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| EDITORIAL |

PESQUISA QUALITATIVA
DOI: 10.5327/Z1414-4425201700010001

A
pesquisa qualitativa é um campo multifacetado, marcado humano, domínio dos estudos qualitativos. É “preciso ir
por diferentes orientações e metodologias, que permi- além do debate epistemológico e entender a ciência como
tem realizar uma investigação científica aprofundada de produção humana, portanto, resultante de relações sociais”4.
uma variedade de temas relacionados à realidade singular ou Assim sendo, neste século, a abordagem qualitativa tem se
a múltiplas realidades, capturando o significado de fenôme- apresentado como uma alternativa cada vez mais difundida
nos subjetivos na perspectiva dos participantes do estudo1. na área da saúde.
Portanto, para abarcar a multiplicidade dos objetos pesqui- Yin1 destaca cinco características que definem a pesquisa
sados, a pesquisa qualitativa não segue um modelo único, qualitativa:
existindo uma diversidade e riqueza de abordagens, técnicas 1. estuda o significado da vida das pessoas nas condições
de coleta de dados e modelos de análises, que podem variar do cotidiano;
conforme o objetivo da investigação ou a posição epistemo- 2. representa as opiniões dos participantes do estudo;
lógica e teórica do pesquisador2. 3. abrange o contexto em que as pessoas vivem;
Na década de 1960 (século XX), problemas sociais e educa- 4. revela conceitos existentes que permitem explicar o
cionais impulsionaram o cenário favorável para o crescimento comportamento social humano; e
da investigação qualitativa nas ciências sociais e humanas2,3. 5. utiliza múltiplas fontes para coleta dos dados.
Atualmente a pesquisa qualitativa tem sido muito utilizada
por diferentes disciplinas das ciências sociais, como antropo- Deste modo, o pesquisador deverá obter um panorama
logia, ciência política, psicologia e sociologia, bem como por aprofundado do contexto em estudo, da interação da vida
diversas profissões como as relacionadas a administração, edu- cotidiana das pessoas, grupos, comunidades e/ou organiza-
cação, enfermagem e outras1. Embora seja uma modalidade ções. Logo, trata-se de uma abordagem naturalista que busca
de investigação cada vez mais empregada e aceita, tem sido entender fenômenos dentro de seus próprios contextos espe-
alvo de críticas, contestações, suspeitas e desconfianças por cíficos da “vida real”.
uma parcela expressiva da comunidade científica das chama- Não há uma tipologia formal de pesquisa qualitativa,
das hard sciences4. No positivismo, a base da verdade científica pois existem muitos modelos e variações que podem ser
fundamenta-se no modelo lógico-dedutivo, obrigando a for- seguidos, tais como: pesquisa-ação; estudo de caso; etnogra-
mular “proposições teóricas fundamentais”, visando dedu- fia; etnometodologia; estudo fenomenológico; história de
zir as “consequências lógicas necessárias”2. Ao contrário, na vida; teoria fundamentada; investigação narrativa; estudo de
pesquisa qualitativa, o modelo indutivo trata de propor uma observador-participante; e outros1. O problema da pesquisa
“questão à realidade” determinando os procedimentos prá- e os objetivos traçados devem determinar o desenho meto-
ticos a serem implantados para respondê-la2. dológico. Muitos estudos consistentes, que seguem as cinco
A enfermagem como uma prática social historicamente características descritas anteriormente, são conduzidos ape-
construída, com suas raízes filosóficas e sociais, tem buscado nas como “pesquisa qualitativa” ou “estudo de campo” por
na pesquisa qualitativa a compreensão de vários problemas não se encaixarem em nenhuma das variantes em particular1.
não respondidos pela pesquisa quantitativa, cujos fundamen- Os métodos utilizados pelos pesquisadores qualitativos
tos pertencem à epistemologia positivista. Na área da saúde, para a coleta de dados podem ser diversos, tais como: entre-
em particular no Centro Cirúrgico, Centro de Materiais e vistas (aberta ou semiestruturada); observações (partici-
Esterilização e Sala de Recuperação Pós-Anestésica, pela com- pantes ou não participantes); grupos focais; questionários;
plexidade e multidimensionalidade dos setores, ao lado do análise de documentos, fotografias, gravações em vídeo; e
avanço tecnológico e do conhecimento, surgiu a necessidade outros meios5. Com a finalidade de aprofundar a investiga-
de desenvolver pesquisas direcionadas ao comportamento ção, o pesquisador associa dois ou mais métodos de coleta

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Caregnato RCA

de dados. A forma como isso ocorrerá dependerá do para- Estudos qualitativos podem ser indicados em situações
digma de pesquisa adotado5. nas quais se conhece relativamente pouco sobre o fenômeno,
Critérios de cientificidade, da mesma forma que os pos- ou para obter novas perspectivas sobre questões conhecidas
tulados pelo positivismo, foram progressivamente incorpo- ou para identificar tipos de conceitos ou variáveis que poste-
rados na pesquisa qualitativa; logo, a ética, o rigor, a lógica riormente poderão ser testados quantitativamente5. A com-
e a coerência são exigências tanto na pesquisa quantitativa plementaridade entre a pesquisa quantitativa e a qualitativa
quanto na qualitativa2. foi amplamente debatida no passado recente, contudo, atual-
É importante recordar que os dados qualitativos são aber- mente tal complementaridade estrutural e analítica é ampla-
tos a múltiplas interpretações, podendo incluir as vozes dos mente reconhecida2.
participantes do estudo, bem como a do pesquisador, uma Rita Catalina Aquino Caregnato
vez que as reflexões, as ações, as observações de campo rea- Doutora em Educação
lizadas pelos próprios pesquisadores tornam-se parte inte- Professora Adjunta III na Universidade Federal de Ciências da
grante dos dados coletados5. Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – Porto Alegre (RS), Brasil.

REFERÊNCIAS
1. Yin RK. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Tradução de Daniela 3. Neri de Souza D, Neri de Souza F. Aplicação de software na investigação
Bueno. Revisão técnica de Dirceu da Silva. Porto Alegre, RS: qualita­tiva [editorial]. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3): e67901.
Penso, 2016.
4. Bosi MLM, Mercado FJ. Pesquisa qualitativa de serviços de saúde.
2. Poupart J, Deslauriers JP, Groulx LH, Laperrière A, Mayer R, Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
Pires A. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos
e metodológicos. Tradução de Ana Crisitna Nasser. 3. ed. 5. Gray DE. Pesquisa no mundo real. Tradução de Roberto Cataldo Costa.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. Revisão técnica de Dirceu da Silva. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.

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