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HARRIET TUBMAN
A M oisés de sua gente
É preciso vencer uma guerra duas vezes, primeiro pela espada e depois
pela pena — isso porque aquilo que se escreve sobre uma guerra,
seus heróis e mártires, define como as gerações futuras lhe recordarão.1
E, sobretudo, o que serão capazes de aprender com conflitos passados.
2 A simulação de valores do dólar da década de 1830 pode ser feita com base no sistema do
Bureau of Labor Statistics’ Consumer Price Index (CPI): https://www.officialdata.org/1830-dollars-
in-2017?amount=400.
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de divulgação. Era preciso explicar quem, de fato, foram
Sarah H. Bradford
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vidão foi cogitada durante sua administração. Direitos
de voto e posse de determinados cargos públicos perma-
neceram vetados para a população afro-americana até
1920. O negro foi alforriado para ser relegado ao status
de cidadão de segunda classe e, muitas vezes, para servir
como mão de obra barata nos grandes centros industriais.
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Na Era da Reconstrução, a publicação de biografias
Sarah H. Bradford
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conjunto com uns tantos abolicionistas brancos, eles foram os
grandes responsáveis pelo surgimento da América moderna.
5 Para detalhes do contexto de produção, ver Hutchins, Zach. Summary. In: Bradford,
S H. Harriet. The Moses of her People. Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 2012.
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reótipos e linguajar que qualquer leitor atual considera-
Sarah H. Bradford
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Esse dado inconveniente sobre abolicionismo não nos
deveria desencorajar a conhecer um livro como este. Mesmo
que os biógrafos recentes James McGoan e William C.
Kashatus dediquem trechos inteiros de seus livros para
criticar Bradford, nem por isso deixam de citá-la extensiva-
mente.7 O volume da autora nova-iorquina se provou um
encontro obrigatório para interessados no abolicionismo
justamente por trazer relatos em primeira mão de uma das
figuras fundamentais do movimento. Além disso, Bradford
se considerava uma das amigas mais leais de Harriet, e
seu afeto era correspondido. Apesar de todos os exageros,
ao expor Tubman como uma mulher quase sobrenatural,
diretamente inspirada por Deus, ela mostra estar mera-
mente seguindo uma estratégia comunicativa daquela
época de Reconstrução.8 E apesar de tudo, Tubman foi
de fato um caso único de persistência, talento e estratégia.
Falar do ícone Harriet Tubman hoje, portanto, exige que
dividamos o mito da figura histórica. Chegar a resultados
palpáveis a seu respeito provou-se ser, por vezes, uma tarefa
árdua. O anúncio de fuga da jovem “Minty”, nome pelo
qual era conhecida na infância, foi redescoberto somente
há poucos anos, fornecendo dados interessantes sobre a
cronologia de vida daquela figura. O próprio conhecimento
coletivo sobre eventos pontuais de sua vida está em pleno
desenvolvimento, e conta com uma vasta comunidade de
interessados em seu legado. A pesquisa recente de Kate
Clifford Larson, de 2004, traça um quadro compara-
tivo das vozes e transes que a ex-escrava dizia vivenciar
com quadros médicos conhecidos, ao que conclui:
(cf. Sawyer, Kem Knapp. Harriet Tubman. New York: DK Publishing, 2010, p. 112; Humez,
Jean M. Harriet Tubman: The Life and the Life Stories. Madison: The University of
Wisconsin Press, 2003, p. 329).
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Tubman apontam fortemente para a possibilidade de ela ter
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incondicional a um ideal, de resistência contra uma sociedade
corrompida. Pesquisas mais recentes corrigem a interpretação
perpetrada por Sarah Bradford, de Tubman como a ‘boa
negra’, domesticada pelos valores ianques de boa vizinhan-
ça, e a pensam como uma mulher cuja força deriva de seu
caráter clandestino. Ela não se submeteu nem os padrões
de feminilidade vitoriano, nem interpretações moderadas
da religiosidade protestante — não por acaso John Brown,
o grande ‘terrorista’ do antebellum, a chamava de general.
Fazê-lo era acentuar virtudes bélicas e estratégicas que,
naquela sociedade, não se esperavam em uma mulher. De
fato, em termos jurídicos reais, ela era uma grande criminosa,
responsável por desmantelar a economia da família para a qual
seus antepassados prestaram serviços por três gerações. Em
termos ideais, porém, ela era Moisés, a libertadora dos cativos
e exemplo de fé incondicional de que a justiça seria feita.
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