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INTRODUÇÃO

O objetivo central deste trabalho é verificar o papel do juiz frente à Constituição e sua
posição e dever de intérprete.

Primeiramente analisaremos a Ciência da Hermenêutica, sua origem e conceituação e em


seguida observaremos o papel da interpretação jurídica e sua importância no
desenvolvimento, compreensão e aplicação das normas legais.

No desenvolver do tema abordaremos as Escolas Hermenêuticas, cujas idéias influenciam


os intérpretes do Direito até os dias de hoje, juntamente com os respectivos métodos ou
processos interpretativos que adotaram.

A seguir, faremos um estudo sobre a relação juiz-intérprete e juiz-constituição ressaltando a


vinculação necessária do aplicador do Direito aos princípios estabelecidos pela
Constituição.

Também será objeto de exame os problemas enfrentados pela Magistratura no Estado


Democrático de Direito, como a morosidade da Justiça, o corporativismo, o nepotismo, a
dificuldade de acesso à jurisdição, ineficácia do mecanismo das "lacunas" legislativas, o
aprimoramento técnico-cultural do juiz e o problema da falta de credibilidade do Poder
Judiciário.

CAPÍTULO I – A HERMENÊUTICA NO DIREITO

1. CONCEITO

A palavra "hermenêutica" tem sua origem no latim "hermeneuticus" que por sua vez advém
do grego "hermeneuein" que lembra o Deus grego Hermes.

Hermes era um deus de Segunda categoria, não se posicionando no nível mais alto da
hierarquia do Olimpo, no entanto, possuía certas qualidades características que lhe deram
destaque.
Hermes era o deus da mensagem na Grécia, era ele que servia de canal de comunicação
entre o Olimpo e o mundo dos homens, levando para estes as mensagens, notícias e as
ordens dos deuses.

Hermes possuía três qualidades: conhecia a língua dos deuses, conhecia a língua dos
homens e o mais importante, sabia como interpretar a vontade dos deuses. Essa capacidade
de interpretar inspirou a idéia de que é necessário haver uma mediação entre a formulação
da lei e a sua compreensão por parte dos homens.

Carlos Maximiliano conceitua a hermenêutica como: "A hermenêutica jurídica tem por
objeto o estudo, a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o
alcance das expressões do Direito."

A hermenêutica jurídica busca uma compreensão mais abrangente do fenômeno jurídico,


sendo que este se manifesta por princípios e regras jurídicas (plano normativo) que clamam
pela concretização dos valores que os orientam na construção de uma sociedade.

Interpretar é fazer uso dos princípios que regem a hermenêutica, pois ela é a teoria
científica da arte de interpretação.

Machado Neto esclarece que a hermenêutica, num sentido estrito é sinônimo de


interpretação. Defendendo a existência da teoria da técnica jurídica, que faz parte específica
da teoria geral do direito, o Ilustre doutrinador amplia o conceito de hermenêutica, que
passa a fazer parte da lógica jurídica transcendental. Para ele, a hermenêutica compreende
desde o estudo das fontes, como caracterização daquilo que é juridicamente normativo na
comunidade, até os problemas da aplicação da norma jurídica, passando pela interpretação
e integração.

Afirma ainda que não se trata de uma interpretação da lei, mas de uma interpretação da
conduta mediante a lei.

Vicente Ráo, seguindo a doutrina tradicional, em sua obra clássica O Direito e a Vida dos
Direitos, distingue a hermenêutica da interpretação e da aplicação, vale dizer: "a primeira é
a ciência e as outras duas constituem a técnica."

Enquanto a hermenêutica objetiva os princípios objetivos que disciplinam a apuração do


conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico
do direito – integração - , para o efeito de sua aplicação; a interpretação, por meio de regras
e processos especiais, procura realizar praticamente esses princípios; e a aplicação, adaptar
os preceitos, contidos na norma jurídica e interpretados, às situações de fato que lhe
subordinam.

A hermenêutica não se refere somente à lei, mas, ao direito contido na lei, o seu escopo é
descobrir o direito, isto é, o conteúdo normativo contido nas formas de expressão do
direito.
Epistemologicamente, pode-se situar a hermenêutica como parte da ciência do direito, cujo
objeto é o estudo e a sistematização dos processos lógicos de interpretação, integração e
aplicação do direito, correspondendo, particularmente, à dimensão dogmática do
conhecimento jurídico.

"O problema da hermenêutica é o da exata


significação dos textos legais; interpretar é traduzir a
lei em termos que possam permitir a sua aplicação
com exatidão, exprimindo o sentido da norma em
função, não só dos objetivos do seu autor, mas
também em função das condições sociais,
econômicas, políticas e do tempo em que ela é
aplicada".

2 PAPEL DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

A palavra "intérprete" tem origem latina – inter pres – e designava o adivinho, aquele que
descobria o futuro nas entranhas das vítimas.

A julgar pelo conteúdo jurídico que o termo assumiu – desentranhar o significado das
palavras da lei – essa atitude do adivinho, ou interpres, pode ser a origem provável da
ciência da interpretação.

Na determinação das normas que integra o ordenamento jurídico, o ato de interpretar


corresponde a uma atividade de conhecimento pela qual o sujeito, enquanto desentranha o
sentido da norma jurídica, com vistas à sua aplicação potencial ou atual, participa do
fenômeno jurídico.

Interpretar é compreender. O processo de compreensão envolve a juridicidade como algo


vivo e permanentemente atuante, onde os valores, as relações de conduta e os enunciados
normativo formam um todo incindível.
O jurista, em sua posição de intérprete, insere-se no processo fenomênico para compreendê-
lo, sendo irrelevante se o objeto da interpretação é a norma ou a conduta mediante a norma.
A compreensão da totalidade do direito é sempre uma compreensão normativa.

Afirmar que a compreensão do direito é um ato de conhecimento normativo é não somente


afirmar que a norma jurídica é objeto da interpretação, como também declarar que toda
norma jurídica tem que ser interpretada, pois é no ato de interpretação que ela se revela ao
jurista como direito.

"Entender uma lei, portanto, não é somente aprender


de modo mecânico o sentido aparente e imediato que
resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza
o pensamento legislativo, de ser da superfície verbal
ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-
lo em todas a s direções possíveis."

Do ponto de vista linguístico, interpretar é determinar ou redefinir os significados das


palavras da lei, que fazem parte da linguagem natural ou ordinária. A redefinição pode ser
denotativa (pela extensão) para controlar a vagueza ou conotativa (pela compreensão ou
intenção) para controlar a ambigüidade. É também dar os sentidos da linguagem especial,
fruto do trabalho teórico-profissional dos juristas, mas baseada na linguagem natural,
caracterizada por imprecisões semânticas, como a vagueza (significado indeterminado) e a
ambigüidade (pluralidade de significados).

O intérprete não está vinculado à norma jurídica, mas sobretudo a uma série de orações,
cujo significado é atribuído conforme regras sintáticas, semânticas e pragmáticas.

Redefinir é alterar o significado de um termo, possibilitando sua aplicação a situações antes


não consideradas. E na interpretação da lei, os fatores axiológicos atuais orientam o
processo redefinitório. Isso possibilita a adequação da Jurisprudência às exigências reais ou
supostas de um dado momento histórico.

As normas jurídicas são constituídas por palavras que têm as características próprias das
linguagens naturais. Assim, as imprecisões semânticas, denominadas vagueza e
ambigüidade têm importância para a interpretação. Tais defeitos estruturais da linguagem
corrente ou natural, na qual está baseada a linguagem jurídica, afetam a expressão da
intenção do legislador, dificultando ou impedindo a possibilidade de um legislador racional
e consequentemente a possibilidade de uma interpretação literal.

Para Hart, a incapacidade humana para prever o futuro é a base da indeterminação das
regras jurídicas e a textura aberta permite uma atividade judicial criadoras dentro delas.

Na zona de penumbra ou de transição entre a clareza e a de obscuridade das palavras da lei,


a decisão do intérprete deve ser construtiva ou valorativa, sob sua responsabilidade.
Os tecnicismos da linguagem jurídica não podem eliminar os casos atípicos, anômalos ou
marginais, que surgem na zona de penumbra. As palavras e as expressões jurídicas não têm
a mesma precisão conceitual que as palavras que usa a Geometria para aludir aos seus
objetos construídos.

Para Genaro R. Carrió, o direito não é um sistema cerrado, dotado de plenitude hermética
ou finitude lógica, do qual se extraem soluções, por dedução, para todos os casos possíveis.
De modo que o direito tem lacunas, no sentido de que há casos que não podem ser
resolvidos com fundamento exclusivo em suas regras ou em alguma combinação destas.

Apesar das regras jurisprudenciais e da dogmática elaborada pelos juristas, o sistema


jurídico sempre apresenta zonas de intermediação, cujos limites são indetermináveis, e os
casos aí ocorrentes reclamam decisões e não deduções.

As palavras da linguagem natural, de que faz parte a linguagem do direito, não têm critérios
de aplicação rígidos ou de perfis nítidos, o que vale dizer que são atual ou potencialmente
vagas, apresentando assim, uma zona de transição ou penumbra.

A verdade é que há regras jurídicas que não regulam todas a s condutas humanas, mas que
apresentam uma textura aberta, dentro da qual o intérprete tem que decidir
discricionariamente, recorrendo à juízos de valor, fundados em considerações sociais,
políticas, econômicas, etc. No direito positivo são inúmeras as palavras ou expressões
abertas, configuradoras de uma zona de penumbra mais intensa, e que, por isso, propiciam
um juízo eqüitativo e valorativo.

A vagueza, a ambigüidade e a textura aberta das palavras em que se expressa a norma


jurídica arredam o adágio "In claris cessat interpretatio". Na doutrina há quase
unanimidade quanto à sua rejeição. A linguagem natural em que se expressam as normas
jurídicas possui características estruturais e situacionais que embaraçam a transmissãi clara
das mensagens.

Ao "in claris cessat interpretatio", brocardo medieval, ressuscitado pela escola da Exegese,
já se contrapunham as máximas de Ulpiano – "Quamvis sit manifestissimum edictum
praetoris, attamen nom est negligenda interpretatio" (embora claríssimo o edito do pretor,
contudo não se deve descurar da interpretação respectiva) – e de Celso – "Scire legis nom
hoc est, verba earum tenere, sed vim ac potestatem" (saber as leis não é conhecer-lhes as
palavras, porém a sua força e poder, ou seja, o seu sentido e alcance).

É sempre necessário ir além da superfície das palavras, a fim de conhecer a força de que
dela dimanam. O princípio "in claris" não tem fundamento, pois a interpretação é sempre
necessária, seja a lei clara ou não.

Excluir a interpretação para as leis claras é desconhecer a própria função interpretativa.

A opinião de Ferrara é no mesmo sentido: "Mesmo quando o sentido é claro, não pode
haver logo a segurança de que ele corresponde exatamente à vontade legislativa, pois é
bem possível que as palavras sejam defeituosas ou imperfeitas, que não reproduzam em
extensão o conteúdo do princípio ou, pelo contrário, sejam demasiado gerais e façam
entender um princípio mais alto que o real, assim como, por último, não é excluído o
emprego de termos errôneos que falseiem abertamente a vontade legislativa."

R. J. Vernengo faz alusão a uma assertativa de Chaim Perelman: "Resulta que um texto é
claro, sempre e quando todas as interpretações razoáveis que possa receber conduzam à
mesma solução".

Isto já revela que a clareza de um texto não é coisa tão evidente ou óbvia porquanto se trata
de uma relação complexa entre várias interpretações e uma solução única.

Evidenciada a necessidade da interpretação, é relevante ressaltar que se deve, no entanto,


estabelecer-lhe limites, já que o seu objetivo é aclarar o sentido da lei e não distorcê-lo.
Deve-se impor uma medida de equilíbrio e prudência.

Interpretar é explanar, aclarar o sentido da palavra, texto, lei, etc. As leis são parte do
universo cultural e a cultura não se explica, se compreende em função do sentido que os
objetos culturais encerram.

3 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

Denominam-se processos, elementos, métodos de interpretação ou procedimentos


interpretativos os meios de que se utiliza o hermeneuta (intérprete ou operador do
direito)para realizar a interpretação, ou seja, para descobrir o sentido e alcance das
expressões do direito.
Esses métodos são classificados de modos diversos pela doutrina, mas, para melhor
compreensão, faremos um estudo destacando os principais.

3.1 Método Gramatical ou Literal

Também conhecido por lingüístico, filológico ou verbal, é aquele que tem por base as
próprias palavras da lei, considerando o significado técnico dos termos no exame da
linguagem do texto, isto é, leva-se em conta os elementos gramaticais e o significado
semântico das palavras.

Como o sentido das palavras varia com o tempo, esse procedimento interpretativo visa
estabelecer a coerência entre o sentido da lei e os usos lingüísticos, seja da época em que a
lei foi elaborada buscando a vontade do legislador (mens legislatoris), seja atualizando o
sentido da lei (mens legis).

Mas alerta Herkenhoff: "No uso do processo filológico, deve o intérprete estar advertido de
que nem sempre a palavra é fiel ao pensamento, afora as impropriedades de redação
freqüentes nas leis. Sempre é preciso encontrar o que se acha implícito por trás das
palavras."

Ainda, afirma Alípio Silveira que "a interpretação literal, gramatical ou filológica
constitui sempre o ponto de partida do labor hermenêutico, quando se trata de lei escrita,
ordinária ou constitucional. Mas a interpretação puramente literal é insuficiente. São, de
fato, raros os casos em que a simples interpretação literal fornece o verdadeiro sentido da
norma."

No mesmo sentido, Miguel Reale ensina que, sendo a lei uma realidade morfológica e
sintática, deve ser estudada do ponto de vista gramatical, e que é a gramática o primeiro
caminho que o intérprete deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma
legal.

Não obstante, as palavras usadas pelo legislador devem ser interpretadas em conjunto com
as demais palavras que formam o texto, além de se observar o uso da palavra no local em
que foi redigida e qual a matéria a ser interpretada.

O método gramatical teve seu apogeu no século XI com os glosadores e pós-glosadores na


Escola de Bolonha.

A importância do método é ressaltada por Christiano José de Andrade quando se trata de


texto de lei em língua estrangeira ou de norma de um só país, expressa em vários idiomas e
na aplicação do direito estrangeiro, citando como exemplo o Corpus Juris Civilis romano,
adotado na Alemanha, sendo que, na Suíça, os textos legislativos são expressos em alemão,
italiano e francês com a mesma autoridade.

Assim, a doutrina converge no sentido de que o método gramatical deve ser conjugado com
outros métodos, pois o uso tão somente deste método não mostraria o verdadeiro sentido e
alcance das expressões de direito.

3.2 Método Lógico ou Racional

Esse processo visa descobrir o sentido e alcance da lei, baseando-se na investigação da


ratio legis, da finalidade da lei, do alvo fixado pelo legislador.

A ratio legis, segundo Francesco Ferrara, "é uma força vivente móvel que anima a
dispodição, acompanhando-a em toda sua vida e desenvolvimento; é como linfa que
mantém sempre verde a planta da lei e faz brotar sempre novas flores e novos frutos."

Alípio Silveira esclarece a distinção existente entre lógica interna e externa, citando Degni
e François Gény, para os quais a primeira trata-se de uma indagação psicológica daquilo
que o legislador quis, através de deduções e induções dirigidas pelo texto legal; e a Segunda
constitui-se pela pesquisa da occasio legis, ou seja, o ambiente social e jurídico do qual
brotou a lei, seus antecedentes históricos.

Por esse motivo, ao lado da ratio legis é necessário examinar a occasio legis como
elemento histórico que revela ao intérprete as condições sociais que influenciaram na
confecção do texto legal.

Todavia, esse processo recebe críticas.

Recaséns Siches considera o processo lógico imprestável na aplicação do direito, alegando


que a lógica formal só seria adequada no exame de conceitos jurídicos essenciais.

Recaséns, por sua vez, distingue a lógica formal da lógica racional, além de fazer referência
à lógica do razoável. Argumenta ele que a lógica formal é neutra a valores éticos, políticos
e jurídicos, enquanto as normas jurídicas têm uma dimensão imperativa, axiológica e
dinâmica que não é atingida pela lógica da inferência. Do mesmo modo, a lógica do
racional, para ele, é meramente descritiva de conexões entre idéias. No entanto,
complementa: "a lógica do razoável, concernente a problemas humanos, como os
problemas políticos e jurídicos procura compreender sentidos e nexos entre significações,
assim como também realiza operações valorativas e determina finalidades ou propósitos".

A lógica do razoável seria uma operação lógico-valorativa que atualiza a norma jurídica,
modificando-a para adequá-la à realidade social.
Explica Christiano que a lógica do razoável de Recaséns Siches tem como base a matriz
aristotélica da eqüidade, onde a função da eqüidade não é corrigir a lei, mas interpretá-la
razoavelmente, o que não significa que propõe a sua tese a substituição de critérios
objetivos pela opinião pessoal do juiz, mas, sim, atendendo aos textos legais, aos valores e
convicções sociais em harmonia com o sistema jurídico.

Não obstante as críticas quanto à interpretação lógica, este processo pode perfeitamente ser
utilizado com resultados positivos quando acrescido aos outros métodos de interpretação à
disposição do operador do direito.

3.3 Método Sistemático

Por esse processo, a norma nunca é interpretada isoladamente, é considerada parte do


amplo sistema normativo que a envolve com a finalidade de preservar a harmonia e a
coerência do sistema legal.

Para alguns autores como Vicente Rao e Miguel Reale, tal procedimento deriva do método
lógico, por isso é chama do de lógico-sistemático.

A propósito, Miguel Reale argumenta: "não se compreende, com efeito, qualquer


separação entre a interpretação lógica e a sistemática. São antes aspectos de um mesmo
trabalho de ordem lógica, visto como as regras de direito devem ser entendidas
organicamente, estando umas na dependência das outras, exigindo-se reciprocamente
através de um nexo que a ratio juris explica e determina."

O processo sistemático tem por base a hierarquia das leis, ou seja, em países que a
Constituição é rígida ou pormenorizada; faz-se necessário, na interpretação de lei ordinária,
a verificação da Lei Maior, para que esteja em conformidade com o sistema. Nesse sentido
é comum utilizar-se do Direito Comparado para possibilitar compreensão ampla do
dispositivo confrontando os textos com textos de outros países.

3.4 Método Histórico

É um trabalho de reconstituição do conteúdo original da lei, de desenvolvimento das


circunstâncias históricas, dos sentimentos e interesses dominantes ao tempo da elaboração
da lei.
Para os adeptos desse método, o direito é produto histórico, criação da sociedade e capaz de
adequar-se às novas exigências sociais.

Para tanto, não fica restrito ao exame de documentos históricos do Direito (projetos e
anteprojetos de lei, exposições de motivos, debates, pareceres etc.), abrange todas as
circunstâncias que, de modo direto ou indireto, precederam a elaboração da lei, como os
aspectos éticos, religiosos, filosóficos e políticos que influenciaram a vontade do legislador.

Ensina Fernando Coelho que "nesse processo, o sentido prospectivo deve prevalecer, pois
a experiência do passado só tem sentido como revelador da ideologia que condiciona o
presente, em outros termos, a construção crítica da ordem social não prescinde da
assunção da ideologia, nas condições em que ela impregnou no passado o direito e a
sociedade."

Eminentes autores como João Baptista Herkenhoff, Carlos Maximiliano e Miguel Reale
denominam tal processo de histórico-evolutivo, pois permite a evolução jurídica,
conciliando o princípio da legalidade com as transformações sociais.

No mesmo sentido, Christiano argumenta: "Também a vagueza, a ambigüidade e a textura


aberta das palavras da linguagem normativa (que é essencialmente uma linguagem
natural) levam o jurista a raciocinar topicamente com o uso abuindante de redefinições de
velhos conceitos. E tais redefinições, que podem ser denotativas ou conotativas, são
baseadas em fatores axiológicos e em dados sociológicos atuais, o que torna a
interpretação evolutiva. Isso possibilita ainda a introdução de mudanças no sistema sem a
necessidade de alterar o teor literal das normas."

Concluindo, o intérprete, ao examinar uma norma que vigora há 60 anos, não encontra-se
vinculado à busca da mens legislatoris, ou a razão que induziu o legislador da época, mas à
busca do seu fundamento racional hoje e sob esta medida decidir quanto à aplicação da
norma ao caso concreto.

3.5 Método Teleológico

O processo teleológico é aquele que busca a finalidade da lei, resultado que ela deva atingir
na sua aplicação ao caso concreto.

De acordo com os ensinamentos do jurista Christiano José de Andrade, esse método teve
em Rudolf Von Ihering seu precursor, para quem o fim é o criador do Direito e "tudo o que
brota sobre o solo do direito nasceu através de sua finalidade, de sorte que todo o direito
outra coisa não é, senão uma única criação teleológica."
A interpretação do art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil suscita divergências entre
os autores quanto ao seu alcance.

Para melhor entendimento, transcrevemos o artigo:

"Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins


sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum"

Alguns autores entendem que o bem comum é aquele que a norma deve satisfazer, e outros
entendem que o juiz, como aplicador do direito, deve atender às exigências do bem comum
ainda quando a norma ofereça impedimento.

Oscar Tenório, citado por Herkenhoff, afirma que o Direito brasileiro aceitou, sem
restrições, a interpretação teleológica, conferindo ao Judiciário grandes poderes e uma
tarefa política.

O problema reside na obrigatoriedade da disposição legislativa sobre interpretação.

Serpa Lopes argumenta que "As normas conhecidas de hermenêutica prevalecem como
regras doutrinárias, como uma função diretiva simplesmente, sem valor obrigatório para o
juiz, caráter esse que conservam mesmo quando introduzidas num texto legal."

Trata-se de um princípio geral de interpretação e aplicação do Direito, ponto de partida da


argumentação jurídica.

Alípio Silveira sustenta a obrigatoriedade das regras legais de hermenêutica par ao


intérprete, pois "uma regra legal de hermenêutica é, no fundo, uma disposição de ordem
pública, relativa à atividade do órgão judicante. Sendo de ordem pública, diz respeito às
bases constitucionais do Estado, tanto da constituição política como da constituição
legal."

Muito embora haja diversas posições doutrinárias sobre o assunto, o art. 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil traz uma norma de interpretação teleológica, devendo ser
observada pelo aplicador do direito.

3.6 Método Sociológico

Busca esse processo a investigação dos motivos que ditaram a confecção da lei e os
interesses que são por ela protegidos, bem como a forma de exercer essa proteção.
Para tanto, considera as aspirações da sociedade, contando com a colaboração de outros
ramos, como a Economia, a Ciência Política, a Sociologia etc.

O Direito, do ponto de vista do método sociológico, é um simples componente dos fato


sociais e estudado segundo nexos de causalidade e o sistema jurídico é um subsistema do
sistema social.

Para León Duguit, da Escola do positivismo sociológico, o direito está fundamentado no


puro fato social do sentimento de solidariedade e justiça.

O positivismo sociológico parte do pressuposto de que o fato é o elemento essencial e nele


está implícita a regra que se revela por meio da pesquisa científica.

Observa, a respeito, Miguel Reale, que os estudos sociológico-jurídicos são de suma


importância para o legislador e para o jurista, pois "é indispensável saber como os homens
estão agindo para se estabelecer como devem agir: a norma jurídica deve surgir embebida
de compreensão do fato social, se se quer que ela tenha eficácia."

 
 

4 ESCOLAS HERMENÊUTICAS

Diversas escolas surgiram ao longo dos tempos para tentar orientar o intérprete na busca do
alcance e sentido das expressões do Direito. Elas constituíram ação e reação dos juristas, na
tentativa de impor um método ideal ou de determinar um caminho a ser seguido para a
aplicação da lei em cada caso.

Muitas das escolas hermenêuticas têm seguidores até os dias de hoje e o conteúdo de
algumas delas se alastrou pelo mundo todo, gerando críticas, agregando contribuições de
diversos operadores do direito, e desenvolvendo os pensamentos e convicções que deram
origem aos vários entendimentos sobre a interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Entre as mais antigas podemos mencionar a Escola dos Glosadores (de Bolonha),baseada
na interpretação gramatical pura e simples, do Corpus Juris Civilis de Justiniano, através de
glosas, isto é, anotações marginais ou interlineares acrescentadas aos textos estudados.

A Escola dos Comentaristas ou Pós-glosadores, que tentou adaptar o Direito Romano às


novas relações econômicas e sociais da sociedade feudal, adotando o método lógico da
dialética escolástica.

A Escola da Culta Jurisprudência ou dos Humanistas, em reação à Escola dos


Comentaristas, transformava o Direito Romano em direito histórico, interpretando-o por
suas fontes originais, auxiliado pela Filosofia, História e pela Literatura.

A Escola dos Feudistas tentou unificar o direito comum, libertando-o das instituições
feudais e da incoerência dos costumes.

Finalmente, a Escola Holandesa surgiu como reação à postura teórica da Escola da Culta
Jurisprudência, estudando o Direito Romano com critério crítico dirigido à prática jurídica.

Na doutrina, cada autor tem sua própria classificação das Escolas.

Começaremos pela classificação proposta por Luís Fernando Coelho, que tem como critério
os planos do conhecimento jurídico e divide as escolas em quatro grupos: as dogmáticas, as
zetéticas ou teleológicas, as sociológicas e as realistas.

A orientação dogmática decorre da concepção de que o direito está contido nas leis;
portanto, a função do intérprete é a de adequar o fato à lei (subsunção). Por outro lado, a
orientação zetética ou teleológica, que surgiu como reação aos exageros do dogmatismo
exegéticos e procurou interpretar o direito conforme a finalidade por ele visada.
Na sociológica o elemento predominante na formação do direito é o meio social; e na
realista predomina o entendimento de que o direito efetivo é aquele revelado nas decisões
concretas dos juizes e tribunais.

Fazem parte da orientação dogmática a Escola da Exegese, a Pandectista, a Germanista e a


de Jurisprudência Analítica. Da orientação teleológica temos a Jurisprudência Teleológica
de Ihering e a Jurisprudência de interesses de Heck. As escolas da Livre Pesquisa
Científica, do Direito Livre e da Jurisprudência Sociológica Americana são da orientação
sociológica. Finalmente, da orientação realista fazem parte o Realismo Jurídico Americano
e o Escandinavo e a Lógica do Razoável de Recaséns Siches.

De acordo com a classificação de João Baptista Herkenhoff as escolas se dividem em três


grupos, a saber: Escolas de estrito legalismo ou dogmatismo – Exegese, Escola dos
Pandectistas e Analítica da Jurisprudência; Escolas de reação ao estrito legalismo ou
dogmatismo – Histórica do Direito, Histórico-evolutiva e Teleológica;Escolas que se abrem
a uma interpretação mais livre – Livre pesquisa científica, Escola do Direito livre,
Sociológica Americana, da Jurisprudência de interesses, a Realista Americana, a Egológica
e a Vitalista do Direito.

Passaremos agora a um breve estudo sobre cada uma delas.

4.1 Escola da Exegese

Esta escola funda-se na concepção de perfeição do sistema normativo, podendo-se


encontrar na lei solução para todas as situações jurídicas.

A lei escrita era considerada a única fonte do Direito; consequentemente, era adotado o
método gramatical de interpretação.

Constituída pelos comentadores dos Códigos de Napoleão, principalmente do Código Civil


de 1804, que pregavam que, em face de situações não previstas pelas leis, o juiz deveria
abster-se de julgar, esta escola perdurou durante grande parte do século XIX.

Negavam valor aos costumes e repudiavam a atividade criativa da jurisprudência. O direito


era revelado pelas leis e somente por estas, e a interpretação seria um trabalho meramente
declaratório da vontade da lei como intenção do legislador, sugerindo a idéia de um juiz
neutro.

4.2 Escola dos Pandectistas

Os pandectistas promoveram a reconstituição histórica do Direito Romano, criando um


sistema dogmático de normas com o uso de suas instituições como modelo.

A escola leva este nome porque dedicavam seus estudos principalmente à Segunda parte do
Corpus Juris Civilis de Justiniano – as Pandectas (normas de direito civil com respostas de
jurisconsultos).

Pelo fato de que valorizavam os costumes jurídicos formados pela tradição, a interpretação
tinha caráter mais elástico do que o da Escola da Exegese.

4.3 Escola Analítica da Jurisprudência

Entendiam seus integrantes que o objeto do Direito eram apenas leis positivas, repudiando
os valores ou o conteúdo ético das normas legais.

Não considerava se as prescrições das normas eram justas ou injustas, o que interessava
realmente era a norma positivada.

No entanto, entendiam que os costumes eram fonte do Direito e até fizeram uma tentativa
no sentido de sistematizar o Direito consuetudinário, o que foi sua grande contribuição para
a época.

4.4 Escola Histórica do Direito


 

Surgiu no início do século XIX e proclamava a historicidade do direito, cuja origem era a
consciência nacional e os costumes jurídicos da tradição.

Como nasceu no apogeu do neo-humanismo, quando o Direito era tido como pura criação
racional, sua grande contribuição foi ter retirado o Direito da perspectiva abstrata do
racionalismo, baseado na lógica e na dialética, para dar-lhe perspectiva histórica.

Com o desdobramento da Escola Histórica, surgiu a Escola Histórico-Dogmática,


superando os seus métodos em busca do sentido da lei e acrescentando a função criadora
para que o Direito pudesse acompanhar as transformações sociais.

Miguel Reale aponta os ensinamentos de Gabriel Saleilles, para que era preciso "ir além do
Código Civil, mas através de sua exegese evolutiva, graças ao poder que tem o juiz de
combinar, de maneira autônoma, diversos textos legais e integrá-los para atender a novos
fatos emergentes."

4.5 Escola Teleológica

Não são incompatíveis o método teleológico com o histórico-evolutivo acima mencionado,


pois os critérios de um e de outro têm ligação com o fim social da lei, constituído pela idéia
de justiça e pelas exigências do bem comum, que, para Alípio Silveira, são idênticas ao fim
social da lei.

O fundador desta Escola foi o jurisconsulto alemão Rudolf Von Ihering, que pregou ser o
Direito produto da luta,que supõe luta, quer para sua criação, quer para sua defesa.

Ihering cuida do aspecto prático e funcional do direito, que é vivido de modo concreto pelo
povo e que é aplicado.

Essa orientação tem semelhança com o preconizado no art. 5º da Lei de Introdução ao


Código Civil, haja vista que atender aos fins sociais da lei e `as exigências do bem comum
na sua aplicação, conduz à sua adaptação à realidade e à finalidade do direito, garantindo as
condições de existência da sociedade, mas na época de sua aplicação.

Miguel Reale faz algumas críticas ao método utilizado por esta Escola, argumentando que
os resultados previstos pela lei muitas vezes não podem ser atingidos, sendo que algumas
realizam fins completamente imprevistos. Por isso, a interpretação teleológica deveria se
unir à interpretação sistemática para que a lei aplicada não tenha resultados nocivos ou
injustos.

 
4.6 Escola da Livre Pesquisa Científica

Dentro desta Escola podem ser encomtradas duas posições sustentadas pelos seus teólogos,
a saber: a posição extremada e a posição moderada.

Hermann Kantorowicz, adepto da orientação extramada, argumenta que esse método induz
o juiz a buscar o ideal jurídico, o Direito justo, dentro ou fora da lei, o que lhe permite
decidir praeter e também contra legem, com base na observação da experiência, dos dados
sociológicos ou mesmo no foro íntimo.

De acordo com Christiano José de Andrade, essa orientação põe em risco os valores certeza
e segurança do direito.

Do outro lado, fazendo parte da orientação moderada, estão François Gény e Eugen
Ehrlich, cujo método permite ao juiz decidir praeter legem, tendo ampla liberdade somente
na falta de norma escrita ou costumeira.

Argumenta Gény que "a insuficiência do procedimento racional é suprida pela intuição."

Para este teólogo, o Direito é formado por dois elementos fundamentais: o "dado" (le
donne)- tudo aquilo que não é criado pelo legislador, mas elaborado pela própria existência
humana; e o "construído" (le construit)- o que o jurista contrói (regras ou normas) a partir
dos dados oferecidos pela natureza e pela experiência social. Portanto, no Direito há uma
base de dados ou pressupostos e uma parte de construção lógica, subordinando os fatos a
uma ordem de fins.

A fórmula de Gény é esta: "Além do Código Civil, mas através do Código Civil." Assim,
afirma: "o trabalho de pesquisa, na realidade, só inova na medida em que integra ou
completa o sistema existente, mas sem lhe alterar o significado fundamental."

A grande contribuição de Gény, que tem seguidores por todo o mundo foi Ter investido a
função judicial de maior dinamismo e criatividade na missão de integrar o direito, suprindo
suas lacunas. O juiz passou de mero intérprete da lei a pesquisador unicamente da vontade
do legislador.

4.7 Escola do Direito Livre

Esta concepção jurídica pressupõe a existência de um direito livre anterior, vivo e


espontâneo em contraposição ao direito positivado pelo Estado.
Segundo seus adeptos, o juiz é como que um legislador no domínio do caso concreto.
Assim, o legislador cria a norma genérica que deverá abranger todos os casos futuros e cabe
ao juiz legislar toda vez que lhe parecer inexistente a lei apropriada ao caso específico.

As palavras de Miguel Reale resumem a idéia desta escola: "estamos, pois, no pleno
domínio do arbítrio do intérprete."

Os autores consideram como precursor desta Escola o presidente do tribunal francês de


Château – Thierry Pau Magnaud, chamado por seus compatriotas "o bom juiz".

Magnaud orientou seus julgados pela solidariedade, humanidade e igualdade, privilegiando


o direito à vida como o mais importante e lutando contra os abusos dos poderosos.

A idéia fundamental da Escola é a de que o Direito não é criação exclusiva do Estado, ou


seja, a lei não é a única fonte do Direito e o juiz não deve submeter-se inteiramente a ela.

Não obstante, essas idéias receberam várias críticas.

Para Carlos Cossio, a Escola do Direito Livre esconde uma concepção anarquista do
direito.

Carlos Maximiliano insurge-se contra os excessos cometidos pela escola, que não se
contenta em investir o juiz de autoridade discricionária na ausência de lei expressa, praeter
legem,mas leva-o a agir em oposição à lei escrita, isto é, contra legem, o que para ele
significa invasão da competência alheia.

Apesar de todas essas críticas, modernamente alguns juízes estão agindo sob a influência
dessas idéias, como é o caso do chamado Direito Alternativo, que no Brasil já apresenta
seguidores, principalmente no Estado do Rio Grande do Sul.

4.8 Escola Sociológica Americana

Tal escola foi um movimento paralelo à Escola do Direito Livre na Alemanha e à Escola da
Livre Pesquisa Científica na França.

Basicamente pretendeu substituir as concepções de caráter racionalista do campo jurídico,


por procedimentos empíricos e utilitaristas.

A repercussão desse posicionamento é a compreensão de que o juiz deve interpretar as


normas ponderando o valor da realidade social.
A "lógica experimental" de John Dewey influenciou a Escola Sociológica Americana,
ensinando que "a lógica dedutiva deve ser abandonada como instrumento principal e
decisivo para chegar à sentença judicial. Deve ser substituída por um tipo de lógica que,
em vez de partir dos antecedentes, tenha seu centro de gravidade na consideração das
conseqüências."

A contribuição desta Escola foram algumas idéias para a evolução do pensamento jurídico
como o valor que se dá à mutabilidade do Direito; a consideração da relatividade do
homem; a importância da observação das realidades sociais quando dos julgamentos; a
revelação de que a prática do direito é mais experiência do que lógica; e a constatação de
que há processos subconscientes na tarefa judicial.

4.9 Escola da Jurisprudência de interesses

Esta Escola tem por princípio a investigação dos interesses quando da interpretação, e não a
lógica como pregava a escola anteriormente mencionada.

Deve-se indagar os interesses que deram causa à edição da lei, pois o que o legislador visa é
a proteção dos interesses de um determinado grupo social.

No caso de não haver previsão legal para a solução de um conflito de interesses, o juiz deve
basear-se em suas próprias estimativas, guiado pelas convicções sociais da época, sem ,
com isso, criar uma nova ordem jurídica.

A contribuição deixada por esta Escola reside no fato de proporcionar uma melhor
compreensão do trabaho hermenêutico, elevando o interesse como valor supremo na
aplicação do Direito.

4.10 Escola Realista Americana

O realismo americano parte do ponto de que a sentença judicial seria fruto das razões
emocionais do juiz, de um processo psicológico e não da lógica. E por esse motivo, a
personalidade do juiz constituiria fator decisivo na sentença.

Essa corrente teve como principal teólogo Oliver Wendell Holmes, que considerava a
realidade jurídica como o direito efetivamente existente, assim como os fatos sociais e
históricos que inspiraram a sua criação.
A maioria dos seguidores dessa Escola entende que se deve procurar a realidade na conduta
efetiva do juiz, não importando o que ele diz, mas, sim, o que ele faz, o seu real
comportamento.

Acrescenta Jerome New Frank que sobre o juiz influem a educação geral e jurídica, os
vínculos familiares e pessoais, a posição econômica e social, a experiência política e
jurídica, a filiação e opinião política e os traços intelectuais e temperamentais.

A crítica sobre as idéias é a de que não existiria segurança e estabilidade no ordenamento


jurídico, ficando a aplicação do direito adstrita á consciência do juiz.

4.11 Escola do Realismo Jurídico Escandinavo

Também chamada de Escola de Upsala, essa corrente concebe o direito como um sistema
de signos, um meio de comunicação entre as pessoas.

Parte da análise lingüística para determinar o sentido jurídico-normativo.

Assim como na Escola anterior (Realismo Americano), o direito consiste nas decisões dos
tribunais, que dão vida e efetividade às normas jurídicas.

Alf Ross, o expoente do Realismo Jurídico Escandinavo, considera a ciência e a política


jurídicas de maneira unitária, sendo que a política jurídica vai além da atividade do
legislador para abranger as questões de ordem prática, derivadas do uso da técnica do
direito na realização de objetivos sociais. A política jurídica é a diretriz tanto para o
legislador quanto para os aplicadores do direito (juízes); portanto, a norma jurídica
representada pela sentença é criação e não derivação de regras existentes.

4.12 Escola Egológica

Criada pelo jurista argentino Carlos Cossio, esta Escola prega a interpretação considerando
que o objeto visado pelo operador do direito é a conduta humana em sua inferência
intersubjetiva.

O método utilizado é o empírico-dialético. Empírico porque corresponde ao modo de ser do


substrato (conduta) e do sentido como dados reais, pertencentes ao mundo da experiência;
dialético em virtude da forma circular do conhecimento, que vai e vem, do substrato ao
sentido.

A atividade do juiz é de compreensão, pois o direito é conduta e não norma, devendo, na


aplicação do direito, valorar as normas que elege para cada caso concreto.

Por conseguinte, a liberdade do juiz é limitada pelas valorações da sociedade, expressas por
meio das normas.

Quanto ao método adotado pela Escola, Herkenhoff explica: "Quando o juiz profere uma
sentença, exercita um conhecimento por compreensão. Parte das circunstâncias do caso
(substrato) para vivenciar o seu sentido expresso na lei, como se estivesse a esboçar a
sentença. Volta depois e reconsidera o caso a fim de verificar se a primeira conduta
corresponde ao sentido, ou se escapou alguma coisa. Depois regressa ao substrato, com
uma idéia mais clara do sentido do caso. E assim procede, indefinidamente, até satisfazer-
se com a compreensão que alcançou do caso."

Para Carlos Cossio, a idéia é a de que o juiz vê o Direito como algo que está se fazendo
constantemente e que ele próprio contribui para que se faça.

A tese de que se interpreta a conduta humana revolucionou a Hermenêutica, pois até então
o entendimento era de que se interpretava exclusivamente a norma.

4.13 Escola Vitalista do Direito

Teve como criador o pensador Luís Recaséns Siches, para quem o Direito não é fenômeno
da natureza física ou psíquica, nem puro valor, mas, sim, fato histórico.

A norma deve ser interpretada considerando a razão histórica, a variação das circunstâncias,
haja vista ser a norma jurídica, e no entender de Recaséns "um pedaço da vida humana
objetivada que, na medida em que esteja vigente, é revivida de modo atual pelas pessoas
que a cumprem e pelas pessoa que a aplicam, e que ao ser revivida deve experimentar
modificação para ajustar-se às novas realidades em que é revivida e para as quais é
revivida."

Para Recaséns, a prática do Direito requer a lógica do razoável, que é impregnada de


critérios valorativos, não sendo, contudo, contrária à ordem jurídica já que busca dar ao
caso concreto a solução mais razoável ou mais justa possível.

Assim, a lógica do razoável supera a pluralidade de métodos de interpretação, pois em cada


caso o juiz deve interpretar a lei conforme o método que o leve a uma solução mais justa e
satisfatória, mesmo quando o legislador tenha determinado o método de interpretação.
Não obstante a atividade criadora do juiz, ele não está autorizado a decidir contra legem,
devendo considerar os valores que inspiraram a edição da lei, bem como as convicções
sociais vigentes.

Além dessas Escolas Hermenêuticas, Christiano José de Andrade traz outras que
abordaremos na seqüência.

4.14 Escola do Positivismo Sociológico

Já mencionada quando do estudo do método sociológico de interpretação, essa Escola teve


como principal teólogo Léon Duguit, que priorizava os fatos em detrimento das normas
legais, pois o direito, para ele, está fundamentado no puro fato social do sentimento de
solidariedade e de justiça.

Para Miguel Reale a doutrina de Duguit culmina num normativismo, pois o fato, por si só
não tem a força de obrigar e dispor sobre comportamentos.

Também para Luís Alberto Warat, o método de Duguit, "ao apelar para uma teoria
sociológica baseada no senso comum, não deixa de ser um discurso ideológico e empirista
sobre a interpretação da lei."

4.15 Interpretação conforme a Teoria Pura do Direito de Hans


Kelsen

Para Kelsen a função judicial não é meramente declarar um direito, mas, sim, descobrir o
Direito, ou seja, determinar a norma geral a ser aplicada ao caso concreto.

Os Tribunais produzem normas jurídicas individuais e predeterminadas por uma norma


jurídica geral positiva. Assim, afirma: "A norma jurídica geral é sempre uma simples
moldura dentro da qual há de ser produzida a norma jurídica individual."

Kelsen critica o sistema da Livre descoberta do Direito, no qual não existe um órgão
legislativo central, tendo os tribunais e os órgãos administrativos que decidir os casos
concretos conforme sua livre apreciação, cujo fundamento seria o de que nenhum caso é
perfeitamente igual ao outro, sob o argumento de que este sistema seria contrário ao
princípio da segurança jurídica, essencial ao Estado de Direito.
Pela Teoria Pura do Direito há duas espécies de interpretação: a interpretação do Direito
pelo órgão que o aplica e a interpretação pela Ciência jurídica.

De acordo com a primeira, a norma do escalão superior (Constituição em relação á lei; lei e
sentença judicial) regula o ato pelo qual a norma do escalão inferior é produzida, de modo
que esse ato de produção ou execução normativa preencha a moldura ou o quadro delineado
pelo órgão de escalão superior.

Muitas vezes pode se dar a indeterminação do ato jurídico em virtude de uma pluralidade
de significações de uma palavra ou de uma seqüência de palavras que a norma exprime, ou
seja, o sentido da norma não é unívoco. Nesse caso, o órgão aplicador, diante de várias
significações possíveis, deverá investigar a norma por meio de outras fontes, que não a
expressão verbal, para descobrir a vontade do legislador. E se os métodos utilizados forem
normas de Moral, Justiça, juízos de valor sociais como as expressões correntes "bem
comum", "interesse do Estado", "progresso", consequentemente estas transformar-se-iam
em normas de Direito Positivo.

Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos, a interpretação científica não é


criação jurídica, mas mera determinação do sentido das normas jurídicas, o que é repudiado
pela Teoria Pura do Direito, haja vista ser uma ficção a afirmação de que uma norma
jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação
correta.

4.16 A hermenêutica jurídica estrutural de Miguel Reale

De acordo com o pensamento de Miguel Reale, os diversos sentidos da palavra Direito


correspondem a três aspectos básicos: um aspecto normativo – o Direito como
ordenamento; um aspecto fático – o Direito como fato, em sua efetividade social e
histórica; e um aspecto sociológico – o Direito como valor de justiça.

Christiano assim sintetiza as diretrizes essenciais da interpretação estrutural de Miguel


Reale: unidade do processo hermenêutico; natureza axiológica do ato interpretativo (valor
contido nas normas); integração do ato interpretativo ao contexto global do ordenamento;
limitação do processo hermenêutico pela estrura dos modelos jurídicos positivos;
intepretação condicionada às mudanças históricas do sistema; natureza racional e razoável
da interpretação; destinação ética do processo hermenêutico; compreensão da interpretação
como elemento constitutivo d visão global do mundo e da vida.

Assim, de acordo com as conjunturas do momento histórico, com as circunstâncias sociais,


econômicas, políticas e filosóficas, foram surgindo os movimentos de pensadores que
procuravam explicar o sistema normativo e os processos de interpretação e aplicação das
leis.
As escolas hermenêuticas reproduziram as idéias dos teólogos da época, impondo suas
posições e ganhando espaço cada vez maior, a ponto de influenciarem não apenas o
pensamento dos operadores do direito, mas o seu modo de interpretar a lei e aplicá-la ao
caso concreto.

 
 

CAPÍTULO II – INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO PELO JUIZ


EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

1 INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Para se ter uma idéia melhor sobre interpretação constitucional, mister se faz que haja uma
explanação sobre conhecimento, interpretação e hermenêutica.

Salientando-se que no caso da hermenêutica, essencial relatar a hermenêutica filosófica.

Outrossim, deve ser analisados os princípios constitucionais como condicionantes da


interpretação constitucional.

Por final, deve se esclarecer o princípio da Interpretação Conforme a Constituição.

2 CONHECIMENTO, INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA

O processo de conhecimento é uma interpretação da realidade. É uma elevação, ao plano de


pensar, de percepção imediata da realidade. Ele se insere no âmbito, das duas possíveis
atividades que o ser humano pode desenvolver, quando posto em contato com a realidade:
reação, em que predomina o seu lado puramente instintivo e interpretação, quando transpõe
para o plano do saber o seu contato preliminar com a realidade que o circunda.

Já o processo de interpretação é o momento dinâmico do conhecimento da realidade, é o ato


de apreendê-la racionalmente, tal qual ela se apresente ao sujeito que conhece.
Sendo que ao analisar a hermenêutica sob o ponto de vista filosófico, parte do princípio
segundo o qual o logos se realiza e se perfaz na própria existência do ser humano, enquanto
imerso no mundo natural. A existência do homem é uma contínua determinação conceitual
dos objetos que ele pensa e, portanto, conhece. O agir humano seria inócuo ou vazio de
sentido sem a dialética do conhecimento, sem a determinação do conceito dos objetos como
os quais o homem se depara constantemente, interpretando-os e tornando-os, se necessário,
disponíveis ao seu agir prático.

Quando a interpretação tem por objeto não o homem, enquanto ser que interpreta, mas o
sentido do que ele realiza no mundo, a hermenêutica assume um caráter científico, é
hermenêutica científica.

Quando o objeto da interpretação se refere à conduta humana segundo o Direito posto e os


fatos, que a ela se referem, ela adquire o caráter de hermenêutica jurídica, no sentido do
termo romano interpretatio, mediação, entre dois pólos opostos, por um terceiro imparcial,
para a determinação do significado de algo.

Diante desse quadro conceitual, dedicam-se, aqui, as atenções, para a hermenêutica


jurídica, mais especificamente a hermenêutica constitucional.

2.1 Hermenêutica filosófica

Deve aqui realçar, um dos problemas essenciais da hermenêutica filosófica, apesar de ter
sido colocado com mais rigor técnico, a partir do pensamento Dilthey, radica de certa
forma, na questão da interpretação da Bíblia Sagrada.

Isso se dá principalmente em relação a época em que houve uma divisão da religião


católica dizendo que quem deveria interpretar a Bíblia não era somente o Papa, ou
membros do poder eclesiástico e sim todos os cristãos, sendo que hoje a comunidade
evangélica se importa muita com a alfabetização da população em geral, essencialmente
para as pessoas tenham conhecimento do que esta escrito nas sagradas escrituras.

O primeiro questionamento acerca das condições de possibilidade da hermenêutica


constitucional trata de determinar, da maneira prévia, o espaço ou ôntico do que se está a
interpretar. Ela envolve, segundo Miguel Reale, a determinação prévia da estrutura objetiva
daquilo que se põe como objeto da interpretação. Antes de se perguntar "como se interpreta
a norma jurídica? A indagação apropriada é: que espécie de realidade é norma jurídica?"

Especificamente na hermenêutica constitucional, a pergunta em torno de como se deve


interpretar a constituição – que trata essencialmente, do método para se obter o significado
de suas normas num caso concreto – é posterior à determinação conceitual da constituição.
Se indaga, então, acerca do ser da constituição.
Na análise de Paulo Bonavides, o constitucionalismo clássico optou, obviamente, pela
corrente objetivista, a que melhor se ajusta a sustentação dos príncipios políticos do
liberalismo e à sua concepção formalista de Estado de Direito. A constituição considerada
como lei ou tomada apenas em sua dimensão jurídica, era interpretada tal como as demais
leis ordinárias. Não se adentrava no campo dos fenômenos normativos
"extraconstitucionais", vez que a confiança na racionalidade do legislador e na estabilidade
social fazia com o que o labor interpretativo, moldado, pelos elementos fornecidos pela
doutrina de Savigny, não saísse dos limites traçados pela própria norma, os quais não se
podia ultrapassar.

Atualmente, no entanto, são inegáveis a importância e a especificidade da hermenêutica


constitucional, até mesmo em função da atividade do órgão que, em última instância,
determina o conteúdo e o sentido das normas constitucionais: o Judiciário. O
desenvolvimento da jurisdição constitucional, a elaboração de uma teoria material da
Constituição dos direitos fundamentais e a consciência da democracia como princípio
estruturador da ordem político – jurídica materializada na Constituição, acrescentaram um
componente qualificado aos princípios e métodos concebidos pela hermenêutica clássica.

2.2 Os princípios constitucionais como condicionantes da interpretação constitucional

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o
conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e
seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo
constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que a institui.
A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio
maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até
chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.

É importante assinalar, logo de início, que já se encontra superada a distinção de outrora se


fazia entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o atendimento de que as
normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser
enquadradas em duas categorias diversas: as normas – princípio e as normas – disposição.
As normas – disposição, também referidas como regras, tem eficácia restrita às situações
específicas às as quais se dirige. Já as normas – princípio, ou simplesmente princípios, tem,
normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.

Não há, é certo, entre umas e outras, hierarquia em sentido normativo, por isso, que, pelo
princípio da unidade da Constituição, todas as normas constitucionais encontram-se no
mesmo plano. Isso não impede, todavia, que normas de mesma hierarquia tenha funções
distintas dentro do ordenamento. De fato aos princípios cabe, além de uma ação imediata,
quando diretamente aplicáveis a determinada relação jurídica, uma outra, de natureza
mediata que é a de funcionar como critério de interpretação e integração do texto
constitucional.
Os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da
ordem jurídica. A Constituição como já vimos, é um sistema de normas jurídicas. Ela não
um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de
sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem
jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que "costuram" suas diferentes
partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada
ordem jurídica, e irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os
caminhos a serem percorridos.

E, por fim, na sua principal dimensão operativa, dirigem-se os princípios ao Executivo,


Legislativo e Judiciário, condicionando a atuação dos poderes públicos e pautando a
interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes.

2.3 Princípio da interpretação conforme a Constituição

À vista das dimensões diversas que sua formulação comporta, é possível e conveniente
decompor didaticamente o processo de interpretação conforme a Constituição nos
elementos seguintes:

_ Trata-se de escolha de uma interpretação de norma legal que a mantenha em


harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades
interpretativas que o preceito admita;

_ Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o
que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto;

_ Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se a exclusão expressa de


outra ou outras interpretações possíveis que conduziria a resultado contrastante com
a Constituição.

_ Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero


preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle de
constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma
legal.
Na interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional declara qual das possíveis
das interpretações de uma norma legal se revela compatível com a Lei Fundamental. Isso
ocorrerá, naturalmente, sempre que um preceito infraconstitucional comportar diversas
possibilidades de interpretação, sendo qualquer delas incompatível com a Constituição.
Nota-se que o texto legal permanece íntegro na sua aplicação que fica restrita ao sentido
declarado pelo tribunal.

Se o sentido mais evidente do texto interpretado for compatível com a Constituição,


dificilmente haverá necessidade de se recorrer a um princípio cuja finalidade última é a de
salvar uma norma ameaçada. O papel de interpretação conforme a Constituição é,
precisamente, o de ensejar, por via de interpretação extensiva ou restritiva, conforme o
caso, uma alternativa legítima para o conteúdo de uma norma que se apresenta com
suspeita. Na síntese perfeita de Jorge Miranda:

"A interpretação conforme a Constituição não


consiste tanto em escolher entre vários sentidos
possíveis de norma de qualquer preceito, ou que seja
mais conforme a Constituição, quando em discernir
no limite – na fronteira da inconstitucionalidade – um
sentido que, conquanto não aparente ou não
decorrente de outros elementos de interpretação, é o
sentido necessário e o que se torna possível por
virtude da força conformadora da lei fundamental".

Diante do que fora exposto sobre interpretação constitucional, pode se concluir que essa
interpretação não é criar, senão simplesmente aplicar a norma jurídica com o sentido e o
alcance que lhe atribuíram as instâncias de representações populares.

3 RELAÇÃO JUIZ – INTERPRETAÇÃO; RELAÇÃO JUIZ - CONSTITUIÇÃO

Primeiramente, não é possível ao interprete da lei torcer o sentido das palavras, nem
adulterar a clara intenção do legislador. Para salvar a lei não é admissível saber uma
interpretação contra legem . Tão pouco será legítima uma linha de entendimento que prive
o preceito legal de qualquer função útil.
Sendo assim, a de se analisar que o juiz tem que interpretar a lei, almejando que com a sua
aplicação de sua interpretação chegue a justiça, de forma que não contrarie a lei e sempre
tendo a Constituição como a lei maior.

Desta forma, necessário se faz que analisemos o controle judicial na constituição, tanto na
outrora como atualmente, para que possamos entender a interpretação do juiz face a
Constituição.

Sendo assim, veja-se que o controle judicial de constitucionalidade, que é a técnica de


atuação da supremacia da Constituição, não se encontrava explícito na Constituição de
1787. De fato, o art. 6º., 2, do texto conhecido como "supremacy clause", dispunha tão
somente:

"Esta Constituição e as leis dos Estados Unidos


elaboradas de acordo com ela, bem como os tratados
celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos
Estados Unidos, constituirão a suprema lei do País;
os juizes de todos os Estados ficam sujeitos a regra
não devendo prevalecer qualquer disposição em
contrário na Constituição de qualquer dos Estados
ou nas suas leis."( Stone. Seidman. Sustein. Tushnet.
Constitutional law, 1986, pág.28)

Alexander Hamilton, no federalista n.78, havia antecipado a idéia de controle de


constitucionalidade pelo Poder Judiciário, em texto, que se tornou clássico:

"Alguma perplexidade quanto ao poder dos Tribunais


de pronunciar a nulidade de atos legislativos
contrários à Constituição tem surgido, fundada na
suposição de que tal doutrina implicaria na
superioridade do Judiciário sobre o Legislativo.
Afirma-se que a autoridade que pode declarar os atos
da outra nulos deve ser necessariamente superior
àquela cujos atos podem ser declarados nulos.(...)

Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode


ser válido. (...)

A presunção natural, à falta de norma expressa, não


pode ser a de que o próprio órgão legislativo seja o
juiz de seus poderes e que sua interpretação sobre
eles vinculam os outros poderes. (...) É muito mais
racional supor que os Tribunais é que tem a missão
de figurar como corpo intermediário entre o povo e o
Legislativo, dentre outras razões, para assegurar que
esse último se contenha dentro dos poderes que lhe
foram deferidos. A interpretação das leis é o campo
próprio e peculiar dos Tribunais. Aos juizes cabe
determinar o sentido da Constituição e das leis
emanadas do órgão legislativo.

Esta conclusão não importa em nenhuma hipótese,


em superioridade do Judiciário, sobre o Legislativo.
Significa tão – somente, que o poder do povo é
superior a ambos; e que onde a vontade do
Legislativo declarada nas leis que edita, situar-se em
oposição à vontade do povo, declarada na
Constituição, os juizes devem curvar-se à última, e
não a primeira".

Sem qualquer menção expressa ao escrito de Hamilton, esta foi a linha de entendimento
seguida por John Marshall, Presidente da Suprema Corte, ao relatar e decidir o caso
Marbury Madison, em 1803. Ao fundamentar aquela que é, provavelmente a mais célebre
decisão judicial de todos os tempos, fundou-se ele nas razões que a seguir se sintetizam:

"É evidentemente atribuição e dever do Poder


Judiciário dizer o direito. E aqueles a quem compete
aplicar uma regra a casos concretos devem,
necessariamente, interpretar esta regra. Se duas leis
conflitarem entre si, os tribunais devem decidir sobre
a incidência de cada uma.

Então, se uma lei estiver em oposição à Constituição;


se ambas se aplicarem ao um determinado caso,
exigindo que o Tribunal decida ou de acordo com a
lei, sem atenção à constituição, ou na conformidade
da constituição, sem atenção à lei, cabe ao tribunal
determinar qual desta regras conflitantes se aplica ao
caso. Esta é essência da função judicial.

Se, então, os tribunais devem observar a constituição


e a constituição é superior a qualquer lei ordinária
emanada do Legislativo, a constituição e não a lei
ordinária, é que deve reger o caso ao qual ambas se
aplicam. (...)

Assim, a parte particular fraseologia da constituição


dos Estados Unidos, confirma e fortalece o princípio,
que se supõe essencial a todas as Constituições
escritas, de que toda lei contrastante com a
constituição é nula."
A supremacia da Constituição é missão atribuída ao Judiciário na sua defesa têm um papel
de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo constitucionalismo
moderno como forma de conter o poder. É que através da conjugação desses dois
mecanismos retira-se o jogo político do dia - a – dia e, pois, das eventuais maiorias
eleitorais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez constitucional e pelas
limitações materiais ao poder de reforma da Constituição. Não obstante o reconhecimento
generalizado da valia de tal concepção, de tempos em tempos ela precisa reafirmar suas
virtudes.

Nos Estados Unidos tem-se travado, nos últimos anos, uma ampla discussão sobre o
controle de constitucionalidade pelo Judiciário e seus limites. Sustenta-se que os agentes do
Executivo e do Legislativo, além de ungidos pela vontade popular sujeitam-se a um tipo de
controle e responsabilização política que os juizes estão isentos. Daí afirma-se que o
controle judicial da atuação dos outros poderes da lugar. Notadamente os seguimentos
conservadores tem questionado o avanço dos tribunais sobre espaços que, segundo crêem,
deveriam ficar reservados ao processo político. Em livre clássico Alexander Bickel abordou
o tema, procurando definir o espaço de atuação do judiciário, em passagem que ficou
célebre:

"Os Tribunais tem certa capacitação para lidar com


questões de princípio que o Legislativo e o Executivo
não possuem. Juizes têm, a disponibilidade o
treinamento e o distanciamento para seguir os
caminhos da sabedoria e isenção ao buscar os fins
públicos. Isto é crucial quando se trata de determinar
os valores permanentes de uma sociedade. Este
distanciamento e o mistério maravilhoso do tempo
dão aos Tribunais a capacidade de recorrer aos
melhores sentimentos humanos, captar as melhores
aspirações, que podem ser aquecidos nos momentos
de grande clamor".

A recepção, na Europa, do sistema de jurisdição constitucional criado nos Estados Unidos


não se deu senão após o primeiro pós guerra, já nesse século. Obra pessoal de Hans Kelsen,
ele foi introduzido na constituição austríaca de l920 e aperfeiçoado em sua reforma de l929.
O mecanismo adotado na Áustria e posteriormente na maior parte dos países da Europa
Continental, foi o do controle concentrado, atribuindo a um único órgão (o Tribunal
Constitucional), em oposição ao método difuso norte-americano em que qualquer juiz pode
recusar a aplicação de lei inconstitucional. No Brasil, como é notório, adota-se um sistema
eclético, onde coexistem um controle incidental pelo sistema difuso e o controle direto,
pelo sistema concentrado.

Embora a idéia de supremacia da constituição que esteja ínsita em todos os casos de


constitucionalidade, vez por outra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reserva
menção expressa. Confira-se acórdão da lavra do Ministro Célio Borja, remarcando os
conceitos doutrinários básicos:
"O princípio da supremacia da ordem constitucional
– consectário da rigidez normativa que ostentam os
preceitos de nossa Constituição – impõe ao Poder
Judiciário, qualquer que seja a sede processual, que
se recuse a aplicar leis ou atos estatais reputados em
conflito com a Carta Federal.

A superioridade normativa da constituição traz,


incita em sua noção conceitual, a idéia de um
estatuto fundamental, de uma fundamental "LAW",
cujo incontrastável valor jurídico atua como
pressuposto de validade de toda ordem positiva
instituída pelo Estado".

Mais adiante, o Supremo Tribunal, ao negar a possibilidade de reedição de medida


provisória rejeitada pelo Congresso, reafirmou, em acórdão unânime:

"Todos os atos estatais que repugnem à Constituição


e põe-se à censura jurídica – dos Tribunais
especialmente – porque são írritos, nulos e
desvestidos de qualquer validade.

A Constituição não pode submeter-se à vontade dos


poderes constituídos e nem aos impérios dos fatos e
das circunstâncias. A supremacia de que ela se
reveste – enquanto for respeitada – constituirá a
garantia mais efetiva de que os direitos e as
liberdades não serão jamais ofendidas. Ao Supremo
Tribunal Federal incumbe a tarefa magna e iminente
de velar, porque esta realidade não seja
desfigurada."

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça apreciou questão envolvendo o art. 37, inciso
VII, da Constituição Federal ao cuidar da administração público, previu que o direito de
greve seria exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar. Passados
quatro anos de vigência da Constituição, a norma infra constitucional não havia ainda sido
editada. Admitir-se o direito de greve, não poderia ser exercido, ante a inércia indefinida do
legislador, violaria o princípio da Constituição, uma vez que o direito por ela outorgado
ficaria paralisado por omissão de órgão do poder instituído. Daí haver concluído com acerto
o Tribunal que:

"A Constituição da República garante ao direito de


greve aos funcionários públicos, nos limites definidos
em lei complementar".

Essa legislação não poderá recusar a paralisação da


atividade, essência da greve, universalmente
reconhecida, além disso são passados quatro anos de
vigência da Carta Política. O legislador mantém-se
inerte. Esses dois dados confere legalidade ao
exercício do direito, observando-se analogicamente,
princípios e leis existentes. Caso contrário, chegar-
se-ia a um absurdo: A eficácia da Constituição
depende de norma hierarquicamente inferior".

Retratou-se, assim, a doutrina e algumas aplicações práticas da supremacia da Constituição,


que do ponto de vista lógico e cronológico, é o primeiro princípio a ser levado em conta no
processo intelectivo da interpretação constitucional.

Em suma, pode concluir do que fora acima exposto sobre a relação de juiz com
interpretação e juiz com Constituição, o entendimento de que toda interpretação é
condicionada pelas mutações históricas do sistema, implicando tanto a intencionalidade
originária do legislador, quanto as exigência fáticas e axiológicas supervenientes, numa
compreensão global, ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva e que a interpretação do
juiz sempre é de natureza axiológica, pressupondo a valoração objetivada nas proposições
normativas, salientando a supremacia d da Constituição.

1. Saber Jurídico Convencional

O conhecimento jurídico tradicional, tem como fonte a romana e tem como pontos
culminantes a produção científica de Savigny, no século passado, e de Hans kelsen, neste
século, exibe como traços marcantes o formalismo e o dogmatismo. O elemento básico na
idéia de formalismo é a premissa de que a atividade do intérprete se desenvolve por via de
um processo dedutivo, onde se colhe a norma no ordenamento e faz-se a subsunção dos
fatos relevantes. Esse processo lógico-formal se concretiza através de um raciocínio
silogístico, onde a lei é a premissa maior, a relação de fato é a premissa menor e a
conclusão é a regra concreta que vai reger o caso. O dogmatismo, ou conceptualismo,
traduz-se na existência e observância de determinados princípios e conceitos rígidos,
axiomáticos, ou, pelo menos, de longa data inquestionados.

O direito é concebido como uma ciência, com objeto específico e acentuado grau de auto-
suficiência. Rigorosamente separado da política, não se inclui na esfera própria de atuação
qualquer questionamento acerca da legitimidade e da justiça das leis. É a sua pureza
científica. Ademais, o ordenamento jurídico é uma emanação estatal e tem a pretensão de
completude, colhendo todas as situações verificáveis na vida social. O estado é o árbitro
imparcial dos conflitos que ocorrem na sociedade, e o juiz como aplicador do direito, se
pauta pela objetividade e neutralidade.
 

3.2 Teoria Crítica

Diga-se, desde logo, que, embora fustigada ao longo das décadas pelas críticas mais
contundentes, a concepção clássica do direito subsiste e prevalece em todo o mundo
ocidental, apesar de algumas nuances e temperamentos. Não se pretende com isso, todavia,
endossar a crença de que a durabilidade legitima a perspectiva convencional ou encobre-lhe
os defeitos. A constatação inevitável, todavia, é a de que até hoje hão se edificou uma teoria
alternativa e substitutiva da dogmática convencional. O que significa que ela ainda não
concluiu o seu ciclo histórico.

Alinham-se, a seguir, as principais idéias do amplo movimento de contestação do saber


jurídico tradicional conhecido como teoria crítica do direito. Embora difuso e
compreendendo diferentes linhas de pensamento, esse movimento desprende-se dos
discursos típicos do direito, que incluem o normativismo, o jusnaturalismo e mesmo o
sociologismo, procurando de mostrar sua insatifatoriedade na compreensão e na prática do
fenômeno jurídico. É a crítica da teoria. De parte isto, paralelamente ao processo puramente
descritivo do objeto, preconiza a atuação concreta, a militância do operador jurídico, à vista
do princípio de que o papel do conhecimento não é somente a interpretação do mundo, mas
também sua transformação .

As doutrinas jurídicas dominantes normalmente deixam de lado o papel desempenhado pela


ideologia, tanto a do legislador quanto a do intérprete da lei. O direito é ideológico na
medida em que oculta o sentido das relações estruturais estabelecidas entre os sujeitos, com
a finalidade de reproduzir os mecanismos de hegemonia social.

Consequentemente, é falsa a crença de que o direito seja um domínio politicamente neutro


e cientificamente puro.

Além de não ser neutro, o direito não tem a objetividade proclamada pelo raciocínio lógico-
formal de subsunção dos fatos à norma.

A teoria crítica reveste-se de cunho eminentemente interdisciplinar.

Em síntese, é possível deixar registrado que a teoria crítica do direito questiona: o caráter
científico do direito, por faltar-lhe a pretendida objetividade que decorreria de uma irreal
aplicação mecânica da norma ao fato, com base em princípios e conceitos
generalizadamente válidos; a alegada neutralidade política, ao denunciar sua função
ideológica de reforçador e reprodutor das relações sociais estabelecidas; a pureza científica,
ao preconizar a interdisciplinariedade como instrumental indispensável à formação do saber
jurídico. Trata-se, de uma teoria crítica, e não de uma dogmática substitutiva ou alternativa.

 
 

3.3 Direito Alternativo

Surgiu em diversos países, inclusive no Brasil, um movimento conhecido como direito


alternativo. A denominação imprópria, o discurso inicial mais radical, que se confrontava
com o ideário dominante, e até mesmo uma caricaturização feita em órgãos de imprensa,
atraíram para o movimento a antipatia ostensiva dos segmentos conservadores e dos
militantes menos tolerantes da ideologia jurídica tradicional. A crítica, em grande medida,
tirou proveito do ceticismo generalizado que recaiu sobre o pensamento de esquerda em
geral.

Trata-se de um movimento de desconstrução. A proposta do direito alternativo, embora


servindo-se da experiência crítica procura contribuir para a emergência de um novo direito.

A exemplo da teoria crítica, o movimento do direito alternativo também condena o fetiche


da lei e a mistificação liberal-positivista que estabelece uma identificação entre direito e lei.
Mais que isso, rompe com a idéia clássica da estatalidade do direito, passando-se a admitir
direitos " que se vão constituindo pelos conflitos e avanços dos excluídos da nossa
sociedade" (Roberto Ramos de Aguiar, A crise da advocacia no Brasil, 1991, p.78). Há
mesmo, direitos alternativos que se formam como fruto da deterioração social e da ausência
do poder público trazendo o direito oficial. É o que se passa, por exemplo, " nos presídios,
em porões de algumas delegacias de polícia, em determinadas zonas comandadas por
traficantes".(Amílton Bueno de Carvalho, Direito Alternativo na jurisprudência, 1993,
p.15)

Amilton Bueno de Carvalho, juiz no Rio Grande do Sul e um dos principais formuladores
do pensamento jurídico alternativo no Brasil, escreveu:

" Alguns dizem que o direito alternativo caracteriza-


se pela negativa da lei. E tal não corresponde á
realidade. A lei escrita é conquista da humanidade
não se vislumbra possibilidade de vida em sociedade
sem normas (sejam elas escrita ou não).

A alternatividade luta para que surjam leis


efetivamente justas, comprometidas com os interesses
da maioria da população, ou seja, realmente
democráticas. E busca instrumental interpretativo
que siga a mesma diretiva. O que a alternatividade
não reconhece é a identificação do direito tão-só com
a lei, nem que apenas o Estado produz direto, o que é
diverso da negativa à lei.

(...) O que a alternatividade busca é o novo


paradigma, com a superação do legalismo estreito,
mas tendo como limites os princípios gerais do
direito, que são conquistas da humanidade e serão
desenvolvidos com mais vagar (...). O compromisso
do juiz deve ser a busca incessante da justiça ...,
tendo como limites, de u lado, o caso concreto, e, de
outro, os princípios universais do direito.".

"Então, o alternativo sentido estrito que merece


efetivação deve Ter também como limite os princípios
gerais do direito, mesmo quando ambiciona
criar/destruir novos princípios, desde que tenha como
pano de fundo, ou norte, a real democratização da
vida em sociedade." (Amilton Bueno de Carvalho,
Direito Alternativo na jurisprudência, 1993, p. 15)

3.4 Objetividade e Neutralidade. Os limites do possível.

A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se


buscar a objetividade possível. A interpretação, não apenas no direito como em outros
domínios, jamais será uma atividade inteiramente discricionária ou puramente mecânica.
Ela será sempre um produto de uma interação entre o intéprete e o texto, e sue produto final
conterá elementos objetivo s subjetivos. E é bom que seja assim. A objetividade traçará os
parâmetros de atuação do intéprete e permitirá aferir o acerto de sua decisão á luz das
possibilidade exegéticas do texto, das regras, de interpretação e do conteúdo dos rpincípios
e conceitos de que não se pode afastar. A subjetividade traduzir-se-á na sensibilidade do
intérprete, que humanizará a norma para afeiçoá-la à realidade, e permitirá que ele busque a
solução justa, dentre as alternativas que o ordenamento lhe abriu. A objetividade máxima
que se pode perseguir na interpretação jurídica e constitucional é a de estabelecer os
balizamentos dentro dos quais o aplicador da lei exercitará sua criatividade, seu senso do
razoável e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto.

Neutralidade é um conceito mais complexo de se delinear do que o de objetividade. A


objetividade busca uma razão científica de validade geral. A neutralidade se dilui em
muitos aspectos diferentes. Alguns deles não são de difícil implementação, como a
imparcialidade – ausência de interesse imediato na questão – e a impessoalidade – atuação
pelo bem comum, e não para o favorecimento de alguém. Basta seriedade e vontade de
fazer bem feito para atender a tais imperativos. Mas a neutralidade pressupõe algo
impossível: que o intérprete seja indiferente ao produto do seu trabalho. É claro que há uma
infindável quantidade de casos decididos pelo Judiciário que não mobilizam o juiz em
nenhum sentido que não o de burocraticamente cumprir seu dever. Outros, porém,
envolvem a escolha de valores e alternativas possíveis. E aí, mesmo quando não atue em
nome dos interesses de classe, ainda quando não milite em favor do próprio interesse, o
intérprete estará sempre promovendo as suas próprias crenças, a sua visão de mundo, o seu
senso de justiça.

Não há como idealizar um intérprete sem memória e sem desejos. Em sentido pleno, não há
neutralidade possível.

O direito é certamente uma ciência, ao menos no sentido de ser um conjunto organizado de


conhecimentos, regidos por princípios e conceitos próprios. O mínimo que se pode esperar
do juiz, aplicador do direito, antes que possa entregar-se a quaisquer outra especulações
epistemológicas, políticas ou sociológicas, é que seja capaz de dominar o seu ofício,
conhecer-lhe o instrumental teórico e prático. Sem isso, tudo o mais é mero discurso.

Não é possível, assim, uma visão cendida do direito, especialmente no momento de sua
interpretação e aplicação. Aí será necessário Ter em conta sua dimensão social e ética.
Remarque-se bem a idéia: uma coisa é o conhecimento jurídico. Outra é sua
"contextualização", o que se faz através da sociologia e da filosofia. São coisas distintas,
que, todavia, deve ser conjugadas para a boa aplicação do direito posto.

Portanto, a interdisciplinariedade, não só com a


sociologia e a filosofia, mas com outros ramos do
conhecimento científico, é parte importante de uma
análise globalizadora do direito. Releva reiterar a
necessária conscientização do juiz, como intérprete,
quanto ao caráter ideológico de sua atuação e de seu
questionável papel de assegurador do status quo.
"Essa perspectiva crítica – talvez autocrítica –
poderá permitir ao juiz que atenue alguns dos efeitos
de sua posição no setor hegemônico da sociedade,
permitindo que ele se aproxime da neutralidade. Não
a neutralidade da manutenção da ordem de valores,
mas a que tenha como referencial o ideal de justiça
para todos, fundada em pressupostos de igualdade
real".

O juiz não pode ignorar o ordenamento jurídico.


Mas, com base em princípios constitucionais
superiores, poderá paralisar a incidência da norma
no caso concreto, ou buscar-lhe novo sentido, sempre
que possa motivadamente demonstrar
incompatibilidade com as exigências de
razoabilidade e justiça que estão sempre subjacentes
ao ordenamento. Jamais deverá o magistrado se
conformar com a aplicação mecãnica da norma,
eximindo-se de sua responsabilidade em nome da lei
– não do direito – supondo estar no estrito e estreito
cumprimento do dever. Sem essa percepção mais
aguda, estará sujeito á crítica devastadora de Plauto
Faraco de Azevedo:

" Preso a uma camisa de força teorética que o


impede de descer à singularidade dos casos
concretos e de sentir o pulsar da vida que neles se
exprime, esse juiz, servo da legalidade e ignorante da
vida, o mais que poderá fazer é semear a
perplexidade social e a descrença na função que
deveria encarnar e que, por essa forma, nega.
Negando-a, abre caminho para o desassossego social
e a insegurança jurídica". (Plauto Faraco de Azevedo
, Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica, cit.,
p.25.)

 
 

4 O JUIZ, COMO INTÉRPRETE, NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

4.1 Modelo Jurídico Positivista-Legalista

A dimensão da Magistratura no Estado Democrático de Direito, tem como ponto de partida,


como não poderia ser de outro modo, consiste no exame crítico da atuação jurisdicional,
marcadamente "legalista" até hoje, o que é deveras lamentável.

Vale insistir, que ao juiz, cabe perguntar desde logo, na sua função de declarar o direito
(jurisdição), deve solucionar os casos concretos que lhe são submetidos de acordo com a
lei, de acordo com o que acha justo, conforme o direito e as súmulas vinculantes? Tendo
em vista o referencial de que se vale, emerge o correspondente modelo de atuação judicial.
O juiz adstrito exclusivamente à lei representa o modelo "positivista-legalista": o que
coloca, de acordo com seus critérios pessoais, o valor "justiça" acima de tudo, inclusive da
lei, retrata o modelo "alternativista extremado"; espelha o modelo opressivo hierárquico;
por último, o que tem por base o "direito" personaliza o modelo constitucionalista de
atuação judicial.

A neutralidade política do juiz, que significa motivo de orgulho para muitos, na verdade
deve servir de pretexto para crítica. Propugna-se, com freqüência, pelo abandono dessa
filosofia da "neutralidade" do juiz. Mas se for para sair da tão propalada "torre de marfim"
para engajar-se a um modelo político autoritário, é melhor continuar professando a
"neutralidade". O ativismo judicial-policialesco representa tudo que existe de mais
abominável no Estado Constitucional de Direito. O magistrado que dá se aval á tortura,
para além do desserviço que presta para a "cultura dos direitos "fundamentais" e para o
progresso da humanidade, ostenta engajamento aético. Perdeu a sensibilidade, o
humanismo e o equilíbrio que sua função exige. Tem potestas mas perdeu sua auctoritas.
Não constitui, por isso mesmo, nenhum "modelo" a ser copiado.

No Estado Liberal, não se nega a importância da lei para a construção da realidade jurídica.
No Estado Constitucional e Democrático de Direito, no entanto, a lei nem sempre significa
a definitiva palavra em termos de regramento da sociedade. É a Contituição a fonte
primeira de todo Direito. E sempre que a vontade do legislador derivado conflita com a do
constituinte, há de prevalecer esta última, que ocupa posição destacada conforme a doutrina
da pirâmide jurídica de Kelsen. Doutrina e jurisprudência, no entanto, em muitas ocasiões,
continuam exageradamente apegadas ao positivismo-legalista.

Tanto as modernas sociedades, como as recentes e liberais Constituições e normas


internacionais desejam e esperam que o juiz da era tecnológica cumpra um papel bem
distinto do juiz napoleônico, legalista e positivista, autômato. O direito positivo, sendo fruto
da atividade política, é criado não poucas vezes sob a influência de certos segmentos
organizados da sociedade. Nem sempre para a defesa do interesse geral, portanto. O juiz,
por isso, tem que ter consciência de quem é um instrumento do poder e saber que papel está
cumprindo dentro de toda engrenagem: se está atrelado à clássica ideologia da neutralidade,
será um funcional instrumento do Poder Político; se deseja, não obstante superar tal
ideologia, deve Ter consciência crítica de sua tarefa, constitucionalizando-se e
transformando-se assim em instrumento de realização do valor justiça.

O modelo de atuação judicial mais difundido, a propósito, particularmente no nosso entorno


cultura, é o chamado postitivista-legalista, segundo o qual o juiz na sua função de julgar
deve atender exclusivamente à lei e à sua consciência.

Cuida-se de modelo que foi idealizado no absolutismo e criado no momento em que nasceu
o Estado Moderno, que avocou a tarefa de julgar, originariamente pertencente à sociedade.
O juiz, assim, que antes declarava o Direito em nome da sociedade, passou aplicar a lei em
nome do Estado e, muitas vezes, no interessedos que aprovam a lei. É a expressão máxima
da neutralidade política ( e muitas vezes ética) do juiz.

Antes o juiz tinha auctoritas. O Estado moderno, depois, conferiu-lhe status de poder, mas
como passou a pertencer ao Estado guiado pelo princípio da unidade de atuação, perdeu
grande parte da sua autoridade. No fundo, como não poderia deixar de ser, tudo giram em
torno do exercício do poder e nenhum governo, nenhum Poder Político que deixar de
exercer certo controle sobre o Poder Judiciário. Mas na medida em que se vincula o juiz só
e exclusivamente ao texto legal, tem-se um juiz limitado, que faz o papel de longa manus
do Poder Político que, por seu turno, não lhe reconhece nenhum atividade crítica da lei, por
mais justa que seja a crítica, nem a possibilidade de contestar o que os representantes do
povo decidiram "democrática de legitimamente", ainda que tenham elaborado um texto
injusto e inconstitucional. O juiz submisso exclusivamente ao texto legal, de cuja boca não
podem sair outras palavras senão as da lei, é um dos mais "convenientes" ao sistema, pois
nunca irá questionar sua justiça ou sua constitucionalidade, ainda que ela tenha sido
elaborada para atender "determinados" interesses ou aprovada numa ocasião longínqua,
muito distante da atualidade. Para o sistema o bom juiz é o que crê na existência e professa
o todo custo sua "neutralidade" política, que não dura mais que o tempo que se gasta para
pronunciá-la. Quem se diz politicamente neutro está, no mínimo, engajado com esse
modelo de política. Dito de outra maneira: não existe juiz politicamente neutro. Sua função
é política por natureza. A jurisdição é expressão de decisões políticas. A questão, no fundo,
será: jurisdição consoante o status quo (legalista) ou jurisidição crítica (constitucionalista).

O modelo postivista-legalista de atuação judicial está ultrapassado. A função judicial


necessita, portanto, de uma nova dimensão, de um novo paradigma. O juiz contemporâneo
tem a incumbência de ampliar seus horizontes e de Ter como seu instrumento de trabalho
prioritário a Constituição e os textos internacionais.

Só assim o Judiciário poderá cumprir seu papel fundamental em qualquer sociedade


civilizada de mensageiro do Poder jurídico, que tem origem social e que, pela própria
natureza, apresenta-se com eterno rival do Poder Político.
Em suma, para sobrevivência do próprio Estado Constitucional e Democrático de Direito
legítimo, e antes que se chegue ao nível de "ingovernabilidade", é muito importante que as
atividade do Poder Político, que se baseiam em critérios político-econômico acima de tudo,
sempre estejam de acordo com todo o ordenamento jurídico. E esse controle de
conformidade deve ser realizado, obviamente, em último grau, pleo Poder Jurídico, que
deve atuar com critérios distintos, é dizer, ético-jurídicos, resultantes de sua atividade
interpretativa de todo o ordenamento – não só e isoladamente da lei – começando pela lei
Maior. O Poder Político, entendido em sentido amplo, é o verdadeiro poder no mundo
contemporâneo em muitos países. E se a sociedade deseja que o Judiciário, em nome do
Poder Jurídico, cumpra seu imprescindível e civilizado papel de árbitro imparcial, cabe-lhe
tomar consciência dessa realidade e desde logo descobrir o verdadeiro valor da
Constituição e dos textos internacionais e rechaçar todo positivismo-legalista escravizador.
Com isso os juízes, que têm a tarefa de fazer justiça nos casos concretos que lhe são
apresentado, com base no ordenamento jurídico, já não serão simples "aplicadores da lei",
pois sempre terão o cuidado de examinar antes sua adequação ao conteúdo dos textos
contitucionais e internacionais. E assim estaremos criando um novo modelo de atuação
judicial, o constitucionalista, que lhe dará certamente uma nova dimensão. Com isso o juiz
é alçado ao "centro de produção da norma", transformando-se sua atividade em judicial
lawmaking.

4.2 Modelo Jurídico Constitucionalista.

O instrumento que o juiz deve manejar para resolver os casos concretos, já não é a lei tão-
somente, muito menos sua consciência isoladamente, senão o Direito.

O juiz dentro desse novo contexto, deve buscar a solução justa para o caso partindo do
texto legal, obviamente, porém sempre confrontando-o com a Constituição e com os
Tratados internacionais posteriores. Cabe-lhe assim exercer um papel de "motor no
dinamismo jurídico", procurando a solução mais justa para o caso concreto mediante a
correta interpretação dos textos jurídicos anteriormente elaborados. O Direito, assim passa
a ser concebido como "um razoável processo de ajuste interpretativo" e mais num sentido
problemático ("jurisprudência de problemas") que analítico ("dogmático").

Todas as interpretações judiciais, desse modo, consoante o de modelo em exame, devem se


encaminhar para a construção de uma "jurisprudência constitucional, que cumpre um papel
vivificador global, atuando – sobretudo – para garantir os direitos humanos, sem prejuízo
de seu criterioso interesse em conservar as normas emanadas da representação da
soberania popular." (Cfr A. Ollero Tassara, Igualdade en la aplicación dela ley, cit.,
p.93)Com isso nos é ilícito entreve um novo horizonte, tendo em vista o sentido libera das
últimas Constituições, todas fruto de um Poder Contituinte e da discussão – e votação –
resultantes das várias tendências ideológicas e correntes de pensamento.
O juiz atual, destacou acertadamento o jurista Alberto Silva Franco, "deve perder sua
incontaminada inocência, imiscuindo-se nas impurezas do social, e deve tomar consciência
d que o apego literal à norma pode, não poucas vezes, torná-lo mero instrumento de
interesses menos legítimos". Especificamente quanto ao juiz criminal salientou: "seu papel
não se resume apenas em infundir, em relação a determinadas normas de incriminação, o
sopro do social. É sua incumbência ainda posicionar-se na relação de tensão frente á
onipotência do Estado. E, no exercício deste mister, não pode validar nenhum agravo aos
princípios constitucionais, que vela pela área de liberdade e de segurança jurídica que
cada cidadão possui frente ao Estado". [ Cfr. Prefácio do Livro Crimes hediondos ( de
Alberto Silva Franco, São Paulo: Ed. RT) escrito po Ranulfo de Mello Freire]

Consoante o modelo constitucionalista nestas linhas sustentado, tão relevante quanto o


engajamento político ao modelo de Estado Democrático é o engajamento ético do juiz. O
juiz preocupado com o resultado, é dizer, com a "justiça" das suas decisões conta, nos dias
atuais, com instrumentos jurídicos múltiplos para realizar esse valor. De textos
constitucionais a internacionais, todos amparam a "cultura dos direitos fundamentais".

Em resumo, conforme o referencial de que se vale o juiz para decidir cada caso concreto
surge o correspondente modelo de atuação judicial. O juiz que tenha exclusivamente na lei
seu ponto de referência representa o modelo positivista-legalista, agora, se considera o
ordenamento jurídico globalmente é constitucionalista.

O modelo positivista-legalista está superado. O juiz constitucionalista tem consciência do


seu natural engajamento político. Não aceita o discurso da neutralidade. É crítico. Pugna
por um modelo democrático de Estado, tem consciência do valor da sua independência e
possui profundo engajamento ético com a "cultura dos direitos e garantias fundamentais",
assegurados tanto no direito interno quanto no internacional.

O juiz legalista é o juiz do modelo técnico – burocrático de Magistratura; juiz


constitucionalista é o juiz ideal do modelo democrático e independente da Magistratura.

 
5 PROBLEMAS ENCONTRADOS PELA MAGISTRATURA NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Vários são os problemas que assolam o Poder Judiciário brasileiro:

1 – Morosidade da justiça;

2 – Corporativismo;

3 – Nepotismo;

4 – Dificuldade de acesso à jurisdição;

5 – Composição do Supremo Tribunal Federal;

6 – Ineficácia dos mecanismos de controle das


"lacunas" legislativas;

7 - Aprimoramento técnico-cultural do juiz;

8 - Questão de credibilidade;

1. Morosidade da Justiça

A percepção da justiça como hermética, lenta ou arbitrária parece universal. A morosidade,


sem sobra de dúvida, viola direito fundamental da pessoa, que consiste na tutela
jurisdicional sem dilações indevidas. Conflita, por isso mesmo, com o de modelo
Democrática de Magistratura. Quanto mais se adia a solução de um conflito, mais Justiça se
distancia do modelo ideal.

Múltipas são as causas dessa morosidade (estruturais, conjunturais e operacionais). Cabe


considerar, em primeiro lugar, que nem sempre as leis são bem elaboradas; de qualquer
modo, o certo é que a tarefa do juiz é interpretar a lei a buscar uma solução jurídica
adequada para o problema; a falta de leis boas nem sempre pode servir-lhe de escusa para a
morosidade. Cabe considerar ainda que nossas leis processuais, especialmente as penais,
estão muito desatualizadas, que nossa Contituição analítica, que a sociedade moderna é
marcada pelo conflituosidade, especialmente a difusa, demandando cada vez mais a
intervenção do Judiciário, que o número de juízes é ínfimo (está longe do nível europeu
estabelecido em um juiz para cada dez mil habitantes); que a estrutura material do
Judiciário é muito precária, que o juiz não pode agir de ofício, isto é, sem provocação, que
o Judiciário, dos três, é o único Poder que ainda não ingressou na era "digital" etc.

Que o Judiciário depende do Executivo no que se relaciona com sua autonomia financeira e
que depende do legislativo no que diz respeito à modernização da legislação não existe a
menor dúvida. De qualquer maneira, existem também os problemas "operacionais" que são
de exclusiva responsabilidade do Judiciário. Ademais, não se compreende a falta de uma
política judiciária nacional, assim como a inexpressividade do empenho de muitos órgão
diretivos para uma verdadeira modernização da Justiça. Amorosidade corrói a legitimação
do Judiciário. Afasta o jurisdicionado. Quebra a confiança. Provoca descrença e estimula a
get rid of the judges.

5.2 Corporativismo.

A questão do controle disciplinar e administrativo do juiz é deveras delicada.

O mais grave no controle disciplinar dos juízes, entretanto, não parece residir no fato de ser
corporativo, senão nos "corporativismo", falta de transparência e falta, sobretudo, de um
órgão nacional de controle do acerto ou desacerto das decisões disciplinares. Para evitar
"corporativismo" impõem-se duas providências: a primeira é a criação do Conselho
Nacional da Magistratura com atribuição recursal nessa matéria: a Segunda consiste na
conveniência da atuação, nos processos administrativo- disciplinares, de representante da
OAB e do Ministério Público, conferindo-lhes legitimidade recursal quando não concordam
com a decisão tomada.

5.3 Nepotismo.

O Nepotismo é algo sério em qualquer setor. No Judiciário seu efeito é devastador, porque
afeta a confiança (ponto crucial do Judiciário). Medidas saneadoras já foram tomadas
como, por exemplo, pelo Supremo Tribunal Federal, que proíbe a contratação de parentes
para cargos existentes na sua estrutura administrativa. Essa proibição foi agora estendida a
toda Magistratura Federal e espera-se moralização nesse item. Em se tratando de cargos
providos por concurso público imparcial e universal, no entanto, não se justifica a restrição.

 
 

4. Dificuldade de Acesso à Jurisdição

Discutir o tema do acesso ao Judiciário é, em última análise, deparar com sua própria
sobrevivência. Seu monópolio consistente em resolver litígio acha-se cada vez mais
questionado. Fechadas ou dificultado o acesso às portas do Judiciário, imediatamente
surgem formas alternativas de resolução das controvérsias (tribunais informais, justiça com
as próprias mãos, linchamentos, juízo arbitral etc.). O tema atualíssimo da "privatização" da
Justiça está intimamente conectado com o acesso ao Judiciário.

5.5 Composição do Supremo Tribunal Federal.

No que diz respeito à composição do Supremo tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder
Judiciário brasileiro,o sistem aconstitucional hoje vigente aproxima-o do modelo empírico-
primitivo, ainda predominante na América Latina. Seus Ministros são escolhidos pelo
Presidente da República e o nome é submetido à apreciação do Senado Federal. Como se
vê, é o sistema da "cooptação", muito criticado porque dá ensejo a uma possível ingerência
política nos destinos da Justiça. Se de um lado não se vislumbra razão para se sustentar o
concurso público como meio de seleção dos juízes da Corte Suprema, de outro, tampouco
pode-se concordar com a forma atual, retrógrada, ultrapassada e típica dos regimes
autoritários.

Urge adequar o método de seleção desses juízes ao regime democrático. Cuidando-se da


Corte de Justiça mais importante, porque desempenha a nobre tarefa de dar a última palavra
em matéria constitucional, é fundamental que na sua composição fique assegurada a
pluralidade política. Quanto mais debatida for uma questão constitucional, melhor e mais
democrático será seu resultado final.

5.6 Ineficácia dos Mecanismos de Controle das "lacunas" legislativas.

 
A nossa alta Corte tem concedido mandado de injunção. Ocorre que a única conseqüência
constitucionalmente prevista é a comunicação da omissão legislativa ao Poder Legislativo.
Trata-se de uma comunicação sem sanção. Vale como advertência, mas não é coativa,
impositiva. Como se percebe, o mandado de injunção, tal como está elaborado, não é
funcional, não é prático. Mas, o que se faz necessário, na verdade, é uma regulamentação
definitiva do instituto. O mesmo deve ser dito quanto à constitucionalidade por omissão.
Por último, é inteiramente recomendável o abrandamento das exigências constitucionais
para a iniciativa legislativa popular.

5.7 Aprimoramento Técnico-Cultural do Juiz

O que se critica é a falta de critérios, a não-obrigatoriedade de alguns desses cursos, sua


irrelevância em termos de carreira etc. Muitos cursos, de outro lado, por falta de
estruturação e planejamento, são meras repetições do saber jurídico já conquistado. Não
apresentam nada de novo. São cursos pouco práticos, ainda ministrados de modo
verticalizado e hierarquizado. O desinteresse geral pela pesquisa é preocupante. Não se
mostram, nos Congressos, aprimoramentos técnicos da atividade jurisdicional. Daí o peso
da tradição.

5.8 Uma questão de credibilidade

No coração de toda sociedade está a "confiança", a confiança da cidadania na


imparcialidade dos tribunais, na verdade, que expressam seus líderes e a crença no país do
qual forma parte. A Magistratura só estará à altura do idealizado Estado Constitucional e
Democrático de Direito se (e quando) foi confiável E para ser confiável necessita de
independência e imparcialidade, evidentemente. Além disso, precisa com humildade,
conhecer suas mazelas e tudo fazer (transparentemente) para corrigi-las.

A falta de confiança e o mau funcionamento do Judiciário têm com conseqüência imediata


a fuga da resolução dos litígios para Tribunais paralelos (juízo arbitral, justiça paralela etc)
ou mesmo o "fazer justiça com as próprias mãos e isso, obviamente, não só o enfraquece,
como também pode constituir a corrosão do próprio Estado Constitucional e Democrático
de Direito.

Em suma, que o Judiciário ganhe consciência de que sua prosperidade passa por três
moderníssimos componentes: hardware (espaço físico, equipamentos, estrutura material
etc), software (tecnologia, conhecimento) e humanware (pessoas preparadas e motivadas).
 

CONCLUSÃO

O papel do juiz, como aplicador do Direito no Estado Democrático de Direito, não é de


mero espectador ou de ditador, mas, sim, de dirigente do processo. Tem o dever de
observar os princípios constitucionais e cuidar para que, na aplicação das normas jurídicas
ao caso concreto, sejam eles efetivamente realizados e respeitados.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º proclama que o Brasil é um Estado


Democrático de Direito, cujos princípios, idéias e valores fundamentais, expressos ou
implícitos, vinculam os membros dos Três Poderes, ou seja, devem nortear tanto o
aplicador do Direito (juiz), quanto o administrador e o legislador.

A Constituição não é um simples pedaço de papel, não é mera sugestão, mas, sim, um
corpo de princípios e normas que contém a organização e estrutura do país, que traduz um
ideal de vida, os anseios, as idéias, a cultura e o pensamento de toda uma nação, a nação
brasileira.

O auxílio da Hermenêutica Jurídica, como Ciência voltada à interpretação das leis, é


imprescindível ao Direito, haja vista os inúmeros processos e métodos de que dispõe com o
objetivo de orientar o operador do direito a interpretar uma norma da maneira mais justa
possível, quer do ponto de vista do Direito, como ciência normativa, quer na visão das
pessoas que vivenciam, na prática, a força das decisões judiciais.

Assim, o aplicador do Direito deve interpretar as leis à luz dos princípios constitucionais,
deve ter uma visão constitucionalista e ter a consciência do papel que exerce na sociedade.
O Direito está em constante evolução, pelo simples fato de que o Direito é criação do
homem, portanto, mutável como o seu criador.

Nada obstante, as leis não conseguem acompanhar o desenvolvimento social, pois é


impossível que o legislador preveja todas as situações fáticas que ocorrem a cada minuto.

Por esse motivo é que a Hermenêutica Jurídica exerce papel fundamental na aplicação do
Direito, dando às normas jurídicas caráter atual, adequando-as aos anseios da sociedade.

E, seguindo os princípios e valores fundamentais contidos na Constituição, o juiz, como


aplicador das normas jurídicas, no Estado Democrático de Direito, poderá, efetivamente,
realizar a democracia, contribuindo construtivamente com a satisfação do bem comum.

 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

ANDRADE, Manuel Augusto Domingues; FERRARA, Francesco. Ensaio sobre a


Teoria da Interpretação e Aplicação das leis. 4.ed. Armênio Amado, Editor
sucessor. Coimbra, 1987.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:


Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva,
1996.

COELHO, Inocêncio Martires. Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1997.

COELHO, Luiz Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das leis. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1981.

DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e hermenêutica


constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 1998.

GOMES, Luiz Flávio. A Dimensão da Magistratura no Estado Constitucional


Democrático de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais.

HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o Direito (À luz de uma


perspectiva axiológica e sociológico-política) 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5.ed. São Paulo: Forense, 1996.

REALE Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1993.
SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica no Direito Brasileiro. v.1. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1968.

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