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A História de Lilith

Antes do mundo que você conhece, pequena Monique, existir, tudo era diferente.
Existia um equilíbrio, uma forma de manter o mundo inteiro. Seu mundo é dominado por
crenças, religiões e doutrinas que passam algo positivo, ou não. E, acredite quando eu digo,
todas possuem um pingo de verdade. Mas deixe-me levar a sua sanidade ao extremo.

Haviam duas entidades muito poderosas: O Celeste e o Caos. Não pense que uma era
mais bonita que a outra. Eram seres monstruosos e violentos que conheciam seus poderes e
que quando se encontravam a Terra estremecia. Não me pergunte como eles surgiram, mas
tudo que sei é que eram assustadores. Um dia um vencia, no outro o outro vencia. De suas
lutas parte de sua energia respingava e caia sobre o universo e assim cada lugar tinham uma
mudança, algo ocorria. Mas na Terra ocorreu algo diferente, não destruição, desses restos de
energia surgiram os anjos e os demônios.
Anjos eram seres de luz, que não possuíam forma, eram rastros luminosos e
poderosos, que voavam pelos céus, onde era sua morada.

Demônios eram as trevas, pura escuridão. Que habitavam as partes mais escuras da
Terra. Não posso dizer que no inicia eram inimigos, anjos e demônios, mas eles não podiam
estar no mesmo lugar, pois caso isso ocorresse à entidade mais forte sobrepujava a outra: ou a
luz cobria a escuridão ou vice-versa. Eles apenas evitavam estar no mesmo lugar.

Com a contínua guerra, vamos chama-la de Celestial, A Terra sofreu muitas mudanças.
Mudanças que você deve conhecer algumas pelos livros de história. A natureza, os animais e
os humanos. Incrível como essa raça pode sobrepujar as outras, como pode lhe dar com as
mudanças do mundo. Os anjos e os demônios eram invisíveis para os humanos. Na verdade
ainda são de certa forma. Mas, começaram a perceber que tinham certa influencia ao redor de
tudo que existia, tanto da natureza como da humanidade. E foi dai que os terrores
começaram...
A humanidade não sabia como lhe dar com a influencia dos anjos e dos demônios.
Muitos reagiam de formas diferentes. Sentimentos foram criados, inundaram a Terra de tal
forma que eles começaram a tomar forma. Ódio, amor, tristeza, destruição, forças da
natureza, afinal tudo necessita de forma para ser controlado. Pois sem algo para se alimentar
daquilo, o equilíbrio deixaria de existir. Então as Entidades benéficas e maléficas surgiram.

Creio que conhece as historias nórdicas, as romanas e assim por diante. Cada uma tem
a representação de um deus, que possuem a influencia de determinada coisa. E sim, podem
ser chamados de deuses. Mas as histórias são bem diferentes da realidade.

Mas vamos voltar ao inicio. Quando os primeiros humanos surgiram e assim eu surgi.
Eu era a entidade da transformação, Lilith. Eu não passava de uma luz lilás que ajudava a
humanidade na sua transformação de vida. E muitas outras entidades surgiram e assim todos
nós, juntamente com os anjos e demônios, tentávamos manter a Terra em equilíbrio e a
guerra celestial bem distante. Que ilusão a nossa...a guerra já estava entre nós.

Muitos demônios e anjos começaram a tomar a forma humana, eles o achavam tão
exóticos que começaram a ser como eles. Mesmo assim eram invisíveis aos humanos e isso
começou a irrita-los. Com o tempo as entidades menores começaram a proteger mais o
mundo que eles. A preocupação deles era de se aproximar da humanidade, e talvez controla-
la. Perceberam então que quando um humano morria sua alma se tornava uma energia. Essa
energia era capaz de ser controlada, de ser manipulada. Com ela anjos e demônios começaram
a assumir forma de entes queridos das pessoas e assim começaram a ser vistos. Mas nem
todos os anjos e demônios eram a favor disso. E uma luta começou...

Anjos contra anjos, demônios contra demônios e anjos contra demônios. Não pense
que havia um lado bom ou mal, cada um seguia o que achava ser o certo. Por terem assumido
as formas dos humanos eles podiam estar no mesmo lugar e lutar uns contra os outros. Tudo
pelos humanos. Na época eu me importava com eles. Junto com outras entidades tentamos
apaziguar tudo aquilo. Você não imagina o que essa guerra Caótica trouxe de consequência.
Criaturas surgiram e povoaram as historias que hoje você conhece.
Os lobisomens, são tribos da Frígia que era o nome da região centro-oeste na
antiga Ásia Menor, na moderna Turquia. Tribos que acreditavam na entidade dos Lobos,
Lykos como um deus e para protege-los e ajuda-los na guerra Lykos os abençoou com a
licantropia, que para muitos hoje é maldição.

Os vampiros surgiram devido a Caim. Caim era um humano que por ciúmes matou o
próprio irmão. Creio que conhece algo sobre isso. Como castigo um anjo o transformou em um
morto-vivo. Tal entidade não pode interagir nem com os vivos e nem com os espíritos dos
mortos. Ele estava totalmente isolado. Mas no Egito, após muitos anos, ele conseguiu adentrar
no corpo de uma rainha, Nephertyth que estava em uma sessão de contato com os mortos.
Parece que o anjo que colocou a maldição esqueceu-se desse detalhe, em que poderia
interagir com um vivo que tentasse interagir com um morto. E assim ao se fundir com a carne
dela morreu, mas ela adotou seus poderes. Matou seu rei e transformou seus seguidores em
mortos vivos, com pequenos detalhes: Eles podiam interagir com os vivos e precisavam de
sangue para viver e serem imortais. E estão por ai, divididos em clãs, tentando se manter na
existência.
Também surgiram os humanos que começaram a possuir poderes mágicos, que
chamamos de magos. Herdeiros de Atlântida. Por um tempo me simpatizei com eles, na luta
entre os anjos e demônios eles ajudaram muito. Mas a arrogância deles levou a sua cidade a
destruição. Muitos magos surgem para tentar manter o equilíbrio, muitos de nós
acreditávamos que eles poderiam trazer um fim a tudo isso. Mas só fizeram piorar...olharam
para o abismo e ele olhou de volta.

E muitos outros seres de lendas antigas, que parecem historias para assustar crianças,
andam pela Terra. Nada é como você acredita ser.

Bem, deixemos tudo isso de lado e vamos ao que interessa: Eu.

Como entidade da transformação me senti compelida a ajudar a humanidade. Afinal os


anjos e demônios estavam tendo filhos com os humanos, pois eles já haviam conseguido
interagir de forma mais intimas com eles. O mundo estava um caos. A luta Celestial ainda
ocorria e quase dizimou a humanidade em uma grande enchente. Foi quando anjos vieram a
mim, Ysmael e Aminael. Me convenceram a algo: Como entidade da transformação eu poderia
ajudar mais a humanidade se me tornasse como eles. Pelos meus dons eu era a única que
poderia renascer como humana. Como era uma ideia idiota. Mas eu fiz mesmo assim. Afinal
eles me disseram que sempre estariam comigo. Eu era muito ingênua.

Vim a Terra como uma das habitantes da Babilônia. E quando fiquei mais velha fui
levada para ser oraculo do rei, pois eu tinha visões do futuro. Eles começaram a me chamar de
reencarnação de Lilith. Estranhei eles conheceram meu nome real. Mas o rei havia dito que
teve uma visão de dois anjos que lhe disseram que em breve uma deusa estaria com eles e seu
nome era Lilith. Logo pensei quem eram esses anjos e fiquei feliz de ajudar, principalmente
aquele lugar. Trataram-me bem e por um mês senti que estava indo pelo lugar certo. Ate certa
noite...

Acorrentaram-me e me levaram para o altar de sacrifícios. O rei, em meio à multidão


gritou que os anjos o haviam falado que a deusa era uma farsa e que a verdadeira estava
furiosa com ele, para aliviar sua fúria sobre ele e seu povo deveriam sacrificar a charlatã.
Tentei argumentar, pedi ajuda e pude ver dois demônios em volta do rei, sussurrando. Como?
O rei desceu de seu trono tirando a roupa e gritando: Os mensageiros falaram novamente e eu
devo tomar o que há de mais puro desta usurpadora para que nossa deusa venha mais
poderosa e agressiva contra nossos inimigos. Rasgaram as minhas vestes e aquele corpo foi
violentado, não lembro ao certo quantos, além do rei, o violaram, só posso dizer que a cada
um meu ódio pelos humanos só aumentava. Eu me lembro de não reagir mais, de não me
debater, de apenas aceitar a dor e meu destino. Após me matarem com um punhal, em meio a
inúmeros golpes, fui queimada e assim esquecida.

Mas o que os demônios não esperavam, que sendo a entidade da transformação,


aquilo só me transformou em algo... pior. Me transformei no Espirito da carnificina, da dor, do
medo. Procurei os anjos que disseram que iam me ajudar, mas eles haviam sido mortos pelos
demônios, que quando souberam que eu havia ido a Terra para ajudar os humanos tiveram
raiva e manipularam os acontecimentos após destruírem os anjos. Posso ser franca em dizer
que não fiquei triste, pelo contrario, eu fiquei com mais vontade de rir e de mata-los. E eu fiz o
que nenhuma entidade menor conseguiu: matar demônios.

Não posso dizer que fui à única com essa façanha. Estamos cada vez mais fortes.

Voltei a Babilônia incorporada em uma das concubinas do rei peguei a adaga com a
qual me mataram e a destruí, lógico que sem antes fazer o rei implorar por sua vida e eu enfiar
meu punhal em seu traseiro, e escutar seus gritos de dor e agonia. Matar cada um daqueles
hipócritas e arrogantes, que basearam sua vida na violência me tornou mais forte.

Mas por eu ser um pouco fora de controle preciso de um corpo frágil que tenha
passado por traumas terríveis. E acredite não é tão fácil incorporar em alguém. Alguns anjos e
demônios temem minha existência e outros amam o que faço. Sabe, muitos massacres da
história foram minha responsabilidade. E agora, após tantos anos, finalmente encontrei
alguém que sofreu tanto quanto eu. Que prazer, querida Monique. Vamos fazer grandes coisas
juntas. Então...saia do controle...

Deixe-me entrar...
O Closet
Certa vez eu estava me recuperando de algo muito ruim que aconteceu. Foi quando a Lilith veio
até mim. Ela não estava feliz. Ela disse que para sobreviver eu precisava ser mais forte, e assim ela ficaria
mais forte. Ela então sussurrou que eu precisava voltar. Voltar e assim lembrar do que nos trouxe até aqui,
do que me fez chegar até ela. Ou melhor...do fez ela chegar até mim.

Minhas memorias me arrebataram a minha casa em Londres, na parte mais rural. Meus pais eram
Joanna Amélia Walker e Oscar Jones Walker.

Recordo-me que minha mãe dizia que meu pai a tirou da escuridão, ao mostrar a ela deus.
Aparentemente minha mãe era uma cigana, o que não era um povo muito bem visto, como ainda não é.
Ela dizia poder, desde criança, ver e ouvir coisas e adivinhar o futuro. Após um incêndio na caravana
dela, meu pai, um caixeiro viajante, a salvou. Mesmo ele não sendo muito bonito, ela gostou do seu ato de
bravura. Ele, por ser muito religioso, disse que tudo o que houve foi porque ela mexia com coisas ocultas.
Disse que cuidaria dela se ela saísse daquela vida e aceitasse deus. Como ela havia perdido tudo, ela
aceitou.

Minha mãe era muito bonita, mas era uma pessoa enérgica e um pouco violenta, meu pai
praticamente era a mesma coisa. Acho que era por isso que se davam tão bem, mesmo quando parecia que
um estava com raiva do outro. Tive duas irmãs mais velhas: Lorena e Emília.

Lorena era a mais velha e quando Emília fez 15 anos, eu nasci. Na verdade era para termos mais
irmãos, mas minha mãe perdeu 4 bebes. No inicio ela acreditava que não podia engravidar, e uma mulher
que não poderia ter filhos não era de muita serventia. Até que Lorena nasceu e 3 anos depois Emília. Por
meus pais serem muito religiosos as duas estudavam em um colégio religioso, e só vinham para casa nos
finais de semana. As duas logo se tornariam freiras.

Minha família não gostava muito de mim, principalmente minha mãe. Ela dizia que nunca sofreu
tanto nos 7 meses que fiquei em sua barriga. Sim, nasce prematura. Minha mãe me contou, em uma de
suas crises de raiva, que nasci em uma noite de tempestade a onde ela ouviu novamente as vozes. Ela
disse que eu era uma maldição. Talvez possa parecer bobagens para uns, mas para uma criança de 3 anos
creio que não seja.
Assim como minhas irmãs fui destinada a ser freira. Na escola a única coisa que eu gostava eram
as aulas de piano. Eu era um prodígio por assim dizer. Creio que as únicas vezes que meus pais sentiram
algum orgulho de mim e minhas irmãs inveja foram nas apresentações da escola, do coral da igreja.

Eu não gostava da igreja. Eram muitas regras e as freiras sempre me batiam. Diziam que eu era
muito indisciplinada e que deus não me amaria se eu fosse assim. Para tudo as freiras, meus pais e minhas
irmãs colocavam deus, até minhas punições eram em nome dele. Aos poucos fui perdendo a minha
alegria de criança, fui perdendo a inocência, a vitalidade, a vontade de viver.

Certo dia, quando eu tinha 7 anos, todas as crianças da escola estavam de joelhos em frente a
uma estatua sem vida, que só mostrava sofrimento. Eu não queria ficar ali, então me levantei e foi então
que uma freira me bateu e, não sei como explicar, fui tomada por uma enorme raiva e vontade de me
vingar e naquele momento fui ate a estatua e a empurrei, ela caiu e se desfez em vários pedaços.

Creio que foi naquele dia que ELA me achou.

Fui expulsa da escola e meus pais não fizeram outra coisa a não ser me bater e me trancar em um
closet, a onde eu tinha que ficar e rezar, rezar de joelhos até eles sangrarem. Foi então que coisas
estranhas começaram a acontecer. Uma voz sussurrava em meu ouvido. Ela dizia o meu nome e me pedia
para entrar. Fiz de tudo para não ouvir aquela voz. Mas a minha mãe parecia ouvir. Ela começou a me
chamar de demônio e que eu tinha que sofrer para pagar os pecados. Foi quando as surras ficaram piores e
o meu quarto passou a ser o closet.

Quando meus pais recebiam as minhas irmãs elas riam de mim, diziam que o mal se pagava com
o mal, que elas eram as escolhidas de deus e eu do demônio. Eu só queria que meu sofrimento acabasse,
eu só queria morrer...

Durante 3 anos estive como prisioneira na minha própria casa. Eu só saia para usar a latrina e
fazer as tarefas domesticas. Às vezes quando meus pais não estavam e me esqueciam fora do closet, eu
tocava piano, eu ainda sabia.

Mas então em uma determinada noite...Tudo mudou...

Continua...
Deixe-me entrar...
Meus pais estavam chegando em casa junto com as minhas irmãs. Fiquei no
closet, fingindo dormir. Os passos eram inquietos. Começaram a fechar as janelas e
portas, dava para ouvir. Eles conversavam em sussurros, como se não quisessem ser
ouvidos, como se não quisessem que eu os ouvisse.

__Isso acaba hoje... – Ouvi minha mãe sussurrar.

__ Deus sabe que é o certo... – Falou quase inaudível meu pai.

__ Ela sempre foi um erro... – Emília comentou.

Abaixada olhei por de baixo da porta e pude vê-los levantando os moveis,


deixando a sala quase vazia. Minhas irmãs estavam com um livro, de capa escura. Elas
o colocaram no chão e então começaram a desenhar algo no chão com giz branco.

__ Quando o padre descobrir... – Disse Lorena, um pouco assustada, enquanto


desenhava.

__ Ele vai nos agradecer. – Retrucou Emília.

Meus pais foram até o closet e, praticamente, me arrancaram de lá. Jogaram-me no meio
do desenho. E ficaram me encarando como se algo fosse acontecer.

__ Você não disse que ela iria se contorcer de dor? – Falou contrariada Lorena.

__ Talvez tenhamos que começar o ritual.

__ Por...que... estou aqui? O que é isso no chão?


Foi quando tudo ao meu redor parecia paralisar. Uma nevoa cobriu o ambiente e
o desenho no chão se transformou em uma fumaça que começou a tomar forma. E então
ouvi algo em minha mente.

__ Eu já fui como você. – Sua voz era calma e enigmática. – Já acreditei nos humanos e
nos da minha espécie. Mas aprendi na carne do que são capazes.

__ Quem é você? – Minha voz infantil estava tremula, sentia minhas pernas bambas e o
ar faltar.

__ Eu? Apenas aquela que vai te salvar. Aquela que vai ajuda-la a conhecer a verdade
do mundo em que habita. Esse símbolo que desenharam, amadoramente, é conhecido
como “Excludente finierint possessionem”. – Enquanto ela falava, andava devagar ao
meu redor, deixando rastros de fumaça. – Usado para expelir demônios do corpo de
alguém. Muitos padres o usam quando estão sem seus últimos recursos de exorcismo,
afinal utilizar esse símbolo expulsa o demônio, mas mata o hospedeiro. Sua irmãzinha o
roubou a pedido da sua querida mãezinha.

Ela se aproximou mais de mim, sua imagem ainda não era nítida.

__Porque fariam isso? Eles fazem tudo isso comigo porque acham que sou...um
demônio? – não quis acreditar no que eu falava.

__ Sua mãe é bem antiga entre alguns dos meus “amiguinhos”. A família dela mexia
com o oculto. Mexia com o que não devia. Por isso o pai dela morreu de causas
inexplicáveis e sua mãe se suicidou. Ela quase teve um final horrível e se não fosse o
seu pai. Então por um tempo a deixaram em paz. Mas quando ela estava gravida de você
ela voltou a ouvir sussurros dos meus amigos. Quem mexe com o que não deve não é
esquecido, não por muito tempo. Foi quando eu senti toda a raiva dela.
Hum...saborosa...Uma raiva que atraiu seres perigosos, espíritos do ódio e da loucura,
que envolveram toda a sua família e muitos ao seu redor. Eu fiquei e decidi ficar de olho
em você. Com o tempo fui gostando da sua forma doce e sem controle de ser. Alguém
tão inocente, que, mesmo que continuasse a sofrer, estava disposta a ser resignada.
Admito que as vezes era muito chato e eu ajudava você a ser mais corajosa.

__ Aqueles momentos de raiva... – balbuciei.

__ Sim, pequeninas coisas que só posso fazer enquanto não abre a porta para mim.

__ Abrir...a...porta...

__ Deixe-me ajuda-la a ser mais forte. Deixe-me abrir seus olhos. Se não fizer nada
você vai morrer. Muitos espíritos de sentimentos ruins e demoníacos estão à espreita,
loucos para adentrar em sua família. Na verdade, uns já estão. Eu sinto o cheiro da
podridão...Vamos lá Moni a escolha é sua. Morra...ou deixe-me entrar.

Um turbilhão de confusão tomou conta do meu ser. Apertei bem os olhos e


quando os abri estava novamente na sala, deitada no chão. Vi minha família me olhando
de forma fria, como algo a ser extirpado da existência. Atrás deles pude ver sombras,
que pareciam chamas negras.

Minhas irmãs e meu pai me seguraram e minha mãe levantou uma faca, como se
estivesse preparada para me apunhalar.

__ Quando você parar de respirar, as vozes irão embora. – Minha mãe argumentou. –
Sua lama foi corrompida por eles quando nasceu. A minha Monique morreu assim que
nasceu.

Comecei a chorar e implorar que não fizesse isso. Todos começaram a falar
coisas estranhas, repetidamente.

__ Tolle animam corpori dissipem! – Era o que repetiam.

Um medo tomou conta de mim, tentei gritar, mas minha irmã Emília fechou
minha boca. Ela sussurrou que não seria rápido, e que iria doer muito, pois era isso que
eu merecia.
As sombras, eu as ouvia sussurrar.

__ Matem-na... Matem-na...

Era demais para mim, e antes que eu desmaiasse pude ouvir minhas ultimas palavras:

__ Eu permito...que entre...

CONTINUA...
Spirit of Carnage
Aquele corpo era frágil. Era o corpo de uma criança de 10 anos. Tive
que usar todo a minha essência para que minha aura o envolvesse e assim
quebrar o véu da realidade e deixar que todos contemplassem a minha face.

As sombras ao redor podiam sentir minha presença, e ao me ver se


agitaram. Ficaram inquietas e furiosas, buscando um lugar para se
esconder. Mas uma em especial não estava com medo, o corpo que ela
controlava era da mãe da Moni, ela era à líder. Um espirito de possessão
muito forte, capaz de controlar outros.

Ela ordenou, em um urro, que descartassem os humanos. E assim


fiquei a observar os humanos a serem estraçalhados. Ao meu redor as
sombras adentraram nos corpos, dilacerando suas carnes e vomitando suas
vísceras. Consumindo aqueles corpos já corrompidos pela essência da
escuridão e os transformando em uma criatura maléfica.
Os 4 copos caíram inertes no chão, quase irreconhecíveis.

Mantive o selo ainda sobre meus olhos. Eu não seria forte o


suficiente com ele, mas poderia lhe dar com aquela manifestação sem
retira-lo. Ao menos era o que eu acreditava...

A criatura, construída a partir dos 4 corpos humanos, ficou


completa.
Seus tentáculos vieram até mim, e eu esquivava de todos que
conseguia. Mas um me atingiu e me jogou contra a parede. Senti a
adrenalina que há muitos anos eu não me visitava. Conjurei a minha adaga,
a mesma que havia me matado e a mesma que eu usava para matar. Investi
contra a criatura, me desviando de seus tentáculos, e cortei alguns no
caminho. Eles caiam no chão e voltavam a ser algum pedaço ou sangue
daqueles que ela consumiu.

A criatura era muito forte, admito, afinal eram 4 espíritos da


escuridão fundidos. Foi quando senti aquela dor. Uma dor dilacerante que
atravessou o meu abdômen. Um dos tentáculos, o mais forte, havia me
atravessado. Eu pude sentir o sangue escorrer pelos meus dentes, e se algo
não fosse feito a criança sofreia com os danos, por hora era a minha
essência vital que se esvaia. Mas eu sorri. Finalmente eu poderia lutar serio.

Retirei o selo dos olhos, enquanto cortava o tentáculo com a adaga.


Eu me senti livre.
Investi com raiva e violência sobre a criatura, comecei a cortar cada
tentáculo até estar banhada com seu sangue, o sangue da família da Moni.

E...como era doce.

Em fim a criatura urrou de dor e morreu.

Após a luta percebi que havia perdido muita essência e levaria


muito tempo para me recuperar. Mas aquelas criaturas foram destruídas, e
haveria um pouco de paz naquele lugar.

O que não imaginei foram às consequências, os infortúnios que


recaíram sobre a Moni após aquela noite.

CONTINUA...
O mistério da família Walker
Aos poucos eu abri meus olhos. Minha visão estava turva e uma enorme dor cobriu
todo o meu corpo. A maior estava no meu abdômen. Foi quando comecei a sentir o cheiro. Um
cheiro horrível, que me fez tossir e querer vomitar. Mas aparentemente não havia nada em
meu estomago, a não ser o acido que trazia um gosto azedo a boca. Aos pouco minha visão
ficou, e comecei a me levantar até ficar de joelhos. Pude ver exatamente o que estava ao meu
redor.

Eu nunca mais vou esquecer aquela cena...

Os corpos da minha família estavam por toda parte, ao menos o que sobrou deles. Por
um momento quis soltar um grito, um grito forte estridente, mas não consegui. Só fiquei
parada ali, olhando o que estava ao meu redor.

O sangue já estava seco e eu buscava entender o que havia acontecido. Eu só me


lembro de ter permitido que ela viesse, aquela voz... Talvez tenha sido o medo, o sofrimento, a
dor, mas agora, vendo aquele sangue nas paredes, no chão, sentindo aquele cheiro pútrido...

Eu tinha feito algo muito errado.

Olhei para o lado e vi a cabeça da minha irmã Emília me encarando inquisidora,


acusadora. Tinha sido um erro, mas como eu poderia... eu não teria essa força... eu era apenas
uma criança... só uma criança... e mesmo sendo uma criança, diante daquela cena, eu não
consegui chorar, não consegui gritar, não consegui enlouquecer.

Quando abaixei o olhar vi a minha boneca, uma boneca que ganhei a muito tempo de
uma das irmãs da escola para freiras, antes de ser odiada. Estendi as minhas mãos para pegar
e a notei um pouco mais pesada do que o normal, mas naquele momento isso não era
importante. Mas tentei entender como, no meio de tudo aquilo, ela estava intacta. Não estava
manchada de sangue, sem faltando alguma parte. Era como se tivessem colocado ela ali,
depois de todo aquele caos. Foi quando eu reparei mais ainda na minha roupa, quando percebi
que eu estava praticamente banhada em sangue, principalmente na minha barriga e por mais
que eu sentisse enormes incômodos, quando eu toquei no meu abdômen não havia ferimento,
não havia nada e antes que eu tomasse coragem para me levantar e sair daquele inferno,
escutei batidas na porta a minha frente. Batidas fortes. Ouvi alguém gritar que alguma coisa
estava errada, que precisava abrir aquela porta.

De tanto ser forçada a porta cedeu e caiu ao chão.

Foi quando a luz do sol revelou o que havia dentro da casa. Revelou uma criança
banhada em sangue, segurando uma boneca em meio a cadáveres, ou melhor, a pedaços de
cadáveres.

Eu apenas olhei para o homem que estava em frente à porta caída, com alguns
curiosos atrás dele. O Reconheci. Era John, o Nosso vizinho, um dos poucos que posso dizer
que na minha infância foi gentil, mas naquele dia seu olhar amável estava com brilho de terror,
um brilho de medo e eu senti que não era somente pelos corpos, mas pela criança que ali
estava no meio de toda aquela morte. Pude também ver atrás dele as pessoas que,
horrorizadas, levavam a mão à boca e ao nariz. Estavam claramente assustadas, não sabiam
direito o que havia acontecido. Eu vi pelo olhar delas o quando elas estavam com pena de
mim, mas também o quanto elas estavam atônitas em tentar imaginar como: eu teria
sobrevivido? Quem havia sido o monstro a fazer aquilo? Quem, em nome de Deus teria feito
aquela barbaridade?

Não demorou muito até que os policiais chegassem e com muita pressa correrem em
minha direção para me tiraram dali. Colocaram-me sentada em uma das charretes e me
perguntaram:
__ O que aconteceu? O que houve? Quem fez isso?

Eu não conseguia dizer, nem fazer nada, a não ser olhar para porta. A porta da minha
casa. A porta onde tudo havia começado e tudo havia terminado.

Começaram a falar que eu estava em choque traumático, mas eu os ouvia claramente.


Os ouvia falando com os vizinhos. Eu ouvi um deles...

__ Ela sempre foi muito sorridente e gentil apesar da família dela ser uns hipócritas metidos a
santos. Senti falta dela, afinal eu sabia que eles tinham meios cruéis de castiga-la. Mas nunca
nos metemos...

Verdade vocês nunca se importaram...- pensei.

__ Mas quando fui a casa dela, chamar pelo pai, que fazia dias que não havia sinal da família.
Notei o mal cheiro e então forcei a porta foi quando...bem...- engoliu a seco - entrei na casa e
vi o que vi. Só veio a mente ter sido ela. Ela...estava sorrindo...eu sei que estava.

Não sei ao certo se eu estava sorrindo. Talvez...no fundo eu estivesse...

Eu não conseguia demonstrar nenhuma emoção, como se estivesse totalmente


congelada, tanto por dentro como por fora. Como eu não tinha família e nenhum vizinho quis
ficar comigo, alegando que o monstro que havia feito aquilo talvez voltasse e eles não queriam
ter alguém que o atraísse. Fui levada para o orfanato Beyonne.

Lá eu era melhor tratada do que quando eu estava em casa. O orfanato também era
religioso e eles me conheciam. Eles conheciam o que eu havia feito na Escola Preparatória para
Freiras.

E quem não sabia?

Eu não era vista com bons olhos e às vezes eu podia ouvir os sussurros das pessoas. As
vezes eu quase imaginava que ouvia seus pensamentos, pois eu os ouvia falar, mas eu não vi
os seus lábios se mexerem.

Eu estava ficando realmente louca...

Depois eu descobri que haviam se passado quatro dias que eu estava naquela casa,
junto dos mortos. Também ouvi os comentários das pessoas tentando compreender como os
corpos já estavam em um estado avançado de decomposição que pareia que tinha se passado
4 dias e sim mais de uma semana.

Passei 2 anos no orfanato Daysehill, sempre sendo visitada por policiais pelo menos
por um determinado tempo. Depois o caso ficou conhecido como o Mistério dos Walker, afinal
minguem sabia o que havia acontecido. Muitos diziam que poderia ter sido um animal. Ou
algum assassino. Eu soube que freiras disseram que haviam sido demônios, que vieram para
testá-los e matá-los e que eu era esse demónio. Mas nunca pensaram em mim realmente
como uma suspeita. Aqueles corpos foram dilacerados por algo muito forte. Não teria como eu
ter feito aquilo, pelo menos, não no estado infantil que se encontrava o meu corpo.

Fui adotada quando tinha 12 anos. Era uma família legal. Mas minha fama entre as
freiras e meus pesadelos a noite os fizeram ter medo de mim, fora que eu não era boa em me
relacionar. Eu sempre queria estar sozinha. Eles me devolveram ao orfanato após 3 meses
comigo. Eu não os culpo.

Uma vez eu li no jornal:

A investigação da policia sobre o caso da família Walker, um dos mais famosos e sem solução
de Londres, em que somente uma das filhas do casal sobreviveu, Monique Walker, hoje com 13
anos, foi dada como arquivada.

Monique tinha apenas 10 anos quando foi encontrada em meio aos corpos dos pais e das 2
irmãs mais velhas. Eles foram mortos por vários golpes de um possível machado, tendo muito
dos seus membros decepados. A cena, que os vizinhos descreveram, é a pequena Monique no
meio dos corpos que estavam distante um do outro, formando um circulo e ela com sangue
sobre as vestes.

Após esse incidente trágico, Monique foi levada a um orfanato e sendo acompanhada por
psiquiatras, pois seu comportamento era estranho e eles queriam conversar com ela. Com seu
jeito doce e alegre cativou um casal atualmente, que a adotou. Final feliz para uma historia tão
horripilante.

Como esses jornais são mentirosos...

Talvez o orfanato, quando agora me recordo, não tenha sido tão ruim. Lá eu comia,
tinha água, um quarto em que eu ficava sozinha. Talvez lá posso dizer que eu tive algo. A
minha única amiga era boneca, que eu sempre levava comigo, mesmo depois que eu já estava,
como diziam, uma mocinha, que não devia mais brincar de boneca.
Quando completei 14 anos, quando finalmente achei que estava bem, novamente os
sussurros voltam...

Uma noite o Padre Leônidas, o mais importantes da região, veio nos visitar no
orfanato. Falando sobre Deus e sua misericórdia a todos no refeitório. Percebi dele um olhar
diferente para mim, um olhar que me deu nojo, repulsa e medo. Naquela mesma noite ele
veio até meu quarto, disse que queria conversar, que eu não estava sozinha e que eu era uma
menina muito bonita. Que meninas bonitas não devem ficar sozinhas. Que se eu quisesse teria
muitos privilégios ali dentro. Foi quando ele começou a tocar em meus cabelos, a levar a ponta
dos mesmos ao rosto e a cheirar, como se fossem flores. Tremi e alguma coisa dentro de mim
respondeu ao meu tremor.

No orfanato usávamos um roupão, um tipo de vestido branco liso que ia até os


joelhos, era o uniforme. Leônidas levou as mãos ao meu joelho e começou a subir pelo
uniforme. Eu pedi que ele parasse, que Deus não aprovava aquilo. Mas ele não parou, me deu
um tapa no rosto dizendo que eu o havia fascinado, que eu o havia seduzido. Ele disse que
demônios faziam isso, demônios fascinavam os homens e os levava ao pecado.

Novamente ouvi aquele Sussurro, só que mais forte como daquela vez há 4 anos.

__Deixe-me entrar...

Leônidas me forçou a deitar e prendeu meus pulsos com uma das mãos. Com a outra
mão ele cobriu a minha boca, disse que eu não gritasse, que eu ia gostar, que se eu fosse a
menininha dele tudo ia ficar bem. Foi então que olhei para o lado e vi a minha boneca. Algo
sussurrava:

__ Pegue a boneca... Se apegar eu vou proteger você...

E em meio à lágrimas segurei com força a boneca e daí então veio a escuridão e o
início de mais pesadelos...

(Continua...)
A Boneca
O ser humano é realmente um animal. Um animal que acha que só porque pensa,
raciocina, está acima de tudo e de todos. Mal sabem de sua tenra vida e seus trágicos destinos.

Devido ao meu pequeno encontro com aquelas criaturas da escuridão, fiquei muito
fraca. O selo em meus olhos existe justamente para que os meus poderes fiquem limitados. Se
eu os liberar, além de causar grandes estragos, posso ficar muito fraca depois e principalmente
posso matar meu hospedeiro no processo por desgastar muito seu corpo mortal. Por isso
tenho que ter total controle. Preciso saber exatamente quando tirar o selo e quanto utilizar do
meu poder. Depois de encontrar com aquela criatura tive que usar boa parte dos meus
poderes para me regenerar, para manter aquele corpo sem sequelas. Mas acabei ficando um
pouco debilitada e fraca. Por isso prefiro a possessão. É bem mais simples e não utilizo tanta
energia.

Naqueles longos 4 anos não havia como me saciar, não havia sangue para derramar,
não havia ninguém digno. Não ao ponto de ser morto por mim. Mas aquele velho, aquele saco
de carne e osso, ele sim merecia...

A boneca, que há tanto tempo eu deixei aos cuidados da Moni, tinha algo muito
importante dentro dela. Quando Moni a segurou eu sabia que podia me libertar, que ela
deixou seu corpo a minha mercê. A deixei dormir novamente, para que eu pudesse me
divertir.

__ Então... o que acha de mim, padre? Acha que antes da gente começar realmente a fazer o
que o quer, eu posso me confessar? - minha voz era serena e sedutora.

Ele sorriu, como se realmente se importasse com alguma confissão. Ele parou de
tatear o corpo da Moni, afinal eu havia a possuído, não assumi minha forma original, como da
ultima vez, então ele nem percebeu que não era ela ali.

Ele ficou mais por cima do corpo, o qual queria violar, no qual passava a sua face
imunda, enquanto falava:

__ Fale criança. Fale o que você quer confessar. Diga seus pensamentos mais sujos.- ele soltou
as mãos dela.
__ Sabe Padre, as pessoas como você me dão tanto nojo... - com uma das mãos segurei seu
pescoço e com a outra peguei a boneca. Ele não conseguia se libertar, eu era bem mais forte.
Quando ele começou a se debater o coloquei contra a parede, ainda segurando a boneca. Com
o polegar empurrei a cabeça da boneca para o lado. A mesma caiu ao chão, revelando no
interior da boneca um cabo brilhante de prata. O cabo se ergueu no ar a minha vontade,
encaixando-se perfeitamente na minha mão livre. Ele me olhou como se estivesse diante do
próprio demônio.

Sorri.

Como era bom ver aquele olhar novamente. Um olhar de pânico, a certeza de que irá
morrer e de que eu quem iria tirar sua vida.

__ Quer saber o meu pecado, padre? Que saber como foi muito divertido matar a minha
família? Que vai ser muito divertido te matar? Não fique triste. Você acredita que irá para o
paraíso, não é? Para o céu? Então me deixe fazê-lo ir mais depressa. Mas...Porque vejo em
seus olhos uma desolação? Porque vejo medo, angústia? Será que é porque você sabe que não
vai para o paraíso? Afinal quem abusa de crianças não merece o paraíso. – Apertei ainda mais
seu pescoço. Ele começava a mudar de cor. – Não se preocupe. Seja lá para onde você for,
você me terá em seus piores pesadelos.

Em um golpe firme cravei a adaga em sua barriga de porco e a abri até o meio de suas
pernas. Pude ver as suas entranhas fazendo barulhos ao cair no chão, o sangue a jorrar, seus
olhos a revirar e por fim morder a língua e a vida se esvair.

Mesmo ele já morto eu não pude parar, não pude parar de golpeá-lo várias e várias
vezes. Ouvi passos. Meu tempo no corpo da Moni já havia acabado e eu teria que ir.

De fato eu não pensei nas consequências. Na verdade eu nem me importava. Porque


me importaria? Era só mais um vaso. Se algo acontecesse com ele poderia pegar outro. Apenas
me importar em saciar meus desejos, a minha vingança contra todos os humanos porcos e
imundos que infestam a terra, oprimindo os mais fracos. Eles merecem a morte. Uma morte
dolorosa, total como eu tive.

Eu serei sua juíza e sua carrasca...

(Continua...)
Bethlem

Minha visão estava turva, mais aos poucos vi claramente o que estava à minha frente,
sentado, encostado na parede com as estranhas totalmente expostas, com sangue escorrendo
que seguiam até a porta. Afastei-me e peguei a boneca que estava ao meu lado. A abracei,
mesmo sentido aquela coisa estranha em sua consistência, algo muito solido e frio. Busquei
um modo de entender o que estava acontecendo? De repente alguém gritou lá fora,
provavelmente por ver o sangue que escorria por debaixo da porta. Meu estado era horrível e
acusador: Minha roupa de branca estava rubra, totalmente ensanguentada, assim como meus
braços, as minhas mãos e o meu rosto. Parecia que eu... que eu... não... não... pode ser...
Como eu faria aquilo? Porque eu não me lembrava?

Porque naquela época eu não sabia o que estava acontecendo, como agora eu sei...

Rapidamente a cuidadora, que sempre passava nos quartos para saber se todos
dormiam, entrou e ao ver a cena saiu gritando, dizendo que o padre estava morto.

Novamente eu me vi perdida na escuridão dos meus próprios pensamentos.

A loucura novamente se iniciava. Policiais fizeram perguntas e tudo que eu conseguia


falar era que ele queria me machucar, que eu não havia feito aquilo, não que eu me
lembrasse. Só me lembrava de uma voz. Afinal o que eu poderia dizer? Eu não sabia o que
tinha acontecido. Começaram a dizer que eu poderia ter problemas mentais, que eu não era
confiável, que não poderia ficar ali.

Levaram-me para uma sala estranha, vazia, onde os policiais me colocaram sentada
em uma cadeira. Pediram que eu confessasse. Confessasse que eu havia matado o padre e que
eu havia matado a minha família. Chegaram a me agredir com palavras e puxões de cabelo,
senti quase arrancarem o meu couro cabeludo. As mulheres não tinham seu lugar na
sociedade, e uma que ousava matar homens, por piores que fossem, era um insulto.

Como eu não falava nada do que eles queriam me mandaram para aquele lugar, me
mandaram para Sanatório Bethlem e lá eu acreditava que só sairia morta.

Bethlem é um antigo manicômio fundado em 1247. Eu ouvi falar sobre ele na escola de
freiras. Que era um lugar ruim para os loucos.
Como as pessoas são ingênuas. Aquele lugar não era ruim... era o próprio inferno.

Fui diagnosticada com esquizofrenia. A teoria dos psiquiatras era: Por causado do que
houve com minha família sofri um choque traumático, pois talvez eu tenha visto o assassino e
tudo o que houve. Com a mente já traumatizada acabei matando o padre quando se
aproximou com segundas intenções, afinal eles conheciam o Padre Leônidas. Sabiam o que ele
fazia com as internas, mas sabe como é... sempre fica por baixo dos panos. Assim sendo, para
me defender, eu acabei matando-o. O que eles não sabem exatamente é: como o matei, com
que arma? Nunca foi encontrada. Tudo que encontraram foram a mim e a boneca.

Os médicos começaram a ter uma atenção especial por mim, mesmo que eu não
falasse. Eu não gostava de falar. Eu também nunca chorava, mesmo quando me faziam certos
testes. Em muitas ocasiões durante os “tratamentos”, eu ouvia aquele sussurro. Ouvia aquela
voz que dizia:

__Deixe-me entrar...

Mas eu não faria isso. Decidi que nunca mais ouviria aquela voz. Que nunca mais iria
deixar, seja lá o que fosse, sair. Coloquei a boneca e uma caixa e aguardei debaixo da cama.
Não sei por que fiz isso. Talvez porque eu era uma moça, não mais uma criança. Minha
realidade não era mais brincar de boneca. Mas talvez fosse porque aquela boneca me fazia
lembrar as mortes de tantas pessoas, que eu sentia que morreram por minha causa.

Tentei ser normal, mas era como se a minha própria mente não fosse, ou era o que eu
pensava. Aos poucos minha mente parecia racional demais, como se nada ao meu redor me
afetasse realmente.

O hospital psiquiátrico Bethlem, era muito conhecido por tratar seus pacientes de
formas como se fossem animais de circo a serem mostrados e ridicularizados para outras
pessoas. Lá eu vi que os boatos eram verdadeiros.

Inicialmente ele recebia com prioridade as freiras da Ordem da Estrela de Belém. Em


1330 é notificado como hospital e em 1377 passou a admitir doentes mentais. Incrível como as
freiras sempre estavam envolvidas em algo da minha vida trágica. Naquele lugar pacientes
violentos ou perigosos eram acorrentados ao chão ou às paredes. A alguns era permitido sair
do hospital e mendigar, eu, por outro lado, nunca me permitiram sair. Eu via as pessoas irem
ao hospital para ver os “loucos”. Eles eram colocados em jaulas e aos visitantes era permitido
cutucar os hospitalizados com varas longas, como se fossem animais, podendo olhar dentro
das celas, rir deles, muitas vezes lutas eram feitas entre eles para deleite dos visitantes, o que
sempre levava algum a morte.

Afinal eram esquecidos pela sociedade, apenas lembrados para diverti-los.

Eu era conhecida como a Bela dama louca do hospital. Nunca me importei com o
nome. Eles buscavam uma forma para que eu falasse. Falasse o que houve, o que vi quando
minha família morreu, quem os matou? Colocavam-me amarrada em cadeiras e me davam
choques, que diziam que poderia atiçar parte das minhas lembranças.

Outro tratamento era a terapia rotatória. Eles me colocavam em uma cadeira e me


suspendiam até o teto. A cadeira era então girada na direção de um médico, às vezes com
mais de 100 rotações por minuto. Frequentemente eu vomitava e experimentava vertigens
extremas, mas estes sintomas eram vistos como reações saudáveis que trariam a cura. Em
uma dessas terapias pude ver sombras negras ao redor da sala.

Talvez aquilo só estivesse piorando o meu estado mental.

Eu não queria ouvir os sussurros, eu não queria aquele sentimento, aquele horror.
Afinal eu sentia que naquele lugar, se eu permitisse que ela se libertasse novamente, todos ali
iriam morrer.

Para resumir o que houve comigo naquele hospital, posso dizer que foram 7 anos de
total tormento. O local era repleto de gritos. Tantos gritos que às vezes nem conseguia dormir.
Os médicos conversavam comigo, me faziam seus tratamentos insanos, pois queriam entender
o que havia acontecido naquela noite. Mas eu nada dizia. Eles ficavam furiosos e por muito
tempo eu vivia acorrentada, me davam banhos gelados quando eu estava completamente nua.
Para ser Franca eu não sei ao certo se alguma vez eu fui abusada sexualmente. Teve muitas
ocasiões em que pensei que fui, principalmente quando acordava totalmente mal e com
muitas dores, depois de ter tomado grandes quantidades de remédios. Mas eu acredito que
era porque eles me batiam. Naquele lugar não havia prazer em abuso sexual, mas havia prazer
em machucar, acorrentar e abusar da mente. Era como um teste, para testar se você era capaz
de sobreviver as mais intensas insanidades. O único lugar que eu sentia paz era em uma
pequena biblioteca a qual eu era dignada a limpar às vezes. Eu passei a ler sempre que podia,
muitas vezes escondia livros e levava comigo para ler em minha cela. Geralmente eram livros
de doenças mentais, tipos de curas e comportamentos. Aos poucos comecei a mudar meu
modo de ser e agir. Era como se, por alguma razão, eu era capaz de absorver aqueles
conhecimentos e assim transforma-los a meu favor.

Em frente a minha cela, há alguns dias, havia um homem magro, de longos cabelos e
barba. Ele vivia sujo e sempre que eu estava na cela, ele ficava me olhando, não tirava os olhos
de mim. No início eu não me importei. Mais uma vez, já cansada eu perguntei porque ele me
olhava tanto. Se por acaso ele queria me fazer mal. Ele me respondeu:
__ Você tem uma aura negra ao seu redor, uma aura que eu não consigo parar de ver porque
às vezes ela é linda e de longos cabelos prateados como a lua. Sabe muitos acham que eu sou
louco. – ele prosseguiu. – porque eu vejo coisas, coisas que não são desse mundo. O nosso
mundo a gente não vê com os verdadeiros olhos. Esses olhos que nós temos são olhos falsos,
de visão falsa. Esses ouvidos são ouvidos falsos, de audição falsa. Esse nariz falso, que cheira
coisas falsas. – ele dizia apontando para cada uma dessas partes dele. - A verdade é que do
outro lado você consegue ver tudo...ver a verdade.

__ Ver a...verdade? – murmurei.

__ Quando a minha mulher faleceu eu fiquei tão triste, tão amargurado. Eu a amava tanto e
ela também me amava. Então, em um ato desesperado roguei para que santos e demônios me
ouvissem. Nem vou responder o que foi que me ouviu. Comprei de um homem um livro de
cada escura. Ele disse que se eu fizesse direitinho o que havia nele, eu teria minha bela esposa
de volta. Então eu tirei o corpo da minha esposa da tumba. Já se fazia alguns dias que ela
estava ali, mas mesmo assim eu fiz tudo o que o livro dizia. Levei o corpo de uma jovem que
matei, uma jovem tão linda quando você. A coloquei junto ao corpo da minha amada para que
sua alma tivesse para onde ir, para que sua alma saísse daquele corpo já findado, para um
novo. Comecei a falar o que dizia naquele livro e então eu a vi... eu a vi... tão linda... se
erguendo daquele corpo e caminhando... caminho até o novo corpo... Mas antes que eu
terminasse, pessoas me viram e policiais me renderam. Eu expliquei a eles porque eu tinha
feito aquilo, porque eu havia matado a garota. Mas eles não acreditaram em mim. Eu sei o que
vi e eu sei o que vejo atrás de você. Mas eu estou esperando por ela...

__ Ela quem? – arrisquei a perguntar.

__ Minha esposa. Ela está com raiva porque está vagando por minha causa. Logo ela vai me
encontrar...Isso que está a sua volta está sendo o farol para ela.

Assustei-me com tudo o que ele disse. Corri para a cama e fiquei lá sentada, quando
percebi que não estávamos sozinhos. Certo frio havia invadido o lugar. Comecei a ouvir passos.
Meu coração acelerou, minha respiração ficou descompassada. Comecei a caminhar até a
grade. O homem estava parado de costas, com a cabeça para cima. Foi quando comecei a
levantar o olhar, quase não pude acreditar no que eu via: uma criatura que parecia uma
mulher com as mãos e pés no teto. Levei às mãos a boca para não gritar. O homem começou a
dizer:
___ Perdão Joanna. Perdão...

Não acreditei que aquilo fosse mesmo uma mulher. Por um tempo eles ficaram ali se
encarando até ela gritar com uma voz aguda e macabra, para depois adentrar dentro do
homem, como se ele inalasse fumaça. Ele começou a se contorcer e em seguida foi até a
parede de sua cela, catatônico. Ele virou a face para mim. Não havia olhos, somente uma
profunda escuridão e então sorriu, começando em seguida a bater freneticamente a cabeça
contra a parede. Gritei por ajuda, pedi que ele parasse, mas cava vez mais o sangue de sua
cabeça escoria e partes dela amassava, tamanha era a força dos golpes que ele dava. Ele
continuou até as batidas cessarem e ele cair com convulsões violentas no chão, para depois
ficar como uma estatua, com aqueles olhos de profundo negro virados para mim, a me
encarar.

Foi quando, pela primeira vez, tudo que eu temia passava a ser realidade. Realmente
existiam coisas estranhas, o sobrenatural. Realmente existia alguém comigo ou alguma coisa
que poderia me levar a me matar. Eu finalmente entendi, em parte, o que talvez estivesse
acontecendo comigo. E então desmaie...

( Continua...)
Pacto
Deparei-me com um lugar escuro, frio e sem som. Não sentia o peso do meu
corpo, na realidade, eu não sentia nada.
__ Finalmente você voltou. – A voz era ecoante e sombria.
__ Quem é?
__ Eu? Apenas aquela que vai te salvar. Aquela que vai ajuda-la a conhecer a verdade
do mundo em que habita. Lembra? Eu te falei isso na primeira vez que nos vimos. – A
voz ecoava, mas nada eu via.
__ Lembro-me de uma imagem de uma mulher, mas não vi seu rosto.
__ Naquele momento não tínhamos tempo para conversar e tomar chá. Você estava
prestes a morrer. Mas agora, se algo não for feito, você vai morrer aqui. E eu não quero
perder esse corpo. Não ainda. Temos muito a fazer.

Aos poucos algo foi saindo da escuridão. Era uma mulher. Ela possuía algo em
seus olhos e...e um longo cabelo de prata...o cabelo que o homem na cela havia dito.

__ Como aquele homem viu você? Porque eu nunca vi?


__ Ele havia tido contato com seres parecidos comigo. Ele aceitou a verdade e agora
poderia contemplar um pouco da minha essência que esta envolvida em você. Mas
porque eu assim quis. Se eu ficar por ai mostrando onde estou, você terá grandes
problemas. Não tenho muitos amigos do lado escuro dessa existência. Ele havia
cometido um crime grave a quem já partiu desse mundo: trouxe de volta. Eu só fiz o
que o espirito desejava, que era encontra-lo e se vingar.
__ Mas...ele disse que ela o amava...- falei quase sem voz.
__ Um espirito corrompido só para de atormentar quando sua vingança é completada.
Aquele homem matou uma pessoa e tornou o espirito de sua esposa corrompido ao fazer
aquele ritual profano. Não havia mais amor, só dor e vingança. Com o tempo você ira
entender. – Ela se aproximou de mim. – O que quero agora é que saia deste lugar e eu
posso ajudar. Sabe que posso.
__ Como? Matando todo mundo?
__ É uma possibilidade... – cogitou.
__Não...estou cansada de mortes...
__ Como você é fraca e patética. Acha mesmo que as pessoas que morreram não
mereciam? Sua família iria te matar, sua idiota. Eles atraíram criaturas profanas por
acumularem ódio por você, por você ter um espirito livre, por você ser diferente deles.
Se não fosse por mim você estaria morta.
__ Olha onde eu estou...já me sinto morta...- falei em tom de raiva.
__ Se tivesse dito aos policiais o que eles queriam, se tivesse usado sua forma na época
infantil para enganar um de seus vizinhos para ser adotada, se tivesse sido boa para
aquele casal que te adotou, acha mesmo que estaria aqui?

Fiquei apenas a encarando, sem nada a dizer.


__ Sua posição de fraca e de vitima só piorou sua situação. O ser humano é facilmente
enganado quando você usa as palavras certas, no momento certo. Se quiser sair mesmo
deste lugar terá que me ouvir... – Sua voz era fria e admito que me assustou.

Ela estava certa. Por mais que eu quisesse colocar a culpa nela, por uma parte
também era minha. Eu não queria morrer ali, eu queria sair. Estava na hora de aceitar o
que realmente eu era quando deixava ela entrar.

Ela disse que dali em diante existiria um pacto entre nós. Um que só seria
rompido com a morte. Ela tirou o que envolvia seus olhos, e pude ver sua face. Ela era
linda, apesar dos olhos brilhantes. Será que algum dia ela havia sido humana? Ela se
aproximou e ergueu o meu braço, e me arranhou com suas afiadas unhas. Senti uma dor,
uma queimação. Ela passou os dedos com o meu sangue nos lábios, e sorriu triunfante.

__ Eu sou Lilith. Prazer Moni.

Dali em diante eu não iria mais ser contra ao que me avia acontecido. Eu iria
aceitar esse pacto. Iria me revestir de uma nova personalidade. Aprenderia com ela e
com o que já possuía de conhecimento, para encontrar as melhores maneiras de sair dali.
Mesmo com ela me dizendo que logo eu descobriria o preço do pacto. Mas não me
importava. Eu só queria sair daquele inferno.

Eu seria mais cruel que meus demônios...

(Continua...)
Dr. Henry Jekyll

No dia seguinte, a morte daquele homem, soube que um novo médico iria me
examinar. Eu ainda estava confusa após o que eu havia acontecido, mas decidida a sair
daquele lugar infernal nosso plano e minha nova personalidade, seriam postos em pratica.

Ao entrar na sala, meu ar era normal, quase havia uma paz na minha face.

__ Soube que queria me ver. – falei assim que entrei.

__ Sim Monique, sente-se. – Ele apontou para mim a cadeira a sua frente. – Eu sou o Doutor
Henry Jekyll. Sou pesquisador da mente e do comportamento humano e agora o novo analista
do hospital. Soube que presenciou algo traumático noite passada. Pode descrever, senhorita?

__ Um homem batendo a cabeça. Creio que seus traumas mentais eram difíceis para ele
suportar.

Ele arqueou uma das sobrancelhas e sentou.

__ Traumas mentais? Conhece algo sobre isso?

__ Às vezes, em nossa mente, há fardos que ficam mais pesados que o corpo. Tão
insuportáveis que para parar de sentir a morte é vista como solução.

__ Entendo. Sabe senhorita Walker, eu acredito que o bem e mal existam em todas as pessoas.
E faço minhas pesquisas para provar essa teoria.

__ Acha que existe o bem e o mal em mim?

__ Seu caso é um dos mais complexos e misteriosos. Admito que estudei muito sobre você.
Sempre achei seu caso...interessante. Diga-me, em vista do que estou presenciando, o que sei
que é inédito, pois você nunca falou abertamente com alguém, o que aconteceu naquela noite
em sua casa, quando você tinha 10 anos?

__ Estudou sobre mim? Presumo que leu que sou bonita, a pesar de louca. Que sou recatada e
um ser desumano. Que aparento ser boa, mas que fui levada ao ápice de loucura demoníaca?
Que para me manter pura tive que matar um padre? Como posso ser tudo isso ao mesmo
tempo? Múltiplas personalidades, talvez? Li em um livro que isso está sendo estudado e que
pode realmente existir, mas não é uma teoria muito bem vista. Eu apenas lembro-me de estar
presa no closet e de ser arrancada dele pelos meus pais, que queriam fazer um tipo de ritual
para purificar a filha, que era um tipo de criatura maligna, ao menos era o que diziam. Depois
disso lembro de desmaiar e depois acordar em meio aos corpos. Não sei o que houve nesse
meio tempo. Não lembro.

__ Acha que os matou? – Sua voz era estranha, como se perguntasse para entender minhas
emoções e não para ouvir uma confirmação.

Lilith me fez ouvir alguns fragmentos dos pensamentos dele. Ele queria me entender,
era fascinado pela ideia que eu tivesse dupla personalidade: a boa e a má. Mas seus
pensamentos eram confusos, como se não houvesse só um pensamento ali.

__ Não sei. Talvez. Como eu disse não lembro. Sobre o padre bem...ele queria me estuprar. Ele
apontou uma faca para mim. Disse que eu ficasse quieta. Corri até a porta para tentar abrir,
mas não consegui. Ele veio em minha direção e entramos em luta. Mesmo eu sendo mais frágil
senti que ele não queria me matar, ele acreditava que eu cederia pelo medo, mas não o fiz, e
em um dado momento da briga o empurrei contra a parede e nossos corpos se chocaram e a
faca o atravessou. Admito que o medo me fez forçar mais a faca, mas quando vi o que havia
feito eu fiquei apavorada. Eu não queria, mas aconteceu. Se formos pela sanidade mental
estávamos insanamente perturbados.

O doutor me encarou.

__ E porque só agora está contando algo?

__ Na época eu estava bem assustada e depois, após me tratarem como lixo, resolvi não
confinar em ninguém. É a primeira vez em anos que alguém é gentil comigo. E já que estudou
sobre mim, creio que o desapontei.

Eu estava sendo convincente. Contar que uma forma maligna e sobrenatural me fez
fazer aquelas coisas não iria ajudar.

__ Não me desaponta. Pelo contrario. Perceber como sua mente trabalha é espantoso. Você
realmente não deveria estar aqui.

Por um momento tive a impressão que ele não acreditava em mim, mas que por hora
iria aceitar minha história.

__ Vou falar com os outros médicos para resolvermos sua situação. Já está aqui há muito
tempo. E agora com esses novos fatos, talvez sua estadia aqui esteja no fim.

Ele sorriu e abriu a porta para eu saísse. Quando ele fechou a porta atrás de mim tive a
impressão de vê-lo sorrir. Não como um médico feliz por ajudar um paciente. Mas de forma
sádica.

( Continua...)
A Liberdade
Depois de algumas semanas eu estava livre do Hospital psiquiátrico, com a condição de
uma vez no mês ter uma sessão com o Dr. Henry. Ele disse que ainda tinha muito a me
conhecer e que os demais médicos queriam ficar de olho em mim.

Como única herdeira da minha família, voltei para a casa. Pensei em vender mais me
acostumei. A vizinhança não havia mudado muito. Todos ficaram mais dentro de casa depois
que voltei.

Como se fizesse diferença...

Voltei a tocar. Eu não havia esquecido. O filho de um amigo do meu pai, dono do
teatro do centro da cidade, me ouviu tocar e me chamou para trabalhar para ele. Aceitei,
afinal tudo que eu queria era voltar a tocar, e agora seria profissionalmente. Emprego para
mulheres era sempre muito difícil. Não sei ao certo se ele me chamou somente por eu tocar
bem, ou se havia algo por trás, como o fato do meu nome ter sido em volto de mistérios por
muitos anos e as pessoas gostam de mistério.

Lilith não apareceu nesses 3 anos. Comecei a pensar que tudo tinha sido minha
imaginação. Mas hoje, com 25 anos, depois daquela noite no beco, onde dois criminosos
foram mortos, creio que ela voltou para manter o pacto.

E por alguma razão eu me sentia bem com isso.

Eu havia aceitado a vilã que vive na minha cabeça

Ela me implorava para liberta-la

E eu aceitei...

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