mesmo tempo o mais necessário, o mais decisivo e
o mais custoso: o trabalho contra o eu humano, contra a vontade e o
julgamento próprios. “A TI, AGORA, QUEM QUER QUE SEJAS
QUE, RENUNCIANDO ÀS PRÓPRIAS VONTADES… QUERES
MILITAR SOB O CRISTO SENHOR…”[14]
“A Regra, eis a verdadeira Paixão do religioso, o verdadeiro
martírio do religioso. Porque o martírio não é uma improvisação,
exceto em certas circunstâncias particulares. O martírio é a doação
total de si mesmo, de modo algum segundo a vontade do homem,
mas segundo o programa de Deus: esse programa, Ele o consignou
para nós na Regra de São Bento. A Regra pode pois ser para nós um
martírio, não uma Paixão exuberante, mas uma Paixão silenciosa,
modesta, muito ignorada, quotidiana, pela prática de virtudes
obscuras, da humildade que consiste sobretudo em se apagar para
deixar a Deus toda a glória.”
Ela nos mantém na humildade. “A Regra bem compreendida é um
remédio contra o germe de loucura que todos os homem herdaram
de Adão e Eva. O capítulo sétimo com seus doze graus de
humildade, torna o espírito sadio e o põe em equilíbrio. Põe-se a
cabeça no lugar submetendo-a a esse jugo abençoado da humildade
obediente e da obediência verdadeiramente humilde, que nos faz
abdicar do juízo próprio para acatar em tudo o dos superiores.”
Esse equilíbrio favorece nossos dons naturais… “Eles adquirem todo
seu valor e todo seu poder. A Regra de São Bento, em sua
simplicidade, fez germinar os talentos mais variados. O homem, sob
a Regra, torna-se verdadeiramente “um homem”. Posso dizê-lo após
uma tão longa experiência: a Regra possui, mais do que qualquer
outro sistema, o segredo de formar homens, “viros”. Ela forma o
caráter, dá equilíbrio e energia sob a orientação da graça, forja
homens que são verdadeiros homens.”
A Regra torna o homem apto para todas as obras. “Quando
compreendida e praticada em toda sua extensão, ela forma
verdadeiros soldados de Cristo, aptos a auxiliar a Igreja e as almas,
através de todo tipo de ministério e obras, capazes de prosseguir o
trabalho de sua santificação pessoal em meio aos trabalhos do
apostolado.”
De onde ela tira essa maravilhosa eficácia? “Nenhuma Regra
apresenta o Código da doutrina cristã como a de São Bento: é o livro
mais simples e, ao mesmo tempo, o mais importante. Sua
superioridade vem de que é toda orientada para a santidade, através
dos meios mais diretos e infalíveis. A Regra de São Bento é
essencialmente um código de santidade.”

3. – O ABADE
São Bento escreveu em sua Regra: “CRÊ-SE QUE O ABADE
OCUPA NO MOSTEIRO O LUGAR DE CRISTO, POIS QUE SE
LHE DÁ SEU NOME: “ABBA”, QUER DIZER PAI.”[15] No
pensamento de nosso Santo Legislador, o chefe da comunidade
representa a divina paternidade do  Cristo Senhor e é investido dela.
Os monges devem pois ver em seu Abade a realeza, o sacerdócio e a
paternidade pastoral do Filho de Deus.” Quão grande é o Abade aos
olhos da fé! “A autoridade é Deus.”
“Numa época e num país em que o princípio da autoridade está
completamente abalado e quase derrubado, devemos a todo preço
elevá-la entre nós e considerá-la, segundo a doutrina de nossos
Padres e da Igreja, como a base mais indispensável e mais sagrada
de nossa ordem social e de nossa santificação pessoal. Eis um
princípio no qual não se toca jamais impunemente. Se a autoridade é
abalada, por qualquer motivo que seja, a comunidade é abalada. O
princípio da autoridade é fundamental.”
É necessário então habituar-se a ver Deus em seus superiores. “Os
superiores são o sacramento da autoridade de Deus. Deve-se
considerar a autoridade como o Santíssimo Sacramento:  “Fracto
demum sacramento, ne vacilles, sed memento tantum esse sub
fragmento quantum toto tegitur”. “Quando a hóstia é quebrada, não
te perturbes. Lembra-te que Ele está tanto na parte como no
todo”[16]. É necessário não se enganar sobre isso: na Igreja, a
menor parcela de autoridade exercida por um superior de casa
religiosa é a autoridade de Jesus Cristo Rei. É Ele.  Não é tal ou tal
pessoa.  Daí vem o texto do Evangelho que São Bento cita no
capítulo quinto da Regra[17], aplicando-o aos Superiores:  “Quem
vos ouve, a mim ouve. Quem vos despreza, a mim despreza.”[18]
Como fazer na prática? – “Habituar-se a respeitar Nosso Senhor
presente no Sacramento da autoridade, como se respeita Nosso
Senhor no Santíssimo Sacramento. Durante ao menos quatro anos,
no começo de minha vida religiosa, a cada manhã, durante a ação de
graças, eu adorava a Deus na pessoa de meus superiores ao mesmo
tempo que O adorava na Eucaristia. Isso me foi muito salutar.”
– Mas se formos tentados a ver o homem em nosso superior? – “Na
pessoa dos superiores só temos a considerar uma coisa:  a
autoridade vinda de Deus através da Igreja.”
É necessário então estar sempre do lado da autoridade. – “Os
membros da comunidade são mais ou menos religiosos na medida
em que são mais ou menos intransigentes quando se trata de
sustentar a autoridade.” – Não se tem às vezes boas razões para se
afastar dela? “O religioso que se afasta da autoridade aproxima-se
do demônio. Se numa comunidade, algumas almas se desviam da
autoridade, tornam-se estranhas à autoridade, elas não o fazem
nunca, nunca, impunemente. É um começo de suicídio; a alma mata,
começa a matar sua vocação. O resultado é infalível. Quando a alma
perde a fidelidade à autoridade, ela perde tudo.” – Por quê? – “A
autoridade tem Deus em si. Quem está contra a autoridade está pois
com Satanás. O senhor despreza seu Superior; não é tal homem que
é desprezado, mas a autoridade de Nosso Senhor.”
E a comunidade fica dividida – “A autoridade é um bem comum.
Devemos todos conservá-la, sem exceção. Se todos os indivíduos
concorrem para manter a autoridade, eles firmam a comunidade.”
“A autoridade deve ser soberanamente respeitada. Tudo, na
comunidade, deve ser sacrificado para mantê-la.”
Quais são as características da autoridade do Abade? – “Ela é
pastoral, monárquica, paternal. Pastoral, pois que ela tem por
finalidade dirigir as almas: “Pasce agnos meos, pasce oves
meas”[19]. Monárquica, porque ela emana de Deus. Paternal,
porque a autoridade de Deus é paternal e a da Igreja também. Tais
são as três características sobre as quais repousa o estado religioso e
toda comunidade religiosa.”
O Pe. Muard explica em suas Constituições que nada deve escapar à
autoridade do Abade, porque ele é “a cabeça de um corpo do qual
todos os irmãos são os membros. E como o próprio da cabeça no
corpo humano é governar, conduzir, formar todos os movimentos e
todas as ações, e que, tudo se referindo a ela, não se passa nada de
que ela não seja a origem e o princípio, é necessário também, numa
comunidade bem regrada, que tudo se faça pelas ordens e na
dependência do Superior, que ele disponha de todas as coisas para a
utilidade geral e o bem dos particulares, designando a cada um suas
ocupações e seus exercícios, que ele dirija suas consciências, que ele
regule sua piedade, e que não haja nada sobre o qual não se estenda
sua vista e direção. É isso que pensava São Bento quando declarou
que o superior deve ocupar o lugar de Cristo no mosteiro, que ele
tem tudo à sua disposição e que não há nada que não esteja submisso
às suas ordens.”[20] “…São Bento concebe e define o Abade como a
alma, a vida, o centro, o árbitro e o motor da família monástica.”
Conseqüentemente ele está obrigado a residir sempre no mosteiro. –
“E permanecendo no mosteiro, ele deve se mostrar sempre acessível;
a fim de que a toda hora do dia e da noite as almas que lhe são
confiadas possam abordá-lo sem temor algum, com a confiança de
encontrar sempre uma acolhida paternal e atenciosa.”
Seus irmãos abrir-lhe-ão também com facilidade suas almas. “O
Abade só terá sobre cada um deles conhecimentos conjeturais e
incertos, observa o Pe. Muard, se eles não tiverem o cuidado de lhe
mostrar o fundo de seus corações, de lhe descobrir todos os
movimentos e de lhe expor até suas menores dobras”. E ele
estabelece que “todos os meses, os beneditinos darão conta ao Abade
do estado de sua consciência, de sua mortificação, de seu trabalho
intelectual e manual, do estado de sua saúde e das necessidades que
eles possam ter.”[21] – “Não se verá nunca um monge sinceramente
humilde e desejoso de adquirir a santidade que não seja fiel ao
quinto grau da humildade assim como à constante direção.” – “O
QUINTO GRAU DA HUMILDADE CONSISTE, diz São Bento, EM
QUE POR UMA HUMILDE CONFIDÊNCIA NÃO SE ESCONDA
A SEU ABADE NENHUM DOS MAUS PENSAMENTOS QUE
SOBREVENHAM AO CORAÇÃO OU AS FALTAS COMETIDAS
OCULTAMENTE”[22]. A seu Abade? Por que não a um padre de
fora? – “Quando se sente desejos de fazer a direção fora, arrisca-se
muito a agir por amor próprio. Temos necessidade de nos
conhecermos a nós mesmos e de sermos conhecidos pelas pessoas
encarregadas de nos dirigir. E para ser conhecido, é necessário viver
junto.”
É obrigatório dizer tudo na direção? – “Se uma falta é secreta, pode-
se dizê-la ou não. Há inteira liberdade. O direito dos Superiores é de
servi-lo. O senhor não querendo; eles não o servirão. O senhor não a
diz, ninguém lhe perguntará a respeito. Se é de seu interesse ter uma
grande abertura de coração, os Superiores devem ser também
extremamente delicados e eles o são! Eles devem respeitar a sua
liberdade, como o próprio Deus a respeita. Mas diga tudo, tudo, a
seu Pai. Seja para com ele como uma criança ingênua e simples, e
faça isso por espírito de fé, vendo nele a autoridade do próprio Deus.
Torne-se perfeito na abertura de alma e na simplicidade infantil
para com ele. É um ponto da mais alta importância e do qual
depende em grande parte sua santificação. Deus o quer.” – Podemos
ficar incomodados, intimidados – “Quando experimentamos timidez,
é a nós que devemos acusar.” – Ele brigou comigo, e eu sou
susceptível – “Quanto mais os homens estão errados, mais são
susceptíveis… e menos eles são capazes de suportar a verdade acerca
deles mesmos. É duro advertir surdos voluntários, mostrar a luz a
cegos voluntários!” – Temos, entretanto, necessidade de sermos
repreendidos – “Em todas as personalidades há remendos a fazer”.
– O senhor vai até esse ponto, decididamente, com seus filhos? – “O
costume foi mantido quase unanimemente de se poder dizer a cada
um o que lhe convém sem rodeios, nem precauções. Isso é proveitoso
para eles.”
De outra parte, a unidade de direção faz a unidade da comunidade –
“Se todos os indivíduos passam pela mesma direção, eles terão uma
mesma formação, e a comunidade inteira será encaminhada na via
que lhe convém melhor. O quinto grau da humildade basta, através
da direção, para inculcar a unidade na marcha da comunidade. É
um princípio de coesão. É o vínculo de coesão da comunidade. Que
pode afinal fazer uma comunidade na qual a direção espiritual está
ausente ou se reduz a nada? É um corpo desprovido de coesão e de
homogeneidade, privado do vínculo mais necessário que é o vínculo
espiritual. Este se estabelece, se mantém e dá frutos suaves de união,
de paz e de harmonia pela prática assídua do quinto grau.”
Como o Abade deve exercer sua autoridade? – “Nenhuma hesitação
possível na escolha entre a autoridade exercida com vigor e a
autoridade exercida com fraqueza. A fraqueza é um princípio de
ruína para a comunidade. O vigor, um princípio de incômodo e de
sofrimentos para algumas pessoas (de caráter delicado, sensível; de
espírito difícil de governar), mas o conjunto da comunidade ganha
com isso. Porque sendo fundamental o princípio da autoridade, à
medida que ela é exercida, mesmo com uma nuance de energia um
pouco acentuada demais, a marcha da comunidade se mantém. À
frente de cada grupo de monges e de monjas, é necessário haver
chefes que não temam fazer uso da autoridade, pois a autoridade
não é deles, mas de Deus. São Bento acreditava em sua autoridade,
dela se servia segundo as necessidades de seus discípulos.” – E Nosso
Senhor? – “Nosso Senhor não instituiu o sistema de cautelas. Ele não
poupou nada. Os Apóstolos seguiram suas pegadas. Eles não
esconderam nada, não diminuíram nada, não atenuaram nada. Ora,
veja o que aconteceu: o mundo foi convertido.”
“É, portanto, necessário haver chefes que conduzam o combate da
mesma maneira que nosso bem-aventurado Pai; que saibam
orientar o combate, orientar a comunidade, orientar cada cabeça da
maneira mais direta em direção à finalidade única: conquistar a
semelhança com Jesus Cristo, estabelecer o império da graça sobre a
natureza, da humildade sobre o orgulho e o amor próprio, da
mortificação e da penitência sobre a sensualidade.”

4. – A COMUNIDADE
São Bento organizou a comunidade de acordo com o modelo da
família – “Em sua constituição íntima, a vida monástica apresenta
um ambiente inteiramente familiar, com a paternidade, a
fraternidade, a expansão e a estabilidade. A reunião dos monges
forma uma sociedade completa e autônoma. Os monges são como
filhos em volta do pai. Não são nem estrangeiros, nem pensionistas,
nem hóspedes, mas verdadeiros filhos de família. O mosteiro não é,
portanto, uma simples residência, nem uma custódia[23], nem um
convento transitório, mas uma verdadeira casa paterna, uma igreja
estável por natureza e uma família completa. Quando uma alma
entra em religião, ela só deixa a família natural para entrar numa
família sobrenatural.”
A comunidade deve ser numerosa? – “Temos necessidade de ser
numerosos e dispostos em abadias poderosas para cumprir
dignamente o serviço do Opus Dei e o Apostolado. Aproveito todas
as ocasiões para gravar este princípio no espírito de meus filhos:
permanecer juntos, formar uma abadia de escol, muito disciplinada,
muito solícita, muito monástica, numerosa, podendo fornecer
homens para o exterior sem correr o risco de se deixar deformar no
interior; um mínimo de cinqüenta padres, e um esforço constante
para chegar a uma boa centena com cerca de quarenta irmãos
conversos” – Se outra fundação se apresenta… – “Que as
comunidades renunciem a toda fundação e a todo empreendimento
até que elas tenham cada uma um colégio de cinqüenta padres ao
menos, um noviciado sério e uns vinte conversos conhecendo
diversos ofícios.”
Comunidades tão numerosas podem manter a unidade? – “Não
negamos que não haja nunca pequenas divergências. As
divergências, a variedade, Deus as quer. Cada um de nós tem seu
temperamento, seu caráter; ninguém está isento de defeitos, de
faltas.” – Como unir esses elementos diversos? – “Deve-se realizar a
união dos espíritos quanto à maneira de conceber o respeito à
autoridade, a prática da Regra, quanto às verdades de fé, quanto às
apreciações gerais que devem dirigir o movimento intelectual da
comunidade. Além da união dos espíritos, é necessária a união dos
corações e das vontades, é necessário o entendimento com a
autoridade e o entendimento fraterno.” – E se os corações, as
vontades estivessem unidos sem que os espíritos o estivessem? –
“Então, a graça que se deveria pedir a Deus é que Ele estabelecesse a
união dos pensamentos como Ele já estabelecera a união dos
corações e das vontades. Do contrário, haveria aí um fermento
escondido e sempre pronto a irromper em críticas, recriminações,
disputas, murmurações e, finalmente, em graves divisões.”
Na prática, como realizar esta união? – “Não há nem mal, nem
perigo, nem conseqüências a temer, quando, numa questão
suscetível de quatro ou cinco soluções diversas, colocamo-nos
inteiramente de acordo com a autoridade na solução que ela
escolheu.”
“O que fará a força e a beleza da comunidade, é a união de espírito,
de vontade e de sentimentos que reinará entre todos. Mas esta união
só será profunda e durável  se todos estiverem muito forte e
sobrenaturalmente unidos a seu Abade.”

5. – O NOVICIADO
Esta união depende, em parte, da escolha e da formação dos
indivíduos.  Eis porque S. Bento recomenda: “QUE NÃO SE
CONCEDA FÁCIL INGRESSO” ao postulante.– “A facilidade das
entradas faz a facilidade das saídas e prepara a multiplicação
destas.”
Mas se se deseja o número… – “Os superiores e a comunidade
devem desejar bem mais a qualidade que o grande número dos
indivíduos.” – É necessário então “PROVAR OS
ESPÍRITOS” como o recomenda São Bento. – “A Igreja exige que os
candidatos sejam provados, não sejam poupados, nem solicitados
para ficarem.”
Que qualidades deve ter o postulante? – “Prestar-se-á a maior
atenção ao espírito e ao julgamento do postulante, mas sobretudo
dos que se apresentam para o coro, e ainda mais daqueles que são
brilhantes e distintos. A experiência mostra que esse é um ponto
capital.”
O senhor exige uma saúde forte? – “Os indivíduos com uma saúde
débil, sobretudo em nossos dias, não devem ser rejeitados à primeira
vista. Em nenhuma parte nosso Glorioso Pai indica a saúde robusta
como uma condição indispensável para a admissão em nossa Ordem.
No entanto, é necessário exigir o equilíbrio orgânico e, sobretudo,
uma cabeça calma e sólida.”
O senhor leva em conta as aptidões? – “A questão das aptidões é tão
supérflua como secundária. Hoje em dia preocupa-se demais com
isso. Em lugar de perguntar com simplicidade a Deus o que Ele
quer, muitas almas consultam principalmente seus gostos pessoais,
científicos e artísticos e a isso subordinam, como a uma coisa muito
importante, a escolha de sua vocação e de seu gênero de vida. Para
uma alma cristã essa questão é simplesmente secundária. Ademais,
atualmente como no passado, os trabalhos de todo gênero não
abundam nos claustros beneditinos?”
Nosso Pai São Bento quer somente que se examine se o
postulante “PROCURA VERDADEIRAMENTE A DEUS, SE É
SOLÍCITO PARA COM O OFÍCIO DIVINO, A OBEDIÊNCIA E
OS OPRÓBRIOS”[26]. – “Ele compreende que se entra na vida
religiosa para se humilhar, para servir e não para ser servido? Se ele
o compreende é um sinal de vocação. Se ele não o compreende,
convém admiti-lo? Sim, mas por misericórdia, desde que ele queira
se converter acerca desse ponto importante. Se se percebe que suas
pretensões são calculadas e mostram alguma tendência a se
realizarem na prática, evitem recebê-lo. Admitir em comunidade um
orgulhoso que quer alimentar seu amor próprio, seria introduzir
algo de satânico na comunidade.”
A piedade é um sinal de vocação ? – “Pode-se temer tudo de uma
alma que se diz piedosa, mas que é escrava de sua vontade e de seu
julgamento próprio .”
E a obediência ? – “A boa e verdadeira obediência basta, apesar de
disposições imperfeitas, para denotar a vocação.”

6. – OS VOTOS
Um ano de noviciado permite julgar acerca das disposições do
indivíduo. Então, se a comunidade o admite, ele pronuncia, por três
anos, os três votos de religião: pobreza, castidade e obediência. À
expiração desse prazo, tendo sido a comunidade novamente
consultada, ele pronuncia os votos solenes que o consagram
definitivamente a Deus e o tornam membro da família monástica. A
fórmula desses votos se encontra na Regra de São
Bento: “PROMITTO STABILITATEM, CONVERSIONEM
MORUM MEORUM ET OBEDIENTIAM SECUNDUM
REGULAM”. “PROMETO A ESTABILIDADE, A CONVERSÃO
DE MEUS COSTUMES E A OBEDIÊNCIA SEGUNDO A
REGRA.”[27] “Desde o século VI, essa fórmula tão breve em seus
termos, tão profunda e tão absoluta em seu sentido, não sofreu
nenhuma modificação.”
1. Estabilidade
“Em primeiro lugar a estabilidade, pela qual, no que
depende de si mesmo, o monge está fixado na
comunidade que ele escolheu e adotou.”
“A família repousa sobre a estabilidade. O Pai e a Mãe são pai e mãe
sempre. Só a morte pode romper o exercício de sua autoridade. Os
filhos serão filhos sempre. O voto de estabilidade nos fixa sob a
autoridade do Abade até a morte. Ele une para sempre o soldado de
Cristo aos chefes e aos companheiros de armas uma vez escolhidos.”
 
Quais são as vantagens da estabilidade? – “Mantendo-se as mesmas
pessoas em presença umas das outras, a estabilidade lhes dá  uma
implacável penetração mútua dos menores defeitos, que é pouco
cômoda para o amor-próprio, mas preciosa  para o bem de cada um
e para a ordem geral. Assim se acham corrigidas duas tendências
que se revelam quando falamos de nós mesmos: primeiramente,
consiste em atenuar, disfarçar o melhor possível, tudo o que é contra
nós; em segundo lugar, fazer sobressair artisticamente tudo o que é
a nosso favor. São Bento estabeleceu o voto de estabilidade contra
essas duas tendências. É um remédio contra as ilusões.”- E contra a
inconstância… – “Tira as ocasiões de variação, de inconstância.
Concentra as diferentes fases do combate num mesmo lugar, sob o
mesmo comando, diante das mesmas testemunhas, no manejo das
mesmas armas, todas escolhidas por um mestre como São Bento.
Assim, pela estabilidade, o combate espiritual é reduzido a uma
espécie de duelo em campo cerrado, e este se prosseguirá sem
descanso, o que é necessário, pois durará toda a vida; é necessário
conduzi-lo com perseverança. Ora, se nas obras importantes e
trabalhosas, a estabilidade dá o seguimento indispensável, ela é bem
mais necessária num trabalho de santificação, que deve durar a vida
inteira. Do ponto de vista instrumental, ela é decisiva. Ela fixa,
prolonga, une à ação do tempo e da continuidade, a ação da graça. A
perseverança é a melhor tradução do voto de estabilidade.”
 
Esse engajamento não é difícil de manter ? – “Não. A estabilidade
produz, pouco a pouco, o equilíbrio das faculdades, a paz da
consciência, uma visão muito mais clara de si mesmo. Ela estabelece
as almas na calma e no silêncio interior, num estado que as mantém
sem cessar à disposição do Espírito Santo. “Non in commotione
Dominus”. É por isso que ela é praticada sem dificuldade.”
 
Então, ela é necessária? – “Tocar no voto de estabilidade, é demolir
a Regra. Pode-se notar através do curso da história monástica que
onde a estabilidade não existe, os desenvolvimentos são muito
difíceis e, ainda assim, momentâneos. Ao contrário, logo que essa
virtude intervém, tudo é possível. Mosteiros, pouco numerosos aliás,
não compreendendo a importância da estabilidade, não a aplicando,
ficaram em situações incertas, e foi preciso que o conjunto de
religiosos de uma província interviesse para remediar a situação. Os
mosteiros isolados se esgotaram. Mas, onde se manteve a
estabilidade com toda a sua força, os mosteiros floresceram, apesar
das cegueiras do período contemporâneo dos séculos XVIII e XIX.”

2. Conversão de Costumes
 
 
“É incontestável que o voto de conversão de costumes é mais elevado
que o de estabilidade. “Não é pouca coisa, diz a Imitação, viver no
Mosteiro e aí perseverar fielmente até a morte.” E, no entanto, é
coisa bem maior ainda exercer, durante esse tempo de perseverança,
seu voto de conversão de costumes.”
Que significa esta expressão? – “Discutiu-se muito sobre o alcance
desta expressão “conversão de costumes”. Pouco importa! Tomemo-
la na simplicidade do termo. É a obrigação de tender sem cessar a
afastar-se do mal e aperfeiçoar-se no bem.”
Na prática, a que obriga esse voto? – “1- Ele exclui, com mais força
do que o decálogo, o pecado mortal, o pecado venial, o apego ao
pecado, a negligência em relação aos defeitos.”
“2- Ele pede o uso mais perfeito possível do sacramento da
penitência e, por conseqüência, o exame de consciência sem ilusão, o
zelo em combater as pequenas faltas, o conhecimento exato do que 
exige a pobreza, a castidade, a obediência, a estabilidade, a fim de
praticar as virtudes que são o objeto desses votos com todas suas
delicadezas.”
Esse voto é então diretamente oposto ao pecado. – “Desviar-se do
pecado é o começo da conversão.  A conversão de costumes é pois,
antes de tudo, a abolição do pecado. Ela começa na consciência que
deve ser regrada, esclarecida sobre os verdadeiros princípios e que
não deve confundir o mal com o bem, desculpar suas faltas. Que não
haja ilusões.”
É a primeira etapa. Em seguida… “Ela obriga a tender à perfeição, a
progredir todos os dias. 1- Para não se lhe opor, é suficiente ser fiel à
Regra em geral. 2- Para atingir o fim desse voto, devemos nos
compenetrar não somente da letra, mas do espírito da Regra, não
podemos nos contentar somente por não estarmos recuando, mas
devemos avançar e trabalhar positivamente para eliminar os
defeitos. Não se trata aqui de uma veleidade de combate contra os
defeitos, de algumas resoluções abandonadas logo: a luta deve ser
determinada (não há compatibilidade entre a  conversão de
costumes e tudo o que se chama negligência, tibieza, à vontade,
espírito do mundo e procura de si: a primeira conversão consiste em
separar-se de si mesmo), a luta deve ser determinada, começada,
continuada com perseverança até a eliminação dos defeitos.”
“O ponto em que é necessário colocar o esforço inicial: as
disposições interiores; as intenções em primeiro lugar; em seguida,
os movimentos tão variados que se passam no íntimo de nossa alma
e que só Deus pode discernir. A escolha dos pensamentos, das idéias
que é necessário entreter ou afastar, o desaparecimento das
incertezas, das hesitações, das vontades que não estão
suficientemente definidas (nossa marcha para Deus deve ser direta,
firme, simples e contínua). Oh! sim, a conversão de costumes
assegurada na região dos pensamentos, dos sentimentos, das
disposições em relação a Deus primeiramente e, em seguida,  em
relação ao próximo.”
Chega-se assim à eliminação dos defeitos... “E a eliminação dos
defeitos prepara a aquisição das virtudes, na qual consiste a
construção do edifício espiritual.”
Chega-se à conversão perfeita? – “A conversão simples e perfeita é,
com o ódio e a expiação do pecado, a adesão perpétua a Deus num
estado de luta para manter o seu reino e reagir contra tudo que a
isso se oponha. Assim entendida, a conversão designa e pede a
prática de toda a Regra.”
De modo que esse voto tende a nos introduzir na vida mística. – “Há
uma conexão íntima de natureza entre a vida mística e o voto de
conversão de costumes. Na vida mística a alma move-se e deixa-se
mover principalmente pela iniciativa divina. A alma se entregou sem
reserva, e Deus, encontrando essa fidelidade, a conduz aonde Ele
quer. O voto de conversão de costumes é o estímulo às almas a
nunca parar, a não pôr limites à ação da graça.”
“Ora, à medida que ela avança, ela vê, da maneira mais clara, que
ela é indigna, que  não fez nada, que Deus é muito bom por suportá-
la. Ela adquire d’Ele um conhecimento de tal modo resplandecente
que, à luz da santidade divina, ela vê, nos seus atos de virtude,
sobretudo o que não é e o que deveria ser, o que seria conveniente
para que ela pudesse apresentar-se diante da face do Senhor. E com
essa visão que lhe dá a aproximação de Deus, nascem estímulos
poderosos para fazer sempre mais.”
“Na vida mística, chega sempre um momento onde a alma está
menos preocupada, por assim dizer, em se santificar, do que em se
imolar a Deus. Mas ela já sabe que a imolação, para ser digna de
Deus, deve ser acompanhada de uma grande santidade. Como
querer que a alma deixe de progredir nessa escola do calvário? O
voto da conversão de costumes, considerado desse ponto de vista, à
luz da vida mística, aparece como a mais bela homenagem que uma
criatura pode prestar a seu Deus. Assim considerado, ele ornamenta
com seu reflexo magnífico os outros votos, que então são elevados ao
seu grau mais alto. O voto de obediência é praticado de tal maneira
que a vontade do homem se funde completamente na de Deus. A
pobreza é vivida à maneira de Nosso Senhor Jesus Cristo: a mais
completa indiferença com relação aos bens desse mundo. A
castidade é observada a ponto de espiritualizar o que há de mais
material.”
“Assim realizado, o voto de conversão de costumes reflete-se,
resplandece no amor. Ele se confunde, de certo modo, com o amor.
O amor conduz a alma a desejos cada vez mais vivos de virtude e de
santidade: o voto de conversão de costumes mantém no coração, na
vontade, um desejo insaciável de combate e de vitória. A alma se
lança seguindo Nosso Senhor. “Exsultavit ut gigas ad currendam
viam.”
Existem, pois, vários graus na conversão. – “Converter-se do mal ao
bem, eis o voto no grau inicial. Depois, converter-se do bem ao
melhor, do melhor ao perfeito, do perfeito ao heróico.”
“Desse caminho luminoso a percorrer, todas as etapas são distintas,
determinadas, descritas no texto da Regra e por um dos maiores
Doutores e Diretores de Santidade prática, o Bem-Amado de Deus,
Bento. Esta Regra, obra-prima de legislação monástica e social, é
também o código mais bem combinado, o mais simples e o mais
completo do ascetismo cristão. A conversão que ela exige, em virtude
do voto, ela a toma no seu grau inicial, que é a ruptura com o
pecado, para conduzir “ ÀQUELE AMOR DE DEUS QUE, SENDO
PERFEITO, EXPULSA O TEMOR”. “CARITATEM ILLAM
QUAE PERFECTA FORAS MITTIT TIMOREM.”
3. Obediência
 
“Na prática e no detalhe, a conversão de costumes se resume na
obediência que é o objeto do terceiro voto e que conduz à abnegação
total de si mesmo.”
 
“Não há nenhum estado em que a obediência não deva interferir,
visto que é ela que resume a vida de Nosso Senhor e que é a lei
fundamental da Igreja e de todas as almas que caminham nas vias
da salvação. Mas, no próprio seio da Igreja, o gênero de vida mais
concentrado na obediência é incontestavelmente o estado monástico
com a Regra que lhe é própria. Veja-se somente o capítulo cinco da
Regra. É a fusão do “eu” humano com a vontade de Deus
manifestada pela autoridade legítima, nos limites de suas atribuições
e sempre segundo a Regra.”
 
“A santidade se resume nisto: nossa vontade se submetendo tão bem
e com tanta constância à vontade de Deus, que não se possa
encontrar mais nada em nós fora dessa vontade dominando a
natureza, em todos os seus detalhes. É a realização desta palavra de
Isaías: “Vocaberis: Voluntas mea in ea”. O termo da santidade é a
obediência. É preciso que tudo se faça na obediência. A obediência é
Deus em nós e nós em Deus.” – O grau de santidade mede-se, pois,
pelo grau de obediência. – “Um beneditino vale o que vale sua
obediência.”
 
Se pensássemos nisso, seríamos exatos na obediência. – “É preciso
ser muito delicado na obediência. A vontade do religioso constitui a
matéria do holocausto que ele põe sobre o altar quando faz
profissão. Logo, por pequenas que sejam as faltas contra a
obediência, elas se tornam uma rapina no holocausto.”
 
No entanto, a obediência custa! – “Nossa vontade própria é tão
pegajosa! Trazemos em nós uma coleção de resistências que é
preciso sacrificar a Nosso Senhor até o nosso último suspiro.”
É preciso ainda querer obedecer com sinceridade. – “Quer-se
obedecer, pretende-se obedecer, mas, por mil voltas e com belas e
piedosas invenções, pensa-se enganar a Deus e retoma-se para si
toda a vontade e todo o julgamento dos quais lhe havíamos feito um
holocausto eterno. Esses são fantasmas de religiosos, aparências de
pessoas que querem a santidade, mas que a querem em poesia, em
imaginação.” – É acaso possível tornar-se um religioso dessa
espécie? – “É suficiente, para isso, entrar na via dos “mas” e dos
“se”. Perde-se tempo conversando consigo mesmo. Cansa-se a
bondade dos melhores superiores que não compreenderão mais
nada, que decidirão dizer: “Faça como quiser!” Que tristeza haver
entrado em religião para obedecer e não obedecer.”
 
É preciso obedecer sem demora. – “Pensar dez vezes antes de
obedecer não é olhar para trás e começar já a sua própria derrota?
O atraso transforma-se, muitas vezes, em omissão.” – Mas, e se
tivermos uma razão para demorar? – “Por que esperar quando
Deus fala, senão porque nos preferimos a Ele?” – “O PRIMEIRO
GRAU DA HUMILDADE, escreve com efeito S. Bento, É A
OBEDIÊNCIA SEM DEMORA. ESTA CONVÉM ÀQUELES QUE
ESTIMAM NÃO HAVER NADA MAIS CARO QUE  CRISTO.” –
“Não se tem a virtude da obediência, senão quando os atos dela são
feitos com prontidão. Se há prontidão da obediência, a alma é
fervorosa.”
 
Isto supõe uma grande renúncia. – “A obediência é a espada da
renúncia penetrando até o mais íntimo do nosso ser, para nos retirar
de nós mesmos.”
“A obediência é o dom da alma a Deus. De outro modo, dê quantos
presentes quiser a Deus e não lhe terá dado nenhum. Quando Nosso
Senhor nos diz: “Fili, praebe cor tuum mihi”. “Meu filho, dá-me o
teu coração”, é como se nos dissesse: “Dá-me tua vontade”, pois o
fundo mais íntimo do coração consiste na vontade. A própria
virgindade é pouca coisa diante de Deus quando não é coroada pela
obediência e pela humildade.” – Nada vale mais que nossa
obediência, porque nada mostra melhor a Deus o nosso amor. –
“Deus nos pede o amor provado pela submissão.”
 
É preciso então oferecer-lhe uma obediência sem limites. – “Todo o
esforço da santificação consiste em sacrificar sua vontade profunda
por uma obediência universal, constante, tanto interior como
exterior.”
 
O voto nos pede tudo isso. – “Para guardar estritamente o voto, é
suficiente não elevar-se deliberadamente contra uma ordem formal e
expressa. Mas deve-se desejar mais. Não desejemos guardar somente
o princípio da obediência, é preciso abraçar toda a obediência; não
obedecer somente a uma ordem, mas também a um conselho, a um
desejo expresso ou simplesmente adivinhado, pensando que é mais
perfeito obedecer a um conselho do que a uma ordem, a um desejo
do que a um conselho, a um desejo adivinhado do que a um desejo
expresso. O religioso que compreende sua vocação não deve se
limitar a guardar o princípio da obediência, mas aplicar-se a ser fiel
a ela nas menores nuances. O monge deve formar seus pensamentos,
suas apreciações interiores, seus sentimentos sobre os princípios
estabelecidos e deles se penetrar totalmente.”
 
Os dons naturais são apagados pela obediência assim
compreendida? – “O esplêndido relevo com que se destacam através
da história as personalidades tão variadas dos santos e santas da
Ordem Beneditina prova bem que a obediência, longe de anulá-los,
leva a seu mais alto grau de perfeição os dons naturais recebidos de
Deus. Se o grão de trigo humano cai em terra de obediência para aí
morrer em honra de Deus, torna-se então capaz de frutificar com
maravilhosa abundância.” – Como ela opera essa maravilha? – “A
obediência tem uma recompensa imediata: a tranqüilidade de
espírito.” – O espírito tranqüilo é lúcido. – “Nós já não somos muito
esclarecidos nesta terra. E quando nos pomos a seguir nosso próprio
espírito, então, é a noite completa.” – Ao contrário, há luz quando
seguimos o espírito de Deus. – “Quem abdica da sua própria
sabedoria encontra a de Deus.”
 
O sacrifício do julgamento é difícil de realizar? – “O sacrifício do
julgamento não consiste em aniquilá-lo, nem em suprimi-lo, mas em
submetê-lo para servir-se dele com mais segurança, conformando-o
com o de Deus, manifestado pelos superiores.”
 
Deixar-se conduzir por Deus. – “Se os homens quiserem ser justos,
que eles se deixem conduzir. Nada é tão temível como a iniciativa
humana pessoal em todo tipo de coisas e, sobretudo, na maneira de
se conduzir. Ora, assim começam todas as suas faltas: eles resolvem
conduzir-se a si mesmos.” – Então as paixões os conduzem. – “Nosso
escudo contra as paixões é a docilidade. A sã e verdadeira liberdade
acha-se na obediência sem demora, a qual exclui todas as
escravidões, quaisquer que sejam.”
“Com a obediência, não há nada a temer: a alma fica numa fortaleza
protegida de todos os lados. Por quê? Porque a obediência é a
vontade de Deus posta em prática sem condições, sem discussão, sem
“se”, sem “mas”: Vós quereis isto, meu Deus? então será isto!”
É suficiente querer? – “É fácil dizer ‘a obediência’; mas que grande
virtude! É necessário todo o tempo da vida religiosa para adquiri-la.
A obediência e a santidade são uma coisa só.”
“Obedecer a Deus, mas como a um Deus.”

4. Pobreza
 
 
Os beneditinos não mencionam a pobreza  quando pronunciam seus
votos solenes… “porque a pobreza é essencial ao estado de
perfeição.” Pelo fato de se estar no estado de perfeição, está-se
obrigado à pobreza. – “O voto de pobreza tem a importância de um
alicerce;  sem ele, o estado religioso não existe, é impossível chegar à
perfeição. Por quê? “Si vis perfectus esse, vade, vende omnia et da…”
Em que ele consiste? – “É o engajamento sagrado pelo qual nos
despojamos de toda liberdade na disposição dos bens deste mundo.
Doravante não se tem mais a propriedade deles. Não se dispõe de
nada, “NIHIL OMNINO NIHIL”, diz São Bento, NEM MESMO DO
SEU PRÓPRIO CORPO. É a nudez do crucifixo.”
5. Castidade
 
 
 
 
O voto de castidade é igualmente essencial ao estado religioso; sem
ele não há vida religiosa. Como o voto de pobreza, ele está pois
implicitamente compreendido no voto de estabilidade, de conversão
de costumes e de obediência.
Veja-se a sobriedade de Nosso Pai São Bento: “CASTITATEM
AMARE”. Essa sobriedade é um ensinamento para os monges. A
castidade é talvez antes uma resultante do que uma virtude distinta,
uma resultante da humildade e, sobretudo, da obediência. São Pedro
diz: “Animas vestras castificantes in obedientia caritatis”. “Tornai
vossas almas castas pela obediência”. As três fontes da castidade são
pois: a humildade, a obediência, mas, antes de tudo, a Obra de Deus
(Ofício Divino). O Opus Dei, desde a primeira palavra até a última,
no seu texto, nas suas cerimônias, nas suas próprias melodias, é uma
semente de pureza angélica: tudo nele vem do mundo angélico, tudo
nele faz voltar a esse mundo.
 
A castidade não é um duro sacrifício? – “A castidade é um cativeiro
de tal modo doce que após tê-lo experimentado não se pode viver
sem ele, sem querer que ela impere cada vez mais. Essa felicidade da
castidade é:
 
1 – para a inteligência: a pureza, a acuidade, a penetração do olhar.
 
2 – para a vontade: o vigor, a força, uma têmpera especial.
 
3 – para o coração: a independência. O coração é terno, penetrado
de humildade, dotado de uma sensibilidade muito especial. A
natureza humana é violentada, desonrada, ela não é mais ela mesma,
quando falta a castidade, pois a castidade é o domínio da alma sobre
os sentidos.”
 
“Estejamos dispostos a dar nossa vida antes do que cometer, nesse
ponto, a mais leve falta. Ela é ou não é. É preciso que ela apareça em
sua integridade, que reine sobre a alma, sobre o corpo, na conduta
interior.”
 
São Bento recomenda: “CASTITATEM AMARE”. “Amar a
castidade como Deus a ama. Amá-la de uma maneira absoluta.”
CAPÍTULO III: A vida monástica

1. – O OPUS DEI
“São Bento chama “Opus Dei” – “Obra de Deus” – a celebração do
louvor divino.”
“O fundo íntimo do estado religioso é a prática contínua e a mais
perfeita possível do primeiro mandamento: “Adorar a Deus e amá-
Lo de todo o coração.” É a razão pela qual São Bento escreve em sua
regra que “NADA SE ANTEPONHA AO OFÍCIO DIVINO”,
“NIHIL OPERI DEI  PRAEPONATUR”. São Bento traduz
simplesmente a vontade de Deus e da Igreja quando coloca o Ofício
Divino acima de tudo. Tudo, no plano divino, se relaciona com a
celebração da glória de Deus.”
O mundo esqueceu essa verdade. É por isso que o Pe. Muard escreveu
em suas Constituições: “Neste século que não reza, é preciso homens
que, como outros Moisés, elevem as mãos na montanha”. “Portanto,
antes de tudo, o Ofício Divino.”
“A homenagem do louvor é uma necessidade social. Toda a razão de
ser da vida monástica é a celebração do Ofício Divino.”
“Todos os detalhes de nosso dia são preparação ao Ofício Divino.
Assim, longe de sacrificá-lo por causa de nossas outras obrigações,
nós estabeleceremos a ordem e a prática delas de tal maneira que
todas se relacionem para facilitá-lo, melhorá-lo, deixar-lhe as horas
determinadas desde a antigüidade e dar-lhe o maior  esplendor.”
Contudo, existem as necessidades da vida… – “O Ofício Divino não
será nunca um obstáculo nem um entrave às obrigações secundárias
indispensáveis, seja para a vida da comunidade, seja para o bem do
próximo. É a razão pela qual São Bento, quando ordena o ofício da
noite durante o verão, sem tocar nos salmos, simplifica e abrevia
todos os outros detalhes, “POR CAUSA, diz ele, DA BREVIDADE
DA NOITE”. – Essas obrigações secundárias não poderiam invadir o
dia do monge e tomar, pouco a pouco, o primeiro lugar? Por exemplo,
as obras sociais… – “Obras de caridade, humanitárias, sociais,
familiares de todo tipo: sim, mas com a condição de que em seu
cume brilhe, para vivificá-las e mantê-las em equilíbrio, a grande
Obra primordial, a Mãe de todas, a “OBRA DE DEUS”.
E se a comunidade não for suficientemente numerosa? – “Que toda
fundação monástica seja projetada, desde o início, de maneira a
poder-se estabelecer aí, o mais cedo possível, a celebração, com toda
a solenidade, do Ofício Divino. Como é triste ver monges agrupados
em minúsculas brigadas, ou, o que é pior, condenados ao isolamento:
eles estão privados da alma de sua vida.”
“O ponto culminante da vida monástica é o serviço, a intimidade e o
gozo de Deus através da oração multisecular da Igreja.”
O monge penetrado desses pensamentos deve, alegremente, se apressar
ao toque do sino que o chama ao coro… “O coro é o encontro
misterioso de Deus e de sua Igreja”. Como chegar atrasado a tal
encontro? – “A falta de pontualidade se dirige aqui à majestade
divina”. – Deus se encontra no coro… “Na estação, nossa reunião em
nome de Nosso Senhor torna-O presente no meio de nós”. Porém
mais ainda no coro… “Deus está na sua Obra.”
O Ofício Divino é fácil? – “Nossa pobre alma, pelo peso que lhe é
natural, tende a descer. Ela não se eleva facilmente para Deus. Mas
quando ela é ajudada durante o Ofício, por todos os símbolos
exteriores, pelo canto, pelas palavras, é menos difícil. Se então ela se
aplica, ainda que pouco, ela sobe com as palavras da oração, ela sobe
até Deus.”
O demônio não atrapalha? – “Quando tomamos lugar no coro, os
demônios nos observam, eles nos combatem com todas as suas
forças… Se nos colocamos do ponto de vista infernal, o Ofício é uma
provocação. Satanás odeia a oração, ele nos estrangularia se Deus
não o detivesse.”
“O Ofício Divino não é um repouso, mas um combate, e um combate
vitorioso. O culto que prestamos a Deus tem por conseqüência
imediata o combate da fé, o combate da esperança, o combate do
espírito contra o poder das trevas. Nós somos os soldados de Deus,
seu exército em linha de batalha.”
Nossos Anjos, felizmente, não nos abandonam. – “Eles velam mais do
que nunca, e Deus nos concede sua graça, seu socorro, a fim de que
possamos celebrar o Ofício com o fervor conveniente.
“CONSIDEREMOS, diz São Bento,  DE QUE MANEIRA CUMPRE
ESTAR NA PRESENÇA DA DIVINDADE E DE SEUS
ANJOS…” Nossa postura no coro é modelada na dos anjos diante
do trono do Eterno, e eles cantam de uma extremidade do paraíso à
outra.”
Por que celebramos o Ofício na igreja? – “É no templo e em torno do
altar que a Igreja coloca seus cantores do louvor divino, porque
Jesus é Eucaristia, e o Ofício Divino só pode ser dignamente
celebrado com Jesus, em Jesus, por Jesus. Jesus Cristo, presente na
igreja na Eucaristia, quer ser a alma, o centro, o móvel, a chave, o
tudo do Ofício Divino.”
“E sendo a Eucaristia primeiramente um sacrifício, é o ato sagrado
da Missa que constitui o coroamento quotidiano do Ofício Divino.
Com a Missa se relacionam, portanto, todos os detalhes do Ofício do
dia e da noite, textos, notas, cerimônias, determinação e escolha das
horas. Assim, de acordo com sua natureza e tudo aquilo que lhe dá
sua fisionomia exterior, o Ofício Divino é o culto eucarístico ao
mesmo tempo o mais antigo, o mais racional e o mais completo.
Quando falamos do Ofício, falamos da Missa, uma vez que o Ofício
se relaciona com a celebração do divino sacrifício.” – É dela que ele
tira o seu poder . – “A oração litúrgica concerne a toda extensão da
crucificação de Nosso Senhor e da Redenção.”
Separado de Jesus, nosso louvor não seria nada. – “Deus eterno sendo
o único que se conhece a si mesmo, só Ele próprio pode dignamente
dar-se glória. A geração do Verbo, tal é o cântico por excelência do
Ofício. O Ofício Divino é Deus mesmo celebrando sua glória pelo
ministério de seu Verbo encarnado e da Igreja, sua esposa… O
Ofício Divino é a compenetração mútua do Esposo e da Esposa
(“Vox sponsi et sponsae”) para dizer a Deus sempre e em toda parte,
aqui em baixo e no céu, o hino da glória: Sanctus, Sanctus, Sanctus.”
Deus não é pois indiferente a nenhum detalhe do Ofício Divino – “Não
somente Ele inspira em segredo a oração, mas a dita, com as
fórmulas, as modulações e as cerimônias de sua escolha.”
A .  A salmodia
 
 
 
 
“O texto sagrado dos salmos é um ditado de Deus. Nós salmodiamos
sob o ditado de Deus. Nossa alma não precisa senão se conformar a
ele. Nós temos a certeza de dizer a Deus aquilo que Ele quer ouvir.
Na  oração particular não podemos ter a mesma garantia.”
 
“Que honra para o homem cuja boca se abre dessa maneira para
apregoar a palavra de Deus! Quando recitamos os salmos, o que
dizemos é infinitamente superior àquilo que pensamos. Nunca, fora
da salmodia, chegaríamos a compor um semelhante discurso. Deus
nos eleva acima de nós mesmos fazendo-nos cantores de sua glória.”
 
Mas ficamos muito abaixo dessas palavras divinas. – “Há de um
lado a palavra de Deus que, pronunciada por Ele, é magnífica,
grande como Ele mesmo, e do outro lado, nossas pobres e pequenas
inteligências cuja visão é limitada e cuja maneira de ver as coisas é
muito imperfeita. Apesar das repetições, apesar do poder da
inspiração divina, os salmos não podem deixar em nossa alma senão
uma imagem muito incompleta das realidades que somos destinados
a contemplar.”
 
São Bento a este respeito não recomenda menos que “SALMODIAR
DE MODO QUE NOSSA MENTE CONCORDE COM NOSSA
VOZ”. “Como? Pela união com Nosso Senhor que vive no
verdadeiro cristão, de maneira que, rezando este, é Jesus Cristo que
reza nele e por ele.” – Santo Agostinho afirma com efeito que, “nos
salmos, é Cristo que fala”. – “Nossa voz só exprime uma coisa,
Cristo, chave de todos os salmos, de todas as profecias, de todos os
hinos: ela só exprime Cristo, porque Cristo é o único mensageiro de
Deus, o único intermediário entre as criaturas e Deus.” – Santo
Agostinho diz também: “Sempre, ou quase sempre, é preciso ouvir
num salmo a voz de Cristo inteiro, a cabeça e o corpo”. – “O salmo é
uma reprodução da vida de Cristo e da vida das almas. Seu texto se
relaciona sempre com Cristo, a Igreja, ou com as almas que
compõem seu corpo, pois os salmos são feitos para a alma.” – Acha-
se sempre aí, portanto, alguma coisa para nós? – “Mesmo para um
iniciante, há um sentido.”
 
Que é necessário fazer para descobrí-lo? – “São Bento indica o único
meio: a fé profunda e atual na presença de Deus, e é tudo.
“CONSIDEREMOS, POIS, DE QUE MANEIRA CUMPRE ESTAR
NA PRESENÇA DA DIVINDADE”, escreve São Bento. Esse meio é
suficiente para produzir todas as outras disposições da oração
íntima, com suas variadas nuances.” – Como é isso? – “Quando
cantamos um salmo na presença de Deus, nossa alma fica atenta;
então somos assistidos pelo Espírito Santo que nos comunica os dons
de Sabedoria e de Entendimento.” – Por isso São Bento recomenda:
“SALMODIAI SABIAMENTE”, “PSALLITE SAPIENTER” –
“Este pequeno advérbio, “SABIAMENTE”, indica de que maneira é
necessário celebrar o Ofício Divino. Cantamos o Verbo Eterno.
Cantemo-lo com sua nota, com o seu timbre. A nota do Verbo é a
Sabedoria do Verbo. Portanto, a salmodia é a obra mais elevada de
todas, aquela à qual se deve levar mais sabedoria. E esta sabedoria
consiste no que diz Nosso Pai São Bento: “SIC STEMUS AD
PSALLENDUM UT MENS NOSTRA CONCORDET VOCI 
NOSTRAE”. Importa que a inteligência tome parte, que ela se
aplique a conhecer o sentido do texto sagrado. Nosso amor deve
saborear os salmos. Nossa piedade deve nutrir-se deles. Se é verdade
que não podemos nos demorar meditando cada versículo, é também
verdade que uma só idéia bem penetrada pode nos ser suficiente
para meditar todo tempo do Ofício.”
 
O senhor distingue o trabalho da inteligência e o trabalho do
coração? – “Eles devem efetuar-se ao mesmo tempo. A inteligência
deve se aplicar a conhecer o sentido do texto sagrado. Não
poderíamos deixar de seguir as verdades que irradiam das palavras
pronunciadas pelos lábios. Isso se faz com maior ou menor
profundidade, mas o dever é de se exercitar nisso com método e
perseverança. Esse trabalho preserva do vago e dos desvios. Para
cada um dos textos, mesmo os mais elevados, encontra-se uma
grande variedade de interpretações. Pode-se escolher a seu gosto. É
necessário adotar o sentido que dá satisfação à verdade, às
inspirações da alma. Que não se tenha preocupação, além da
medida, com as circunstâncias exteriores às quais eles fazem
alusão.”
 
Qual deve ser a parte do coração? – “É necessário meditar com o
coração, quer dizer, com afeição. O texto do Opus Dei é estimulante
para a consciência e para a vontade se a alma procura a Deus com
retidão. Como as centelhas do amor sagrado não jorrariam com
abundância, se Nosso Senhor só veio a este mundo e só canta nele
sua Obra para inflamar os corações nobres? “Ignem veni mittere in
terram, et quid volo nisi ut accendatur?” Para cantar dignamente os
louvores divinos, é preciso a plenitude do coração humano
santificado pela graça, com todo o poder que ele tem de amar, de
admirar e de agradecer ao Senhor.”
 
Então a salmodia é uma prece? – “Ela torna-se um diálogo com
Deus. É a oração. Deixe-se envolver; é a substância da oração, da
alma verdadeiramente fundida em Deus. É a oração mais completa,
mais substancial, mais luminosa, mais concludente. A oração jorra
das entranhas do Ofício Divino.”
 
“O Ofício Divino não consiste em articular sílabas, nem em um
cerimonial: essas coisas exteriores são condutoras da alma às coisas
interiores. A alma do Ofício é a contemplação, a vida mística, a
substituição da nossa vida pela vida de Nosso Senhor. É Jesus
vivendo em nós.”
B.  O canto
“Executado sem canto ou mal cantado, o Opus Dei fica incompleto
para nós e não temos o direito de dizer que ele está da maneira que
Deus quis. “Cantate Deo”, “Psallite in cithara”. Deus destinou nossa
voz para cantá-Lo na eternidade. Deus quer que se O cante.”
Por isso os monges cantam. – “Se os monges amam, se cultivam com
um zelo cuidadoso o canto gregoriano, é primeiramente para se
conformar à Regra: “SICUT PSALLIT ECCLESIA ROMANA”. É
também porque cada vez mais a experiência lhes demonstra que o
canto litúrgico é parte integrante do culto que eles devem a Deus.”
Eles sempre cantaram… “Foi um Papa, filho de São Bento, São
Gregório Magno, quem redigiu de uma maneira definitiva a notação
dos hinos e da salmodia para a Igreja Romana. Ele foi obedecido
admiravelmente, mas em nenhuma parte com tanta fidelidade como
nos mosteiros.”
“Em nossos dias, Dom Guéranger e os monges de sua Congregação
de França restabeleceram a versão e a execução do canto de São
Gregório. Pio X o impôs a toda a Igreja.”
O que o canto acrescenta à palavra? – “O canto é como uma palavra
acrescentada à palavra para exprimir as mais altas verdades. Pelas
modulações da voz, exprime-se não somente o sentido substancial
dos textos, mas as nuances do pensamento, a variedade dos
sentimentos, todos os acentos da alma em comunicação com o céu.
Há acentos íntimos da alma que, traduzidos pelo texto, só se
exprimem completamente pelas modulações da voz. Os neumas
completam o sentido das palavras.” – Não é o sentido objetivo de
uma palavra que o canto traduz…. “O que o canto deve dizer é a nota
íntima da alma. Nosso Pai São Bento escreve no sétimo grau da
humildade que “DEVEMOS CRER NO ÍNTIMO PULSAR DO
CORAÇÃO”. Esta palavra, aplicamo-la ao canto. É necessário que
nossa voz exprima o que vem do mais íntimo de nossas almas, é
necessário que estejamos penetrados pelo sentimento de Deus.
Então, um sopro leva nossa alma até Deus.”
“A salmodia é a exigência da mais pura vida interior e da união
adquirida.”
O canto gregoriano responde bem a essa exigência? – “A arte
gregoriana procede de Deus e de sua contemplação.” – É uma arte
difícil! – “Na vida monástica, há lugar para aulas de canto, às quais
se dá uma atenção particular.” – Não há um risco de que se veja
somente o lado estético? – “Monges e monjas, que Deus vos preserve
sempre de ser executantes, quando deveis ser somente orantes. Se
não houver o lado sobrenatural, o canto não dirá o principal que ele
deveria dizer.” – O estudo do canto não favorece uma
atenção exclusiva à forma externa do canto? – “O estudo, a teoria
lógica demonstram com uma perfeita evidência o acordo que reina
entre o sentido dos textos e os movimentos da notação gregoriana.
Então, a execução torna-se fácil, simples, como que natural, e as
almas que contemplam e rezam pelas palavras, cantam através dos
neumas e do ritmo tudo que elas saboreiam e experimentam de mais
íntimo.”
C.  As cerimônias
 
 
 
 
“Eu desejo o restabelecimento das melhores tradições concernentes
a todos os detalhes do culto.”
 
“As cerimônias e os ritos inspirados pelo Espírito Santo e
conservados em seguida pela Igreja intervêm para acompanhar,
com a atitude do corpo, toda a celebração do Opus Dei. Pelos seus
gestos na cerimônia e por seu canto, o monge exerce o ministério
exterior e a tradução visível do culto divino, enquanto que, em sua
alma, ele oferece ao Senhor a homenagem de todas suas faculdades
presididas pelo Espírito Santo, recolhidas, prosternadas e vibrantes
em uníssono com os salmos e cânticos. As cerimônias feitas com
perfeição acabam de dar à Missa e ao Ofício Divino toda sua
fisionomia e assim ajudam a alma a perceber e transmitir o sentido
íntimo das palavras.”
 
É o homem inteiro, interior e exterior, que celebra o louvor
divino… “Todo o seu ser se expande e vibra na oração. É necessário
para nós, e Deus o quer para sua glória.”
D.  O ofício da noite
 
“A noite não é feita principalmente para o sono, mas sobretudo para
favorecer as misteriosas relações de Deus com as almas e das almas
com Deus, e para a procura da verdade sob todos os seus aspectos.
Suas trevas, seu silêncio, um encanto puro e secreto que vem do alto,
convidam a alma e a levam às ascensões interiores, luminosas e
santificantes.” – É o momento mais favorável para recitar o ofício.
“Entre as observâncias que caracterizam o estado monástico, o
Ofício da noite é, sem dúvida, a mais digna, a mais augusta e a mais
importante. Depois da Missa, é a parte do Opus Dei mais solene e
mais sagrada. É preciso estabelecê-la com firmeza e ser-lhe fiel. Os
monges se sacrificarão, se necessário, para manter sua celebração
durante a noite; ou se, para manter esta observância, for preciso
amenizar as outras, é melhor fazê-lo, seja em favor da comunidade,
seja em favor de certos particulares.”
“O Ofício da noite é a primeira e a mais essencial das grandes
observâncias.”
E.  Pensamentos esparsos
 
 
“É preciso celebrar o Ofício Divino de maneira a ser ouvido por
Deus…”
 
“É preciso ter bem claras no espírito as intenções que nos são mais
caras; nós rezamos pela Santa Igreja inteira, pelo gênero humano,
por cada um de seus membros, por nós mesmos.”
 
“Quando colocamos uma intenção na oração, não é para limitá-la,
mas para estimular nosso zelo e também para atrair mais
eficazmente a misericórdia de Deus sobre tal ou tal pessoa.”
 
“Quer-se obter uma graça especial: o melhor momento para
implorá-la é o do Ofício Divino. O melhor meio, a celebração da
Obra de Deus.”
 
“Às vezes fazemos novenas; a melhor novena porém é a celebração
do Ofício Divino.”
 
“Deus está disposto a nos visitar no íntimo de nossos corações. Ele
vem. Mas, e se Ele nos encontra ausentes?”
 
“Um simples olhar para o lado dos fiéis prova que não se pensa em
Deus nesse momento.”
 
“No Ofício Divino só há três coisas a olhar: o altar, seu livro e, para
seguir os movimentos do coro, aqueles que estão a seu lado.”
 
“A postura ajuda muito a atenção.”
 
“A mortificação exterior e interior, em todos os detalhes da vida, é o
melhor remédio contra as distrações.”
 
“As faltas mais duramente castigadas no Purgatório para os monges
serão as faltas cometidas durante o Ofício. Ver-se-á então o que é o
primeiro mandamento!”

2. – A ORAÇÃO
“É uma grande aberração pensar que o Opus Dei termina. Ele não
termina. Mesmo quando nossos lábios estão imóveis, uma palavra
interior ressoa, e é essa que Deus ama. O Ofício deve nos pôr em
oração.”
São Bento recomenda a oração no capítulo quatro: “Entregar-se
freqüentemente à oração”. – “O fundo da vida monástica é a oração.
Nós devemos considerar a oração segundo a Regra, não como um
exercício que começa e acaba em momentos determinados, mas
como algo que não se interrompe nunca. O que Deus quer de nós é a
freqüência que faz da oração a ocupação habitual e, de certa
maneira, a respiração de nossa alma.”
O Pe. Muard fala da mesma forma: “Segundo o preceito de Nosso
Senhor, a oração do monge beneditino deve ser contínua. Ele deve
rezar em todo tempo e em todo lugar, de dia, de noite, durante seu
trabalho; mesmo no meio do mundo, quando ele for obrigado a estar
aí, seu espírito e seu coração devem estar aplicados em Deus por
uma contínua e amorosa oração, pois é nisso sobretudo que consiste
o espírito de oração tão recomendado pelos santos.” – “Não há
oração verdadeira nem frutuosa se ela não for assídua. As riquezas e
a força da oração estão prometidas à assiduidade perseverante.”
Como se faz oração? – “Quando eu faço oração mental, dirá alguém,
fico com a cabeça cansada! – Você não fez oração, você não sabe
fazê-la! Faz-se oração com a cabeça? Especula-se na oração como
nos cálculos matemáticos?”
“Também não se trata de ir sonhar, dormir diante do Santíssimo
Sacramento. É preciso, ao contrário, que a alma esteja bem
desperta, que ela tenha um assunto determinado, que ela escute
Deus.”
“Fazer oração mental é procurar Deus no santuário íntimo de nossa
alma. Pouco importa a maneira pela qual procedemos. Pouco
importa a forma. Na vida espiritual, a oração é o que há de mais
subjetivo É como o temperamento, o caráter. Se se pudesse tornar
visíveis as orações, compará-las, o fundo seria idêntico, mas a
fisionomia muito variada. A oração vem do alto, mas ela se
individualiza, se adapta e toma necessariamente características
subjetivas em cada um de nós.”
“O segredo da oração é bem simples: “Gustate et videte”, “Provai e
vede”. A oração só é complicada quando os homens querem
intrometer-se nela. Eles fazem tratados sobre cada um dos pontos
que a tocam. Hoje todo o mundo quer escrever. Há revistas
ascéticas, místicas. Na antigüidade e até o século XVI, só havia um
método de oração: o método de Deus. No século XVI aparece o
método do homem. Este último dominou tudo e, pode-se
acrescentar, desfigurou o ascetismo beneditino. Cabe a nós voltar a
ele de velas soltas. Madame Cécile Bruyère não fez senão
demonstrar isso no seu livro ‘Oraison’.”
Mas é necessário um método? – “A Regra monástica é toda ela, no
seu conjunto e nos seus detalhes, um método de oração, o primeiro e
o melhor de todos os métodos de oração. Examinada em seus
detalhes com relação à oração e à vida interior, ela aparece como
uma via luminosa, arrebatadora e fácil, que leva unicamente a esse
encontro da alma com Deus.” – Como assim? – “Aqueles que
cumprem seus preceitos e tomam seu espírito, adquirem a PUREZA
DO CORAÇÃO, A COMPUNÇÃO DAS LÁGRIMAS E A
HUMILDADE indicadas pelo Santo Patriarca como fontes íntimas e
fecundas da oração.”
São Bento descreve na sua Regra o monge em oração: “SE
TAMBÉM OUTRO, PORVENTURA, QUISER REZAR EM
SILÊNCIO, ENTRE SIMPLESMENTE E ORE, NÃO COM VOZ
CLAMOROSA, MAS COM LÁGRIMAS E APLICAÇÃO DO
CORAÇÃO”. A que ele aplica seu coração? – “AUSCULTA, O
FILI.” “Escute Jesus. Onde? Como? Quando? No seu próprio
coração, num coração onde reina o silêncio interior, na oração.
Como é raro o silêncio, a atenção verdadeira e contínua! Nós
costumamos nos dispersar com aquilo que está em torno de nós e,
dentro de nós, guardamos simpatias por todo o tipo de ruído. Muito
depressa fazemos em nós eco das coisas exteriores. É preciso voltar
suavemente desse exterior, de todo esse barulho, de todo esse ruído
ao silêncio interior.” – Como afastar nossas distrações? – “Sirvamo-
nos de nossas distrações para fazer oração. Se não for um
pensamento ruim, nós sempre podemos encontrar aí um primeiro
grau de colóquio com Deus. De ordinário, aliás, a alma não está
impedida pelas distrações, mas está, antes, sob o peso do torpor, da
preguiça espiritual. É preciso despertá-la.”
“AUSCULTA, O FILI”. Jesus só pode fazer suas confidências à
alma atenta, à alma mergulhada no recolhimento da oração. O que é
preciso fazer, o que a Regra pode fazer é, pois, purificar nossos
corações. Assim que o coração estiver suficientemente purificado
para ver a Deus, a inteligência fica iluminada. Então a oração é bem
simples. Tão simples assim? Perfeitamente: “Provai… e esquecei
todo o resto.”
Qual é o tema da oração? – “A oração tal como a concebe São Bento
tem por tema o próprio texto do Ofício Divino. Ela brota das
entranhas do Ofício Divino. Ela deve ser simplesmente a degustação
e a digestão da liturgia.”
“O Ofício Divino é, portanto, a fonte inesgotável, o alimento sempre
renovado da oração. A Regra é o modelo dela. O Missal e o
Breviário são os verdadeiros livros de meditação e de oração. Que
diferença! Tomar um tema de oração na própria palavra de Deus ou
dos santos aprovados pela Igreja, ou tomá-lo numa palavra piedosa,
mas que, por seu lado humano, é só um comentário enfraquecido,
um eco bem longínquo do pensamento divino. Nossa oração deve,
pois, primeiramente tirar toda sua substância dos esplendores
espirituais do Missal e do Breviário e, em segundo lugar, fazer
saborear à alma consagrada as delícias escondidas que aí estão.”
“Durante o Ofício, deixe-se envolver por ele. Em seguida, continue a
saborear o que foi recolhido durante o Ofício e no silêncio,
interrogue as idéias assim semeadas. A oração, que é a nota íntima
do Ofício Divino, torna-se em seguida o seu eco prolongado, o
perfume precioso, o fruto pessoal apropriado às disposições e às
necessidades de cada um segundo a conduta do Espírito Santo.”
“Como o Ofício Divino recomeça sete vezes ao dia e uma à noite, o
rio da oração corre sem cessar entre os filhos de São Bento, e a alma
que sempre permanece à sua margem abençoada pode aí se
dessedentar abundantemente de maneira a sentir seu frescor salutar
da manhã à tarde e da tarde à manhã.”
“Emanando de todos os detalhes da vida monástica, a oração dos
monges é uma oração que impregna progressivamente toda a alma
do monge fiel. Ela não é uma oração de teoria metódica e
raciocinada, mas de prática, colhida sem cessar nas inúmeras e
divinamente perfumadas flores da Liturgia. Ela circula nas nossas
fileiras, guarda os corações, alegra os semblantes, afasta toda
sombra, ornamenta o claustro, é o contato perpétuo das almas com
Jesus e entre elas.”
“No fundo, a oração dos monges consiste em se manter, como faziam
os santos, constantemente na presença de Deus.”
Como saber se a oração tem sido bem feita? – “A única marca da boa
oração é a obediência com humildade, o culto do dever e o sacrifício
de si mesmo.”
Quais são os efeitos da oração? – “Se a alma regulasse todo seu
interior pela influência da oração, ela se divinizaria, ela se
simplificaria e tornar-se-ia um verdadeiro soldado da Regra e de
Cristo. Conheço pessoas que ganhariam em argumentar e raciocinar
um pouco menos, economizando tempo e trabalho e que veriam mais
claro e mais certo.”
“Uma alma de oração adivinha a verdade. Ela tem o instinto da
verdade. Por que se espantar? Ela está em contato com a própria
verdade. A oração dá o senso das verdades práticas. A mais
contemplativa das almas é ao mesmo tempo a mais prática e eficaz
na vida ativa, a mais fecunda.”
“Uma alma de oração é uma alma de Deus, ela pertence a Deus e só
existe para Deus.”
3. A LEITURA
“Nosso Pai São Bento estabelece a leitura nos intervalos dos ofícios.”
É um exercício importante? – “Sem dúvida a alma vive de Deus,
através da comunicação direta que Ele se digna nos fazer dEle
mesmo pelo Sacramento da Eucaristia. Mas é preciso que ela viva de
Deus do ponto de vista da verdade.” – Poucas almas vivem assim
dEle! – “Só há um infortúnio nesta terra, é o de estar fora da
verdade. O mundo está doente por causa da diminuição das
verdades e do medo do sobrenatural.”
Qual é a causa dessa diminuição das verdades? – “Desde a invenção
da imprensa, o palavrório tornou-se um flagelo. Uma olhada nos
jornais mostra que todas as inteligências foram mais ou menos
atingidas. Em todas as esferas sente-se a oscilação e a incerteza.
Desconfie de todas as publicações novas, mesmo das que se dizem
piedosas e católicas, mesmo que muito recomendadas. O liberalismo,
o racionalismo, o naturalismo, o modernismo, essas várias
deformações do espírito cristão se infiltram em toda parte. É como
uma vertigem universal e contagiosa.”
Como escapar do contágio? – “Nosso Senhor suscita e quer reservar
para si novos mosteiros não somente para dar a idéia da santidade,
mas como campos entrincheirados de ortodoxia pura e de santa
razão. Ainda que não sejamos gênios, quero que sejamos de uma
ortodoxia imaculada.”
O que se deve ler? – “O que é necessário não é a quantidade nem o
volume, mas a qualidade. Pouco, bom, seguro.
1. de preferência, a palavra de Deus;
2. em seguida, os livros santos escritos pelos santos, indicando os
meios de adquirir a santidade;
3. a vida dos Apóstolos, dos Mártires, dos Confessores e das Virgens
e
4. livros que mostrem de que maneira é preciso praticar a vida
interior, a vida ascética, a vida espiritual.”
“Aí estão os livros de preferência. Se pensarmos bem, são os únicos
que devem ser lidos nos mosteiros.”
A.  Sagrada Escritura
 
“Acima de todas as leituras está a leitura da Sagrada Escritura. A
Bíblia está acima das elucubrações humanas, como o céu está acima
da terra. Ela deve ser a matéria do trabalho intelectual dos monges e
das monjas. A Sagrada Escritura, Verbum Dei, é o centro de nosso
movimento intelectual. Os exemplos que nos dá toda a antigüidade,
que nos dão sobretudo os monges, se resumem nisto: o recurso à
Sagrada Escritura, o estudo insaciável da Sagrada Escritura, a
busca de Cristo na Sagrada Escritura.”
 
Como ela deve ser lida? – “Há duas maneiras de ler a Escritura:
1. Ler a Sagrada Escritura materialmente e compreendê-la de uma
maneira muito limitada, o que é o caso dos que criticam e esmiúçam
o texto sagrado. Esmiuçar: sim. Mas não como modo de conhecer
bem o pensamento de Deus, porque em vez de se penetrar no âmago
da sua palavra, fica-se no exterior, perde-se tempo a considerar
opiniões diferentes do ponto de vista acessório dessa palavra divina,
da perspectiva pela qual ela se liga ao tempo decorrido e até à
literatura.”
2. Ou então ler a Sagrada Escritura de modo a compreender o
sentido que Deus quis realmente colocar nela para cada um de nós.
Os Livros Santos têm um sentido universal que se dirige à multidão
e um sentido particular que se dirige à cada alma. Há aí alguma
coisa para nós. Lemos uma carta de Deus endereçada a nós. Uma
simples palavra saída dos lábios divinos visa inumeráveis almas, as
almas de todos os que passam nesta terra de geração em geração.
Deus se dirige a cada um de nós como se fôssemos únicos no mundo.
É por isso que é raro que um texto da Sagrada Escritura não seja
resposta a um pensamento de nossa alma, a um desejo de nosso
coração. Se nós procuramos Deus, é ainda mais verdadeiro que Deus
nos procura; se nossa alma estiver voltada para Ele, há um
encontro: o olhar de Deus e o olhar da criatura, o movimento da
alma e o movimento do Senhor se encontram.”
“É uma temeridade pegar os Livros Santos e lê-los como se leria
uma obra qualquer; é, do ponto de vista espiritual, uma grande
inépcia: decifraríamos os caracteres, soletraríamos as sílabas e não
compreenderíamos o que Deus nos concede compreender. Se, ao
contrário, rezamos com humildade, Ele fará a nossa alma recolher
por meio do texto algo que lhe foi destinado desde toda eternidade.
Nossa leitura torna-se bem pessoal, absolutamente como a oração.
Ela se adapta ao nosso estado atual de alma, à nossa capacidade de
compreensão, às disposições de nosso coração, e nos coloca em
oração.”
 
Como ela faz isso? – “A própria vida de Deus circula nessa palavra.
As palavras humanas são cadáveres de palavras. As palavras divinas
são palavras vivas; elas são vivas da vida de Deus, pois Deus quer se
esconder sob a letra para se comunicar à nossa alma. Se ela nos
comove, é Deus que, na sua bondade, se esconde sob a casca da letra
a fim de nos falar.”
“Nada é comparável à palavra divina! Ela dá um impulso para o
bem. Ela nos inebria da santidade infinita, nos dá a idéia do que
pode nos fazer adquirir a santidade, ela tem um grande poder de
persuasão, de atração pelas virtudes mais difíceis.”
B.  Evangelho
 
“O Evangelho! Eis o livro dos livros! Ele é por excelência o livro dos
padres e das almas que aspiram à perfeição, das almas consagradas.
Todas as questões que interessam à nossa salvação, ao bem dos
nossos irmãos, à nossa vida pessoal, se encontram resolvidas no
Evangelho. Antes de procurar neste ou naquele livro, ou nas
academias a solução dos problemas que se relacionam com nossa
perfeição, recorramos ao Evangelho. Que a sua leitura seja uma
leitura atenta, assídua, refletida, continuamente recomeçada. Com a
leitura do Evangelho, quanto tempo ganho, quanto proveito para a
reflexão pessoal, para a oração, para a glória de Deus! Que grande
campo para a ação divina! Deixemos tudo e vamos ao Evangelho,
interroguemos o Evangelho! O Evangelho não é menos que o Corpo
de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Senhor nos espera nele. Ele está aí,
bem perto de nós, ao longo de todos os textos do Evangelho, a cada
proposição, a cada palavra; Ele está vivo, presente, pronto a nos
conduzir, a nos manifestar cada vez mais sua bondade, sua
misericórdia e seu amor!”
Em 1917 Dom Romain dá como leitura de Quaresma para todos os
seus monges “o Evangelho integral de São João, em reparação das
iniqüidades de Loisy e para conhecer mais intimamente Nosso
Senhor. Essa leitura deve ser feita não de uma maneira exegética e
sob forma de estudo, esclarecia ele , mas com a fé simples de Abraão
e em oração.”
Ele queria que seus monges se tornassem “encarnações do
Evangelho, almas evangélicas”.
C.  Documentos da Santa Sé
 
“É preciso ler assiduamente os documentos da Santa Sé. No mundo
não há mais verdade senão em Nosso Senhor, em seu Vigário e nas
almas que aderem íntima e incondicionalmente a esse sol e a esse
refletor estabelecido por Ele mesmo.”
 
Como se deve lê-los? – “Para entender o Papa, é preciso
desembaraçar sua palavra das variadas combinações pelas quais
cada um se esforça por interpretá-la segundo seu sentido privado.”
 
“Que pelo menos no claustro se compreenda o que é ser
verdadeiramente filho da Igreja, sem variante, inteiramente, ou
então não seremos dignos de São Bento. Procurem-se as concessões
que Nosso Pai São Bento fez ao espírito do mundo! Ou se é católico
ou não se é! Tudo ou nada! É preciso não ser católico sob condição,
mas católico ao pé da letra: católico com a Santa Sé, com o Soberano
Pontífice, com os Bispos, os padres que estão encarregados de nos
dirigir; católico em toda parte, em toda circunstância. Inútil tentar
escapar: a palavra de Deus não suporta o contrário. Tudo ou nada
na Santa Igreja. Se comprometemos alguma de suas leis,
comprometemos tudo.”
D.  Santo Tomás
 
“É preciso colocar todo nosso ensino, tudo, tudo, sob a proteção do
Doutor Angélico. Pio IX, Leão XIII, Pio X tanto o recomendaram! E
em certo Seminário Maior se tem um tão perfeito desdém pelo
príncipe da filosofia católica e da teologia! Como é lamentável! Aqui,
somos cada vez mais tomistas.”
Que pensa o senhor de Santo Tomás? – “É um espírito de tal modo
correto, de tal modo razoável! Ele esclareceu tanto a doutrina da
Igreja e também a doutrina da vida monástica! Nós devemos, no
íntimo de nossa alma, ter uma lembrança bem especial, permanente,
desse grande santo; devemos merecer receber dele auxílios
preciosos. Que ele nos conserve na virgindade da ortodoxia da fé
católica. “Casta veritatis virginitas”, em linguagem católica é a
ortodoxia, isto é, a inflexibilidade da verdade.”
E.  Estudos
 
 
“Só há uma ciência, a que vem diretamente de Deus. O objeto da
ciência é Ele. Trata-se de conhecer a Deus, depois nós mesmos e
nosso destino. Deus não quer que se prejudique a integridade da
verdade que Ele revelou. Ele é extremamente cioso dela.”
 
Por quê? – “Deus se identifica com sua doutrina.”
 
Fora da Sagrada Escritura, dos documentos da Santa Sé e de Santo
Tomás, onde encontraremos essa doutrina? – “Na Patrologia.” – Em
nenhuma outra parte? – “Sim, mas a segurança só se encontra nos
livros escritos pelos santos.”
 
O senhor quer a ciência para os seus monges? – “Creio que eu seria
capaz de fazer grandes sacrifícios para adquiri-la e transmiti-la à
comunidade. Mas o que ambiciono não é o brilho, nem a fama, nem
o renome, nem obras publicadas, mas a doutrina bem ortodoxa, uma
medida razoável de erudição, uma literatura antiga, sobretudo
latina e francesa, não decadente, mas do autêntico século XVII, o
culto e o amor do trabalho por Deus. Tudo isso acompanhado da
mais sincera humildade. Que se vá ao fundo das questões. Os
princípios continuam princípios. Se nós os acolhemos em sua
plenitude, somos discípulos da verdade.”
 
Como se deve estudar? – “Em forma de oração. Ler-se-á muito mais
com o íntimo da alma do que com a cabeça.” – O que o senhor quer
dizer? – “É preciso que sejamos sensatos, calmos, fiéis às nossas
obrigações, almas interiores. Então Jesus-Verdade falará no segredo
de nossos corações. A verdade não faz barulho. Ela não é turbulenta.
Ela não se prodigaliza. É preciso procurá-la no fundo do coração,
controlá-la com a ajuda das virtudes. O estudo é uma ocasião que se
dá ao Senhor de falar à alma. É uma audiência que Deus nos dá. É
uma oração que nós fazemos.”
“Se não se ler assim os livros espirituais, não se encontrará nada,
não se tirará daí nenhum proveito.”
 
O estudo assim feito é saboroso. – “Aquele que é de Deus põe suas
delícias em ouvir a palavra de Deus. Os doutores e a experiência
mostram que é assim. Essa solicitude se mostra em tudo quando a
conversão é sincera e consumada. O afastamento e o desdém das
santas leituras indicam, com certeza, uma decadência da alma ou
um obstáculo secreto à graça. Saber é incômodo quando não se quer
conformar sua conduta ao que se sabe.”
 
O senhor quer, portanto, que se seja assíduo ao estudo? – “A ciência
que não é mantida pela assiduidade se desvanece rapidamente. Ao
contrário, quanto mais se demora no estudo, mais se é cativado por
ele, porque Deus se revela e se dá pela virtude escondida das santas
leituras.”
4. – O TRABALHO
MANUAL
“A OCIOSIDADE É INIMIGA DA ALMA”, diz São Bento . “A
ociosidade é um pântano para nossa natureza; quando a natureza
cai nesse pântano, apodrece. Nossa alma foi criada para agir, ela
tem necessidade de ocupação.”
“POR ISSO, EM CERTAS HORAS, DEVEM OCUPAR-SE OS
IRMÃOS COM O TRABALHO MANUAL E, EM OUTRAS
HORAS, COM A LEITURA ESPIRITUAL.”
“A comunidade é uma sociedade de trabalhadores que fazem não
um trabalho qualquer e de amador, mas esse trabalho a que
recorrem os bons pobres para ganhar, com o suor de seu rosto, o
pão de cada dia.” São Bento quer que o mosteiro produza “TODO O
NECESSÁRIO”; ele prevê “MOINHO, HORTA E OS DIVERSOS
OFÍCIOS QUE SE POSSAM EXERCER DENTRO DO
MOSTEIRO, PARA QUE NÃO HAJA NECESSIDADE DOS
MONGES VAGUEAREM FORA”. “SERÃO VERDADEIROS
MONGES, diz ele, SE VIVEM DO TRABALHO DE SUAS
MÃOS.” O Pe. Muard queria igualmente que “o trabalho dos
membros da comunidade servisse para sua manutenção”.
“O exemplo de Nosso Senhor pobre e vivendo do trabalho de suas
mãos – as mãos do Salvador do mundo eram mãos calejadas! – nos
impõe essa grande lei do trabalho. O trabalho é uma parte da
pobreza… O trabalho, a ferramenta e o ofício são os mais nobres e
os mais verdadeiros instrumentos de penitência… O abandono e,
com mais forte razão, o desdém do trabalho manual é um prejuízo
para a Regra e para a observância monástica.”
“Conduzido com discrição, o trabalho agrícola e da horta de toda a
comunidade fortificará os fracos, saneará os cérebros e dará
excelentes resultados. Se for útil, nada se opõe a uma mudança
temporária das horas, à supressão de conferências ou leituras de
menos importância, num caso de necessidade urgente.”
“O trabalho e a piedade estão intimamente ligados. O trabalho serve
para ver o que vale a piedade. Não tenho confiança numa piedade
que, sob pretexto de devoção, se afasta do trabalho. O trabalho é
uma excelente preparação à vida interior. Quanto mais nos
entregarmos à vida interior, mais teremos a compreensão da lei do
trabalho.”
Como se deve escolher seu trabalho? Primeiro princípio: “Em
comunidade é indispensável que o trabalho seja indicado somente
pela obediência. Que vale um trabalho fora da obediência? Ele
merece o castigo. Ele o terá segundo esta palavra de São Bento no
capítulo VII: “A VONTADE MERECE O CASTIGO.”
Segundo princípio: “Não escolhamos nosso trabalho. Que não me
consultem, que não cuidem dos meus gostos.” O Pe. Muard diz com
efeito: “O monge não será livre para escolher o gênero de ocupação
que lhe agrada mais. Cabe ao superior indicar a cada religioso o
gênero de trabalho ao qual ele deve se aplicar.”
Terceiro princípio: “Sejamos constantes. Não nos contentemos de
tentar. Permaneçamos na tarefa até vir a ordem de parar… Como é
raro o verdadeiro devotamento! O devotamento que consiste em se
dar continuamente, apesar das dificuldades, do desgosto, com o
sentimento de que se é o servidor dos outros.” O Pe. Muard
recomenda também rejeitar “todo pensamento de desgosto, de
preguiça ou de amor próprio” e se consagrar ao trabalho de “todo
seu coração.”
O que o senhor chama um encargo? “O encargo é um trabalho
confiado a um monge de modo permanente. É uma bela maneira de
se renunciar. Encontrei pessoas bastante singulares para dizer: “Ah!
Enfim! Agora eu tenho um encargo, vou fazer o que bem me
entende!” Falar dessa maneira é uma estupidez. Na realidade, ter
um encargo é pertencer à comunidade. Há dois lados no encargo: o
lado de Deus e o lado pessoal. Ora, os tolos, e eles são muitos,
voltam-se para o lado deles mesmos e, então, ficam presos como
moscas no mel; quando elas pousam suas patas nele, não podem
mais voar. Seria preciso, ao contrário, abandonar tudo o que é
pessoal, sobretudo quando se é chefe de encargo. Pois, ser chefe de
encargo é ser servidor do encargo e de todos aqueles que fazem
parte dele.” “Ele se proporá como fim único de seu trabalho, diz o
Pe. Muard, a glória de Deus, a salvação das almas e sua própria
santificação.”“O trabalho não é senão um meio de salvação e de
perfeição, um meio de santificação.”
5. – A ESCOLA
MONÁSTICA
O senhor quis, desde o começo da fundação de En-Calcat, que seus
monges, a exemplo de São Bento, educassem crianças, e o senhor
abriu uma pequena escola monástica. “Uma escola de santidade!”
Quantos alunos os senhores têm? – “Nós só admitimos um número
restrito de meninos a fim de poder escolhê-los com mais severidade e
cuidar melhor deles.”
O que o senhor recomenda aos seus professores? – “Que eles façam
convergir para Deus, a religião e a piedade todo o trabalho
intelectual das crianças. Tanto quanto possível, a fim de atingir esse
objetivo, eles tirarão dos livros santos e dos escritores eclesiásticos a
matéria das lições e das tarefas.”
Os meninos cantam nos ofícios do domingo. – “Que se cultivem suas
vozes, que lhes ensinem o canto gregoriano.”
O senhor está satisfeito com os resultados obtidos? – “Nem em um
colégio, nem em casa seria possível obter o que nos dão as crianças
aqui. Menos brio vão e fútil, com o qual o mundo se contenta e se
inebria e mais seriedade, solidez, perenidade. Quem sabe se o
desmoronamento moderno não chamará os monges para reconstruir
pela base a educação antiga? Fazer homens que sejam homens e
que, então, possam tornar-se cristãos completos. Seja como for, a
Regra formou a cavalaria, seus guerreiros de ferro e suas grandes
damas, mães do espírito francês. Os sistemas modernos
engendraram os operários da revolução e as damas da frivolidade
universal com uma lamentável diminuição da fé, da razão, do
caráter e da robustez corporal por toda a parte.”

6. – AS MISSÕES
A obra inspirada por Nosso Senhor ao Pe. Muard tinha por fim “a
pregação da penitência”. Mas nem todos os monges pregam: eles
são “distribuídos cada um segundo sua aptidão, uns na pregação,
outros na oração e no estudo, outros no trabalho manual.” Se
alguns “saem de seu deserto como outro João Batista”, a maior parte
permanece no mosteiro “para fazer descer graças de conversão sobre
os pecadores pelo fervor de sua oração, enquanto os missionários se
esforçam por trazê-los de volta a Deus por suas
instruções”. Pois, “neste século que não reza, que só sabe maldizer e
blasfemar, os homens de oração não são menos necessários que os
pregadores”.
A que gênero de apostolado se destinam seus monges? – “O monge
deve preferir os ministérios humildes e obscuros que se exercem no
campo ou junto aos pobres. Sem excluir nenhum gênero de
apostolado autorizado pela Igreja, devemos nos ater,
ordinariamente, às missões populares e aos retiros dados seja nas
paróquias, seja nas comunidades religiosas.”
Como os monges se preparam para a pregação? – “Eles devem se
aplicar, principalmente, ao estudo da Sagrada Escritura, da
Teologia dogmática, moral e mística, dos Padres e da História da
Igreja, dos autores sagrados, sobretudo os mais antigos e mais
ortodoxos. Quanto mais eles se concentrarem no círculo da lei
divina, mais estarão em condições de dar à sua pregação a qualidade
primordial que é o ensino da doutrina católica. Quanto à liturgia, ela
é o pão de sua piedade e, freqüentemente, dará a seu discurso um
sabor todo divino.”
O que eles devem pregar? – “Se todos os pregadores só fizessem ouvir
o Evangelho, as trevas da ignorância estariam menos profundas, a fé
estaria menos ameaçada. Mas lhes repugna dar a palavra de Deus
na sua simplicidade.”
Como voltarão a essa simplicidade? – “Que eles tenham fé na sua
missão. Eles devem estar bem convencidos de que, quando falam,
Deus está com eles e vivifica sua palavra.”
Durante seus ministérios, devem continuar sua vida de oração. – “No
dia em que viverem mais do exterior que do interior eles estarão em
perigo.” O monge deve procurar a santidade no exterior tanto quanto
no mosteiro… “O monge em missão está obrigado à santidade por
causa do socorro extraordinário que o povo e o clero esperam
dele.” Para isso basta continuar monge. “Os monges missionários só
serão abençoados na proporção em que continuarem monges.”

7. – O REFEITÓRIO
“Nos mais antigos mosteiros, a arquitetura do refeitório imita
fielmente a arquitetura tão imponente e religiosa da igreja. Para que
essa imponência, se o refeitório só servisse para aí se tomar os
alimentos tão pobres da austeridade monástica? Não é por causa da
palavra de Deus e das orações especiais que precedem e seguem as
refeições? Eu penso que sim.”
No princípio da refeição se canta, solenemente, uma passagem da
Sagrada Escritura. – “Sem dúvida, por essa leitura pública, fazemos
um ato de grande reverência para com a Sagrada Escritura. É
preciso, entretanto, ser realmente senhor de si mesmo para, num
momento como esse, apreender não digo toda a leitura, mas mesmo
alguma coisa da leitura, algo que se recolhe e que permanece. Que se
conseguisse uma frase, já estaria bom! Se fôssemos atentos, não digo
com uma atenção de contemplação (não é possível durante a
refeição), mas com uma atenção suficientemente desperta – “O que
se lê? Qual o sentido do texto?” – se fôssemos atentos o suficiente
para recolher a cada leitura da Sagrada Escritura uma migalha,
uma frase, Deus o veria bem. Ele veria que nós O procuramos, que
queremos encontrá-Lo, que desejamos receber dEle uma luz. Ele
não deixaria de corresponder à nossa disposição interior.”     
Em seguida, faz-se uma leitura durante toda a refeição. “ÀS MESAS
DOS IRMÃOS NÃO DEVE FALTAR A LEITURA”, diz São
Bento. Quais livros escolher?
1º Eliminar tudo o que for medíocre, simplesmente curioso ou
moderno demais;
2º Ater-se rigorosamente aos bons livros, de preferência aos antigos,
de uma ortodoxia virginal, referindo-se à Igreja, ao nosso santo
estado e capazes de se impor por estas quatro características:
instrução, edificação, interesse, valor literário;
3º Certos artigos de jornal não estarão deslocados, desde que:
1) sejam de interesse geral;
2) essa leitura não seja freqüente;
3) o jornal seja de um catolicismo realmente puro e romano.
Como se deve ler no refeitório? – “É preciso edificar os ouvintes, que
devem entender o que está sendo lido. Nada fica audível sem uma
articulação bem clara. A condição para que a leitura interesse é que
ela penetre no espírito e que ela leve a ele o sentido que lhe é
próprio. Somente a articulação dá às palavras o tom que lhes
convém.”
De que modo come o monge? – “A vontade eficaz de se mortificar em
alguma coisa, juntamente com a oração, formam a condição
indispensável para que um monge não deixe de ser monge cada vez
que é obrigado a tomar seu alimento.” – A que horas toma sua
refeição? – “O horário do claustro para as refeições se aproxima
bastante do horário do mundo.” Antigamente, durante a Quaresma,
os monges ficavam em jejum até a tarde. Até os próprios trapistas
tiveram que renunciar a esse jejum. “Há muito tempo já, apesar de
seu zelo pela observância, eles não podiam mais, exceto em número
muito pequeno, observar completamente o horário antigo. Chamado
várias vezes para lhes pregar retiros, tive a felicidade de ver os
últimos que mantinham um horário de jejum que, ao que parece,
não deverá voltar, estando as forças hoje em dia tão diminuídas. De
certa forma, com meios diferentes mas equivalentes, os discípulos da
Regra encontram e praticam o jejum. O espírito da Regra impõe e
faz aceitar, de bom grado, a privação de muitas coisas supérfluas e a
refeição em horas bem determinadas.”
São Bento estabeleceu que todos seus monges “ABSTENHAM-SE
COMPLETAMENTE DE CARNES DE QUADRÚPEDES,
EXCETO OS DOENTES DEMASIADAMENTE FRACOS”[82].
“Na vida monástica, esse preceito de abstinência é fundamental.” O
Pe. Muard assegurava que é o “mais possante meio de conservar o
espírito de sua congregação”. Mas ele levava a abstinência
mais longe que São Bento, decidindo que seus filhos se contentariam
com “legumes, verduras ou hortaliças e frutas”, excluindo “todo tipo
de carne, peixe, ovos, manteiga, queijos e laticínios, óleo, açúcar e
mel”83 . “Pio IX pediu que os Beneditinos de La Pierre-Qui-Vire se
contentassem com o texto da Regra.” – Os senhores mantêm a
abstinência dessa forma? – “Nós proclamamos e queremos, para
sempre, em nosso mosteiro, a lei da abstinência tão claramente e tão
discretamente instituída por Nosso Glorioso Pai, sempre renovada
pelos santos reformadores, tão amada pelo nosso Pe. Muard, enfim,
conservada em nossos dias, com a bênção da Igreja, no seio de todas
as ordens que retomaram a observância antiga. Seria uma falta
capital tocar no princípio da abstinência e estabelecer que a
comunidade comeria carne “tantas vezes” por semana. Não se
poderia criticar as comunidades que, em razão da debilidade
bastante evidente do temperamento atual, praticam a dispensa geral
durante uma parte do ano. Mas é preferível manter o princípio da
abstinência tal qual ele está formulado na Regra.”
Entretanto, em suas cartas, percebe-se que o senhor estava
preocupado em melhorar o regime de sua comunidade. – “Para
facilitar a prática da abstinência, a fim de que um número maior
possa mantê-la.”
8. – A CELA
São Bento fazia dormir seus monges, “NUM MESMO LUGAR”, em
dormitório. “Ele queria que os irmãos de armas não se separassem
nem mesmo durante as horas de sono.” Atualmente o dormitório é
dividido em celas. “É uma mitigação da austeridade primitiva, mas
também um meio de favorecer o silêncio e a contemplação.”
Como são mobiliadas as celas? – “Que o mobiliário das celas respire
a mais estrita pobreza: uma pequena mesa para escrever, um banco
ou uma cadeira comum, uma bacia e um jarro para água e, como
ornamento, uma cruz sem imagem, pintada de vermelho. Três
tábuas sobre cavaletes ou numa armação de cama de ferro, com um
acolchoado fino, um travesseiro de palha, lençóis e cobertores de
acordo com o clima, tal é o leito composto segundo o texto da
Regra.” É uma cama dura! – “É preciso que um monge possa
dormir. Mas é preciso que o seu sono seja o de um trabalhador e de
um combatente, não o de um preguiçoso e de um sensual. É preciso
que o monge, se tiver inspiração e força para isso, possa se imolar
até no seu sono. A noite deve ser marcada por essa nota de
penitência e de imolação quanto à maneira de tomar a medida
indispensável de sono.”
Quem cuida das celas? – “Cada um limpa a sua. Isso se faz
corretamente, sem lentidão, sem cuidado excessivo. Uma vez
adquirida a experiência desse pequeno movimento, é preciso que em
dois ou três tempos esteja feito e bem feito.”
Não se fala nas celas… “Quando tiverem necessidade e permissãol
de conversar, os monges o farão exclusivamente nos lugares
designados para tal.”
“Devemos considerar nossa cela como um santuário.”
“Todas as vezes que a obediência e nossas ocupações nos derem a
liberdade para isso, devemos fazer nossas delícias em permanecer
nas nossas celas sob o olhar de Deus. É preciso estarmos aí com uma
grande dignidade. Não há ninguém? Há Deus. A cela é o vestíbulo
do céu, é um segundo santuário.”
CAPÍTULO IV: O espírito monástico
1. – ESPÍRITO DE
HUMILDADE
O Pe. Muard escreveu em suas Constituições: “Nós estabelecemos a
divina e santíssima humildade como fundamento de nossa sociedade,
como princípio constitutivo de nosso espírito e queremos que ela seja
o caráter distintivo de nossa Congregação, cujo fim principal é
combater o orgulho, vício dominante deste século, pela prática dessa
virtude.” São Bento estabelece com efeito a humildade, à qual
consagra um longo capítulo, como fundamento de sua Regra . “Este
capítulo é o sumário sucinto e o desenvolvimento total da Regra. O
mosteiro é uma verdadeira academia de humildade. Falar, agir e se
mostrar com ares de grandeza: eis a peste e o antípoda do espírito
beneditino.” Queria também o Pe. Muard que seus monges se
considerassem “como os últimos dos religiosos, tendo sempre pouca
estima por eles mesmos, como miseráveis pecadores dignos de todos
os opróbrios, e sua sociedade como a última de todas as sociedades
religiosas. Da mesma maneira que é para os lugares mais baixos que
vão as águas dos esgotos, dizia ele, nós devemos estar tão baixo que
todos os desprezos do mundo venham cair sobre nós.” Essas
palavras são um eco desta de São Bento: “CRER NO ÍNTIMO DO
CORAÇÃO QUE SE É INFERIOR A TODOS E O MAIS VIL”.
“A humildade é o esplendor da verdade. Se vós sois mediocremente
humildes, sereis mediocremente verdadeiros.”
Mas a humildade verdadeira é rara… “Cada vez mais constato como
é rara essa virtude entre as almas consagradas a Deus. Como, ao
contrário, o amor próprio se desenvolve livremente, estraga as
melhores virtudes, interrompe todo progresso sério e origina até,
aqui e ali, verdadeiros pequenos escândalos.” É porque não é fácil
tornar-se humilde! “Em razão de nossa queda original, a humildade
é a mais difícil de todas as virtudes. Cada um de nós só pensa em si.
“Eu! eu!” é nossa suprema atividade; “eu!” nós estamos presos a
isso por todos os lados. No entanto, Deus não pode fazer nada de
grande a não ser sobre o fundamento da humildade.”
É preciso que sejamos humildes… “Sem a humildade forte e
profundamente estabelecida não faremos nada de bom, tornaremos
estéril a fundação.” Por quê? – “O que é preciso para conhecer os
caminhos de Deus? É preciso a humildade, a verdadeira humildade.
A humildade nos desapega cada vez mais, nos desprende da terra.
Ela equilibra e pacifica a alma. Ela dá um maravilhoso instinto da
verdade, dissipa as ilusões e, enfim, dita palavras justas e medidas. A
humildade dá constância, continuidade. O orgulho gera a
instabilidade, a agitação, a incoerência. Um monge verdadeiramente
humilde está contente com tudo o que é vil e extremo. A humildade e
a confiança andam juntas. A humildade dilata nossa alma. O
orgulho a contrai. Diz-se inchar de orgulho? Dê uma espetada no
balão e ele se torna um trapo! Quando cessamos de pensar em nós
mesmos, é então que cuidamos melhor de nossos interesses. Quando
não pensamos em nós mesmos, Deus pensa em nós. Quanto mais nos
afastamos de nós, mais Ele cuida de nossos interesses. Deus não pode
resistir ao encanto da humildade. A humildade atrai suas graças.”
Como adquirir a humildade? – “Deus nunca deu gratuitamente a
humildade. Se a desejamos seriamente, procuremos as humilhações,
esperemos as humilhações – Por acaso existe humildade sem
humilhação? – e quando vierem, façamos-lhes bom acolhimento. Do
contrário, Deus nos poupará.” É suficiente aceitar bem as
humilhações? – “É preciso amá-las. Se somos humildes amemos,
amemos as humilhações! Indispensáveis quando as merecemos, elas
são também excelentes e desejáveis quando não as merecemos.”
– Como se chega a amá-las? “O orgulho só é possível no
esquecimento ou desprezo de Deus. Deus conhecido, meditado,
procurado é o orgulho enfraquecido, exterminado.”
“Apliquemo-nos à humildade verdadeira e sólida. Sejamos humildes
de espírito, de coração, de vontade e de conduta. É principalmente
por um grande cuidado e culto da humildade que devemos nos
distinguir na Ordem.”

2. – ESPÍRITO
INTERIOR
“Deus, no programa de 29 de janeiro de 1883, nos pede uma casa
cuja característica fundamental, o ponto de partida e a forma
primeira sejam o espírito interior com tudo o que se lhe relaciona.”
“O instinto secreto da natureza é a vida selvagem, é fugir de Deus,
viver fora de Deus, na independência que permite ir para onde se
quer. A vida interior, ao contrário, é a vida do espírito, segundo o
espírito. Ela se relaciona com a obediência e resulta necessariamente
dela. A obediência é até mesmo a pedra de toque com a ajuda da
qual se reconhece o valor da vida interior numa alma: ela vive
somente nas profundezas da renúncia; onde a renúncia é completa,
aí se encontra a vida interior. A vida interior vale o que vale nossa
renúncia. Ela é Jesus se reproduzindo em nós. Nossa vida interior é
Jesus, é o Verbo que se comunica. A vida interior é o amor, o amor
santificante, vivificante, o amor que transforma. Somente chegam ao
martírio as almas que viveram e vivem de vida interior. O sangue
que corre, então, é a abundância da vitalidade divina escondida
nelas.”
“Instituindo as ordens religiosas após a era dos mártires, Deus se
propôs um objetivo: conservar em sua Igreja até o fim dos séculos o
tesouro da vida interior. É verdade que Deus pode conservar esse
tesouro mesmo no tumulto do século, mas em via ordinária, Ele
precisa para isso separar as almas da multidão, atraí-las à solidão e
ao silêncio para lhes falar ao coração.”
“Ela não deve ser tomada como meio secundário na economia
monástica, nem na economia cristã. Ela deve dominar todo resto: ela
é soberana. Todo o resto deve ser colocado, hierarquizado sob sua
dependência.”
E se o mosteiro não é fiel à vida interior… “ele não é mais útil, ele
desaparece. A causa que determinou a queda, o desaparecimento de
certas ordens e de certos mosteiros: o exterior tomou a frente;
relaxou-se insensivelmente o interior. Como se procedeu à reforma?
Retornou-se ao ponto de partida, à vida interior. Uma comunidade
que quer se manter, se firmar, garantir seu futuro, que meio deve
tomar? A vida interior.”

3. - ESPÍRITO DE
SILÊNCIO
“Tudo o que há de mais nobre no homem é interior: o pensamento, o
julgamento, a sabedoria, a vontade… A língua, os lábios, são os
únicos instrumentos capazes de dar uma vida aparente, externa, a
esses segredos que só Deus pode penetrar e que nossa consciência
revela, os segredos do pensamento, do sentimento… Mas a tendência
de todas as almas dominadas pela influência da vida interior é se
calar. “Sedebit solitarius et tacebit”.
Elas desconfiam da língua… “É o instrumento mais ativo do bem,
mas também do mal, do progresso no bem e do progresso no mal. A
língua, esse pequeno instrumento pérfido, numa pequena volta
rápida, nos faz cometer numerosas faltas. Procure e verá que ela é
sempre o grande instrumento do mal: ela excita a todos os crimes.
Todos os caminhos das paixões que carregamos em nós chegam na
língua. Se fosse possível isolá-la… mas ela se relaciona com todo o
resto! Todas as paixões têm licença de tomá-la para seu
serviço.” São Bento põe na boca de seu discípulo, “A FIM DE QUE
ELE NÃO PEQUE PELA LÍNGUA”, uma guarda, uma sentinela,
“CUSTODIAM”, e o torna mudo como o salmista . “Desde a
primeira até a última linha da Regra, São Bento é desconfiado
contra os abusos, os estardalhaços da língua. A Regra tem por
objetivo nos estabelecer no silêncio. No seu capítulo seis, ele dá uma
dupla volta de chave na língua. Ele tem toda razão.”
Ele impõe um silêncio perpétuo? – “Alguns pretendem que nosso Pai
São Bento prescreveu a prática do silêncio absoluto, outros acham
que o Santo Legislador concedeu atenuações. A verdade não está
nem de um lado, nem de outro; ele ficou num meio termo. Ele não
prescreve o silêncio como é entendido nos trapistas, não impõe o
mutismo. Ele deseja somente fazer compreender que temos a
obrigação de saber o que nós queremos dizer e a que momento
devemos dizê-lo, a obrigação de prever, de escolher os termos com
que nos serviremos ao invés de deixar o acaso e as circunstâncias no-
los ditar.”
“Nosso Pe. Muard estudou longamente a questão. E, depois de
orações, de penitências, de jejuns, com a autoridade da qual
dispunha, ele compreendeu que era preciso, fora do Ofício Divino,
da confissão, das aulas, o silêncio perpétuo. Ele o estabeleceu e era
assim que se o observava em nossa primeira Comunidade de La
Pierre-qui-Vire. Se não o tivesse experimentado, eu acreditaria como
todo mundo que é impossível. Mas o experimentei e direi sempre
que é um regime admirável. Não há nada de melancólico, nada que
leve à tristeza. Ele mantém o contato da alma com Deus.”
“Os membros da comunidade”, por meio “de conferências”, “de
passeios” semanais e da reunião da noite antes de Completas que
é “verdadeiramente de família”, “se conhecem, compreendem e se
entretêm numa doce caridade, ao mesmo tempo que conservam as
vantagens tão preciosas do silêncio beneditino.”
Como os monges se comunicam entre si? – “Eles pedem por meio de
sinais as coisas necessárias. Os que necessitam de conversar pedem
permissão e só o fazem em voz baixa, cuidando de não sair do
assunto que têm a tratar. Os chefes de oficio terão o maior cuidado
de não sair de suas atribuições, falando somente nos lugares de seu
trabalho, a respeito das coisas do trabalho e a seus subalternos. Se se
pega o costume de falar muito nas celas e em toda parte, é impossível
que a comunidade não acabe por se dissolver. Não se remedia a
perda de uma observância dessa natureza.”
O silêncio é penoso? – “O silêncio não é uma prisão, nem um
aborrecimento, quando é guardado para Deus e sob seu olhar. Ele
acalma, harmoniza, eleva, faz rezar, ele atrai Deus para a alma e a
alma para Deus, que é seu centro.”
Entretanto, poucos são fiéis a isso… “É coisa rara, muito rara, achar
um homem dizendo somente o que é preciso, o necessário e o
útil.” Pois é difícil se calar… “Não se consegue o silêncio sem um
esforço, sem observar-se a si mesmo com a maior atenção. Para
evitar as faltas da língua, são necessários uma grande mortificação
adquirida, uma verdadeira humildade, o sentimento íntimo e
constante da presença de Deus e a dependência das faculdades da
alma e das paixões em relação a Deus. Enfim, o domínio completo da
língua só se encontra na humildade”.Como fazer para guardar o
silêncio? – “ESPERE QUE VOS INTERROGUEM”, nos diz Nosso
Pai São Bento. Se permanecermos em silêncio, teremos ao menos a
aparência de sábios.”
“Obrigado ao silêncio pela sua Regra, todo beneditino deve ser tão
sóbrio em cartas como em palavras. É realmente lamentável gastar
tempo e trabalho escrevendo, para agradar, cartas que são lidas
num piscar de olhos e que não produzem, ordinariamente, outro
efeito que o de distrair por um momento o leitor, e que são em
seguida atiradas ao fogo ou encerradas para sempre numa gaveta
qualquer. É preciso que nos façamos antigos nesse ponto e deixar
que nossos amigos reclamem dos nossos atrasos e do nosso
laconismo.”
“Duas palavras que nunca podem ser colocadas uma ao lado da
outra: conversador e beneditino.”
4. – ESPÍRITO DE
POBREZA
“Beneditino” e “pobre”, são termos que se atraem mutuamente e
nunca deveriam ficar separados.”
“Não se pode conceber a pobreza prática com mais rigor do que o
faz São Bento. Com sua costumeira discrição, ele não impõe
nenhuma prática singular nos detalhes aparentes dessa virtude, e
várias passagens mostram que os monges devem evitar ostentá-la.
Mas ele quer todos os seus santos rigores, e o gênio da Regra a
imprime em todos os detalhes materiais relacionados à comunidade
ou às pessoas. Em algumas palavras inspiradas, ele desapega o
monge de todo bem visível, seja ele qual for, e o põe num estado de
dependência que lembra de maneira tocante o estado em ficou o
divino crucificado. Quando Deus suscitou na Igreja a ordem
franciscana, esta só teria que imitar São Bento, se seus discípulos
tivessem querido observar o capítulo trinta e três da Regra.”
Por que essa pobreza? – “Os bens deste mundo quando possuídos,
possuem também. A virtude de pobreza é o sacrifício de todos os
bens exteriores feito com o desapego do coração e da vontade. O que
há nesta terra que seja digno da alma humana? Nada que aparece,
nada que é criado, nada que pertence à ordem sensível é digno da
alma, mas unicamente e acima de tudo Deus, Deus conhecido,
amado, possuído pela esperança até que seja possuído na beatitude.
A pobreza cristã é o desprendimento de tudo o que não é Deus.” Se
nos apegamos a uma criatura, fazemos injúria a Deus… “Não há
nada pequeno em matéria de pobreza, como não há nada pequeno
em matéria de castidade.”
“O Pe. Muard queria que a pobreza em espírito e interior fosse uma
das características marcantes de sua família religiosa. Sejamos
pobres:
1. “Pobres em nossa maneira de apreciar, de julgar, de administrar
a si mesmo. O que pede a pobreza? O sacrifício do supérfluo, a
restrição do útil; ela tende a se limitar ao necessário e indispensável.
Aí está o espírito de pobreza. Impossível carregar o peso da pobreza
procurando as comodidades da vida. Quando nos encontramos
diante de uma privação, que nosso primeiro movimento seja: “Em
boa hora! Deo gratias!” É Deus que no-la dá para sua glória. Se Ele
quer que careçamos de tudo, ainda melhor! Os bons monges devem
amar a pobreza especialmente quando ela vem acompanhada de
privações e de desconforto. Onde está o mérito de um pobre a quem
não falta nada?”
2. “Pobres em nossas relações com as pessoas da comunidade
encarregadas de prover as nossas necessidades. O domínio do pobre,
segundo São Bento, se reduz somente à esperança em Deus e em seu
Abade. Um pobre só tem direito à sua pobreza. “TODAS AS
COISAS NECESSÁRIAS DEVEM ESPERAR DO PAI DO
MOSTEIRO, lê-se na Regra. NÃO SEJA LÍCITO A NINGUÉM
POSSUIR O QUE O ABADE NÃO TIVER DADO OU
PERMITIDO”. “Esperar, aguardar da autoridade o que é
indispensável: alimentação, vestuário, alojamento… mas como
convém a pobres. Esperar o necessário daquele que é o pai do
mosteiro não exclui absolutamente o pedido; ao contrário, pois o
pedido é um ato de indigência, de dependência e de humildade.”
– Pode-se pedir tudo o que se deseja? – “Sob pretexto de permissões
obtidas pode-se ter a seu uso muitas coisas; ao útil segue o
agradável, o supérfluo leva ao luxo. Isso não é espírito de pobreza!
…”
“Mostrar-se delicado, difícil, é isso a pobreza? São exigentes, logo
não são pobres. O verdadeiro pobre está sempre contente com o que
lhe é dado. Dão-lhe tal coisa: muito bem! Perfeito! Não é novo? Que
importa! Não está bom? Coma sempre com a bênção de Deus! Aí
está o espírito de pobreza.”
“É preciso lembrar que somos pobres e querer ser tratados como
pobres.”
“É graças a uma multidão de pequenas circunstâncias que se
reconhecem os verdadeiros pobres. É fácil discerni-los!”
O Pe. Muard dizia que a santa pobreza seria “o verdadeiro tesouro dos
beneditinos do Sagrado Coração”, que ela devia “brilhar por toda
parte”.
“Todo o edifício religioso repousa sobre a pobreza. Os Padres da
Igreja, os Doutores diziam que a pobreza alimenta a vida religiosa,
porque a vida interior se apóia necessariamente sobre a penitência, e
a penitência não poderia subsistir sem a pobreza.”
5. – O SAGRADO
CORAÇÃO
O Pe. Muard escreveu em suas Constituições: “As virtudes que devem
constituir o espírito de nossa Sociedade são as virtudes por
excelência do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de
sua Mãe.” É o motivo pelo qual ele coloca sua sociedade “sob o
patronato do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de
Maria”. “É preciso que nos lembremos como de algo essencial que
fomos consagrados pelo nosso fundador ao Sagrado Coração de
Jesus, sob a proteção de Santa Margarida Maria. Somos filhos do
Sagrado Coração de uma maneira muito especial, por sua vontade,
pela vontade de nosso santo fundador. Nós lhe pertencemos para
sempre e temos, assim, direito às suas riquezas. Devemos usufruir
delas.”
Para o senhor, o que é o Sagrado Coração? – “O Sagrado Coração?
Mas é Nosso Senhor Jesus Cristo! Digo Sagrado Coração, porque
desde minha entrada em religião tomo sempre como referência o Pe.
Muard e Santa Margarida Maria… Mas é a devoção a Nosso Senhor
Jesus Cristo! La Pierre-qui-Vire foi fundada sob a proteção
obrigatória do Sagrado Coração de Jesus. É realmente Nosso
Senhor Jesus Cristo, é seu Coração. E para nós, filhos do Pe. Muard,
não há em que hesitar.”
As duas comunidades de En-Calcat e de Santa Escolástica são
especialmente consagradas ao Sagrado Coração… “Foi num
movimento de seu Coração, por um apelo bem distinto, que Ele fez
surgir as duas comunidades. Sim, nós somos do Sagrado Coração.
Foi Ele quem dirigiu as duas fundações. Ele quem, até hoje, nos
protegeu sem cessar, como Ele sabe fazer. Sem a sua assistência, não
somente não teríamos podido começar, mas seríamos incapazes de
continuar. E, a esta altura, o que nos teríamos tornado?”
“Somos mesmo os filhos do Coração de Nosso Senhor, sob a Regra
de São Bento. Quando se é chamado, como o fomos, à honra de
professar a Regra de São Bento numa casa que o próprio Sagrado
Coração edificou, é preciso não negligenciar nada para manter-se
nas fileiras desta falange dos verdadeiros amigos do Coração de
Jesus. Oh! que o Coração de Jesus dê a cada um de nós o dom mais
precioso que Ele pode dar, o dom do amor verdadeiro.
Compreender o que é o amor, nos dispor a amar. Que Ele nos
conceda concentrar neste amor por Ele toda nossa vida espiritual. A
vida espiritual se subdivide, se distingue em virtudes, ela tem
inúmeros graus, mas é tirada do amor que Nosso Senhor nos tem e
do amor que Ele espera de nós. Que bela vocação, meus caros filhos,
e que meio Deus nos dá de corresponder a ela pela Regra de São
Bento e por toda ordenação de nosso estado monástico! Não é de se
admirar que as primeiras manifestações do Sagrado Coração de
Jesus, as menos conhecidas talvez, mas as mais antigas e as mais
autênticas se tenham operado à sombra do claustro beneditino. Não
é de se admirar que Nosso Senhor tenha escolhido um dos seus
servidores mais obscuros e mais desprezados ainda, para colocar sob
a Regra e na Ordem de São Bento toda uma falange de beneditinos e
de beneditinas. O Coração de Jesus quer manifestar seu amor até a
consumação dos séculos. Consagremo-nos a Ele, cada um em
particular e de todo o coração. Mas este não deve ser um ato
passageiro de nossa piedade; é preciso que em nossa consagração
haja uma espécie de contrato entre o Coração de Jesus e os nossos
corações.”
Que recebemos neste contato permanente com o Coração de Jesus? –
“O amor… O amor quer o amor. O amor procura o amor!” Então
tornamo-nos um perfeito beneditino, um monge vivendo sua
Regra. “O coração se lança vigorosamente para seu amor principal,
as aspirações e as esperanças vêm em seguida… Deus não põe
limites às graças que Ele quer nos dar. Por que colocamos limites às
nossas esperanças, aos nossos desejos? Somos pequenos, pequenos
por essência, mas grandes por pertencer à Igreja, pelo batismo, pela
confirmação, pelos sacramentos, pelas graças recebidas, e é preciso
fazer o que diz o profeta: “Dilata os tuum et implebo illud”. “Dilatai
vosso coração!” Que ele não seja trêmulo, pusilânime, mas que
exulte de esperança sobrenatural por causa dos méritos infinitos de
Nosso Senhor. Mais uma vez, Nosso Senhor nos impõe limites?
Absolutamente. Ele nos impele a receber.”
“Nossa vocação é a santidade. A santidade adquirida, resposta
necessária ao Amor divino, é isso o que nos foi pedido e que devemos
dar sem limites. É a lição quotidiana de Jesus às nossas almas. Ele
nos espera no Cenáculo da vida interior que é “Ele em nós e nós
n’Ele”, noite e dia, em companhia e na solidão, no meio das
ocupações ou no vagar, através das palavras ou no bem-aventurado
silêncio. Se Ele permanece conosco e nós com Ele, isto basta. O
Amor está presente, Ele reina e comunica sua vida, e esta vida é de
Deus e se eleva sem cessar para Deus. Ela permanece e se comunica.
A vida interior é Jesus presente, conhecido, amado e nunca
suficientemente servido, na calma, na paz, numa morte aparente e
numa vida muito intensa.”
“Mas, se a vida de Jesus quer realmente se esconder nas aparências
da nossa, ela não quer ser limitada, nem desfigurada, nem alterada,
nem constrangida, nem interrompida, nem condicionada. Essa vida
divina e humana quer pouco a pouco absorver, elevar e divinizar a
nossa.” – Como fazer para não atrapalhá-la? – “Peçamo-la e
deixemos Jesus realmente livre para nos conduzir. Ele sabe que por
nossas próprias forças não poderíamos nos dar a santidade, e Ele se
encarrega disso.”
Ele quer que sejamos santos… “Nosso Senhor necessita de santos e
de santas para renovar o mundo e divinizar a terra.” – É por isso
que Ele chama certas almas à vida monástica… “É preciso santos e
santas entre nós, ou então a Obra não durará. Há uma proporção
entre a santidade e a duração dos mosteiros. Vi muitas fundações.
Quando não há o puro espírito de Deus e a santidade, não há êxito.
O que conduziu tantos mosteiros ao fundo do abismo foi a
predominância do natural em relação ao sobrenatural, da sabedoria
humana sobre a divina.”
“Nossos mosteiros devem ser casas de santidade. Jesus quer a
santidade para as duas famílias. Ele só as abençoará na proporção
dos esforços nesse sentido. Nossa divisa é:
“sint sancti aut non sint.”

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