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Modalidades das Obrigações - Parte 1

A ula 04 - Direito Civil 02

Dando sequência à matéria, vamos analisar o artigo 235 do CCB, que trata da
deterioração da coisa. Primeiro ponto: p erda e deterioração são coisas distintas! A perda
implica destruição da coisa, a coisa deixa de existir (art. 234 do CC; ex. carro completamente
destruído em batida); a deterioração (art. 235 do CC) se dá a redução das qualidades
essenciais ou do valor econômico da coisa. Segundo este último, em caso de deterioração,
não havendo culpa do devedor, o credor pode optar pelo encerramento (resolução) da
obrigação O U receber a coisa deteriorada, mas com desconto (abatimento no
preço), conhecido pelo brocardo quanti minoris.

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou
pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa
do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a
coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

Vamos exemplificar: o credor Daniel adquire de Marcela um cachorro da raça Lulu da


Pomerânia, com a finalidade de reprodução e venda dos filhotes. Ocorre que o cachorro
contrai doença que o impede de procriar, mas ainda poderá participar de concursos de
beleza caninos. Nesse caso, n ão havendo culpa de Marcela, Daniel poderá optar por não
mais receber o cachorro (resolve-se a obrigação) O
U receber o animal com abatimento no
preço, uma vez que ele não poderá mais ter filhotes.

Todavia, s e for constatada a culpa do devedor, o art. 236 do CC diz que o credor
poderá recusar a coisa e exigir o valor equivalente O
U aceitar a coisa do jeito que ela está;
em ambos os casos, poderá exigir perdas e danos. O motivo para isso se dá porque houve o
inadimplemento da obrigação pelo devedor, uma vez que o credor recebeu coisa diversa da
que foi avençada e ele não é obrigado a isso, ainda que a coisa seja mais valiosa (art. 313 do
CC). É claro que será preciso auferir em cada caso concreto a extensão da deterioração da
coisa e o grau de culpa do devedor, sempre em obediência ao princípio da boa-fé objetiva
(arts. 113 e 422 do CC), de modo a evitar exigências absurdas ou condições abusivas do
credor (art. 187 do CC).

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Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se
acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé.

Vamos aproveitar o exemplo anterior: o credor Daniel adquire de Marcela um


cachorro da raça Lulu da Pomerânia, com a finalidade de reprodução e venda de filhotes.
Ocorre que Marcela não cuida dos cachorros; não os vacina nem os alimenta. Daniel pega o
cachorro e já na 1ª semana percebe que o animal está fraco e doente. Desse modo, cabe ao
credor Daniel exercer uma das seguintes opções, de acordo com o art. 236 do CC: recusar o
cachorro e pedir o dinheiro que pagou a Marcela de volta mais perdas e danos (vamos
imaginar que ele montou um canil e fez propaganda que ia vender filhotes puros daquela
raça)
O U, alternativamente, ficar com o cachorro, cuidar dele e exigir de Marcela perdas e
danos (provavelmente ele teve gastos com veterinários, remédios, internação).

Já tratamos do art. 237 do CC, mas não custa lembrar que ele trata dos
melhoramentos e acrescidos da coisa em prol do devedor. De fato, se a coisa ficou em poder
do devedor até a sua tradição e dela adveio melhoramentos, por uma questão de
razoabilidade ele poderá exigir um aumento no preço. O dispositivo trata do p rincípio da e
quivalência. Se a coisa perece para o dono (res perit domino), com muito mais razão os
melhoramentos e acrescidos também lhe são extensíveis. É questão de simetria e bom
senso. Se o credor não concordar, simplesmente resolve-se a obrigação. Ainda no exemplo
anterior, se a devedora Marcela fosse vender uma cadela da raça Lulu da Pomerânia e, no
decorrer das tratativas a cachorra ficasse prenha, ela poderia exigir de Daniel um aumento
no preço; se ele não concordar, resolve-se a obrigação. Caso ele aceite, por se tratar de
frutos pendentes, os filhotes serão de Daniel (art. 237, § único, CC).

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais
poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

O brigação de Restituir:

Tem autores que dizem que restituir é espécie do gênero dar. Há desdobramento da
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posse onde se divide em posse direta e indireta (ex. locação - locador, proprietário do imóvel, e
locatário. A posse direta é do locatário, e a indireta é do locador pois não usufrui da coisa; ex.
comodato - é o empréstimo de coisa infungível, e há desdobramento da posse)
O artigo 238 do CC inaugura o estudo da obrigação de restituir ou de devolver. Aqui,
a coisa pertence ao credor; somente a sua posse é transferida ao devedor. Lembra que na
2ª aula falamos sobre a divisão da posse em direta (caso do locatário de uma casa) e indireta
(caso do locador ou proprietário do bem imóvel)? Pois é. Costuma-se estudar a posse no
capítulo dos direitos reais, mas é possível visualizarmos essa situação também na locação de
um carro (bem móvel). Exemplo: a locadora Movida é proprietária do carro e possui a posse
indireta; o locatário João aluga o carro e tem a posse direta. A esse fenômeno, a doutrina
chama de d esdobramento da posse. A obrigação do locador, além de pagar o preço da
locação e cuidar da coisa como se sua fosse, é devolver o automóvel sem qualquer dano
após o término do contrato (art. 569, inciso IV, CC). Assim, l ocação e empréstimo sob
a
m odalidade comodato (art. 582 do CC) são exemplos clássicos de obrigação de restituir.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição,
sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Art. 569. O locatário é obrigado: IV - a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as
deteriorações naturais ao uso regular.

Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo
usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O
comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for
arbitrado pelo comodante.

perder De acordo com o art. 238 do CC, se na obrigação de restituir coisa certa, está se
a ntes da tradição e sem culpa do devedor, a obrigação se resolverá. Aqui o
proprietário da coisa é o credor, que anseia pela devolução da coisa e que estava na posse
direta do devedor. Aplica-se o princípio do res perit domino (a coisa perece para o dono; o
dono sofre prejuízo). O credor arcará com todos os prejuízos pela perda do bem, mas na
parte final do artigo a lei ressalva eventuais direitos. Exemplo: encargos locatícios vencidos e
não pagos pelo locatário do carro até a data da devolução (seguro, multas de trânsito).
OBS. Aqui estamos no campo do direito privado onde as partes fazem o que quiserem.
Art. 393 - é possível as partes estabelecerem que, ainda que o imóvel desabe, o locatário
fique responsável pelo aluguel até o final do contrato.
OBS. Art. 399 - se o devedor já tinha vencido o contrato e não queria sair do imóvel, é
possível o contrato prever que em caso de mora, ele responda por prejuízo em caso de força
maior no período de mora. Salvo se provar intenção de culpa ou que o dano ocorreria mesmo

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que a obrigação fosse oportunamente desempenhada (ex. mesmo se ele tivesse devolvido o
imóvel).
Segundo o artigo 239 do CC, constatando-se a
culpa do devedor em caso de perda
d o objeto, ele responderá pelo equivalente da coisa, mais perdas e danos (arts. 402 e 403
do CC). Exemplo: o locatário dirigiu embriagado em via expressa a 200 km/h, se envolvendo
em grave acidente. Neste caso, ele vai pagar o valor equivalente ao automóvel, mais as
perdas e danos que a locadora sofreu (como ter deixado de receber o aluguel do carro que já
estava reservado para outro cliente).
Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem,
além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos
e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
Contudo, se houve d eterioração parcial do bem (exemplo; uma batida na lateral
da porta do carro), o artigo 240 do CC traz soluções diversas a depender se houve culpa (2ª
parte do art. 240 do CC) ou não (1ª parte do art. 240 do CC) do devedor. No caso de culpa, a
parte final faz referência ao disposto no artigo 239 do CC (ignorar a parte do equivalente,
pois é deterioração e teria enriquecimento sem causa. só considerar a parte do perdas e
danos).

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem
direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.

Da mesma forma que a obrigação de dar (art. 237 do CC), o legislador trouxe o
princípio da simetria para as obrigações de dar coisa certa (arts. 241 e 242 do CC). Neste
ponto, é preciso avaliar se o melhoramento decorreu ou não da intervenção do devedor.
Porque s e não houve, o credor não terá obrigação de indenizá-lo (art. 241 do CC). Imagine
a seguinte situação: o devedor Pedro alugou um terreno para fazer uma plantação e, no
decorrer do contrato, o terreno aumentou de tamanho por força de uma simples acessão
natural (art. 1.251 do CC). O credor não terá que indenizar o devedor Pedro, nem este pode
alegar enriquecimento injustificado.

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do
devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará
pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.
Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código,
acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.
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Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a
outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização,
se, em um ano, ninguém houver reclamado.

Situação diversa ocorre


s e o melhoramento decorreu de trabalho ou despesa
efetuada pelo devedor Pedro. Aproveitando o exemplo anterior, digamos que o devedor
Pedro alugou um terreno sem absolutamente nada e o transformou numa grande e
produtiva plantação de café. Ora, neste caso aplica-se o disposto no artigo 242 do CC e,
consequentemente, as regras sobre benfeitorias (arts. 96 e 97 do CC), bem como as normas
sobre boa-fé ou má-fé. B enfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel
ou
i móvel, visando a sua conservação (necessárias), m elhor utilidade (úteis) ou mero deleite
(voluptuárias). B enfeitorias não se confundem com as pertenças nem com acessões (rio
depositando sedimentos na várzea e aumenta terreno de fazenda - aluvião ou avulsão, que é
quando é de uma vez)! Tem que analisar se houve trabalho do benfeitor, se ele interferiu no
melhoramento. Se sim, aplicam-se as regras da benfeitoria, analisando se houve má fé ou boa
fé.

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.


§ 1º - São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o
tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2º - São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3º - São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a
intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.

Havendo b oa-fé, o possuidor tem direito a ser indenizado pelas benfeitorias úteis e
necessárias, podendo exercer o direito de retenção. Quanto às benfeitorias voluptuárias,
poderá levantar-lhes se não causar dano à coisa em si (art. 1.219 do CC). Em caso de m
á-fé,
as vantagens são reduzidas: somente será ressarcido pelas benfeitorias necessárias, sem
direito à retenção (art. 1.220 do CC).

Por fim, com relação aos f rutos previstos no parágrafo único, do art. 242, do CC,
aplica-se a mesma sistemática da boa-fé ou má-fé, segundo os arts. 1.214 a 1.216 do CC.
Lembre-se que os frutos têm origem no bem principal, mas mantém a integridade deste
último, sem lhe diminuir a quantidade ou substância. Frutos podem ser n aturais (frutos de
uma árvore), i ndustriais (embalagem de um produto feita por uma fábrica), c ivis (aluguel,
juros). Quanto ao estado, os frutos podem ser
p endentes (fruto que está na árvore),
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p ercebidos (frutos já colhidos),
e stantes (frutos colhidos e armazenados), p ercipiendos
(deveriam ter sido colhidos, mas não o foram),
consumidos). c onsumidos (não existem mais porque

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de
deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com
antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis
reputam-se percebidos dia por dia.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por
culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da
produção e custeio.

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se
provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como,
quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e
poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o
direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

J URISPRUDÊNCIA – OBRIGAÇÕES – AULA 04:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. RITO ORDINÁRIO. OBRIGAÇÃO


DE DAR COISA CERTA. Autora, transportadora marítima internacional, contratada pela
Ré para realizar transporte de mercadorias entre os portos de Ningbo (China) e Rio
de Janeiro (Brasil). Carga devidamente entregue pela
transportadora, cujo contêiner, porém,não foi
restituído. D emanda
o bjetivando compelir a Ré a devolver o contêiner, sob pena de multa.
Sentença procedente. Apelo do réu. Preliminar de inépcia da inicial. Rejeição.
Manutenção do decisum. No mérito, correta a sentença condenatória. A
d evolução do contêiner é da natureza do contrato de transporte marítimo i
nternacional. Desídia da ré em restituir o bem cedido em comodato no local d
esignado por seu proprietário. Sentença bem lançada. No caso dos autos,
diferentemente da tese recursal, o autor logrou em demonstrar que é o proprietário
do contêiner em questão e que o fretador, ora réu/consignatário, não o devolveu
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depois de concluída a operação da importação (art. 373, inciso I, CPC). S e o réu,
consignatário da carga, firmou compromisso de devolução do c ontêiner, deve fazê-
lo a contento, independentemente de notificação ou i nterpelação judicial ou
extrajudicial, dado o dinamismo que esses contratos d e fretamento com armadores
estrangeiros exigem e, principalmente, em r azão da prevalência da clausula geral
da boa-fé objetiva em nosso direito p átrio, que se relaciona com a honestidade,
lealdade e probidade com a qual
a pessoa condiciona o seu comportamento, garantindo a promoção do valor
c onstitucional do solidarismo, incentivando o sentimento da justiça social e c om
repressão a todos a condutas que importem em desvio aos parâmetros s
edimentados de honestidade e lisura. Inteligência contida no art. 113 do CCB. APELO
CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJ/RJ; AC 0158036-45.2017.8.19.0001;
Des. Ferdinaldo do Nascimento; Julgado em 03/12/2019; Décima Nona Câmara
Cível). (Grifos e sublinhados nossos)

B ons estudos! ☺

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