Você está na página 1de 101

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

RAFAEL DUTRA ASSIS

SOB A SOMBRA DO BARÃO: REVISITANDO A POLÍTICA EXTERNA DO


SEGUNDO REINADO

BELO HORIZONTE
2020
RAFAEL DUTRA ASSIS

SOB A SOMBRA DO BARÃO: REVISITANDO A POLÍTICA EXTERNA DO


SEGUNDO REINADO

Monografia apresentada ao Sistema


de Bolsas do curso de graduação em
Relações Econômicas Internacionais,
da FACE/UFMG, no segundo
semestre de 2019.
Orientador: Prof. Pedro Henrique
Barbosa Montandon de Araújo.

BELO HORIZONTE
2020
AGRADECIMENTOS

A Deus;
À minha família;
A FACE/UFMG, que me permitiu realizar essa monografia por meio da bolsa de
estudos;
Ao tutor do Sistema de Bolsas;
Ao professor Elizeu Sousa, pela disponibilidade;
E em especial, ao meu orientador. Sem seu apoio e comentários essa
monografia não teria sido possível.
Desnecessário dizer que qualquer erro deste trabalho é de inteira
responsabilidade minha.
LISTA DE SIGLAS

PE: Política Externa


PEB: Política Externa Brasileira
HPEB: História da Política Externa Brasileira
MNE: Ministério dos Negócios Estrangeiros
CHDD: Centro de História e Documentação Diplomática
FUNAG: Fundação Alexandre de Gusmão
IRBr: Instituto Rio Branco
MRE: Ministério das Relações Exteriores
SUMÁRIO

Introdução ....................................................................................................... 6
1. Saquaremas e luzias: duas visões de Brasil, dois paradigmas de política
externa .......................................................................................................... 21
1.1 Introdução ......................................................................................................... 21
1.2 Da Independência ao Golpe: conservadores, liberais e a projeção externa
brasileira ................................................................................................................. 21
1.2.1 Primeiro Reinado: 1822-1831 ........................................................................................ 22
1.2.2 Avanço liberal: 1831-1837.............................................................................................. 24
1.2.3 Hegemonia saquarema: do regresso à "maldita guerra” ............................................... 26
1.2.4 Fortalecimento, consolidação e domínio do movimento liberal: da década de setenta ao
Golpe ....................................................................................................................................... 35
1.3 Os paradigmas saquaremas e luzias................................................................. 40
1.4 Conclusão ......................................................................................................... 43
2. Motivos da hegemonia .............................................................................. 46
2.1 Introdução ......................................................................................................... 46
2.2 A herança lusitana de Pedro II .......................................................................... 46
2.3 Os saquaremas e o Conselho de Estado .......................................................... 49
2.4 O contraste entre o pensamento luzia e saquarema no plano diplomático-
institucional ............................................................................................................. 52
2.5 Conclusão ......................................................................................................... 56
3. O exercício institucional da hegemonia ..................................................... 58
3.1 Introdução ......................................................................................................... 58
3.2 Do sistema institucional ..................................................................................... 58
3.3 Das políticas de Estado ..................................................................................... 62
3.4 Das lideranças institucionais ............................................................................. 66
3.5 Conclusão ......................................................................................................... 80
Conclusão ..................................................................................................... 83
Referências bibliográficas ............................................................................. 94
Introdução
O período do reinado de Dom Pedro II (1840-1889) é reconhecido como
determinante para o fortalecimento do Estado brasileiro e pela construção de
traços marcantes da nação. No que diz respeito aos estudos sobre as relações
internacionais do Brasil, a historiografia diplomática, dentro das obras mais
conhecidas, tende a dois caminhos: ser um relatório sem análise crítica; ou ser
anacrônica ao impor os problemas do presente no passado – como na busca por
autonomia e desenvolvimento. Meu propósito ao longo desse trabalho é de seguir
outra interpretação, contextual, que restitui os problemas de seu tempo ao
próprio tempo; além de demonstrar que a memória histórica construída sobre a
atuação internacional do país no comando de Pedro II sofre grande influência de
uma narrativa, do establishment, formada ao longo das décadas e que
desconsidera importantes fatores ao tratar do Império.
Para tanto, organizamos nosso objeto de estudo em três problemáticas:
identificar as principais vertentes e propostas para as relações exteriores do
Império; explicar os motivos para a prevalência de um dos grupos (ver-se-á
adiante, os saquaremas); expor como estes concretizaram o domínio no âmbito
institucional. Nessa Introdução, além de expor as principais linhas da
interpretação, disserto sobre a constituição do grupo responsável por sua
disseminação e implicações de narrativas como essas; além de propor uma
visão distinta sobre a Política Externa (doravante PE) do período, baseada em
recentes trabalhos.
I
Interessados em estudar Política Externa Brasileira (doravante PEB),
principalmente aspirantes ao Itamaraty, os candidatos ao Concurso de Admissão
à Carreira Diplomática (CACD), deparam-se com livros seminais sobre a História
da Política Externa Brasileira (doravante HPEB). Na primeira metade dos
novecentos, a principal referência historiográfica era a coletânea de três volumes
de Pandiá Calógeras, A Política Exterior do Império, publicada entre 1927-1933,
que apesar do nome, inicia-se no estudo da formação do reino de Portugal, a fim
de expor o desenvolvimento da política exterior da metrópole em relação a sua
principal posse colonial, e a subsequente herança diplomática ao incipiente
Estado do Brasil. Calógeras realiza, ao longo dos três livros, minuciosa
exposição de fatos que marcaram a diplomacia brasileira, até a queda do ditador
argentino Rosas, em 1852.
Nos anos subsequentes à publicação dessa coletânea, os estudos de
historiadores e diplomatas passaram a aprofundarem-se em temas específicos,
e por isso os textos eram também destinados a um público mais restrito. Uma
mudança ocorre a partir da segunda metade da década de quarenta, quando da
criação de um instituto que tinha, originalmente, a dupla finalidade de tratar da
formação e aperfeiçoamento dos funcionários do Ministério das Relações
Exteriores (MRE) e de constituir um núcleo de estudos sobre diplomacia e
relações internacionais (Cheibub, 1985). Devido ao centenário do patrono da
diplomacia brasileira, denominou-se Instituto Rio Branco (IRBr), no ano de 1945.
Da organização de cursos de formação e aperfeiçoamento de diplomatas, o
instituto convidou eminentes intelectuais para ministrar aulas. E das notas destes
encontros, aponta Almeida (1997), foram organizados três trabalhos: de Hélio
Vianna, Carlos Delgado de Carvalho e de José Honório Rodrigues.
Dois deles foram denominados História Diplomática do Brasil e divulgados
na década de cinquenta. O de Hélio Vianna, impresso em 1958, possui ênfase
no processo de delimitação das fronteiras e no Império, e abarca as relações
internacionais do Brasil desde o descobrimento até o momento anterior a sua
publicação. Trata-se de uma análise a partir da atuação das chancelarias, de
uma descrição da política externa oficial, em constantes buscas para justificar a
raison d´état. Por sua vez, Delgado de Carvalho apresentou sua obra em 1959,
a qual destaca-se pela exposição objetiva e factual, com um maior destaque a
história contemporânea, finalizando seu livro na OPA (Operação Pan-
Americana). Nota-se, dessa forma, que os dois escritos acabam, em certa
medida, por se complementarem, uma vez que Vianna possui ênfase no tempo
das Monarquias, enquanto Carvalho dedica mais da metade de seu livro ao
Brasil República. Ambos podem ser entendidos como exposições gerais,
esforços de síntese, com poucas dedicações a análises críticas.
Por mais de três décadas, as duas obras figuraram como principais
referências ao estudo da HPEB. Delgado de Carvalho tornou-se a bíblia dos
CACDistas. Enquanto isso, no âmbito acadêmico, a História Diplomática sofreu
grandes críticas, principalmente por adotar a versão oficial das autoridades
governamentais e ser uma exposição apenas a partir do ponto de vista dos
Estados nacionais. Nesses trinta anos, os estudos sobre PEB focaram,
principalmente, na exposição da trajetória histórica brasileira da busca por
“autonomia” e “desenvolvimento” (Almeida, op. cit.).
Uma grande transformação, notadamente nos aspectos metodológicos,
ocorre a partir da publicação, em 1992, de História da Política Exterior do Brasil,
de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno. A análise não é feita mais a partir da
deveras criticada “história diplomática”, porquanto o objeto de estudo se expande
para as “relações internacionais” do país, o que compreende pesquisas não
somente sobre as relações inter-estatais, mas sobre forças sociais e o processo
econômico. Nesse sentido, como lembra Paulo Roberto de Almeida (op. cit.,
p.76), fica explícito na obra o ideal desenvolvimentista, a busca incessante por
tal objetivo e o papel que o Estado desempenhava no processo; por meio de
visão estruturalista, em unidade de análise na qual a PEB atua como instrumento
para o progresso (ou regresso) econômico, como meio para inserção autônoma
da nação no Sistema Internacional. Dessa forma, a história diplomática é, após
a publicação da obra, praticamente entendida como obsoleta: História da Política
Exterior se distancia dos livros anteriores, principalmente no que diz respeito a
dissertações essencialmente factuais, e a exposições apenas da posição do
Estado, sem análises críticas.
Apesar disso, três anos depois, em 1995, ocorre a publicação de texto
baseado nas aulas de José Honório Rodrigues no IRBr entre 1946-1956.
Publicado postumamente, Uma História Diplomática do Brasil: 1531-1945 é
organizado por Ricardo Seitenfus. Segundo este, os escritos de Rodrigues eram
detalhados até a gestão do Barão do Rio Branco (1902-1912), o que estimulou
o historiador a complementar a análise até o fim da neutralidade brasileira na
Segunda Grande Guerra. O livro possui exposições sobre aspectos econômicos
e sociais, mas foca nas relações políticas do Estado brasileiro com outras
nações, no mesmo estilo das histórias diplomáticas do final dos anos cinquenta.
Mesmo surgindo anos depois de seus pares, a obra constitui importante
contribuição no que concerne a busca da expressão brasileira no cenário
internacional.
Após as publicações desses escritos, a obra de Cervo e Bueno (1992)
claramente consolidou-se como o principal texto sobre as relações exteriores do
país – o livro definitivo para os CACDistas. Sobre manuais introdutórios,
importantes contribuições ocorreram nesse meio tempo, como as obras de
Letícia Pinheiro (2004); Paulo Visentini (2013); a coleção Sessenta anos de PEB
(1930-1990), organizada por Seitenfus, Albuquerque e Castro (1991); Altemani
(2005); e o livro História das Relações Internacionais do Brasil, de Carlos Vidigal
e Francisco Doratioto (2015), autor este que recorrentemente marca sua
presença na banca do CACD. Nenhum desses, entretanto, substitui Cervo e
Bueno (op. cit.), devido ao nível de detalhamento e qualidade da pesquisa
histórica desenvolvida pelos dois autores, que se valem de importantes fontes
primárias para expor os respectivos argumentos.
No entanto, uma possível crítica da obra é a tentativa de se estudar a
HPEB sempre em busca do desenvolvimento econômico, de maneira a
posteriori, quase como que deixando de lado as principais preocupações e
demandas de cada contexto histórico: exemplo é a tentativa de Cervo (1992) de
tentar justificar a falha do projeto industrialista da geração de 1840, fracasso que,
segundo tenta afirmar o autor, poderia ter garantido que o país se libertasse da
subserviência à potências estrangeiras.
Recentemente, um novo manual, segundo Almeida (2017), é o novo livro
definitivo da história da diplomacia brasileira, e “já nasce um clássico”. A
diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016, do embaixador Rubens Ricupero
(2017), conforme o nome já diz, se diferencia dos outros livros aqui citados por
apesar de ser um novo manual, atualizado e completo, ter um objetivo distinto:
demonstrar, historicamente, “a diplomacia e a política exterior como elementos
fundamentais da construção do Brasil, ao mesmo título que a política interna e a
econômica” (Ricupero, op. cit., p.33). Ricupero possui contribuição ímpar,
principalmente quando considerada como concepção de um servidor do MRE,
que busca, ao longo da obra, destacar o papel dos indivíduos (principalmente
diplomatas) na trajetória da PEB; e reafirmar o papel da tradição na diplomacia,
na apresentação de valores que foram incorporados na atuação diplomática
brasileira, e que regem, continuamente, a projeção internacional da nação.
Um exemplo dessa diferença analítica é o processo de independência do
Brasil. O diplomata Ricupero (op. cit.) justifica a elaboração de tratados desiguais
com a Inglaterra e a incessante busca do futuro país pelo reconhecimento
internacional a partir da atuação de Dom Pedro I. Este, segundo o autor, possuía
um projeto de poder que buscava garantir meios para que o Imperador do Brasil
possuísse, também, a coroa portuguesa, o que passava por uma aliança com os
britânicos. Por sua vez, o acadêmico Cervo (op. cit.) explica o processo de
independência e as desvantagens da “pressa” brasileira a partir de quatro
determinantes: a conjuntura internacional à época; o contexto do continente
americano; a herança brasileira quanto ao poder do território; e a inserção
internacional do Brasil.
Por meio desse breve panorama sobre os principais livros de HPEB, é
importante destacar que, apesar de notáveis distinções entre as obras,
principalmente após as publicações de Vianna (op. cit.) e de Carvalho (op. cit.),
nos anos sessenta o esforço de identificação e sistematização do estudo sobre
PEB intensificou-se (Lessa, 2006). Conforme expõe Casarões (2019), os
estudos iniciais sobre PEB formaram-se a partir de incentivos externos, com os
jornais e institutos tendo relação umbilical com o MRE. Ademais, os primeiros
analistas de relações internacionais do Brasil eram funcionários do Itamaraty e
historiadores (Lessa, 2005); e a criação dos primeiros departamentos e
programas de estudo de relações internacionais no país se deu a partir de uma
“sinergia do desenvolvimento institucional” entre o MRE e universidades como a
UnB (Universidade de Brasília), a qual criou seu programa de graduação apenas
três anos após a transferência da sede do Ministério para Brasília. Seguindo a
exposição de Pinheiro e Vedoveli (2012), tal processo possibilitou que houvesse,
desde o início da formação do campo de estudos, a não discriminação entre
textos escritos por diplomatas e por acadêmicos, no que as autoras descreveram
como processo de construção da imagem dos “diplomatas enquanto
intelectuais”. Nesse processo, vale ainda destacar o papel que o IRBr
desempenha desde sua criação, ao fomentar não somente a intersecção entre
diplomatas e acadêmicos (Fonseca Jr., 2012), mas também no esforço de
homogeneização do pensamento e da forma de atuar de seus funcionários, a fim
de criar coesão e sentimento de pertencimento a um corpo social próprio da
instituição (Cheibub, 1989; Moura, 2007).
Nesses termos, evidencia-se que construiu-se um grupo de interpretação
sobre a PEB, com sua formação devido, principalmente, a esforços do MRE; e
constituído de diplomatas e acadêmicos, pioneiros ao se dedicarem ao estudo
das relações internacionais do Brasil. Os textos desses indivíduos consolidaram
uma interpretação específica sobre PEB, dentre os quais os principais pontos
são destacados a seguir.
O primeiro aspecto é o papel central conferido ao Barão do Rio Branco,
José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), que segundo Ricupero é o
“fundador da política externa do moderno Brasil” (2017, p.37). Zairo Cheibub
(1985), inclusive, reconhece o período do Barão à frente do Ministério (1902-
1912) como um verdadeiro marco, denominando-o “período carismático”. Dentre
as inúmeras realizações, o Barão, lembram esses pesquisadores, foi o
responsável pela resolução das fronteiras do país – sem conflito bélico, apenas
utilizando de seu vasto conhecimento e habilidades –, o que forneceu imenso
prestígio a ele, e indiretamente ao Ministério. No âmbito interno, Paranhos
realizou importantes reformas no Itamaraty, principalmente a expansão do
quadro diplomático, que antes disso era extremamente limitado.
Não obstante, o Barão soube interpretar perfeitamente o cenário
internacional de sua época, e com realismo e pragmatismo deslocou o eixo da
PEB do continente europeu para o insurgente EUA. Para tanto, internamente
soube garantir apoio irrestrito para si, à medida que não participava das disputas
político-partidárias. Este comportamento, inclusive, implica que a atuação
diplomática brasileira deveria sempre servir ao Estado brasileiro, longe de
projetos de grupos específicos, ou de reivindicações populares circunstanciais
ou tempestuosas, como ocorria no restante do continente à época. Como deixa
claro Moura (2007), é imperativo e de praxe a todo funcionário e pessoa que
frequente a esfera social do MRE venerar o Barão: não por acaso o dia do
diplomata é celebrado no nascimento de Paranhos; além do Itamaraty ser
recorrentemente referido como “Casa de Rio Branco”, e este ser o patrono da
diplomacia brasileira. Em outros termos, como diz Paulo Roberto de Almeida
(1996, p.125): “o Barão é o próprio Itamaraty e a imagem do Itamaraty só se
construiu, neste século, a partir da figura e da gestão dessa personagem”.
Por meio da figura do Barão todo o conhecimento desse grupo sobre PEB
será produzido. Principalmente a partir de sua administração, quando entendem
que fundou-se a diplomacia brasileira, é perceptível, afirmam, a continuidade da
PEB – este fenômeno teria, inclusive, facilitado a inserção e maior projeção
internacional do Brasil (Saraiva e Valença, 2012). Para corroborar tal afirmação,
identificam princípios e uma maneira particular de atuar: Lessa (1998) expõe o
aparato conceitual da praxis diplomática brasileira, constituído do pacificismo
(soluções de conflitos por meio de negociações); juridicismo (adesão às normas
internacionais); realismo (leitura e ação pragmática); e do universalismo (busca
por relações vantajosas com todos os países do mundo), que segundo o autor é
o vetor da política exterior do Brasil. A atuação do Brasil no mundo se guia, ainda,
pelo respeito a autodeterminação dos povos, na defesa da não intervenção em
nações soberanas e na crença no multilateralismo (Mariano, 2015; Cervo, 1994,
1998).
Dessa forma, de acordo com Cervo (2008), há um “acumulado histórico
da diplomacia brasileira”, uma prevalência da continuidade sobre mudança;
elementos de política de Estado, e não de governos. As transformações e
evoluções ocorrem sempre a partir de um determinado espectro de
possibilidades e sempre em respeito a esses princípios, haja vista que existe,
apontam esses estudiosos, uma clara dominância do MRE na formulação e
implementação da PEB. Isto se deve, por sua vez, ao processo de insulamento
que caracterizou o órgão (Meireles, 2015), e ao papel central da tradição na
‘Casa de Rio Branco’ (Doval, 2013; Vedoveli, 2010).
Nessa linha de raciocínio, a fim de melhor compreender, historicamente,
as maneiras como essas diretrizes foram efetivamente praticadas, esse grupo
dividiu as escolhas na implementação da PEB a partir de dois grandes
paradigmas dominantes: americanismo e universalismo. Estes se distinguem,
sobretudo, pela maneira com que se valem dos dois principais objetivos da
diplomacia nacional: autonomia no cenário internacional, e desenvolvimento
para romper o relativo atraso econômico (Mariano, op. cit.).
O paradigma americanista remonta suas origens ao patrono Rio Branco
(Ricupero 2017, p.307), e em sua essência confere lugar especial aos Estados
Unidos nas relações exteriores brasileiras, a partir do entendimento de que esse
país pode facilitar a projeção tupiniquim, garantindo desenvolvimento
econômico, além de segurança e autonomia contra avanços de outras potências
sob a soberania nacional. Variações do paradigma – que em Rio Branco é tido
como “pragmático” – ocorrem no período pós Segunda Guerra Mundial,
aparecendo em governos como os de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950); em
parte de Juscelino Kubitschek (1956-1960); nos primeiros governos militares; e
no período Collor (1990-1992).
Por sua vez, o universalismo, como já mencionado anteriormente, é
considerado motor da atuação brasileira, e surge, afirmam, a partir da concepção
da “Política Externa Independente”, no início da década de sessenta (Ricupero
2017, p.424-436). Seu principal formulador seria o chanceler San Tiago Dantas,
e busca, devido ao alinhamento que existia do Brasil com os EUA à época, uma
“autonomia à distância”, e relações com todos os países (inclusive os do bloco
comunista) para alcançar o desenvolvimento econômico do país e diminuir as
desigualdades sociais existentes. Outro momento importante para esse
paradigma teria sido o governo Geisel (1974-1979), quando do “pragmatismo
responsável” o Brasil rompe novamente com uma estreita aliança com os
estadunidenses, e busca superar o atraso econômico. Na Nova República, os
dois presidentes que permaneceram no poder por oito anos, apesar de
diferenças em outros pontos, tiveram PE semelhante na busca por autonomia:
em FHC (1994-2002), “autonomia pela integração” (Vigevani et al 2003); em Lula
(2002-2010), “autonomia pela diversificação” (Vigevani et al 2007).
Paulo Roberto de Almeida (2013, p.15) sintetiza bem esses argumentos
aqui expostos:
Não parece haver dúvidas que a diplomacia brasileira dispõe, historicamente, de
ideias, ou de um pensamento, a sustentar-lhe as ações. Uma adesão
inquestionável ao direito internacional, o não recurso à força para a resolução
de disputas entre Estados, o respeito à não ingerência e à não intervenção nos
assuntos internos de outros países, a observância dos direitos humanos e de
um conjunto de valores próprios ao nosso patrimônio civilizatório, são todos
elementos constitutivos da ação diplomática brasileira […]

II
Por meio do que foi exposto, evidencia-se uma linha de pensamento específica
sobre a HPEB, que pouco espaço confere ao Segundo Reinado, pelo contrário:
a partir do golpe que originou a Proclamação da República e por meio do Barão
do Rio Branco que constroem a ideia de continuidade e de tradições da
diplomacia nacional. Busca-se, a seguir, retratar movimentos de contestação a
esta narrativa, e as consequências (teóricas e práticas) dessa interpretação.
A busca por conhecimento em qualquer objeto de estudo inicia-se,
contemporaneamente, por manuais introdutórios. A fim de situar e facilitar a
compreensão de novos interessados, tais escritos possuem objetivos de serem
didáticos e reunirem todo o amplo conhecimento construído em determinado
tópico ao longo de anos de pesquisas. A simplificação, que faz com que se perca
trajetórias e constituições históricas muito mais complexas e não lineares,
usualmente implica na construção de noções sobre a área de estudo que nem
sempre concernem à realidade: destino manifestos sobre a evolução de
determinada disciplina, tentativa de construções de paradigmas e reuniões de
pensadores com concepções teóricas distintas sob um mesmo grupo1.
No subcampo da Análise de Política Externa (Foreign Policy Analysis),
mais precisamente no estudo da PEB, é consolidada e disseminada, por
eminentes acadêmicos e diplomatas, a narrativa de evolução e de princípios da
diplomacia brasileira acima exposta. Estre (2019) explicita esse discurso, que
ocorre, afirma, a partir dessa estreita relação entre diplomatas e acadêmicos,
com objetivos políticos, dada a posição institucional que os funcionários do MRE
ocupam. Por sua vez, a contribuição de Vedoveli (2010) identifica a maneira
como a ideia de “tradição” é recorrentemente (re)significada para preencher a
“memória institucional” da ‘Casa de Rio Branco’, e manter a aparência de
continuidade histórica na atuação e no pensamento diplomático, em um
processo que ocorre de maneira consciente, para cumprir objetivos políticos. Já
Faria (2008) identifica alterações no processo decisório de PE, em possível
fenômeno de ‘desinsulamento’ do Itamaraty. Os trabalhos de Belém Lopes
(2014, 2010, 2011), por sua vez, questionam a centralidade do MRE na
formulação e implementação da PE, ao apontar a necessidade de consideração
de outros grupos nesse processo, identificando pontos de pressão sobre o
“estamento burocrático”; além de problematizarem a participação de setores
sociais, ao afirmarem que a PEB possui, historicamente, uma difícil relação com
a democracia, sendo muito mais próxima de um domínio por parcelas específicas
da sociedade, em um tipo de “republicanismo aristocrático”.
Assim sendo, a perpetuação dessa narrativa acaba por desconectar a
diplomacia não somente do jogo político interno, mas principalmente da própria
população, a quem devia servir e obedecer. Não bastasse isso, no plano teórico
esse discurso perpetua interpretações que implicam no irreconhecimento do
lugar social dos respectivos agentes que o disseminam, além de implicarem em
possíveis anacronismos, como a subordinação de qualquer decisão ou
acontecimento político após o Golpe da República (1889) a possíveis
aproximações com os Estados Unidos e a suposta formação do paradigma

1
Em trabalho prévio, argumento que isto ocorre, por exemplo, com a própria disciplina de Relações
Internacionais (Assis, 2019).
americanista, sem levar em conta os respectivos contextos e preocupações das
personagens históricos na respectiva época (Vedoveli, op. cit.).
Nesse espectro, cabe perguntar: qual o lugar conferido ao Segundo
Reinado (1840-1889) nessa narrativa? Afinal de contas, é recorrentemente
reconhecido que, pelo menos internamente, foi nesse período que o Brasil
consolidou sua independência e unidade territorial, por meio do fortalecimento
da autoridade central e fim de revoltas provinciais, com consequente
estabilização política.
Para Cervo (1992), a partir do fortalecimento do Estado nacional, houve
condições efetivas para a autonomia da nação e fortalecimento da vontade
nacional, e que por meio da estabilidade institucional, formou-se uma PE
consistente e marcada pela continuidade, uma vez que também era unanimidade
entre os partidos. Devido a autonomia do Estado frente à sociedade, não havia
pressões sociais, o que facilitava as condições de implementação. Além disso,
havia um equilíbrio de forças na formulação da PE, que sofria avaliações por
órgãos como o Conselho de Estado, o Parlamento e o Trono. Ocorre, ainda,
principalmente após o Visconde do Uruguai tornar-se chanceler em 1849, a
formação da doutrina brasileira de limites, que se baseava no princípio do uti
possidetis (posse do território a partir da nacionalidade da população que nele
se encontrava), que foi bem sucedida na defesa das fronteiras. Cervo destaca,
também, que a vontade de potência do Brasil gradualmente esmoreceu-se,
transmutando-se para uma hegemonia regional no Prata, valendo-se de
recursos que deveriam ter sido utilizados para o desenvolvimento da nação, que
culminaria, segundo ele, em consequente rompimento da “dependência
estrutural”.
Enquanto isso, Ricupero (2017) fornece destaque para a guerra do
Paraguai, que segundo o autor marcou o apogeu do Império – com sua “política
dos patacões”, atuando como potência no continente – e também a decadência,
uma vez que dela decorre as principais consequências da queda da Monarquia,
como a questão militar. O embaixador também fornece destaque para a atuação
do Visconde do Uruguai na consolidação política do regime, no fim do tráfico de
escravos e na consolidação das políticas de intervenções. Outro nome
importante é o do Visconde do Rio Branco, pai do Barão, que teve papel decisivo
para garantir que Uruguai e Argentina se aliassem ao Brasil contra o Paraguai,
ao invés de se oporem ao reino de Pedro II.
Vale destacar, outrossim, a coleção Pensamento Diplomático Brasileiro
(Pimentel, 2013), publicada pela FUNAG (Fundação Alexandre de Gusmão),
órgão do Itamaraty, que reuniu novamente diplomatas e acadêmicos com o
objetivo de expor as contribuições de eminentes indivíduos para a constituição
do “estilo diplomático característico da diplomacia brasileira” (Pimentel op. cit.,
p.9). No primeiro volume, que abarca o período 1750-1889 (de Alexandre de
Gusmão ao Visconde do Cabo Frio), os organizadores descrevem o período
como responsável pelas “concepções fundadoras da diplomacia brasileira”
(Pimentel op. cit., p.35). Este entendimento soa de início estranho, ou
relativamente contraditório, haja vista que esses autores sempre remetem ao
período da Primeira República e da atuação do Barão como o responsável pela
fundação da diplomacia brasileira. Torna-se relevante, portanto, esclarecer o que
significa “concepções fundadoras”.
As análises aqui mencionadas, principalmente a do diplomata Ricupero e
a coleção da FUNAG, focam nas contribuições dos indivíduos e em suas
respectivas ideias, e menos nas estruturas e dinâmicas do processo institucional
e social. Consideram relevante, então, a burocracia e evoluções institucionais
apenas a partir do período Juca Paranhos (1902-1912), quando o Itamaraty
passa por reformas internas, expande o número de funcionários e garante,
assim, prestígio e relativa centralidade na implementação e formulação da PEB.
Desconsideram, dessa forma, toda a dinâmica política do Segundo Reinado, que
possuía um claro processo decisório – que chega a ser mencionado por Cervo,
mas com pouca ênfase. Ou seja, essa narrativa procura se esquivar das
instituições e do jogo político-social do reinado de Pedro II, valendo-se apenas
das atuações de indivíduos para explicar a evolução da PEB nesse período. Por
outro lado, após o Itamaraty adquirir grande autonomia decisória (o que não
ocorria na Secretaria dos Negócios Estrangeiros no período imperial), passam a
enfatizar a neutralidade e formação de uma praxis diplomática brasileira.
Tal processo se explica principalmente devido a grande politização
ocorrida no Segundo Reinado, no qual o plano externo era sempre reflexo das
disputas políticas internas, e o chanceler, membro de algum dos partidos Liberal
ou Conservador, era um agente político. Além disso, como já mencionado, havia
uma complementaridade entre as instituições no que diz respeito a atuação
externa do Estado brasileiro, com relatórios da Secretaria dos Negócios
Estrangeiros ao Parlamento, e pareceres do Conselho de Estado sobre diretrizes
para a atuação externa da nação, além do papel da própria Coroa. Por sua vez,
após o Barão, a imagem do diplomata passa a estar estreitamente relacionada
com neutralidade na política interna, até alcançar, atualmente, a de um
burocrata, em uma atuação (presume-se) absolutamente técnica, garantida pelo
alto nível de dificuldade da única forma de inserção no Itamaraty, o CACD.
Ademais, como já mencionado, após o Barão essa narrativa predominante
consegue transmitir o entendimento de controle do MRE sobre a projeção
externa do país, sem interferências de outras instituições, ou mesmo da própria
população brasileira, que, em maioria, nem mesmo sabe o que um “diplomata”
faz, ou mesmo para que serve o “Itamaraty”.
Com efeito, “concepções fundadoras” remete ao esforço narrativo desse
grupo de ‘encaixar’ o Segundo Reinado na suposta “continuidade” da PEB. Para
tanto, é necessário que esse grupo desconsidere a dinâmica político-institucional
da época, e foque no pensamento de indivíduos específicos. Ideias estas, que
como demonstrou Vedoveli (2010), são continuamente ressignificadas, em um
esforço para descontextualizá-las, para que possam se tornar universais e
contínuas na HPEB, servindo a interesses políticos justamente das pessoas que
as resgatam; pois assim, conectando-se com a “tradição da Casa de Rio
Branco”, os respectivos (novos) projetos adquirem legitimidade, embasamento
histórico.
Ainda assim, a despeito de todo esse esforço, um olhar mais detalhado
para a ação externa brasileira no reinado de D. Pedro II, mesmo pela leitura de
Cervo e Bueno (op. cit.), já permite perceber contradições desse discurso: sobre
adesão às normas internacionais, o Império no período não aceitou nenhum tipo
de arbitramento; quanto a pacifismo, respeito a autodeterminação, soberania, e
aos direitos humanos: a “maldita guerra” (Doratioto, op. cit.), somente para citar
a maior da América do Sul, ocorreu nesse período. Além disso, como já
esclarecido, não havia predomínio da Secretaria dos Negócios Estrangeiros na
PEB. Tentam, ainda assim, sustentar que tais fatos são pequenas exceções,
dentro do suposto contínuo histórico da diplomacia nacional.
Evidencia-se, portanto, vários problemas nessa narrativa dominante, que
tenta “criar” a PEB mais de cento e cinquenta anos após os esforços de
Alexandre de Gusmão – o primeiro escolhido na coleção Pensamento
Diplomático Brasileiro da FUNAG – para a assinatura do Tratado de Madri
(1750), o qual o próprio Ricupero (op. cit.) reconhece, no nome de seu livro, como
essencial para a formação do Brasil. Em meio a essas contradições, a política
externa do Segundo Reinado, devido a essa narrativa, fruto de esforço político,
está “sob a sombra do Barão”.
Perante tamanho problema, urge-se perguntar: como ocorreu o processo
de concepção da Política Externa Brasileira no Segundo Reinado? Quais os
principais agentes, atores e instituições envolvidas na sua formulação e
aplicação?
Nossa hipótese é de que a evolução histórica da PEB foi um processo
muito mais complexo do que a narrativa do Barão como patrono e fundador de
supostos princípios da diplomacia da nação permite-nos enxergar; que há uma
PEB brasileira já articulada antes de Paranhos Júnior, que buscarei analisar e
detalhar. Em tempo, esse entendimento específico sobre PEB acima exposto
inicia-se a partir do Barão porque há, com ele, uma relativa concentração do
processo decisório no MRE, aliada a uma despolitização relativa da PEB e da
figura do diplomata, ao contrário do que ocorria no Império. Sendo assim, por
possuir uma lógica de mundo distinta do período da Primeira República, com
elevada politização nos assuntos externos e o MNE sendo coadjuvante na
formulação diplomática, o Segundo Reinado é um período que não favorecia os
interesses políticos dos agentes que buscam sempre manter a “tradição”, a
“continuidade” e os “princípios” da PEB, e o predomínio do Itamaraty em sua
formulação e implementação. Dessa forma, em parte por falta de incentivos dos
responsáveis por manter a narrativa exposta acima, o período é pouco estudado.
O Império foi momento de constituição da nação brasileira no plano
interno e externo. Nesse sentido, a PE desses anos refletiu esse momento de
formação e fortalecimento do Estado, com a diplomacia exercendo papel
fundamental, segundo características e princípios específicos da sociedade à
época, mas também com um grande legado para a nação e para sua diplomacia
– legado este que foi, inclusive, aproveitado pelo Barão. Isto não quer dizer,
entretanto, que a diplomacia brasileira fundou-se apenas com Juca Paranhos, já
em princípios do século XX.
As preocupações do Segundo Reinado já são sobre soberania e inserção
autônoma, e apenas devido ao contexto e ao estágio de desenvolvimento do
Estado brasileiro à época, as principais ações externas eram diferentes dos anos
de Paranhos Júnior. Ou seja, os policy makers do período entendiam como
importante uma melhor relação com os países do continente, mas no contexto
da época era imprescindível uma resolução dos impasses fronteiriços, o que
implicava em maior tensão política. E foi justamente o sucesso da atuação
externa do Segundo Reinado que permitiu, futuramente, uma política pacífica
por parte do Barão, que terminou o processo de delimitação das fronteiras,
iniciado por Alexandre de Gusmão e alavancado pelo Visconde do Uruguai e
chanceleres subsequentes do Império.
III
Nos últimos anos, simultaneamente ao diagnóstico da existência e dos
problemas dessa narrativa, uma nova leva de pesquisas atua no sentido de
propor uma distinta interpretação sobre a PE do Império. Feldman afirma que:
Embora seja correto o relevo geralmente atribuído ao passado da política
externa brasileira, verifica-se a tendência de identificar o período republicano, e
particularmente a gestão do Barão do Rio Branco, como aquele em que foram
construídos os modernos padrões de relacionamento exterior do Brasil [...]. O
próprio repertório de casos elencados neste artigo reitera, na parte que lhe cabe,
a importância do período em questão. Contudo, não se poderia deixar de sugerir,
conclusivamente, o recuo daquele marco de identificação. Com efeito, o período
republicano em tela foi desde logo momento de retomada, na política interna e
na política externa, de tradições imperiais. Sendo evidentes as novidades
aportadas pela República em uma e em outra área, não foram menos
perceptíveis elementos de continuidade e aprofundamento, na diplomacia do
novo regime, do que se viu ser a – sob certos aspectos, seminal – reflexão de
política externa no Segundo Reinado. (Feldman, 2009, p.576)

Trabalhos como os de Sousa (2013, 2017), Rosi (2014, 2016), Lynch


(2014) e Barrio (2011) argumentam que a política externa do Segundo Reinado
era marcada por dois projetos de inserção internacional distintos, sendo um do
partido conservador (saquarema) e outro do partido liberal (luzia):
Como nota José Murilo de Carvalho “a unidade da elite não era monolítica”.
Ademais, “as divergências intra-elites eram fontes de conflitos potenciais que se
manifestavam em rebeliões e na constituição e ideologia dos partidos.”
Saquaremas e luzias portavam visões de mundo distintas. Temas como o papel
do Estado e da sociedade na formação nacional; centralização e federação;
protecionismo e liberalismo; o papel do poder moderador; e, a composição
burocrática do Estado estiveram presentes na discussão política imperial. É no
mínimo curioso imaginar que eles apresentassem pontos de vistas distintos
quanto à construção do Estado brasileiro mas atuassem como um grande único
partido ideológico quando o assunto fosse política externa. É como se a distinção
entre interno e externo fosse estanque o suficiente para os agentes envolvidos
no jogo político. Em que pese a tese de Amado Cervo quanto à indistinção
partidária de liberais e conservadores na condução diplomática, nos parece
sensato supor que ao menos no campo ideológico importantes distinções
pudessem ser delineadas. É verdade, entretanto, que, até o presente, poucos
pesquisadores se debruçaram sobre o pensamento internacional dos dois
grandes partidos imperiais brasileiros. As teses de “conciliação em política
externa” ou a de “nada mais saquarema que um luzia no poder” podem estar
nos impedindo de explorar a riqueza e densidade intelectual do pensamento
internacional brasileiro no século XIX. Cervo argumenta que “o funcionamento
das instituições imperiais favorecia a reflexão e o debate […] Ora, tamanho
debate e movimentação política pressupõe a existência de projetos de
desenvolvimento estatal distintos, assim como dissímeis formas de pensar as
relações internacionais. Somos levados a crer que a política externa esteve
constantemente no bojo das discussões políticas, mas apenas uma voz
uníssona reinava nas discussões. Um olhar atento, entretanto, revelaria que a
política externa foi responsável por quedas de gabinetes, trocas ministeriais e
duras discussões no Parlamento, prova que assuntos da pauta diplomática
também estiveram presentes no jogo político. A propósito, a condução do
Ministério dos Estrangeiros, assim como os principais postos na América do Sul,
eram ocupados por políticos do alto escalão imperial. É de se supor que o
pensamento internacional de luzias e saquaremas seguisse a coerência das
discussões levadas a cabo internamente. (Sousa, 2013, p.55-56)

Seguirei, portanto, a linha de pensamento de pesquisas de pós-graduação


como as acima citadas. Em meio a esses trabalhos, nossa contribuição, levando
em conta que está a nível de pesquisa de graduação, argumentará que o
Segundo Reinado foi momento de formação do Estado brasileiro no plano interno
e externo, e que ambos faziam parte do jogo político-partidário. Nesse sentido,
cada um dos partidos possuía projetos distintos para o país tanto no âmbito
doméstico quanto no internacional, os quais na PE do período se materializaram
a partir da formação de dois paradigmas de PEB: o paradigma saquarema e o
paradigma luzia.
Argumento que o Partido Conservador foi predominante no período
analisado e teve seu projeto de país (tanto no plano doméstico quanto no
externo) vencedor, e consequentemente, determinante para a formação do
Estado do Imperial. Busco, assim, identificar e explicar os motivos dessa
hegemonia saquarema e como foi exercida na dinâmica institucional da PE do
Império. Para tanto, o pano de fundo para entender esta dinâmica institucional
da PEB do período é o jogo político-partidário, os projetos e visões dos dois
principais partidos do período para as relações internacionais do Brasil, reflexo
e complemento da disputa político-institucional do âmbito doméstico, e que
culminaram na formação de dois paradigmas de PE.
Sob essa perspectiva, ao estudar a PE do Segundo Reinado – sua
formulação, implementação e principais atores envolvidos –, busco desmistificar
a narrativa de formação da diplomacia brasileira a partir da Primeira República e
da figura do Barão, e expor as principais contribuições da diplomacia do Segundo
Reinado para a constituição da PEB, esclarecendo as razões da falta de análises
mais aprofundadas sobre o período e os motivos das narrativas de fundação da
diplomacia brasileira remeterem, usualmente, a Primeira República.
Entendo que no período analisado houve a formação de princípios que
passaram a reger a PEB, e que a partir de duas concepções ideológicas e
projetos externos distintos para o país, o partido conservador foi vencedor e o
processo político do Segundo Reinado como um todo foi realizado à maneira dos
saquaremas – que se mantiveram determinantes e relativamente influentes,
principalmente no que concerne a projeção externa da nação, mesmo após a
ascensão do movimento liberal nas últimas décadas do regime. Ademais, essas
duas concepções de PEB rivalizaram não apenas durante o período, mas
também continuariam presentes na República, e portanto, o momento em que a
narrativa exposta identifica como a concepção da PEB e que determinam como
um verdadeiro marco, sendo vital para toda a HPEB subsequente, é inspirado
(uma continuação ou ressignificação de diretrizes, por meio de heranças
intelectuais, tradições de pensamento internacional) nos projetos de PEB
formados no Segundo Reinado.
Dessa forma, nosso objetivo geral é explicar o processo de construção e
desenvolvimento da PE do Segundo Reinado a partir de sua dinâmica político-
institucional. Por meio disto, identificar as contribuições do Segundo Reinado
para o processo de constituição histórica da PEB, esclarecendo as razões da
falta de análises mais aprofundadas sobre o período e os motivos das narrativas
de fundação da diplomacia brasileira remeterem, usualmente, a Primeira
República. Nossos objetivos específicos são: descrever a formação e principais
características dos paradigmas saquarema e luzia de PEB; identificar os motivos
do projeto saquarema ter sido vencedor; expor como funcionava,
institucionalmente, esse projeto: o papel dos principais órgãos e estadistas que
participavam da PEB.
A fim de expor esses dois projetos de política externa, e corroborar o
argumento de que foram, em certa medida, continuados na Primeira República,
momento em que a narrativa acima exposta identifica como gênese da PEB,
essa monografia será dividida em três capítulos. O primeiro irá descrever a
formação e principais características dos paradigmas saquarema e luzia de PEB.
A proposta é expor a trajetória dessas duas visões de Brasil ao longo do tempo
das Monarquias, identificando o que houve, em cada fase do Império, de
importante para a concepção dos dois projetos.
Por sua vez, o segundo trata de apontar motivos do projeto saquarema
ter sido vencedor. Ressaltar-se-á a contribuição de instituições como o Trono (ou
o papel de um chefe de Estado de manter a integridade de seu país) e o
Conselho de Estado nesse processo; além de expor qual era o entendimento
dos estadistas da função da atividade diplomática.
Já o terceiro trata de entender como esse projeto funcionava
institucionalmente. Detalharei os papéis dos respectivos órgãos que participaram
da PEB, especificando a relação entre o arranjo institucional e o predomínio
saquarema. Além disso, identificarei os principais indivíduos no comando desse
órgãos e as contribuições para a formação, consolidação e perpetuação do
paradigma saquarema de PE; e com isso, explicitando os motivos da relativa
continuidade da atividade diplomática entre o momento de declínio conservador
e ascensão liberal, até a chegada do Barão, em 1902. O foco é em como os
indivíduos possuíam certa herança intelectual e transmutavam isso para a
dinâmica institucional.
Para cumprir os objetivos acima descritos, utilizar-se-á de fontes primárias
dos principais atores institucionais do período, a fim de expor o papel e
preocupações centrais de cada um. Os documentos são: Atas do Conselho de
Estado Pleno; Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros do Conselho de
Estado; Anais do Parlamento (Câmara e Senado); Relatório da Repartição dos
Negócios Estrangeiros; Pareceres dos Consultores do Ministério dos Negócios
Estrangeiros; Falas do Trono; Diários de Pedro II; escritos dos próprios líderes
partidários da época, como as Cartas ao Amigo Ausente de José Maria da Silva
Paranhos; e publicações do CHDD (Centro de História e Documentação
Diplomática). Não obstante, utilizarei como fontes secundárias historiadores que
busquem entender como funcionava a sociedade à época, a partir da estrutura
de valores sociais, do papel das elites (Carvalho, 2008), e da maneira como
construiu-se o Estado Imperial (Torres, 2017). Para as análises, levarei em conta
os seguintes atores na PEB: Ministério dos Negócios Estrangeiros (doravante
MNE); Conselho de Estado; Trono; Parlamento (Senado e Câmara); Gabinete e
Presidente do Conselho de Ministros; e os dois partidos, Conservador e Liberal.
Ademais, vale ressaltar que essa monografia não tem como objetivo uma
exposição exaustiva da HPEB. Os acontecimentos, como descritos em manuais
introdutórios, serão considerados como subentendidos2. Outro ponto que deve
ser mencionado foi nossa escolha de utilizar, propositalmente, quantidade
relativamente elevada de citações, que se deve a dois motivos: primeiro, para
deixar as personagens, os protagonistas estudados se expressarem; e segundo,
para referenciar-me pelos pesquisadores e pesquisas em nível de pós-
graduação, realizadas por maior tempo, e por isto mais detalhadas e completas.
Ainda, é necessário destacar a maneira como nos distinguimos do grupo
retratado acima na parte I. O Itamaraty e diplomatas buscam recorrentemente
reafirmar a “continuidade” e a “tradição” da política externa, enquanto Cervo e
Bueno (op. cit.), por exemplo, acabam por projetar determinados problemas do
presente no passado. Nossa abordagem assemelha-se ao contextualismo
histórico (Skinner, 2002), em que a preocupação é retratar as preocupações da
época analisada, por meio de estudos dos respectivos documentos
reproduzidos, das instituições, rituais, valores e preocupações da sociedade
analisada. Não é nossa intenção tratar o Segundo Reinado como um “destino
manifesto” para acontecimentos e realizações futuras, bem como não ignorarei
que decisões políticas sempre possuem contextos específicos. Dessa maneira,
busca-se retratar a dinâmica social e político-instucional do reinado de Pedro II
e suas respectivas reflexões na projeção externa do Brasil, para a partir do
entendimento das preocupações da sociedade naquela época entender os
motivos das decisões que foram tomadas.

2
Para compreensão detalhada da dinâmica política da PE do Segundo Reinado ver Sousa (2017), que
muito influenciou essa monografia.
Deve-se esclarecer, todavia, que nossa divergência desse grupo é no que
concerne conclusões de pesquisa, pela qual a narrativa acima exposta confere
espaço privilegiado ao Barão e a diplomacia da Primeira República justamente
porque isto confere caráter neutralista, apolítico para a PEB, garante legitimidade
aos projetos que esse grupo possui para a PE, e perpetua o domínio do MRE na
formulação e implementação da PEB. Ignorando, assim, a contribuição de tudo
o que ocorreu antes da Primeira República para o processo de formação e
construção da política externa e do serviço exterior brasileiro, fazendo com que
as contribuições do Segundo Reinado sejam transmutadas para momento
imediatamente posterior.
1. Saquaremas e luzias: duas visões de Brasil,
dois paradigmas política externa
1.1 Introdução
O objetivo desse capítulo é expor o desenvolvimento e formação das principais
características do pensamento internacional3 conservador e liberal do Império
brasileiro, sendo a terminologia “saquaremas” referente aos primeiros, e “luzia”
aos segundos4. Por meio da análise das disputas partidárias, discorro sobre os
principais acontecimentos da HPEB do período, buscando expor a contribuição
de cada fase do tempo das monarquias para a formação desses paradigmas.
Estes foram advindos dos respectivos projetos para o país dos dois principais
grupos políticos do Segundo Reinado, evidenciando que não houve separação,
no Império, entre política doméstica e relações exteriores. Argumento que houve
uma prevalência do paradigma conservador na formulação e implementação da
PE do Império.
Para além dessa introdução e de uma conclusão, esse capítulo será
dividido em duas seções. Referenciadas principalmente pelos trabalhos de
Sousa (2013, 2016, 2017), Lynch (2014, 2011) e Rosi (2014, 2016), a primeira
busca narrar a trajetória histórica dessas duas vertentes de pensamento
internacional brasileiro, enquanto a segunda sumariza as principais
características desses dois paradigmas. Por fim, vale relembrar que o papel de
cada uma das instituições e dos principais estadistas será analisado em
pormenores nos próximos capítulos.
1.2 Da Independência ao Golpe: conservadores, liberais e a projeção
externa brasileira
Como dito acima, essa seção disserta sobre a trajetória de cada uma das
vertentes de pensamento internacionais do Segundo Reinado. Para tanto,
iniciar-se-á pelos primórdios dessas duas visões políticas, que remontam ao pós
1822. As subseções seguem marcos temporais de acordos com momentos
determinantes para a formação dessas correntes de pensamento e seus projetos
para o âmbito externo, buscando identificar quais as contribuições de cada uma
dessas fases para a construção dessas duas interpretações de Brasil. A trajetória
aqui exposta é referenciada bibliograficamente, principalmente, pela tese de
Sousa (2017). Como o próprio afirma:
Se o Primeiro Reinado fora marcado pela ascendência do pensamento
conversador, a Regência o fora pelo liberal. O longo Segundo Reinado, por outro
lado, assistiria a um longo predomínio da política conservadora, assim como ao
crescimento, nos lustros finais do reinado de D. Pedro II, da adesão progressiva

3
Para uma discussão sobre os motivos de se utilizar a expressão “pensamento internacional brasileiro” em
detrimento de “pensamento diplomático brasileiro”, ver Sousa (2019). Genericamente, este está restrito a
diplomatas, enquanto aquele permite que se considere a contribuição de variados agrupamentos sociais na
formação de teorizações sobre a projeção externa brasileira.
4
“Saquarema” faz menção a região em que os principais líderes desse grupo se reuniam, em propriedade
do Visconde de Itaboraí. “Luzia” remete a cidade de Minas Gerais, local de uma das maiores derrotas da
revolta liberal de 1842. A terminologia, da maneira como aqui utilizada, foi proposta por Lynch (2011).
ao pensamento liberal, o qual se materializaria de forma cabal na escolha
institucional da Primeira República. (Sousa, op. cit., p.208)

Três momentos marcariam o desenvolvimento da política externa brasileira ao


longo do Segundo Reinado. Didaticamente, poder-se-ia falar em lógicas
operativas do Estado imperial: ao período de acumulação de poder, advir-se-ia
o do seu exercício ativo, seguido pela acomodação. (Sousa, op. cit., p.210)

Ademais, vale mencionar alguns traços gerais do período. A


administração pública, por exemplo, destaca-se pelos traços patrimoniais; uma
completa indistinção entre público e privado, ao passo que – em parte também
devido a deficiência financeira do Estado, que não conseguia sustentar
financeiramente suas representações diplomáticas – os representantes do Brasil
no exterior usualmente pagavam as contas das legações, chegando até mesmo
a comprarem os móveis que decorariam os prédios (Cheibub, 1984). Não
bastasse isso, ocorria claro empreguismo, com a seleção de filhos de
determinadas famílias para, desde cedo, serem iniciados nas práticas
diplomáticas (Cheibub, op. cit., p.36), indicação política que culminava, muitas
vezes, em um baixo grau de profissionalização5. Dessa maneira, os interesses
pessoais do representante público – e os do grupo social a qual este integrava-
se e representava – não se distinguiam das pretensões nacionais ou atribuições
do respectivo cargo ocupado.
Além disso, a continuidade e consistência da PE do período pode ser
explicada devido a estabilidade institucional, que incluía um conjunto de
instituições, a elaboração de diretrizes para a área externa pelo que alguns
autores chamam de “ilha de letrados”, em meio ao elevadíssimo número de
brasileiros analfabetos na época. O Imperador, portanto, não conduzia a atuação
externa com autonomia pessoal, havia a participação dos vários órgãos de
governo. Entre estes destaca-se, como ver-se-á nos capítulos seguintes, o
Conselho de Estado.
1.2.1 Primeiro Reinado: 1822-1831
O incipiente Brasil herdou todo o aparato administrativo português, ou seja, já
possuía um relevante corpo diplomático para representar seus interesses no
globo. A diplomacia desse período pode ser dividida em duas esferas: a visão
herdada de D. João VI, com a preocupação com a grandeza territorial,
notadamente na região da Bacia do Prata; por outro lado, o Imperador possuía
grandes interesses no que acontecia no trono português.
A constituinte de 1824, por mais que seja considerada liberal devido ao
contexto da época, forneceu pouquíssimo espaço para o Parlamento atuar na
PE. Ao fim, prevaleceriam os desejos de Pedro I, que não necessariamente
coincidiam com interesses nacionais. O Monarca era o Executivo, e governava
à parte, inclusive da atuação do Conselho de Estado, que constitucionalmente
deveria assisti-lo na utilização do Poder Moderador. Havia a livre indicação de

5
Exemplo excepcional, entretanto, foi o da indicação do Barão do Rio Branco, em 1876. Ver Sousa (op.
cit., p.203).
representantes e de negociações diplomáticas para o reconhecimento da
independência, primeira preocupação brasileira no plano externo.
Nesses termos, o acordo com outras nações ocorreu por meio do que
chamou-se de “tratados desiguais”, pois iam contra interesses (comerciais)
nacionais. Tudo foi feito no sentido da prioridade da época, de manter a
inviolabilidade territorial. O objetivo era tentar conciliar a ambição expansionista
brasileira no Prata com os anseios do Imperador pelo Trono português. Esta
ambiguidade que implicou na necessidade de concessões como os tratados,
uma vez que havia várias ameaças à unidade territorial por parte das outras
nações.
Em relação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e sua
organização, havia, por parte de José Bonifácio, esforços maiores para a ideia
da criação de um corpo diplomático. Nesse sentido, o patriarca da independência
desmembrou o MNE do Ministério da Guerra, mas a expansão esbarrava no
obstáculo da restrição orçamentária. Ainda no tempo de Pedro I, ocorreu reforma
administrativa na administração do Marquês de Aracati (1827-1829),
responsável por fornecer um primeiro esboço organizacional do MNE, mas com
uma divisão de trabalho ainda rudimentar e ilógica (Castro, 2009). A Secretaria
de Estado, por exemplo, distribuiu seus trabalhos por países e regiões do globo,
o que provar-se-ia pouco eficaz.
Perante a ambiguidade de interesses do Imperador, as decisões
desvinculadas do interesse nacional geraram crescente insatisfação e revoltas
que culminam na abdicação em 1831 – efeito das preocupações do que
acontecia no trono português, e da já inconciliável divisão entre partido português
e brasileiro. Justifica-se, por isso, a afirmação de Ricupero (2017) de que D.
Pedro I faz a independência, mas tem de sair do Brasil para ela se consolidar.
O Parlamento foi o maior símbolo da revolta dos setores nacionais. Nos
anos finais da década de vinte, crescem as reivindicações por uma maior
aproximação (principalmente comercial) com os países vizinhos, além das cada
vez mais severas críticas ao sistema de tratados, ao excesso de poder Monarca
e da falta de participação do Legislativo nas decisões externas. Paulatinamente
consolidou-se a percepção de que o Parlamento deveria ter papel maior na PE,
principalmente na esfera econômica, o que teria implicação central na Regência.
Evidencia-se, portanto, que a PE era importante parte do jogo político do
Primeiro Reinado, haja vista que os tratados desiguais e crescente interesse do
Imperador com a sucessão portuguesa foram determinantes para a crescente
insatisfação e tensão social característica dos últimos anos da governança do
filho de D. João VI. Não havia, no período analisado, os partidos que viriam a
dominar a vida política do Segundo Reinado6, mas era perceptível uma divisão
entre dois grupos, principalmente acerca das atribuições e poderes do Imperador
conferidos pela Constituição e com o que foi feito com esses instrumentos. A

6
Vale destacar que durante todo o tempo da Monarquia a vida política não foi rígida, e a polarização não
impossibilitava a mudança eventual de partidos e formações de alianças.
polarização ocorria da seguinte forma: um grupo favorável ao Monarca,
concentrado no Conselho de Estado e no Senado (ambos órgãos vitalícios e
indicados pelo Imperador); e os opositores, presentes em maioria na Câmara e
no Partido Brasileiro, que atacavam a concentração de poder no Trono.
Destaca-se, no Primeiro Reinado, uma visão específica de Brasil, legado
dos anos de Corte portuguesa, crente em um futuro status de potência para o
país, devido a existência de um grande território. Era uma autoimagem de
grandeza desse Império, que foi transmutada e compartilhada pela elite política
tupiniquim. Esse projeto de país, no âmbito nacional, teve como seu principal
expoente José Bonifácio de Andrada e Silva. Com efeito, é possível dizer que as
ideias predominantes do período são estreitamentes relacionadas com os ideais
que futuramente seriam os dos saquaremas, representados politicamente no
partido conservador.
1.2.2 Avanço liberal7: 1831-1837
As tomadas de decisões de caráter liberal logo que o grupo de oposição a Pedro
I assume o poder definem o principal ponto do debate político do Império:
centralização versus federação, com o Ato Adicional de 1834 sendo o principal
marco institucional dessa disputa8. Esta medida fornecia, relativamente, grande
autonomia para as províncias, e suspendia o Poder Moderador e Conselho de
Estado, que eram símbolos da preponderância monárquica do Primeiro Reinado.
Na verdade, ao longo de todo o período é característico o embate entre
as várias propostas reformistas e grupos que passaram a ser chamados de
“regressistas”. Este constituiu-se gradativamente nesses anos, e possuía
setores que antes defendiam a centralização do Primeiro Reinado, e membros
moderados da antiga oposição a D. Pedro I, que se uniram em torno da crença
de que a excessiva descentralização geraria grandes malefícios para o país. Os
regressistas, portanto, foram a oposição aos “progressistas”, que defendiam a
intensificação de medidas reformistas. Entre os principais expoentes de cada um
dos grupos pode-se destacar Bernardo Pereira Vasconcelos, do lado
regressista, e Diogo Antônio Feijó, dos progressistas.
Durante os primeiros anos da Regência, como acima mencionado,
ocorrem substantivas mudanças e predomínio de crenças progressistas. Após a
promulgação do Ato Adicional em 1834, Feijó tornou-se regente. Este entendia
que as reformas de tom liberalizante forneceriam maior representatividade ao
sistema político vigente. Como aponta Sousa (op. cit.), Feijó agiu de acordo com
um ideal político, no qual a organização política brasileira deveria se inspirar na
República Federativa dos EUA. Após as reformas liberalizantes, Feijó afirmou
que:
À vista disto quem se atreverá a dizer que o Brasil é governado
monarquicamente? Compare-se o nosso governo com o dos Estados Unidos e

7
Nomenclatura proposta por Sousa (op. cit.).
8
Convém lembrar, contudo, que houveram outras reformas liberalizantes, como reforma do Judiciário, das
leis comerciais e a criação da Guarda Nacional.
conhecer-se-á que no essencial são ambos os Estados governados pelo mesmo
sistema, e que a maior diferença está no nome e em certas exterioridades de
nenhuma importância para a causa pública [...] Se entre os brasileiros há alguns
que sinceramente preferem, no estado atual, a república, não se incomodem,
pois estamos com ela […]; de monarquia, só temos o nome. (apud Sousa, op.
cit., p.70)

Nota-se, à vista disso, uma clara inspiração dos progressistas no sistema


político que havia sido construído nos EUA. Nessa perspectiva, as relações
internacionais do Brasil passaram a se destacar por um viés americanista, e
tentativas de reformas que sucessivamente aproximassem o Brasil dos sistemas
políticos de seus vizinhos continentais. Em face de tal pensamento, importantes
mudanças ocorrem na condução diplomática. O Parlamento nacional, que fora
protagonista no acirramento das tensões entre sociedade e Imperador no
Primeiro Reinado, por meio das denúncias dos tratados desiguais de Pedro I,
adquiriu substancial protagonismo no que concerne a formulação de diretrizes
diplomáticas. Conquistou papel institucional a partir da obrigatoriedade de
Relatório do MNE para a Assembleia Legislativa, com sua primeira versão já em
1831; além da capacidade de barrar tratados comerciais realizados pelo
Monarca e seus ministros (Cervo, 1981).
Tendo isso como pressuposto, entende-se que o Parlamento tornou-se o
locus de debate sobre PE, e consequentemente, ocupou a função de formulação
de uma PEB no período, papel este que manteria até o retorno do Conselho de
Estado. Assim, deve-se destacar as mudanças ocorridas sobretudo em questões
comerciais e no Prata (Silva, 2012a, 2012b): inaugurou-se o que Cervo (op. cit.)
chamou de “corrente anti-tratados”, e certa crença em medidas protecionistas,
aliado ao reconhecimento da necessidade de uma maior parceria com os
vizinhos sul-americanos9. Outro ponto de rompimento com o Primeiro Reinado
foi o estabelecimento da neutralidade no Prata, após a Guerra da Cisplatina
(1825-1828), o que também ocorreu, em partes, devido a fragilidade financeira
em que se encontrava o Brasil (Barrio, 2011).
Ademais, a Regência teve de lidar com a grande desorganização do MNE,
que contava com altos gastos nas representações europeias e um corpo
burocrático enxuto e mal administrado. Logo, em consonância com os anseios
parlamentares, buscou-se diminuir o número de legações na Europa e aumentar
as representações consulares na América, a fim de obter maiores ganhos
comerciais. Realizou-se, também, importantes modificações administrativas,
com a aprovação, na primeira administração de Aureliano de Souza e Oliveira
Coutinho (1833-1834), do primeiro regimento consular e das legações. Apesar
de requisitado, não houve reforma na Secretaria de Estado do ministério (Castro,
op. cit.).

9
Ricupero (op. cit.) identifica o período regencial como momento em que a autonomia nacional surgiu, por
meio de medidas como a resistência a novos tratados com potências. O diplomata afirma, ainda, que houve
uma “nacionalização da formulação diplomática”, com uma leitura do interesse nacional; e uma “latino-
americanização da vida política interna”.
Outrossim, o governo dos progressistas, em meio ao estado de anarquia
causado pelas revoltas que estouraram após a descentralização, não tinham
recursos e não se preocupavam em manter a unidade territorial. Feijó acreditava
que o importante era a federação (a independência das províncias), e que
apenas as reformas liberais poderiam convencer as províncias a readerirem ao
Estado brasileiro – o poder do Estado central, nesse pensamento, adviria da
união das federações.
Doravante, em meio a anarquia instaurada pela descentralização, a
oposição se fortalece e desenha-se, principalmente no final do período, o que
seria a síntese do sistema partidário do Segundo Reinado, liberais
(progressistas) e conservadores. Os regressistas, crescentemente preocupados
com a ordem e integridade territorial, ganham proeminência política. Bernardo
Vasconcelos, que viria a ser um dos principais fundadores do partido
Conservador, formaliza esse pensamento e o predomínio de uma nova política
a partir de 1837, em período conhecido como “Regresso Conservador”:
Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos,
mas não nas leis, o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto
da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito
comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre agora
risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-
la, quero salvá-la; e por isso sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandono
a causa que defendo, no dia dos seus perigos, de sua fraqueza; deixo-a no dia
em que tão seguro é o seu triunfo que até o sucesso a compromete. Quem sabe
se, como hoje defendo o país contra a desorganização, depois de o haver
defendido contra o despotismo e as comissões militares, não terei algum dia de
dar outra vez a minha voz ao apoio e a defesa da liberdade? Os perigos da
sociedade variam; o vento das tempestades nem sempre é o mesmo: como há
de o político, cego e imutável, servir no seu país? (apud Sousa, 2015, p.191)

Prestes a ocorrer o Regresso Conservador, o Brasil se encontrava sem


poderio econômico, e com sua grandeza territorial ameaçada. Em meio a essas
visões opostas, pode-se notar que a polarização refletiu-se, inclusive, na própria
historiografia sobre o período: de um lado, a interpretação da anarquia
decorrente da descentralização; do outro, a defesa da conquista da gloriosa
autonomia do país, e consequente nacionalização da política brasileira.
Nota-se, enfim, que o período foi dominado pela crença liberal, em um
projeto de Brasil que se baseava na ideologia e inspiração dos líderes
progressistas no ideal estadunidense e na descentralização política; mas que
buscava se concretizar em contexto de crescente revoltas no território nacional,
de guerras civis, instabilidade política e dificuldade de transportes e
comunicação. É possível dizer, dessa maneira, que a visão predominante
desses anos é estreitamente relacionada com os ideais que futuramente seriam
os dos luzias, representados politicamente no partido liberal.
1.2.3 Hegemonia saquarema: do regresso à "maldita guerra”
A hegemonia dos conservadores pode ser dividida em dois momentos
(entrecortados, como se verá adiante, pelo ano de 1850) em relação a PE, por
meio do que Sousa (2017) denominou como “acumulação de poder” (1837-1850)
e “exercício do poder” (1851-1876).
O primeiro momento determina o modo da centralização política imperial,
tema central do debate político do Segundo Reinado e uma das principais
características da época de Pedro II. É marcado por uma forte reação ao que foi
feito no governo liberal regencial, e nele ocorreu o acúmulo de força estatal que
permitiria, a partir da década de cinquenta, um regresso da PE aos moldes de
atuação externa do Primeiro Reinado, pondo fim ao neutralismo e intervindo no
Prata. Ocorre, também, o surgimento dos termos “luzia” e “saquarema”,
concomitantemente com o fim do processo de formação dos dois grupos políticos
através dos partidos liberal e conservador. Como exposto por Carvalho (2008,
p.408):
O Partido Conservador era aliança da burocracia com o grande comércio e a
grande lavoura de exportação; o Partido Liberal era aliança de profissionais
liberais urbanos com a agricultura de mercado interno e de áreas mais recentes
de colonização. Tal composição dava ao Partido Conservador tendência à
defesa da centralização política, mas dividia-o quando se tratava de reformas
sociais. Neste último caso, o setor burocrático, incluindo aí a alta cúpula da elite
política, tendia a ser mais reformista, sendo freado pelo outro lado da coalizão.
[…] O Partido Liberal padecia de doença semelhante. Os profissionais urbanos
puxavam a ideologia do partido para a descentralização e para a reforma social.
O setor agrário concordava com a descentralização, de vez que dependia menos
de medidas do governo central para proteger suas atividades econômicas do
que o setor exportador, mas opunha-se às reformas sociais.

Havia, também, uma divisão regional, com o partido conservador


concentrado principalmente no Rio de Janeiro, mas também nas províncias de
Bahia e Pernambuco. Já Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul eram
domínios liberais.
Não obstante, o Regresso promoveu o retorno do Conselho de Estado. E
o retorno do Conselho pavimentaria caminho para que o poder Moderador
retornasse. Outras medidas importantes foram a Lei de Interpretação do Ato
Adicional, que permitiu a recentralização política, e a reforma do Código de
Processo, entre outras. Ainda, a fim de retomar a narrativa da grandeza nacional
que estivera presente no Primeiro Reinado, houveram esforços no sentido do
fortalecimento da identidade brasileira, tais como pela criação do Colégio Pedro
II em 1837, e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) no ano
seguinte.
Diante de tais medidas, os liberais promovem em 1840 a Declaração da
Maioridade do Imperador – que apesar da disputa entre liberais e conservadores,
ao final foi aprovada no Parlamento, consentida por Pedro II e aclamada pela
população – como ferramenta política para tentar retirar o poder dos
conservadores. As medidas centralizadoras, porém, continuaram, e em 1842 os
liberais de São Paulo e Minas Gerais se revoltam. À derrota dos liberais sucede-
se o apelido “luzia”, que como revanche batizam os conservadores de
“saquaremas” pouco tempo depois. Isto ocorreu entre 1844-1848, quando Pedro
II convoca os liberais para o poder, o que de acordo com Carvalho (2013) foi
importante para que a Monarquia consolidasse sua base de apoio, ao mostrar
que seria árbitro das disputas partidárias, garantindo, com isso, uma estabilidade
ao regime. Logo, evidenciou-se, nesses anos iniciais do Segundo Reinado, a
principal distinção entre os dois partidos, decorrente das diferentes épocas
nacionais em que se inspiraram intelectualmente10: para os conservadores,
apenas um Estado forte e com autoridade centralizada poderia impor a ordem e
pacificação; enquanto liberais entendiam que ordem sem liberdade não possuía
utilidade.
Ademais, não bastasse a obra institucional do Regresso, o Partido
Conservador concretizava sua agenda política, decorrência da concentração de
poder, gerando ordem e pacificação doméstica, com a última revolta regional
(‘Praieira’) tendo seu fim em 1848. Nesse sentido, é possível afirmar que há certo
consenso bibliográfico de que a consolidação do Estado brasileiro, pelo menos
no campo doméstico, ocorreu a partir dessas medidas realizadas no Regresso,
como argumenta Torres (2017), por exemplo.
Mas em princípios da década de quarenta, a PE ainda era ponto de
divergências: os saquaremas concordavam, claro, sobre a importância do
território, mas tinham mistas reações sobre como reagir às ações do ditador
argentino Rosas. Havia, ainda, oposição dos luzias a todo o tipo de intervenção.
E o uti possidetis, diretriz para negociações e acordos que fora utilizada por
Alexandre de Gusmão, ainda era ponto de desconfiança por parte do Conselho
de Estado – apenas o agente diplomático Duarte da Ponte Ribeiro era um de
seus defensores. Ao longo da década, entretanto, a pacificação (e consequente
acumulação de forças) nacional e as próprias atitudes expansionistas de Rosas
tornaram crescente a percepção da necessidade de intervenção. E os problemas
na área externa, ao passo que o Estado brasileiro se fortalecia e se auto-
reinvidicava como independente e soberano no plano internacional, se
avolumavam; notadamente, a pressão britânica quanto ao tráfico de escravos.
Formou-se, nessa década,
[...] aquela que seria a posição tendencial expressa pela imaginação saquarema:
à imposição da ordem aos quatro pontos cardeais seguir-se-ia a manutenção da
integridade territorial sob a superioridade do regime monárquico e a posição
favorável do país no concerto das nações, independentemente dos sacrifícios
fiduciários necessários. (Sousa, op. cit., p.95)

Tal pensamento era símbolo da herança do ideário lusitano no


pensamento saquarema, ressaltando a grandeza e singularidade do Brasil, cuja
extensão, riqueza e estabilidade seriam pontos de inveja dos vizinhos, repúblicas
caudilhas instáveis. Contudo, conforme ver-se-á, não existiam anseios de
expansão territorial entre os saquaremas; apenas a manutenção do que já era
posse brasileira interessava. Esse entendimento das relações com os vizinhos
continentais foi criticado pela oposição luzia, que acusou os conservadores de
uma “ausência de política americana”.

10
Como já exposto acima, os luzias se relacionavam ao governo liberal da regência, enquanto os
saquaremas ao pensamento lusitano do Primeiro Reinado.
Devido a essas restrições (falta de consenso e de poderio econômico e
militar para intervenções), buscou-se, também, a formação de parcerias para
tentar agir no Prata. Essas alianças possuíam caráter essencialmente
pragmático no caso dos saquaremas – vide a tentativa de parceria com Rosas
antes de suas ações expansionistas –, e eram sempre direcionadas para países
do continente americano no caso dos luzias. Como nenhuma das tentativas
foram frutíferas, na década de quarenta o Brasil manteve apenas vigilância sobre
o Prata, e ao ser traído por Rosas, utilizou de todos os meios diplomáticos
possíveis para diminuir a influência do ditador. Essa prioridade inicial dos
saquaremas ao fortalecimento doméstico e a ausência de consenso sobre
questões externas refletiu, também, na instabilidade do comando dos negócios
estrangeiros. Da Maioridade até fins de 1849, o MNE teve doze trocas de
ministros, o que dificultava a existência de uma PE estável.
Nesse contexto, os conservadores assumem o comando do Gabinete em
1848, e no ano posterior Paulino José Soares de Souza (Visconde do Uruguai)
assume a pasta dos Negócios Estrangeiros. Junto com ele, seu cunhado
Joaquim José Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí) – Ministro da Fazenda e
a partir de 1852 presidente do Conselho de Ministros – e Eusébio de Queirós
(Ministro da Justiça) compunham o que ficou conhecido como “trindade
saquarema”, que permaneceu no poder até 1853, no que foi o segundo Gabinete
mais longevo do Império. Neste período, finalizou-se, mais precisamente em
1850, a obra de centralização saquarema no plano interno, ocorrendo a reforma
da Guarda Nacional, por exemplo. Consolidada a ordem doméstica, e com poder
suficiente acumulado, os saquaremas puderam concretizar suas convicções na
arena externa. De acordo com Cervo (1992, p.134), de 1851-1876 há uma
“hegemonia periférica brasileira”.
Paulino Souza foi responsável, nesses quatro anos, por realizar o que
seria a definição das diretrizes de atuação externa brasileira ao longo do
Segundo Reinado, e os princípios do paradigma saquarema. Ele elaborou e
executou a política das intervenções, culminação de processo de maturação de
um pensamento político que guiasse a projeção externa da nação ao longo dos
anos precedentes. Ocorreu o rompimento da tradição neutralista da Regência e
dos liberais, implementando-se o que ficou conhecido como “doutrina brasileira
de limites”.
O futuro Visconde do Uruguai teve de lidar com as crescentes tensões
tanto no Prata quanto contra potências como a Grã-Bretanha. Neste caso, atuou
o Gabinete da trindade para aprovar a lei Eusébio de Queirós, que proibia o
tráfico de escravos. A relativamente rápida e eficaz resolução do litígio contra os
britânicos permitiu que o Ministro dos Estrangeiros voltasse suas atenções para
Rosas. Tem início a política dos patacões, e em 1850, o Brasil rompe relações
com a Argentina, preparando-se para a provável guerra.
Em 1851, com o início da intervenção, há um ponto de inflexão na PEB.
Inaugura-se o segundo momento da hegemonia saquarema: exercia-se, agora,
o poder que havia sido acumulado desde o Regresso. Após a derrota de Rosas,
o Visconde do Uruguai consegue que o Marquês do Paraná (Honório Hermeto
Carneiro Leão), expoente saquarema, seja o negociador brasileiro dos acordos
pós guerra. Ele foi acompanhado de José Maria da Silva Paranhos, futuro
herdeiro político de Paulino e que receberia o título de Visconde do Rio Branco.
Os dois foram bem sucedidos nas negociações, e estabeleceram o sistema de
tratados e aliança brasileira com o Uruguai, consolidando este país como esfera
de influência Imperial.
Desde os primeiros momentos da intervenção conservadora no Prata, é
perceptível a oposição liberal, afirmando que seria uma operação de altos custos
econômicos, poucos ganhos e que terminaria apenas em atrair a inimizade dos
países fronteiriços ao Brasil. Na busca de um maior apoio e consenso político, o
Visconde do Uruguai realizou vários discursos no Parlamento para tentar obter
apoio às políticas do Gabinete, expondo o que para ele era evidente: a intenção
argentina de recriação do Vice-Reino da Prata, que era uma ameaça aos
interesses nacionais brasileiros. Criticando a oposição, o ministro afirmou que:
E tratando das relações com o Rio da Prata diz [a oposição] vagamente: “O que
nos convém é viver em paz com os Estados do Sul”, e censura ao mesmo tempo
a marcha do ministério, e exclama: “Manda-se vir recrutas do Norte para irem
morrer e engordar com seus cadáveres as campinas do Rio Grande do Sul;
exaurem-se os nosso recursos em armamentos!”. Ora, quem ouvir e ler estas
palavras, e não estiver bem ao fato do estado dos negócios, e da maneira por
que a ela chegara, dirá: É assim. Por que em vez de esforçar-se o governo para
viver em harmonia com os Estados do Sul, e para compor as nossas
diferenças, recruta, e faz armamentos? Não será isto, senhores, encaminhar o
espírito público para uma senda errada em que não convém ao país que ele
entre? Não será isto criar graves embaraços, não só à administração atual, mas
a qualquer outra que lhe suceda, que não poderá mudar o passado, e o estado
das coisas? (Anais do Senado, 24/05/1851)

O ministro não convence a oposição liberal, mas o apoio popular era


crescente, o que demonstra o momento áureo que vivia o conservadorismo e o
Brasil como potência regional. A narrativa saquarema baseava-se,
principalmente, na defesa do glorioso território do Império de Pedro II contra um
ditador e caudilho argentino11.
Derrotado Rosas, os conservadores atuam no sentido de recuperar a
supremacia perdida após a derrota nos conflitos cisplatinos de 1828. Dissemina-
se a realização de negociações a partir do uti possidetis, que se torna consenso
também no Conselho de Estado. Nessa perspectiva, os líderes saquaremas
possuíam também o entendimento de que a hegemonia do Império só ocorreria
com a inexistência de outro polo de poder sul-americano. Devido a isto buscaram
isolar a Argentina12, além de estabelecer um bom relacionamento com todos os
outros vizinhos, com estes tendo suas respectivas independências e territórios
condicionados por acordos com o Brasil, e por isto sob influência brasileira. Isso

11
Vale destacar que o aumento da rivalidade e da retórica foi paulatino em ambos os países.
12
Prevaleceria, no pensamento conservador ao longo de todo o século, a desconfiança quanto a anseios
expansionistas argentinos. Isto era mais um fruto da herança intelectual lusitana, decorrente da Guerra da
Cisplatina, principalmente.
era o significado de expansionismo no paradigma internacional saquarema,
diametralmente distinto do que ocorria nos outros países, e também oposto ao
entendimento de neutralismo e estabelecimento de relações pacíficas à qualquer
custo por parte dos luzias.
Para além disso, vale destacar nos saquaremas a defesa dos interesses
brasileiros em meio a um contexto internacional expansionista, como no caso da
abertura de navegação no Rio Amazonas. O Conselho de Estado (com maioria
formada a partir de votos dos saquaremas) resistiu à pressões de nações
estrangeiras – notadamente dos EUA – para a regularização do comércio no rio,
e paulatinamente argumentava em favor da abertura do Rio da Prata, uma vez
que isto era do interesse brasileiro, enquanto aquilo era uma possível ameaça a
soberania nacional – a maioria não se importava com a contradição dessa
posição. Essa atitude é outro exemplo dos receios que expoentes do Partido
Conservador possuíam de acordos comerciais (vide o trauma dos tratados
desiguais do Primeiro Reinado) e da permissão de acesso a região do território
nacional pouco povoado por parte de potências estrangeiras, que poderiam
aproveitar da situação e concretizar anseios de expansões imperialistas, que
aconteciam, vale lembrar, ao redor do globo. Tais receios a possíveis ameaças
da integridade territorial eram tão elevados que mesmo os conservadores
moderados, como o Visconde de Uruguai, que defendiam em 1854 negociações
individuais com cada nação interessada, foram ‘derrotados’ por defensores de
posição relativamente mais extremista: a negação de qualquer tipo de
negociação, entendimento este que perdurou até governo luzia, em 1867, abrir
o Amazonas sem restrições. Dessa forma, em meio a assimetria de força
material intrínseca às relações do Brasil com as grandes potências, optou-se, no
momento de hegemonia política saquarema, mesmo com posições divergentes,
pela negação de qualquer tipo de acordos.
Em 1853, sai do poder a trindade saquarema, e o Imperador, após esse
período de acentuado domínio conservador, busca um gabinete que trate de uma
conciliação partidária, numa espécie de união nacional. Nesse sentido, com o
saquarema Marquês do Paraná, tem início a fase conhecida como “Conciliação
Partidária”. O Gabinete foi composto por integrantes moderados de ambos os
lados, mas as posições se mantinham conservadoras. Na prática, as reformas
adotadas tiveram como consequência um grande baque sobre os
conservadores, surgindo aqui os primeiros sinais do que viria a ser, na década
de setenta, a decadência saquarema. As mudanças nas regras eleitorais, por
exemplo, impossibilitavam que magistrados – parte do núcleo dos
conservadores – continuassem exercendo cargos políticos. Estes atuavam,
justamente, na formulação de ideias para o partido.
A Conciliação culmina em um gradual renascimento dos luzias, e com o
primeiro gabinete liberal em quatorze anos, formado em 1862. Em que pese o
significado político de um retorno à Presidência do Conselho de Ministros depois
de tão elevado tempo, a maior significância encontra-se, na verdade, na
reintrodução das crenças liberais em debates políticos, com a volta da discussão
sobre a centralização institucional do regime. A obra de José Murilo de Carvalho
(2018) corrobora essa afirmação, ao argumentar que a década de sessenta foi
provavelmente o momento mais fértil de todo o Segundo Reinado em termos de
pensamento e de discussões políticas. Pelos conservadores, Ensaio sobre o
direito administrativo (1862), do Visconde do Uruguai, sustentava que “o rei reina
e governa”. Do lado luzia, Da natureza e limites do Poder Moderador (idem), de
Zacarias de Góis e Vasconcelos, dizia que “o rei reina, mas não governa”.
O novo Gabinete, junto com a necessidade de reforma institucional (pode-
se dizer que uma proposta de “republicanização constitucional” do país),
promoveu mudança de orientação na PE, no que foi a retomada do pensamento
regencial da fase liberal. No campo das ideias, Tavares Bastos foi o principal
expoente: era crente no papel civilizador do comércio internacional, e defendia
uma aproximação com os EUA em termos econômicos, mas também políticos –
a PE era vista como um mecanismo de aproximação da excelência do modelo
civilizatório estadunidense. Foi a partir dessas influências que ocorreu uma
abertura comercial permissiva a perdas de soberania ou de parcelas do território.
Um exemplo foi a acima citada abertura irrestrita a circulação de estrangeiros no
Rio Amazonas em 1867. As decisões políticas eram condicionadas pela busca
da concretização da visão de mundo ideal luzia, e por isso os liberais preferiam
correr o risco de se expor ao imperialismo expansionista do século XIX, para
assim tentar alcançar a aproximação política e econômica com os países do
continente. Ou seja: assim como Diogo Feijó na regência, os luzias não se
preocupavam com a integridade territorial.
Nota-se, portanto, que na década de sessenta há uma polarização no
campo das ideias e debates entre dois projetos de país, com os saquaremas,
após décadas de incontestável hegemonia política, sofrerem com a Conciliação,
que fez renascer a força partidária dos luzias. Entretanto, como já dito, nessa
década o ressurgimento liberal ocorre muito mais no plano teórico do que na
prática; uma vez que, em meio aos crescentes desafios no Prata, já em 1864 os
conservadores voltam a ter importante papel na atuação política. No começo
deste ano, em meio a crescente tensão social que envolvia o Uruguai, os liberais
continuaram a defender a neutralidade no Prata, uma vez que, segundo
afirmavam, qualquer tipo de intervenção não teria sucesso duradouro.
Em seguida, os blancos, partido uruguaio contrário aos interesses
brasileiros no Uruguai, cresce em termos políticos, e o Gabinete luzia envia uma
missão, com Tavares Bastos e Antônio Saraiva, cujo objetivo inicial era “o
cumprimento das exigências brasileiras sem a necessidade do envolvimento
militar” (Sousa, op. cit., p.140), mas que acabou com um ultimato de Saraiva aos
uruguaios, e no inevitável intervencionismo brasileiro. Ainda, Saraiva renunciou
à missão, “deixando acéfala nossa diplomacia platina no ‘momento de todos o
mais crítico e difícil, nos meses de setembro, outubro e novembro, isto é, entre
o começo das represálias e a guerra com o Paraguai’” (Ricupero, op. cit., p.204).
Após este redundante fracasso, o Gabinete luzia não tem escolha senão enviar
estadista que já possuía experiência nos assuntos do Prata, haja vista que
participara das negociações após a derrota de Rosas: o Visconde do Rio Branco.
É necessário salientar que, já na década de sessenta, Paranhos era o principal
expoente saquarema, e foi o responsável por fazer com que o Uruguai passasse
de inimigo a aliado do Império contra o Paraguai, aplicando a mesma fórmula
conservadora que havia funcionado mais de um decênio antes. Em discurso no
Senado Federal, posterior ao fim das negociações, Rio Branco afirmou que:
O governo imperial continuou de acordo com as idéias que eu lhe havia
manifestado; as instruções que o nobre ex-ministro dos Negócios Estrangeiros
entregou-me, na véspera de minha partida à noite, eram um transunto do
memorandum que apresentei-lhe com o plano de negociação que me parecia
mais conveniente. (Anais do Senado, 05/06/1865)

Paranhos, junto com Duque de Caxias, que teve grande papel na derrota
militar do ditador paraguaio, ocupando a capital Assunção, foram os saquaremas
os protagonistas da vitória brasileira na Guerra do Paraguai, que culminou na
escolha do Imperador em dissolver, por convicção pessoal própria, o Gabinete
luzia e convocar o conservador Visconde de Itaboraí para governar em 1868.
Esta medida teve como consequência, segundo Carvalho (2008), um retorno
saquarema ao núcleo de poder político, justamente quando os liberais
dominavam o Parlamento13.
Ainda, sobre a atuação luzia nesses seis anos no poder, cabe pontuar que
havia a tendência de uma maior aproximação com a Argentina, uma tentativa de
cooperação que foi alavancada devido aos governos de ambos os lados serem
liberais. O maior resultado dessas iniciativas foi o Tratado da Tríplice Aliança,
assinado pelos luzias em 1865 e que projetava um estreitamento de relação
entre os países mesmo após o fim da guerra. Com esta ação, os luzias
buscavam superar rivalidades históricas que entendiam como ultrapassadas; e
para tanto poderiam, inclusive, abrir mão da hegemonia e do poder regional,
admitindo a possibilidade de que a Argentina anexasse parte do território
paraguaio.
O Conselho, na pessoa de eminentes conservadores, condena
veementemente o Tratado, e o identifica como passível de transgressão da
soberania brasileira e dos interesses nacionais. O parecer da Seção dos
Estrangeiros, de caráter conservador e apresentado em reunião do Conselho
Pleno, afirmava que:
Triunfou a política argentina da política brasileira! A Confederação [Argentina],
qualquer que fosse o seu Governo, nunca desistiu da idéia de incorporar a si o
Paraguai ou por federação ou aliança, ou por outro qualquer modo. O
pensamento tradicional, constante, previdente, valioso do Brasil foi sempre de
evitar isso, de manter não só a independência do Paraguai, mas o território deste
necessário para separar nossa fronteira ocidental do imediato contato argentino;
foi sempre de evitar a preponderância que a Confederação exerceria,
dominando as relações dessa parte da América do Sul, ameaçando de absorção
o Paraguai, e as fronteiras de Coimbra e Miranda. A ocasião era a mais solene

13
A indignação do partido liberal pela escolha do Imperador de convocar Gabinetes conservadores em
1848 e 1868, quando havia uma maioria liberal no Parlamento, será analisada em suas especifidades no
capítulo dois.
para obtermos essa segurança, nunca para renunciá-la; pois bem; ela foi
renunciada. (Atas do Conselho de Estado Pleno, 1867-68, grifo e itálico meu)

Os saquaremas expunham uma clara desconfiança quanto a possíveis


interesses expansionistas argentinos em momento posterior ao fim da guerra,
com um Brasil de recursos materiais esgotados, uma vez que o acordo feito
pelos luzias fazia com o Império tivesse de enviar muito mais tropas e dinheiro
para a guerra do que os argentinos. Mais do que isso, atacavam o tratado por
garantir a independência paraguaia apenas nos cinco anos subsequentes ao
término dos embates bélicos, o que também estimulava antigos anseios
expansionistas argentinos. Em verdade, a historiografia aponta que a Argentina
somente entrou definitivamente na guerra após a invasão do ditador paraguaio
ao território do país.
Nesse contexto, houve brigas, disputas pelo poder e pressões partidárias
dos dois lados. Exemplificação disto foi a demissão do Visconde do Rio Branco
pelo gabinete liberal logo após ele ter conseguido concretizar o acordo com os
uruguaios. Os luzias demitiram o saquarema, mas mantiveram o cumprimento
do acordo por ele feito, que garantia a parceria com o Uruguai.
Com o ressurgimento político do partido conservador representado pela
formação do gabinete Itaboraí em 1868, os saquaremas se manterão no poder
por dez anos ininterruptos. Após o fim da guerra, para garantir o “equilíbrio
favorável de poder” na região, e devido aos receios do expansionismo argentino,
os conservadores mantêm exércitos no Paraguai até 1876, quando o
arbitramento dos EUA contrário às reivindicações territoriais argentinas permite
o fim do intervencionismo brasileiro. Durante esses seis anos, houveram grandes
críticas luzias no Parlamento sobre os altos custos envolvidos nessa operação.
O triunfo brasileiro na guerra significava o cumprimento total dos objetivos
do projeto conservador: haviam pacificado o Brasil no plano interno e
estabelecido uma ordem de poder favorável no Prata. Porém, ou quase
paradoxalmente, após o sucesso e eficácia do projeto saquarema para o Brasil,
o fim da Guerra do Paraguai em 1870, a retirada das tropas em 1876 e o retorno
dos luzias ao poder em 1878, após um decênio saquarema, marcam um ponto
de inflexão, não apenas para o Partido Conservador, mas também para o
sistema monárquico: houve certa exaustão da organização política que havia
garantido o auge do Império na década de cinquenta. A extensão dos conflitos
da Guerra do Paraguai foi impopular, e causou uma grande exaustão do
potencial econômico do país. Paralelamente, como mostrar-se-á na subseção
próxima, o movimento liberal fortaleceu-se politicamente, acenando por
prioridades e objetivos diferentes – pós-consolidação do Estado, um novo
estágio no processo de evolução do país –, em parte consequência do
cumprimento da agenda saquarema. Em suma, cumprido esse programa,
concretizava-se a necessidade de mudanças políticas: não havia mais o trauma
e risco de fragmentação territorial, a ordem havia sido alcançada interna e
externamente; e havia pressões de setores da sociedade – e posteriormente do
próprio contexto internacional – para tal. A necessidade de novos rumos, como
mostrar-se-á a seguir, foi inclusive reconhecida pelo setor saquarema moderado.
Dessa forma, a hegemonia política conservadora ocorre durante período
que é considerado determinante para a consolidação do Estado brasileiro no
plano interno. Pelo exposto acima, percebe-se que deve ser considerado marco
também no plano externo: “em fins dos 1870, a política externa do Império
atingira todos os fins que se propusera”, como diz o próprio Ricupero (op. cit.,
p.239), o que corrobora o argumento de que a PEB do Segundo Reinado foi
predominantemente conservadora, uma vez que até essa época predominou o
paradigma saquarema. Consolidou-se a estabilidade política, o progresso
econômico e a imposição de uma ordem externa favorável ao interesses do
Brasil. Tais medidas foram elaboradas pelos políticos conservadores, em meio a
oposição liberal. Evidencia-se, por isto, que nessas décadas houve a
consolidação de dois projetos opostos para o país e para a sua política exterior.
Houve, também, uma hegemonia em termos de governança política pelos
saquaremas, uma vez que os governos luzias entre 1844-1848 e 1862-1868, ao
levar em conta o que a literatura identifica como marcas do período, são de
importância e legados periféricos. A conquista efetiva liberal foi o ressurgimento
no plano das ideias, com a reemergência da polarização ideológica na década
de sessenta, que conforme mostrarei na subseção seguinte, culminou em
predomínio luzia nos últimos anos da monarquia.
1.2.4 Fortalecimento, consolidação e domínio do movimento liberal: da
década de setenta ao Golpe
Como já dito, ao longo da década de setenta, até 1878 os Gabinetes foram todos
saquaremas – ou seja, a política do dia a dia era ainda de dominância
conservadora. Mas após a Guerra do Paraguai, o país expôs vários problemas:
a economia se encontrava em frangalhos, e no plano social, o Brasil era a única
nação do continente a manter a escravidão, o que contribuía para uma péssima
imagem no globo. Ainda, nas últimas décadas do século surgem novos
movimentos intelectuais que culminariam, posteriormente, na defesa dos direitos
humanos e na formação de mecanismos multilaterais. Este movimento
internacional, que no plano intelectual possuía nomes como Immanuel Kant,
John Stuart Mill e Thomas Jefferson dentre seus principais inspiradores, teve
impacto no Império. Isto, aliado com o pensamento conservador perdendo
influência e o movimento liberal se consolidando intelectualmente, levou a um
processo de gradual dominância política efetiva dos luzias.
Sendo assim, o período é marcado por grande pressão reformista,
principalmente devido à existência de uma nova geração social: os magistrados,
que eram a ala ideológica dos conservadores, não participavam mais da política;
mas os profissionais liberais, dominantes na composição do partido liberal,
tinham participação crescente. Nessas duas décadas, houveram também vários
pontos de desestabilização do regime político monárquico, e a ‘alternativa
republicana’ gradativamente conquistou espaço e adeptos.
Nesse contexto, com a concretização e consequente término da agenda
externa dos saquaremas, a agenda luzia adquiriu força. No Prata, estabelece-se
o que Cervo (op. cit.) chamou de “retraimento vigilante”. E em linhas gerais,
ocorre uma aproximação com o continente americano, com foco nos EUA:
constante busca em obter maiores vantagens comerciais, relações pacíficas e
uma maior similaridade (inclusive institucional) com o restante da América. Em
relação aos outros momentos de PE luzias descritos nas subseções acima, de
inovador nesse tempo há a crença nos movimentos globais que anos depois
viriam a culminar no multilateralismo, e no discurso pan-americanista que surgiu
nesse anos. Ou seja, houve o apoio às movimentações em favor do direito
internacional e do ativismo transnacional. Além disso, é necessário ressaltar que
o programa externo dos liberais monarquistas e republicanos coincidiam. Havia
uma indistinção no diagnóstico externo: o excesso de gastos da PE saquarema
com resultados e ganhos comerciais inúteis; a política anti-americana que
precisava ser rompida; e a imperatividade de uma ênfase na atividade
econômica. O principal ponto de reivindicação dos liberais como um todo era
uma mudança de diretriz na política para com o continente americano, uma
reorientação do eixo diplomático14.
Ademais, para entender o fortalecimento do movimento liberal a partir da
década de setenta, é necessário remontar aos impactos da crise gerada pela
formação do Gabinete saquarema em 1868. Entre 1862-1868, a ala moderada
dos luzias estavam no poder, e enfrentava oposição dos “liberais históricos”,
grupo composto principalmente de remanescentes da revolta liberal de 1842.
Estes podem também ser chamados de “liberais radicais”, uma vez que
possuíam uma visão negativa quanto a singularidade da organização político-
monárquica brasileira, e defendiam reformas que aproximariam o país, em
termos constitucionais, do restante do continente. Após serem demitidos pelo
Imperador, os liberais moderados se juntaram a esses liberais radicais em meio
ao que entenderam como uma traição – mesmo que fosse uma decisão
perfeitamente legal – do Trono em 1868. Nisto, formaram, na oposição, o ‘Centro
Liberal’, e passaram a se reunirem internamente e pensarem em um novo projeto
de país. No princípio, houve certa moderação de propostas, como exemplificado
pelo “manifesto do centro liberal” de 1869, com tons de liberalismo monárquico
britânico. Mas o Centro Liberal é praticamente debelado com a criação, por
outros grupos, do Partido Republicano em 1870, uma vez que os liberais radicais
migram para esse partido. Como aponta Carvalho (2008), o republicanismo
gradativamente conquista adeptos, com destaque para o apoio pragmático dos
cafeicultores, sobretudo desde 1871, com a aprovação da Lei do Ventre Livre,
que consideraram uma traição da Coroa.
Os republicanos pensavam que a continuação do arranjo institucional
centralizado poderia levar ao desmembramento da unidade nacional – mesmo
diagnóstico de outros como Tavares Bastos. Além disso, entendiam que o
governo monárquico oprimiam o indivíduo no plano interno, e era um motivo para
a hostilidade e rivalidade com os países vizinhos. Logo, argumentavam os
radicais, no continente americano só há espaço para Repúblicas: “somos da

14
Por mais que o diagnóstico fosse o mesmo, é bastante razoável imaginar que a maneira pela qual luzias
radicais e moderados implementariam essas diretrizes fossem diferentes. Por exemplo, com a vitória dos
republicanos após o Golpe de 1889, o idealismo exaltado tomou conta dos estadistas, em nível
relativamente muito maior do que ocorria com os luzias moderados que governavam na Monarquia.
América e queremos ser americanos”. Dentro do movimento liberal, com
conclusões distintas desta, destacam-se: Tavares Bastos, que apesar do
diagnóstico semelhante, sugeriu, em meio a esse debate entre
moderados/radicais, ter como modelo os EUA, mas manter as instituições
monárquicas; e Joaquim Nabuco, que apontava para os novos tempos e a
necessidade de renovação do regime, mas por meio do argumento de que a
essência americana era o federalismo, e não o republicanismo (Sousa, op. cit.,
p.170).
Para além do movimento liberal, a própria ala (moderada) saquarema
reconhecia necessidades de atualização do regime15. A estratégia do Gabinete
mais longevo do Império, conduzido pelo Visconde do Rio Branco (1871-1875),
era justamente de desidratar posições revolucionárias – não todas, claro, mas
parte significativa. Exemplo foi a solidariedade regional na Bacia do Prata após
a morte do ditador paraguaio, mas de maneira que mantinha a “ordem platina”.
Políticas como estas, todavia, acentuaram a divisão entre os setores moderados
(funcionários públicos) e extremistas (fazendeiros de exportação) do partido
conservador e também contribuíram para seu gradual enfraquecimento,
principalmente após a Lei do Ventre Livre de 1871.
Ilustração desta existência de diferentes correntes dentro do Partido foi o
processo de elaboração da Lei Áurea: o Barão de Cotegipe foi demitido por não
querer fazer a abolição, e a Regente Isabel o substituiu por outro conservador,
mas que era favorável a extinção da escravatura, João Alfredo. Como aponta
Torres (2017), o abolicionismo dividia tanto os saquaremas quanto luzias – haja
vista que também existia setores escravagistas neste –, o que faz com que o
autor considere a escravidão uma “terceira pauta”, separada das outras
questões que polarizavam a política entre conservadores e liberais.
Aliás, argumentavelmente, a “questão servil”, como era chamada na
época, foi, em parte devido a esses rachas gerados nos partidos, a maior causa
da crise não somente no partido conservador, mas do sistema político
monárquico em geral. Em primeiro lugar, a abolição fazia parte da agenda luzia,
e sua não convocação para aprovarem o Ventre Livre em 1871 e a abolição em
1888 demonstra que a Monarquia havia perdido sua capacidade de arbitragem
entre os grupos políticos (Carvalho, op. cit.). Além disso, havia a péssima
imagem que a escravidão fornecia ao Brasil, com escravos, por exemplo, lutando
na Guerra do Paraguai. Isto, afirmavam os liberais moderados, fazia com que o
Brasil destoasse do restante do continente16. Fato era que o Brasil, devido a
escravidão, era motivo de escárnio América do Sul, e importantes esforços

15
É possível encontrar uma ilustração disso em artigo de Christian Lynch (2014, p.299). Ao dissertar sobre
a reticência presente no pensamento saquarema quanto a possíveis modificações institucionais a fim de
realizar mera importação de mecanismos e arranjos de outros países, o autor afirma que “isso não quer
dizer que os saquaremas fossem avessos às mudanças. Muito pelo contrário, muitas vezes influenciados
pela ‘filosofia política’ do Visconde de Uruguai, eles eram os primeiros a reconhecer a sua necessidade,
ainda quando dela desgostassem, por verem, na alternativa da inércia, um potencial de males ainda
superiores.”
16
Nesse cenário, medidas descentralizadoras (federalismo) e a abolição cumpririam o objetivo de aproximar
o Brasil do restante do continente, entendiam.
reformistas, como a política migratória – constante nas intenções, e efetiva
somente na última década do regime –, também esbarrava na escravidão. À
crescente pressão popular pela abolição, somou-se apoios de movimentos
internacionais, destacando-se o papel desempenhado por Joaquim Nabuco,
realizando parcerias com associações contra a escravidão, exemplo este dos
‘novos tempos’, da influência do cosmopolitismo crescente naqueles anos.
Ainda, a própria instituição do Trono favoreceu a abolição: o Imperador que
impulsionou a Lei do Ventre Livre; e os conservadores moderados, como o
Visconde de Rio Branco, concordavam.17
Em meio a todas essas transformações sócio-políticas, mesmo o
Conselho de Estado, órgão de participação vitalícia, passou por mudanças. Este
órgão adquiriu viés crescentemente liberal, o que tem como consequência novas
interpretações sobre a projeção externa brasileira, que foi gradualmente
renovada pela ascensão e gradual domínio político luzia. Nas duas últimas
décadas de Pedro II, houve, concretamente: uma aproximação com os Estados
Unidos, de grande importância comercial, com crescentes exportações
brasileiras para o país e aumento de investimento estadunidense em território
nacional. Destaca-se também o arbitramento do presidente americano no litígio
entre Paraguai e Argentina, que favoreceu interesses brasileiros; e a viagem de
D. Pedro II para o país, em 1876, causando boa impressão na sociedade local.
É notável, ademais, a percepção liberal do avanço civilizatório das antes
belicosas e anárquicas repúblicas sul-americanas, com destaque para a
Argentina, país pelo qual houve esforços no sentido de estreitamento de
relações, em posição diametralmente distinta dos saquaremas: agora, a
Argentina era vangloriada e bem recebida, e inexistia preocupações sobre
anseios expansionistas. A narrativa luzia visava tornar esse país exemplo de
nação platina (local em que os saquaremas intervieram militarmente para impor
ordem) e sul-americana (região que os conservadores descreviam sempre como
instáveis e inferiores a Monarquia brasileira) a ser seguida. Ainda, o país
participou de iniciativas que vieram a ser as primeiras conferências multilaterais
americanas; além da mudança de entendimento quanto a possibilidade de
negociação de tratados, arbitramentos e demais tipos de acordos, já nos anos
finais da Monarquia.
Evidencia-se, à vista disso, que houve, aos poucos, uma substancial
mudança na atuação política do Império quando comparado ao que se praticava
até o fim de desenrolares da Guerra do Paraguai, ou em relação ao paradigma
saquarema. Essa mudança é símbolo da consolidação de um novo predomínio,
agora dos luzias, tanto externa quanto domesticamente: após 1876 a política de
limites esmoreceu, e questões limítrofes pendentes foram deixadas para a
República; e cresceram as propostas de descentralização e maior liberdade para
as províncias. E isso ocorreu mesmo com os próprios saquaremas já tendo
percebido a necessidade de mudanças e já estarem fazendo, à maneira

17
Para detalhes sobre a escravidão e sua influência na política do Império, ver Carvalho (op. cit.), parte II,
capítulo dois.
conservadora, reformas – não foram, por exemplo, contrários à participação do
Brasil nas reuniões americanas que se delinearam na época.
Ou seja, mudanças na PE (adaptação aos novos tempos), aproximação
dos EUA e mais atenção a possíveis parcerias no continente já eram, mesmo
entre conservadores, uma tendência. Por conseguinte, ocorriam mesmo antes
do Golpe de 15 de Novembro:
Ao nosso ver, inexistem evidências indicativas que o processo de
americanização pelo qual passavam as relações internacionais do país
demandasse a instalação da República. A contar pela configuração institucional
imperial, era de se esperar que o processo ora em curso tivesse prosseguimento
dentro do espírito vigilante que pautara a política exterior do país, uma
contraposição aos excessos diplomáticos da aurora republicana. (Sousa, op. cit.,
p.184)

A aproximação continental, bandeira amplamente defendida nos últimos anos


da Monarquia, estava em curso quando da deposição do último Monarca. […]
Vencia no debate das ideias nos lustros derradeiros da Monarquia a crença em
torno da necessidade de um novo relacionamento continental. […] No campo
doméstico, caminhava-se para a construção de uma monarquia federativa, cuja
falta de tempo auxiliaria na precipitação dos últimos acontecimentos do 15 de
novembro. (Sousa, op. cit., p.198-9)

A despeito disso, a queda da monarquia ocorreu. Conforme aponta José


Murilo de Carvalho (op. cit.), por um conjunto de fatores, que culminaram na
perda da base política de apoio da monarquia, os fazendeiros proprietários. O
autor argumenta, entretanto, que o colapso do sistema político baseado nessa
aliança ocorre devido à ambiguidade intrínseca ao sistema de representatividade
dos atores envolvidos, a um conjunto inerente de contradições que ele descreve
como “teatro de sombras” (“teatro” devido ao sistema ser representativo, e “de
sombras” devido as incongruências presentes nele): o Trono esforçava-se para
cumprir seu papel constitucional, mas à medida que respondia aos anseios
populares (como no apoio a abolição da escravatura), os grandes proprietários
sentiam-se traídos; e a elite política, por sua vez, não sabia se representavam a
população, se respondiam ao Poder Moderador ou se obedeciam aos grupos
que os colocaram no Parlamento.
Já Ricupero (op. cit.) aponta a dificuldade do regime de se autoreformar,
enumerando aspectos como: a escravidão; crescente instabilidade
administrativa (dez Gabinetes desde 1880 ao Golpe); ao dinamismo da
economia argentina, capitaneada pelo crescente movimento republicano; e a
inexistência de movimentação política do monarca em angariar para a Coroa
uma base de apoio política. Pelo contrário, havia um constante isolamento, como
evidenciado pela questão militar e religiosa.
Em linhas gerais, o Segundo Reinado encerraria um longo ciclo de
proeminência conservadora. Com o Golpe, a reorganização institucional seguiu
os anseios de luzias radicais, sendo o auge do domínio liberal. Nesse sentido, o
primeiro Ministro das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva, tentou realizar
acordo com os argentinos que dividia ao meio zona reivindicada por Buenos
Aires. Como diz Ricupero (op. cit., p.259):
O espírito idealista e romântico que presidiu às negociações ficava evidente no
preâmbulo, que situava a questão “sob os auspícios da unidade institucional da
América e em nome dos sentimentos de fraternidade que devem subsistir entre
todos os povos deste Continente”. A inexperiência de Bocaiuva transparecia na
frase que lhe atribuem: “Terras temo-las nós de sobra; o que nos falta é juízo”.
[...] A reação contrária à fórmula de partilha iria tornar-se praticamente unânime
no Brasil [...]. No ano seguinte, a Câmara dos Deputados rejeitaria o tratado por
142 votos a 5 [...]

Em meio a decadência que aparentemente – pelos acontecimentos até o


ano de 1902 – seria o legado da PE da Primeira República, com elevado
idealismo, “por sorte, quis a providência haver um segundo Paranhos” (Sousa,
op. cit., p.49).
Sumariamente, no que concerne a esfera externa das últimas duas décadas
da monarquia brasileira, houve ponto de inflexão, com a predominância do
pensamento liberal e domínio político por parte dos luzias. Ocorreram mudanças
de posição no Conselho de Estado, uma aproximação comercial com EUA,
movimentos de apoio transnacionais pela abolição, discursos e tentativas de
aproximação com Argentina. Surgiram, enfim, as tendências e diretrizes que se
aprofundariam após a marcha dos militares, a ponto de se tornarem
absolutamente ideológicas na Primeira República.
1.3 Os paradigmas saquaremas e luzias
Expôs-se na seção acima a constituição histórica dos projetos saquaremas e
luzias para o Brasil, que possuíam não só âmbito doméstico, mas também
diretrizes de atuação externa, cujo processo de formação detalhei. Perante essa
perspectiva, nessa seção busca-se formalizar os paradigmas luzias e
saquaremas de PE. Basear-nos-emos, principalmente, nos trabalhos de Lynch
(2011, 2014), e também em Sousa (2013), Rosi (2016) e Barrio (2011).
O ponto central de divergência entre os dois grupos era pela centralização
ou descentralização do Estado. Esta era defendida pelos liberais, segundo os
quais a centralização perverteria a ordem, que não existiria sem liberdade. Já
conservadores defendiam aquela como pré requisito para gerar progresso dentro
da ordem, e esta garantiria a liberdade.
Nos primórdios do Estado brasileiro, no período pós independência e
abdicação, progressistas e regressistas realizam diagnóstico da situação
brasileira. A visão conservadora entendia que o Brasil era um grande território,
mas sem nação: um Estado fraco, dominado por uma elite de proprietários rurais
sem virtude pública que só pensavam em si, e uma sociedade sem poder ou
mecanismos de representação política. Sendo assim, era ilusão esperar que a
elite existente construiria uma nação ou país forte. Ademais, saquaremas podem
ser considerados herdeiros de uma tradição lusitana, a qual valorizavam; pois o
Brasil era grande, um Império, e era importantíssimo que se mantivesse a
unidade política nesse vasto território. Herança territorial esta que era um trunfo
em meio as outras fraquezas, um ponto que distinguia o país em meio às
pequenas e anárquicas repúblicas do continente, além de ser motivo de riqueza
e orgulho para o país. E para esse território se manter, era imprescindível que o
Estado fosse forte e centralizado, com o poder concentrado, não dividido entre
províncias. Regressistas se inspiravam na trajetória dos Estados europeus, haja
vista que estes, em meio a anarquia, foram consolidados a partir da
centralização. A partir desta seria possível a ordem, que forneceria unidade e
liberdade aos cidadãos. Dessa maneira, era necessário que o Estado criasse a
nação, e fosse formado de cima pra baixo, com uma elite que se instalasse no
aparelho burocrático e que combatesse os proprietários rurais e o que hoje
denomina-se “patrimonialismo”, para assegurar a ordem e pacificação nacional.
Com isso, garantir-se-ia a imprescindível unidade territorial.
Por sua vez, os liberais afirmavam que existia, sim, uma nação: eles
próprios. O Estado, por sua vez, deveria se conectar estreitamente com essa
elite nacional, servir a ela e a seus interesses. Caso não o fizesse, não haveria
liberdade, apenas despotismo. A centralização, nos moldes do Primeiro
Reinado, reprimia a liberdade e impedia o progresso do país; uma vez que o
primado do progresso é o indivíduo, a sociedade e liberdade individual. Diante
desse inimigo (a centralização excessiva do poder no Monarca), era imperativo
a liberdade para cada uma das respectivas elites regionais, a autonomia
provincial, por meio do sistema federalista. A Monarquia Federativa foi o sistema
de governo mais defendido pelos luzias ao longo do Segundo Reinado, exceção
feita do movimento republicano iniciado na década de setenta. Eram, ainda,
contra aspectos como o Senado vitalício e o Poder Moderador. O modelo
civilizatório era o continente americano, especificamente os EUA, com seu
progresso econômico e prevalência da economia e do indivíduo sobre o Estado.
Não obstante, vale destacar que ao longo de todo o período, é notável a
relativa menor coesão e unidade entre luzias do que nos saquaremas, grupo
muito mais coeso até no que diz respeito à concentração regional. Os luzias
eram muito mais dispersos no território brasileiro, e seus diferentes polos, no
final, buscavam sempre satisfazer seus interesses específicos. O núcleo do
partido conservador consistia em cafeicultores de exportação do Rio de Janeiro
e magistrados que orbitavam a Corte. Ainda, como disse Lynch (2011, p.26), os
ideais dos luzias se baseavam no liberalismo clássico, mas em sua gênese
possuíam, em meio ao contexto brasileiro, um caráter profundamente
oligárquico: não havia, no início, preocupação com a instauração da República,
democracia, ou mesmo com o fim da escravidão. Já a geração liberal seguinte
viu uma divisão do movimento entre monarquistas e republicanos, de maneira
que ocorreu, paulatinamente, o surgimento de ideais democráticos, como pela
abolição da escravidão.
Com efeito, seguindo essa linha de raciocínio é possível explicitar as
principais diferenças entre os dois grupos analisados. Os saquaremas se
baseavam no tripé Ordem-Centralização-Estadocentrismo, enquanto os luzias
em Liberdade-Federação-Sociocentrismo (Sousa, 2013). O projeto de Brasil e
propostas desses dois grupos eram concebidos a partir disso.
Para os conservadores, sem ordem não haverá liberdade, e se necessário
ela deve ser imposta, utilizando o poder para intervir – interna ou externamente.
Já liberais entendiam que a liberdade é intransigente, e vista que é um direito
inalienável, governantes deviam se manter, via de regra, neutros no que dizia
respeito à ação individual.
No entendimento saquarema, havia uma prevalência dos aspectos
políticos. Sendo assim, o Brasil, para contrabalançar a sociedade caída, devia
ser explicado pelo Estado, cuja força viria de cima pra baixo, devido a
centralização. Luzias argumentavam pelo domínio da economia sobre o político:
o Estado seria explicado pela sociedade, que caso decaída, era devido
precipuamente ao tamanho daquele. A força, nesta concepção, seria advinda da
união das federações do país.
Sobre a organização político-institucional, conservadores defendiam a
manutenção das instituições, com reforma pontuais, de maneira gradual, e
quando se provassem realmente necessárias. Liberais defendem reformas,
imediatas se necessário, por meio de mudanças no arranjo institucional para
avançar no quesito da liberdade cívica. Especificamente no que concerne
diretrizes para as relações internacionais brasileiras, saquaremas baseavam-se
em visão realista, da raison d’etat, inspirada em Hobbes e Maquiavel. Luzias
foram influenciados por argumentos como os de Immanuel Kant.
Em relação a formação de alianças, nota-se o ceticismo,
circunstancialismo e pragmatismo saquarema versus a parceria inconteste com
os irmãos americanos dos luzias. Neste ponto, é importante destacar como
ambos se sentiam sobre os EUA: conservadores tinham respeito ao que esta
nação havia conquistado, mas para o contexto brasileiro não acreditavam que a
mesma organização institucional funcionaria, e eram também preocupados com
eventuais movimentações expansionistas; enquanto liberais tinham toda sua
visão política inspirada nos EUA. Finalmente, os saquaremas valorizavam a
grandeza nacional, defendiam a intangibilidade do território e tinham na distinção
institucional (monárquica) do país o símbolo dessa riqueza, que para maioria dos
luzias poderia apenas deixar o país isolado no cenário continental e global.
Quanto a implementação de medidas concretas no cenário externo, a
diferença mais visível ocorreu no Cone Sul: o estabelecimento, em linguagem
diplomática, de “equilíbrio de poder favorável no Prata” (consolidação de uma
hegemonia brasileira) como um princípio indispensável à diplomacia, frente a
constante busca por cooperação e alinhamento com vizinhos.
Em suma:
O paradigma saquarema que orientava a política externa brasileira passava pela
consolidação do espaço político nacional por meio do uti possidetis, pela livre
navegação dos rios limítrofes pelos ribeirinhos e pelo equilíbrio de poder na
região do Prata. Era o equivalente externo do paradigma saquarema interno,
monárquico parlamentar unitário. Ambos se orientavam por um objetivo: a
consolidação do Estado nacional contra a anarquia interna (os luzias) e externa
(os caudilhos platinos). Seus principais artífices políticos, tanto em uma quanto
em outra esfera, formaram três gerações de mestres e discípulos: Bernardo
Pereira de Vasconcelos, o Visconde do Uruguai e o Visconde do Rio Branco.
Embora assentada em diretrizes preferencialmente pacíficas, aquela política
saquarema admitia o recurso à intervenção militar para defender o território
(como aconteceu nas décadas de 1850-1870), tanto quanto, no interior, admitia
excepcionalmente o estado de sítio para garantir a ordem pública. (Lynch, 2014,
p.285-6)

Analogamente, o paradigma luzia de PEB ganhou força principalmente


após a década de sessenta, quando começou a contestar, no plano das ideias,
as diretrizes de PE dos saquaremas. Caracterizou-se pela ausência de
preocupação com o espaço político nacional em detrimento de relações
harmônicas com os vizinhos, e pela defesa da abertura de navegação imediata
do Amazonas, pra fazer comércio, acumular capital e resolver problemas
nacionais imediatos. Existia certo consenso entre os diferentes grupos liberais
no projeto para o cenário externo, mas perto do apogeu luzia, houve divisão
sobre planos para o âmbito doméstico: entre moderados (monarquistas) e
revolucionários (republicanos). Mas o objetivo final era comum: garantir maior
liberdade para os indivíduos e para as províncias, pois isso era o caminho para
um progresso econômico nos moldes do que ocorreu nos EUA e para nos
equipararmos com os parceiros limítrofes. Os principais expoentes de cada
geração são Diogo Antônio Feijó, Tavares Bastos e José Tomás Nabuco de
Araújo. Afirmavam que os conflitos bélicos em que o país se envolveu não
trouxeram nada benéfico; afinal de contas, não houve benefícios econômicos,
pelo contrário: conquistou-se a inimizade dos vizinhos e ainda não houve
aumento na massa territorial. Por isto, eram primariamente neutralistas e anti-
intervencionistas.
1.4 Conclusão
Entende-se, portanto, que o Segundo Reinado foi momento de consolidação do
Estado brasileiro no plano interno e externo, a partir da disputa de projetos para
o país de dois grupos políticos, no qual o saquarema prevaleceu e foi o
paradigma dominante na projeção externa do Império, na construção
institucional do Segundo Reinado como um todo. Dessa forma, a PE fazia parte
das disputas político-partidárias, e era elaborada e implementada pelos maiores
expoentes dos respectivos polos políticos. O próprio Ricupero corrobora a
politização do período:
Das questões de paz e guerra do Prata dependia, acreditava-se, a própria
sobrevivência do Império. Por esse motivo, delas se ocuparam pessoalmente
suas maiores vocações políticas: Honório Hermeto, Paulino Soares de Souza,
Paranhos, Caxias, sem esquecer São Vicente, Saraiva, Cotegipe, tantos outros,
nenhum deles diplomata de carreira. Nunca mais no futuro, em especial na era
republicana, dedicariam os principais políticos brasileiros tanta atenção e
envolvimento pessoal aos problemas internacionais [...]. É como se, à medida
que a estabilidade se consolidasse na região e a hipótese de guerra se tornasse
implausível, a diplomacia deixasse o domínio olímpico da grande política e
voltasse a ser ofício rotineiro dos especialistas. (Ricupero, op. cit., p.213)

No Primeiro Reinado, estabeleceu-se o projeto de Brasil que viria a ser o


dos saquaremas, principalmente pela atuação de José Bonifácio. A PE do
período era marcada pelo protagonismo do Imperador, soberano absoluto nas
decisões, com pouca participação de órgãos como o Conselho de Estado e
Poder Legislativo. No período Regencial, o grupo de oposição a Pedro I
promoveu grandes medidas de descentralização do poder, e o Parlamento foi o
grande protagonista da PE. Houve a formação do que seria o projeto dos luzias
para o Brasil, com inspiração na organização política dos EUA. Durante o
governo de Diogo Feijó, houve a divisão entre progressistas e regressistas, em
polarização que seria o condutor político do Segundo Reinado.
Após 1837 inicia-se o momento de hegemonia conservadora. Do
Regresso até metade do século, os conservadores centralizaram o poder do
Estado no Monarca, buscando pacificar e consolidar uma ordem doméstica.
Após a concretização disto, foi possível ao saquaremas buscar uma balança de
poder no cenário externo que fosse favorável aos interesses brasileiros e ao
projeto que eles possuíam para o Brasil. Durante esse período, na década de
sessenta, resultado principalmente da Conciliação Partidária, ocorreu o
ressurgimento político dos luzias, mas com maior efeito no âmbito das ideias, no
debate político. A vitória brasileira na Guerra do Paraguai garante a
concretização do projeto saquarema, mas após o conflito difundiu-se a
percepção de certo esgotamento do poderio econômico brasileiro e da
necessidade de reformas no regime, devido, por exemplo, pela “questão servil”.
Paulatinamente, os liberais conquistaram espaço no plano político.
Os luzias se dividiram em radicais e moderados, mas as críticas ao
paradigma saquarema eram unânimes e ambos defendiam a formação de uma
política americana, a fim de adquirir ganhos comerciais e aproximar o país do
restante do continente. Houve um gradual domínio luzia, que teve como
consequência certas mudanças, como no Conselho de Estado, que como será
detalhando no segundo capítulo, adquiriu crescente viés liberal; além de distintas
preocupações na área externa pelos Gabinetes: concretamente, uma
aproximação (comercial) dos EUA, e manobras retóricas com a Argentina, país
que os luzias desejavam tomar como exemplo de República latino-americana
bem sucedida. O aspecto idealista dos luzias ganha mais força após o Golpe,
mas também não se concretiza, como no caso do tratado assinado por Bocaiúva
com a Argentina.
A partir do que foi evidenciado acima, foi possível expor as principais
características dos paradigmas saquaremas e luzias. Os conservadores
entendiam que a ordem era necessária para que a liberdade ocorresse, que o
Brasil possuía um grande território, mas não tinha uma nação formada, uma vez
que absoluta maioria da população era analfabeta, e que os mais ricos não se
importavam com nada além dos benefícios próprios. Era necessário, sendo
assim, um Estado forte e centralizado para garantir o progresso do país e a
permanência da grande parcela territorial, que deveria ser defendida inclusive
por meio de conflitos, caso estes se fizessem necessários. Já os luzias
afirmavam que a liberdade era um direito intransigente, reprimido no país por
meio da centralização excessiva do poder no Trono. Por isto, era necessário
maior autonomia para as unidades federativas, ao invés da busca incessante e
desnecessária que saquaremas tinham por garantir os limites historicamente
brasileiros. Liberais preferiam perder terreno e garantir relações prósperas com
os vizinhos, com vastas parcerias econômicas.
Buscou-se expor, nesse capítulo, que o paradigma de PE saquarema foi
preponderante no Império, e influente mesmo no período de ascensão liberal. O
segundo capítulo buscará identificar os motivos desse domínio, e o último
capítulo como essa hegemonia consolidou-se institucionalmente.
2. Motivos da hegemonia
2.1 Introdução
No capítulo um, identifiquei dois projetos políticos distintos para o Brasil, com
concepções de projeções externas para o país distintas. Ainda, afirmei que
houve prevalência dos saquaremas ao longo do Segundo Reinado, tanto na
política doméstica quanto externa. Neste capítulo, o objetivo é identificar e
explicar os motivos do projeto saquarema ter sido vencedor.
Entendo que, apesar de dois paradigmas bem distintos e concorrentes,
houveram momentos em que não ocorreu essa constante troca da PE de acordo
com cada partido no poder, isto porque havia outros elementos que garantiam a
continuidade e uma prevalência de determinadas diretrizes saquaremas na PE.
Argumento que os seguintes fatores ocasionaram isso: notadamente as
convicções do Imperador, que compartilhava em grande parte do projeto de
grandeza nacional dos conservadores (moderados); e um Conselho de Estado
e sua seção estrangeira predominantemente conservadora. Esses aspectos
institucionais, aliados com os diagnósticos, propostas e o maior conhecimento e
apoio sobre atividade diplomática por parte dos saquaremas, justificam o
domínio do paradigma conservador à época.
Além dessa introdução e de conclusão, o capítulo terá três seções. A
primeira sobre o papel do Imperador, a segunda sobre o Conselho de Estado, e
a terceira sobre as distintas convicções sobre diplomacia que perduravam entre
liberais e conservadores. Por fim, vale lembrar que é no terceiro capítulo que
pretende-se analisar cada um dos atores institucionais em separado. Neste
capítulo foi necessário, todavia, apresentar e lidar com especificidades do Trono
e do Conselho de Estado para explicar os motivos que levaram ao predomínio
saquarema – mudanças organizacionais do MNE também são mencionadas na
seção 2.4.
2.2 A herança lusitana de Pedro II
As ações e escolhas políticas do Imperador, foram, argumentavelmente, uma
das principais determinantes para o projeto saquarema de Brasil ter sido
vencedor. Como filho de Pedro I e herdeiro do Trono, Pedro II era, literalmente,
símbolo da continuidade do projeto lusitano para o território brasileiro, que como
exposto na subseção 1.2.1, desde D. João VI possuía uma visão de Brasil: um
Império de vasto território, com grande poder e hegemonia no continente sul-
americano. Ainda, vale lembrar que Pedro I, ao retornar para Portugal, escolhe
como tutor de seu herdeiro José Bonifácio, que orquestrou e atuou para
concretizar esse projeto.
Nesse sentido, Dom Pedro II, como Imperador, identificava como sendo
seu papel disseminar e fomentar a identidade brasileira. Análise das Falas do
Trono, discurso proferido pelos Monarcas na abertura e encerramento das
sessões legislativas, evidencia a preocupação do Imperador em defender os
interesses nacionais e a inviolabilidade do território em que seus súditos
habitavam. Em seu segundo pronunciamento, na abertura da Assembleia Geral
em 1841, sobre as relações das potências estrangeiras com o Império, Pedro II
promete que as procuraria “sempre estreitar, tendo em vista os interesses
nacionais e a dignidade de minha Coroa” (Fala do Trono, 03/05/1841). Em meio
aos conflitos que ocorriam no restante do continente, na abertura da Assembleia
de 1843 o Imperador afirma que:
Continuo a manter relações pacíficas e amigáveis com as nações estrangeiras;
e reconhecendo os embaraços que nos podem causar os graves
acontecimentos que agitam algumas repúblicas vizinhas, não se descuida o meu
governo de entender nos meios que a prudência aconselha para defender
nossos legítimos interesses e sustentar a honra e dignidade nacional. (Fala do
Trono, 03/05/1843)

O discurso é semelhante em janeiro de 1845: “as relações pacíficas e


amigáveis com as nações estrangeiras continuam inalteradas, e serei solícito em
mantê-las sem quebra da dignidade e interesses do Império” (Fala do Trono,
01/01/1845). Ainda nesse ano, dois meses depois:
As relações de pacífica e amigável inteligência com as nações estrangeiras
continuam sem alteração; e nos graves conflitos das repúblicas vizinhas do rio
da Prata, o meu governo se não descuida de empregar os meios convenientes
à conservação da paz, sustentando a dignidade e interesses nacionais e sem
ofensa dos direitos daquelas repúblicas. (Fala do Trono, 03/05/1845)

Neste ponto, o Imperador cumpre sua função constitucional, ao garantir


sempre a defesa das preferências de seu país no cenário externo. Doravante,
sobretudo a partir de 1851, durante a escalada expansionista de Rosas, Pedro
II deixa claro que os interesses nacionais estavam estreitamente relacionados
com o respeito aos limites territoriais brasileiros:
Por maior que seja o meu desejo de manter a paz, não deixarei de dar aos meus
súditos a proteção que lhes devo, nem serei indiferente a acontecimentos que
possam prejudicar a segurança e tranquilidade futura do Império, tendo sempre
por um dever respeitar a independência, as instituições e a integridade dos
estados vizinhos, e nunca me envolver de modo algum em seus negócios
internos. (Fala do Trono, 03/05/1841)

Semelhante comportamento ocorre nos conflitos que geraram a Guerra


do Paraguai. Na Fala de 1865:
O presidente da República do Paraguai, contra todas as regras de direito
internacional, mandou apresar o vapor brasileiro Marquês de Olinda, que à
sombra da paz se dirigia para Mato Grosso e levava o presidente nomeado para
essa província, o qual, assim como outros brasileiros, ainda hoje se acha preso.
As tropas paraguaias invadiram depois por um modo inaudito a mesma província
de Mato Grosso. O governo brasileiro, no firme empenho de vingar a soberania
e a honra nacional ultrajadas, tem empregado todos os meios ao seu alcance na
organização do Exército e da Armada para a guerra a que fomos provocados
por aquela república. Apelando para os sentimentos da nação, tem ele sido
correspondido da maneira a mais nobre e a mais digna; de todos os ângulos do
Império surgem voluntários para defender a honra da sua pátria. A justiça da
causa, o patriotismo da nação e o valor de nossos soldados afiançam-nos o mais
completo triunfo. (Fala do Trono, 06/05/1865)
Em 1866, em meio aos conflitos, o Imperador visitou os alojamentos dos
combatentes tupiniquins: “julguei ser do meu dever seguir para ali [Rio Grande
do Sul] a fim de animar com minha presença e meu exemplo a defesa da
integridade do Império” (Fala do Trono, 03/05/1866). Três anos depois,
comunicou a expulsão de inimigos do território historicamente de posse
brasileira, pois “a província de Mato Grosso está livre da invasão paraguaia, o
inimigo já não pisa o solo brasileiro: nossa esquadra domina hoje as águas dos
rios Paraná e Paraguai “(Fala do Trono, 11/05/1869). E após a vitória nos
conflitos diz:
A confiança que depositei na firmeza e patriotismo dos brasileiros foi
amplamente justificada; e a História atestará em todos os tempos que a geração
atual mostrou-se constante e inabalável no pensamento unânime de desagravar
a honra do Brasil. O regozijo de toda a população do Império pelos gloriosos
sucessos que puseram termo a tão nobres sacrifícios, o entusiasmo com que
tem demonstrado seu reconhecimento aos voluntários da pátria, à Guarda
Nacional, ao Exército e Armada são homenagens devidas ao heroísmo e
recompensa merecida da dedicação que provaram à causa nacional. (Fala do
Trono, 06/05/1870)

Mesmo com fronteiras estabelecidas, na Fala de 1883 Pedro II ainda


menciona como supremo os interesses relacionados com os limites brasileiros:
Confio que auxiliareis a reorganização da magistratura em condições
que assegurem a capacidade e independência dos juízes e a reforma da
administração das províncias e dos municípios, desenvolvidas as franquezas
locais de modo a não prejudicar o supremo interesse da unidade e integridade
nacionais. (Fala do Trono, 03/05/1883)

Sendo assim, da mesma maneira que os conservadores, o Imperador


defendia a intransigibilidade do território brasileiro – ao contrário dos luzias. Não
bastando que Imperador e saquaremas compartilhassem visão de Brasil (ambos
eram herdeiros do projeto lusitano para o país), foram as ações dos próceres
conservadores que permitiram que Pedro II exercesse seus poderes
institucionais: principalmente pela Lei de Interpretação do Ato Adicional, ocorreu
a recentralização de poder. Foi por meio do Regresso Conservador que foi
reestabelecido o Conselho de Estado e o próprio Poder Moderador do
Imperador, haja vista que em ambos os casos os liberais se posicionaram de
maneira contrária. A propósito, como aponta José Murilo de Carvalho (2008), foi
a partir do exercício do Moderador que Pedro II conseguiu conquistar sua base
de apoio e subsequente legitimidade política.
Assim sendo, evidencia-se que foram as medidas conservadoras – dentre
as quais deve-se mencionar também a manutenção da vitaliciedade no Senado
– que permitiram e forneceram mecanismos de governança para o Imperador.
Ou seja, as tradições e práticas institucionais que culminaram nos anos de
estabilidade política e auge do Reinado de Pedro II foram frutos da hegemonia
saquarema, dos instrumentos de legitimidade política fornecidos pelos líderes
conservadores. Por isso, João Camilo de Oliveira Torres (2017) denomina os
saquaremas de “construtores do Império”. Neste sentido, cabe pontuar que, na
medida em que o próprio regime monárquico e suas instituições perderam força
e base de apoio, o partido conservador também se enfraqueceu.
Dessa forma, como exposto na subseção 1.2.3, o Regresso Conservador
criou a organização política do reinado de Pedro II, o que, aliado com a
preocupação comum com a unidade territorial, fornecia aos conservadores certa
vantagem institucional, que evidenciou-se justamente nos momentos em que o
país encarava grandes desafios no plano externo, em 1848 e 1868. No primeiro
caso, o Brasil enfrentava fortes pressões britânicas pela abolição do tráfico de
escravos, além da escalada expansionista do ditador argentino Juan Manuel de
Rosas. O Imperador, então, demite o Gabinete luzia e convoca os saquaremas
para o governo, no que a trindade aprova a lei Eusébio de Queirós e derrota
Rosas. Vinte anos depois, em momento crítico da Guerra do Paraguai, Pedro II,
quando havia absoluta maioria dos liberais no Parlamento, novamente retira os
luzias do poder em detrimento do Visconde de Itaboraí, ação que teve como
consequência o ressurgimento do partido conservador e seu domínio da política
nos dez anos subsequentes; além da revolta dos liberais, que fizeram paralelo
com os acontecimentos de 1848 para afirmar que em ambos o Imperador havia
os traído18. Nota-se, assim, que o Imperador, quando teve seu país ameaçado,
recorreu aos conservadores, ao grupo político que lhe forneceu o poder, que
tinha a mesma visão sobre a projeção da nação e que iria lutar para defender a
unidade do país.
2.3 Os saquaremas e o Conselho de Estado
A atuação do Conselho de Estado foi fundamental para que o paradigma
saquarema prevalecesse. Nele, foram discutidas e elaboradas as diretrizes da
PEB que guiariam a projeção externa da nação ao longo de todo o Segundo
Reinado. Constitucionalmente, esta instituição possuía o papel de assistir o
Monarca no exercício do Poder Moderador. O Imperador, entretanto, somente
convocaria o órgão quando entendesse necessário, e não possuía suas
decisões vinculadas aos pareceres dessa instituição, que possuía doze
membros no Conselho Pleno19, e dividia-se em quatro seções20, como a dos
Negócios Estrangeiros, na qual ocorriam grande parte das discussões
importantes sobre PE.
Ao longo do Primeiro Reinado, o Conselho teve diminuta importância e
influência, haja vista que Pedro I, em seu estilo de administração centralizadora,
pouco utilizava-se de pareceres ou convocava reuniões. Ainda assim, os liberais
da Regência, por meio do Ato Adicional, extinguiram a instituição, uma vez que

18
A despeito dessas escolhas de Pedro II em momentos de ameaça externa, é imperativo relembrar que o
Imperador, mesmo sempre vítima de queixas liberais, não apenas sempre favoreceu os saquaremas.
Exemplo foi a escolha do Gabinete da Conciliação partidária, realizado logo após o fim do Gabinete da
tridade saquarema, e que teve como consequência o ressurgimento do partido liberal e medidas como a
reforma eleitoral, que foram o início da implosão do partido conservador, por meio da retirada dos
magistrados da política, e da ascensão e domínio dos luzias nas últimas décadas monárquicas.
19
Como aponta Carvalho (op. cit.), por mais que fosse o foco das atenções, o Conselho Pleno se reunia
muito pouco, em média de cinco vezes por ano. Grande parte dos pareceres que influenciavam as decisões
do Imperador eram formulados nas respectivas seções.
20
As quatro seções eram: Justiça e Estrangeiros; Império; Fazenda; Marinha e Guerra.
era símbolo da centralização e concentração de poder no Monarca. Ao longo do
Segundo Reinado, com o Poder Moderador reestabelecido, o Conselho de
Estado consolidar-se-ia como novo locus de formulação de diretrizes e de um
pensamento internacional brasileiro: devido a Pedro II cumprir à risca o que era
apenas uma recomendação da Constituição, esse órgão era sempre convocado
para debater sobre as questões governamentais relevantes, exercendo extrema
influência nas decisões tomadas, com vários pareceres que se tornariam política
de Estado. Sob essa perspectiva que Joaquim Nabuco (1949) se refere ao
Conselho como “cérebro da monarquia”, e José Honório Rodrigues (1973) o
classificava como um “quinto poder”. Sendo assim, o poder de formulação de
políticas e diretrizes para a PE que o Parlamento tinha na Regência (como
ressaltado na subseção 1.2.2) é transmutado para o Conselho.
Dom Pedro II, além de decidir majoritariamente por consultas ao
Conselho, para após os respectivos pareceres exercer o poder Moderador,
buscava garantir a estabilidade política ao alternar entre os dois grupos no poder
e possuir conselheiros de ambos os partidos – mesmo que o Liberal fosse contra
a existência não somente do Conselho, mas também do Poder Moderador. Estes
partidos políticos tinham suas visões e projetos de Brasil bem definidos, e
constantemente traçavam estratégias para alcançar o poder e concretizar esses
planos. Seus eminentes líderes políticos se concentravam no Conselho de
Estado, onde buscavam influenciar o máximo possível as ideias do Imperador,
que escolheria a direção que o país tomaria, e com isso quem comandaria o
Gabinete.
Ou seja, por possuir tamanha importância, o Conselho era o fórum no qual
os expoentes partidários presentes mais tinham chance de influenciar a política,
as convicções e escolhas do Imperador. Desse modo, era comum disputas,
divergências, e debates entre os principais líderes saquaremas e luzias.
Contudo, houve ao longo do Segundo Reinado uma predominância saquarema
na Seção de Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado, conforme cálculos
de Sousa (op. cit., p.213):
Do levantamento estatístico realizado neste trabalho, não nos parece haver
dúvida quanto à considerável preponderância dos próceres saquaremas sobre
a Seção. Entre 1842 – data da primeira consulta – e 1850, período de
acumulação de poder do Estado brasileiro, 93% de todas as relatorias e 83% da
emissão global de pareceres estiveram a cargo de conhecidos nomes do Partido
Conservador. Este percentual continuaria expressivo no período seguinte,
aquele em que o Estado imperial exerceria ativamente o seu poder no Prata.
Entre 1851 e 1876, 62% de todas as relatorias e 65% da participação geral
estiveram em mãos de próceres conservadores, valor consideravelmente
superior ao que se veria entre 1877 e 1889, momento em que o espectro político
do Império é deslocado pela ascendência liberal.

Valendo-se disso como pressuposto, há de se notar que a prevalência


saquarema no Conselho, local da formulação das diretrizes e do pensamento
internacional brasileiro do Segundo Reinado, coincide com a hegemonia
saquarema no plano das ideias – que como argumentado no capítulo anterior,
perdurou até meados da década de sessenta – e com o exercício de poder
brasileiro, o intervencionismo inaugurado pelo Visconde do Uruguai. Os
saquaremas no Conselho foram também responsáveis por mitigar os efeitos
prático-concretos dos governos luzias nos anos áureos do Segundo Reinado
(década de cinquenta, principalmente). Exemplos foram as condenações do
Tratado da Tríplice Aliança e a resistência contra a abertura do Amazonas, que
ocorreu apenas na segunda metade da década de sessenta. Após a Guerra do
Paraguai, o Conselho, até por ser vitalício, manteve relativo predomínio das
ideias saquaremas21 até meados da década de setenta, quando consolidou-se o
domínio político luzia. Ainda assim, ocorreram nestes últimos anos debates entre
saquaremas e luzias, como nas constantes divergências entre o líder saquarema
Barão de Cotegipe e o luzia Tomás Nabuco de Araújo, que evidenciam-se pelas
leituras das atas do Conselho.
Não obstante, em relação a esse domínio saquarema na composição do
Conselho, há alguns pontos que devem ser analisados. Em primeiro lugar, o
Conselho formado em 184222 não era majoritariamente conservador em sua
gênese porque o Imperador, por meio de ação autoritária, compartilhava do
projeto saquarema para o país e por isto escolheu apenas conservadores para
o órgão: era universalmente conhecido no jogo político da época que os luzias
eram contra o Moderador e o Conselho, além de permissivos quanto a possíveis
independências de províncias, e por isto ter vários liberais na década de
quarenta, quando o país ainda lidava com as revoltas regenciais e tentava
estabelecer a ordem em âmbito nacional, não contribuiria para os objetivos do
Trono naquele momento. Ademais, nesse mesmo ano os liberais realizaram
revoltas em São Paulo e Minas Gerais contra o governo. Por outro lado, os
conservadores haviam reestabelecido o Conselho, o Moderador, defendiam a
repressão às revoltas e a unidade nacional.
Em seguida, após a pacificação nacional, derrota, anistia e “conformação”
dos luzias com o Moderador, o Imperador busca uma pluralidade de pensamento
e de representantes políticos no Conselho. A partir da década de cinquenta,
como expõe os números de Sousa acima expostos, prevalece o domínio
conservador, mas há uma gradativa maior presença liberal, e por conseguinte o
debate e propostas distintas para a PEB crescem. Na década de sessenta
evidencia-se a polarização no campo das ideias, e o gradual domínio luzia é
refletido na composição do Conselho, que passa a ser majoritariamente liberal:
“entre 1877 e 1889, 83% de todas as relatorias seriam realizadas por liberais”
(Sousa, op. cit., p.194). Com maioria luzia, o Conselho, inclusive, muda alguns
de seus posicionamentos, em aspectos como assinatura de tratados,
arbitramentos e participação nas incipientes iniciativas multilaterais do final do
século XIX.

21
Como mostrarei no capítulo três, as diretrizes saquaremas de PE foram bem aceitas, inclusive, pela
sociedade brasileira.
22
Também chamado de “Terceiro Conselho de Estado”. O primeiro foi estabelecido em novembro de 1822
dos Procuradores Gerais das Províncias; e o segundo em 1823, primariamente para escrever a
Constituição, sendo extinto onze anos depois.
Dessa maneira, evidencia-se que a prevalência de determinado grupo
político na composição do Conselho Estado coincidia com a época em que esse
mesmo grupo era dominante no campo das ideias e que conseguia concretizar
seu projeto de Brasil, doméstica e externamente. É possível perceber que a
hegemonia saquarema, até a década de setenta, coincidiu com a consolidação
do poder monárquico, com o momento de fortalecimento do Estado e garantia
da unidade brasileira, aspectos que também eram caros ao Imperador. Este,
após a conclusão desses objetivos, percebeu que o país se encontrava em uma
nova fase em seu processo de evolução institucional, e conferiu maior
proeminência política aos liberais, permitindo uma maior tendência a reformas e
evoluções do regime.
2.4 O contraste entre o pensamento luzia e saquarema no plano
diplomático-institucional
Para além das “vantagens” saquaremas nessas duas instituições, havia uma
incongruência entre objetivos luzias para a PE e o pensamento imperial. Como
exposto na seção 1.4, os liberais entendiam que a liberdade era um direito
intransponível, e que para a garantia de relações pacíficas e prósperas com os
países vizinhos continentais era possível, inclusive, abrir mão de parte do
território, ou permitir presença estrangeira em região pouco povoada, como foi,
por exemplo no caso da abertura do Rio Amazonas. Já o Imperador diferia dos
luzias e concordava com os argumentos do Visconde do Rio Branco:
Li o artigo do Solitário [Tavares Bastos], e concordo inteiramente com que ele
diz sobre a necessidade de olhar seriamente das províncias (sic). Ministros de
ambas as opiniões e pessoas das províncias do Norte sabem de minhas
(opiniões) a tal respeito. Quanto ao Amazonas sempre tive receio dos Estados
Unidos cujas relações suplantariam as de outras potências, e ainda que muito
agrade a doutrina evangélica de Russel entendo que a integridade do Império é
a principal segurança de nossa prosperidade e que portanto cumpre zelá-la
mesmo para bem das províncias. Contudo a abertura do Amazonas a todas as
nações sob certas regras há muito tempo que ocupa minha atenção tendo eu
sempre chamado a atenção dos ministros para o Pará cujas imensas riquezas é
dever aproveitar [...] (Diários de Pedro II, 31/03/1862)

Veio o Paranhos. [...] Falamos da abertura do Amazonas que não pode ser
adiada por muito tempo, convindo tratar de colonizar convenientemente as
margens do rio como há tantos anos recomendo eu. A respeito do comércio de
cabotagem feito por estrangeiros diverge Paranhos inteiramente das ideias do
Solitário [Tavares Bastos] por sólidas razões com que eu concordo. Ele pensa
que os artigos do Solitário são pagos ao Mercantil por interesses dos Estados
Unidos. (Diários de Pedro II, 02/04/1862)

Além disso, em relação ao liberalismo econômico estilo laissez faire, do


Brasil aberto a todos os povos que os liberais defendiam, o Imperador registra
em seu diário que:
As ideias de liberdade que o Solitário [Tavares Bastos] advoga agradam-me;
porém não creio na conveniência dum sistema baseado por elas, e certas
indústrias são indispensáveis a qualquer país [...] (Diários de Pedro II,
14/03/1862)
Em suma, o Imperador compartilhava da preocupação territorial que
tinham os saquaremas, enquanto os liberais não concordavam com isso, não se
preocupavam com a soberania ou a grandeza nacional. Por outro lado, no que
diz respeito ao partido conservador, não bastasse a obra de centralização
monárquica do Regresso, os saquaremas concretizavam sua agenda doméstica,
gerando ordem no plano nacional, com a última revolta regional (Praieira) tendo
seu fim em 1848. Tal sucesso contribuía para uma maior ascendência política
dos saquaremas. Após a pacificação interna, o Gabinete da trindade conquistou,
também, apoio da sociedade na luta contra Rosas. Contudo, para além do apoio
popular na década de cinquenta (no auge do Império), de ter a mesma leitura da
herança lusitana dos interesses nacionais que o Imperador, e da prevalência no
Conselho de Estado, órgão formulador da PEB, a hegemonia conservadora
justifica-se, ademais, pelo relativo contraste contra os luzias no que concerne
diplomacia e organização dos Negócios Estrangeiros.
Para entender essa diferença, é necessário destacar as reformas
administrativas ocorridas no MNE desde o Regresso. Na segunda administração
de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho (1840-1842) aprovou-se a reforma da
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, que ocorreu junto com
reformas das secretarias dos outros ministérios do Império. Esta medida
forneceu maior eficácia para o corpo diplomático, mas teve como desmérito
manter a divisão de assuntos por critérios regionais. Já na administração do
irmão de Aureliano, Saturnino de Souza e Oliveira Coutinho (1847), ocorreu a
reforma do código consular. Posteriormente, durante o Gabinete da trindade
saquarema, além de sua contribuição no plano teórico e prático da PE do
Império, o Visconde do Uruguai também preocupou-se pela organização
administrativa do MNE. Durante sua gestão foram aprovados dispositivos legais
que regulavam a atuação de cônsules estrangeiros no Brasil, além de diretrizes
para a organização do serviço e corpo diplomático do país. No relatório do MNE
à Assembleia Legislativa de 1850, por exemplo, o ministro expôs os grandes
defeitos da reforma da Secretaria de Estado de 1842, principalmente a divisão
dos trabalhos por critérios de localização geográfica. O contexto de grande
convulsão e tensões internacionais do Brasil não permitiu, entretanto, que o
futuro Visconde conseguisse a reforma da Secretaria de Estado (Castro, 2009).
A política de intervenções foram bem sucedidas, mas a despeito disso
Paulino Souza enfrentou crítica dos luzias, que acreditavam que intervenções
bélicas não eram vantajosas para o país. Este argumento foi repetido ao longo
da Guerra da Tríplice Aliança, e principalmente após o término dos conflitos
elevaram-se críticas à manutenção de exércitos no Paraguai até 1876. Por meio
disso, é possível perceber diferentes concepções sobre objetivos e pretensões
para a PE: os luzias apontavam que a manutenção de exércitos no Paraguai não
trazia nenhum benefício econômico e promoveria inimizades com os países do
continente, enquanto os saquaremas preocupavam-se com a manutenção da
integridade territorial do Paraguai e o estabelecimento de uma ordem favorável
ao Brasil na região. Ilustração disso foi discurso do Visconde do Rio Branco
proferido na Câmara em junho de 1860, em resposta ao liberal Martinho
Campos:
Ouvi ontem, ao nobre deputado pela província do Rio de Janeiro, mui merecidos
elogios a S. Exa. o sr. ministro dos Negócios Estrangeiros. Acompanho o nobre
deputado nesses elogios, mas não posso seguir o seu conselho. Segundo ele,
nossas relações com os Estados do Prata devem ser puramente comerciais. […]
Se, pois, o nobre deputado tivesse razão, ainda quando nossos interesses com
aqueles Estados fossem puramente comerciais, tínhamos necessidade de uma
política; essa política chamar-se-ia essencial e exclusivamente comercial, mas
sempre seria política. […] Peço, porém, ao nobre deputado que lance os olhos
sobre a carta geográfica do Império e dos Estados vizinhos (apoiados); que atenda
às relações íntimas em que se acham esses povos e os seus governos; e, então,
o nobre deputado verá que, além dos interesses comerciais, temos aí interesses
muito importantes de outra ordem, interesses de segurança, de paz, de proteção
aos súditos brasileiros e às suas propriedades. […] O nobre deputado há de
reconhecer comigo que tão desarrazoado seria aquele que dissesse “intervenção
sempre, subsídios sempre” como aquele que asseverasse “nunca devemos
intervir, nunca devemos prestar auxílio a governo algum”. O governo imperial,
intervindo alguma vez, fê-lo por interesses essenciais do Império, com inteira
abstenção, porém, pelo que toca aos negócios domésticos desses Estados. As
intervenções são necessidades a que nem sempre os governos se podem
recusar. Esse procedimento é, algumas vezes, aconselhado e determinado
indeclinavelmente por grandes interesses do Estado. Se o nobre deputado quiser
examinar, com a imparcialidade de que é capaz, as intervenções do Império, os
auxílios prestados pelo nosso governo, verá que esses atos foram aconselhados
por ponderosos motivos, por interesses indeclináveis do nosso país. (Franco,
2005, p.143-146)23

Mais do que diferentes visões sobre a função da PEB em meio às tensões


no Prata, havia claras divergências sobre a função e papel da diplomacia como
um todo. Desde a década de quarenta, liberais como Paula Sousa questionavam
o que entendiam como a baixa eficiência do corpo diplomático, chegando a
defender a redução dos gastos e do corpo diplomático; enquanto saquaremas
como Paulino Souza, inclusive quando ministro em 1843, defendiam o MNE
(Sousa, op. cit., p.148).
Tendo isso como pressuposto, no atinente à organização administrativa,
evidencia-se uma maior predisposição dos conservadores para patrocinar as
reformas que forneceriam maior eficácia ao MNE. Após as mudanças
implementadas no período do saquarema Visconde do Uruguai entre 1849-1853,
a Secretaria de Estado do MNE, a qual desde a década de 1830 necessitava de
reforma, só irá ser reorganizada na gestão do saquarema Visconde do Rio
Branco, já em 1858-1859 (Castro, op. cit.). Nesse sentido, Romero (2019) deixa
claro que essa reforma foi concretizada apenas devido a atuação dos líderes
saquaremas. A proposta da reforma, elaborada pelo então Oficial-Maior
Nascentes de Azambuja, foi autorizada em 1854 pela Assembleia Legislativa.
Entretanto, o então ministro do MNE, o luzia Antônio Paulino Limpo de Abreu,
decidiu não executar o plano devido ao aumento de despesas que decorreriam
da concretização da reforma. Apenas em 1858, quando Azambuja submeteu
proposta similar a Seção dos Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado, a
reforma principiou-se: o Visconde do Uruguai e Eusébio de Queirós, membros

23
Os discursos de Paranhos sobre a PEB, realizados no Parlamento, foram publicados pela FUNAG em
obra organizada por Alvaro da Costa Franco (op. cit.).
da trindade saquarema, foram relatores da matéria, e defenderam a
reorganização da MNE, então comandado pelo conservador Paranhos. Os
luzias, entretanto, principalmente o Visconde de Jequitinhonha, foram contra o
parecer, sob o argumento de que a reforma seria pouco útil, uma vez que o MNE
possuía, afirmava ele, apenas funções políticas, e por isto não deveria ter seção
de Comércio e Negócios Consulares, como a reforma previa. Isto, aponta
Romero (op. cit.), deixa claro o desconhecimento que os luzias possuíam de
diplomacia, haja vista que as chancelarias das maiores potências, por exemplo,
já possuíam seções de comércio á época. Além disso, Jequitinhonha também
expôs sua desinformação quanto aos Relatórios do MNE que eram
apresentados para a Assembleia Geral desde a década de trinta, os quais
sempre apontavam a necessidade da reforma da Secretaria de Estado.
Ou seja, o desconhecimento dos luzias da organização diplomática e a
estreita visão do Internacional por lentes econômicas exemplifica, novamente,
que os saquaremas tinham visão de Brasil que coincidia com a de Pedro II, e
que a PEB do Segundo Reinado foi predominantemente conservadora, uma vez
que os liberais apenas a enxergavam como simples instrumento para cumprir o
‘destino manifesto’ do Brasil ‘republicano’ e americano – não tinham a percepção
do jogo político e só pensavam a partir de interesses puramente econômicos
(vide reclamarem dos custos de tropas permanecerem no Paraguai após a
Guerra da Tríplice Aliança). Já para os saquaremas o serviço diplomático era
parte integrante da nação, e para exercer sua imprescindível função de
resguardar os interesses do grande Império brasileiro, necessitava de crescente
eficiência e organização.
A predominância saquarema está presente também, percebe-se, na
própria história do MNE: grande maioria das reformas administrativas
importantes para a crescente organização e eficácia dos Negócios Estrangeiros
ocorreram por apoio saquarema e com ministros conservadores no comando,
vide as reformas do Visconde do Uruguai e o Regulamento Paranhos de 1859,
que determinou a estrutura organizacional do MNE que permaneceria até o fim
da monarquia24. Tanto Uruguai quanto Rio Branco foram ministros do MNE mais
de uma vez – Paranhos em cinco oportunidades. Os luzias estavam no comando
do Ministério apenas no Regulamento Consular de 1847 e na Reforma João
Silveira de Souza (1868)– ainda assim, Souza ficou no cargo por apenas três
meses, por exemplo. Além da acima retratada falta de conhecimento da atividade
diplomática e da pouca participação na organização do MNE, os luzias
demonstraram não possuir experiência e habilidade em negociações
diplomáticas, exemplificada pela incapacidade na condução do Prata em 1864
de acordo com as diretrizes impostas pelo Gabinete liberal, sendo obrigados a

24
Após o Regulamento Paranhos, houve apenas a Reforma Silveira de Souza (1868), que diminuiu as
despesas do MNE; e o Regulamento Consular Manoel Francisco Correia, que era membro do Partido
Conservador e atualizou aspectos do Código Consular (Castro, op. cit.). Ademais, como dito na introdução
desse capítulo, a hegemonia saquarema no plano institucional será detalhada no capítulo três.
recorrerem ao saquarema Paranhos para resolver as tensões com o Uruguai,
como exposto na subseção 1.2.3.
2.5 Conclusão
Dom Pedro II compartilhava aspectos da visão de Brasil dos conservadores, uma
vez que ambos se consideravam herdeiros da tradição lusitana: o Imperador por
motivos óbvios, por ser herdeiro da Coroa e filho de Pedro I; e os saquaremas
por uma identificação ideológica com o projeto nacional de José Bonifácio. Além
disso, o Imperador teve seu poder constitucional, que lhe permitiu estabilizar o
país, como fruto das ações políticas saquaremas. Esses fatores fizeram com que
o Monarca recorresse aos conservadores nos momentos em que o Brasil mais
sofreu de ameaças externas, a fim de garantir a defesa da unidade territorial,
mesmo ocasionando, com isso, revolta dos luzias.
O predomínio saquarema no Conselho de Estado teve como
consequência a hegemonia conservadora no plano do pensamento internacional
brasileiro, formulando diretrizes e políticas que se tornariam política de Estado a
partir da ótica conservadora. Devido a importância institucional do Conselho, o
momento de domínio no plano das ideias, na Seção dos Negócios Estrangeiros,
era diretamente relacionado com a concretização dos respectivos projetos
partidários para o Brasil no cenário internacional.
Os saquaremas, ao longo do Império, buscaram fortalecer o MNE e
tinham uma maior compreensão da atividade diplomática. Luzias, por sua vez,
não possuíam entendimento comparável e viam a diplomacia apenas como meio
para alcançar benefícios econômicos, pois este era o aspecto primordial pelo
qual buscavam realizar as interpretações que possuíam da esfera internacional.
É necessário, porém, analisar implicações desses fatores e do processo
descrito no capítulo. Havia coincidência de visão do Imperador e dos
conservadores e isso impactou no locus que formulava as ideias e diretrizes
internacionais do Brasil? Sim. Mas a hegemonia saquarema não foi devido a
tendências centralizadoras do filho de Pedro I, em tentativa de compor órgão
auxiliar de seu poder constitucional apenas com políticos que compartilhavam
alguns aspectos de sua visão de mundo.
As medidas descentralizadoras dos luzias foram exatamente as causas
das ameaças territoriais internas que espreitavam o país na década de quarenta.
Ainda, os liberais acreditavam que não era necessário preocupar-se com as
ações de Rosas, muito menos defendiam um conflito bélico. Ademais, os liberais
não apenas eram contra a existência do Conselho de Estado e do Poder
Moderador, mas no mesmo ano da formação do Conselho de Estado do
Segundo Reinado líderes do partido liberal realizaram revoltas em São Paulo e
Minas Gerais que lhe garantiriam o apelido de “luzias”. Outrossim , a concepção
que expoentes liberais possuíam de diplomacia era completamente estreita,
além do relativo desconhecimento dos anseios do MNE por maior organização
administrativa. Esta instituição cresceu em eficiência majoritariamente pelo apoio
saquarema: alguns liberais defendiam a redução do corpo diplomático, que
acusavam de ser ineficientes e excessivamente despendiosos.
Ou seja, os saquaremas demonstraram-se, pelos acontecimentos
concretos do período, mais adequados ao contexto de instabilidade que o país
vivia no Segundo Reinado, haja vista que preocupavam-se com unidade
territorial e mostraram, ao longo dos anos, maior competência no gerenciamento
das atividades diplomáticas.
Pelo exposto na seção 2.2, se há algo que a composição do Conselho de
Estado ao longo do Segundo Reinado deixa claro é a leitura e sintonia do
Imperador com os respectivos momentos políticos em que vivia o país e as
necessidades da nação em cada época: quando as ideias saquaremas eram
dominantes e o país enfrentava risco de desintegração territorial, o Conselho foi
predominantemente saquarema; quando as propostas luzias ganharam espaço
e a Monarquia dava sinais de que necessitava de reformas, o Conselho era
majoritariamente luzia.
Os problemas e fatores que ocasionaram a queda da Monarquia não
foram, portanto, relacionados aos aspectos apontados nesse capítulo: a
monarquia não deixou de existir devido a uma possível predileção de Pedro II
pelos saquaremas. Como exposto no capítulo anterior, as reformas que
ocorreram no país não necessitavam de uma mudança para a República, que
ocorreu devido a perda da base de apoio político do Trono, para atender a
interesses de uma oligarquia patrimonialista e com influências da ideologia
positivista.
Esse capítulo buscou identificar e explicar os principais fatores que
levaram a hegemonia do paradigma saquarema na PE do Segundo Reinado. Em
seguida, buscar-se-á expor como essa hegemonia se concretizava na prática,
na dinâmica institucional, analisando o papel de cada uma das instituições e dos
eminentes políticos que as comandaram.
3. O exercício institucional da hegemonia
3.1 Introdução
Nos capítulos precedentes, foi identificado o predomínio do paradigma
saquarema na PEB e explicado os motivos dessa prevalência. O objetivo geral
desse capítulo é expor como funcionava, institucionalmente, essa hegemonia
conservadora: o papel dos principais órgãos e dos líderes políticos que
participavam da PE. A proposta é entender quem estava no comando dessas
instituições, expondo como os indivíduos possuíam uma herança intelectual e
transpuseram isso para a dinâmica institucional.
Para sistematizar essas informações utilizarei, grosso modo, dos três
níveis de análises propostos por Kenneth Waltz em sua clássica tese de
doutorado Men, the State and War (1959). De acordo com o precursor do
Realismo Estrutural, todas as teorias que visavam explicar a guerra, objeto de
estudo primordial da disciplina de Relações Internacionais, o faziam por meio de
três categorias explicativas. A primeira seria sobre o indivíduo, buscando em
suas convicções, personalidades, objetivos políticos e de poder os motivos para
a ocorrência de lutas. Na segunda imagem trata-se das políticas de Estado, e
das escolhas políticas, sociais e econômicas que levam ao estopim de um
conflito. Já o terceiro nível se refere ao Sistema Internacional, no qual o estado
de anarquia internacional faziam com que os Estados-nação estivessem
vulneráveis a possíveis desequilíbrios na balança de poder, que poderiam
culminar em combates bélicos.
Seguindo essa linha de pensamento, inverti a pirâmide de Waltz, e além
dessa introdução e de uma conclusão, dividi os capítulos em três objetivos
específicos: a primeira seção, pela ótica sistêmica, buscará expor as
transformações ocorridas no arranjo institucional da PEB ao longo do Império; a
segunda expõe a continuidade nas políticas de projeção externa do Estado
comandado por Pedro II; e a terceira tratará dos indivíduos que contribuíram para
o domínio e perpetuação do paradigma saquarema.
3.2 Do sistema institucional
Nessa seção, discorro sobre as funções e transformações dos papéis ocorridos
nos seis atores analisados ao longo do período. O Trono, Conselho de Estado e
MNE serão analisados por aspectos distintos, pontos complementares aos que
foram mencionados no capítulo dois.
Em relação a Pedro II, é notável o contraste entre sua maneira de
governança e o de Pedro I. Este, como sabe-se, possuía estilo de governo mais
centralizador, dissolveu o Parlamento, tomava decisões de maneira autônoma,
e poderia contrariar o que era entendido como interesse nacional pelo Legislativo
ou pelo Conselho de Estado. Seu herdeiro, por sua vez, possuía um elevado
senso de respeito aos trâmites institucionais: tomava decisões a partir de
ponderações do Conselho de Estado e demais agentes políticos; a imprensa foi
absolutamente livre25 ao longo de todo o Segundo Reinado; e buscava respeitar
a res publica, por exemplo ao recusar ajuda financeira quando de seu exílio
decorrente do Golpe de 1889, afirmando que não havia aprovação do
Parlamento para essa remessa de dinheiro. Especificamente no que diz respeito
a PE, Pedro I, como detalhado na subseção 1.2.1, preocupou-se com assuntos
do trono português e tomou medidas que posteriormente prejudicariam o país,
como na assinatura dos tratados desiguais. Já Pedro II defendeu sempre o que
acreditava como interesse do Estado brasileiro:
[...] é fundamental atribuir-lhe papel ativo na formulação diplomática. Exercia
ativamente a “suprema inspeção” sobre assuntos externos, convocando e
pessoalmente tomando notas da opinião de ministros e conselheiros de estado
da seção de assuntos estrangeiros. Abundam notas e uma vastíssima
bibliografia epistolar trocada entre Sua Majestade e os agentes diplomáticos,
desde assuntos triviais, como data e hora da partida de navios ao estrangeiro,
até os mais sérios, como opiniões e aconselhamentos sobre matérias sensíveis.
(Sousa, 2017, p.212)

Ao longo das décadas, o Imperador destacou-se, no cenário externo, por


recusar negociar a paz na Guerra da Tríplice Aliança após o Duque de Caxias
tomar a capital do Paraguai, insistindo na continuação dos conflitos até a morte
de Solano López. Há de se notar, ainda, o que ficou conhecido como “diplomacia
de prestígio”: nas últimas duas décadas do regime, o Monarca realizou três
viagens internacionais (1871, 1875, 1889), além de ter sido convidado para
participar de arbitramentos internacionais; acontecimentos estes que
contribuíram para maior reconhecimento e respeito ao Brasil no exterior.
O Conselho de Estado, criado para ajudar o Imperador a exercer o Poder
Moderador, pouca relevância teve nas decisões políticas do Primeiro Reinado, e
foi extinto pelos liberais na Regência. Assumiu importante papel na década de
quarenta, e como detalhado no segundo capítulo, atuou no sentido da criação
de políticas de Estado, sendo o principal órgão responsável, junto com o
Imperador, pela formulação, coesão e continuidade do pensamento internacional
do Segundo Reinado.
Uma vez que o Conselho era vitalício, a Seção dos Negócios Estrangeiros
possuiu indivíduos que participaram do debate sobre PE por longos anos. Do
lado liberal, dentre os principais componentes da Seção dos Estrangeiros
destacam-se Nabuco de Araújo, o Visconde de Jequitinhonha e Paula Sousa. Já
os saquaremas:
Dos 72 conselheiros, 51 eram de procedência fluminense (Corte e província
somados), centro geográfico da proeminência conservadora. [...] os quatro mais
ativos conselheiros – Bernardo Pereira de Vasconcelos, Visconde do Uruguai,

25 Como aponta Xavier (2013), em instruções para a princesa Isabel antes de viajar para a Europa, Pedro
II defendeu a liberdade de imprensa: Entendo que se deve permitir toda a liberdade nestas manifestações
da imprensa e de qualquer outro meio de exprimir opiniões, quando não se dêem perturbações da
tranqüilidade pública, pois as doutrinas expendidas nessas manifestações pacíficas, ou se combatem por
seu excesso ou por meios semelhantes, menos no excesso. Os ataques ao Imperador, quando ele tem
consciência de haver procurado proceder bem, não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo
ou desabafo partidário”.
Marquês do Paraná e Visconde de Maranguape - relatariam 202 consultas de
um total de 391, cifra que corresponde a 52% do total. Somados às participações
de Eusébio de Queirós, Viscondes de Jaguari e Niterói, e, aos Marqueses de
São Vicente e Monte Alegre, juntos, os conhecidos próceres conservadores
representaram 67% da participação total. (Sousa, op. cit., p.213-4)

O paradigma saquarema, como já visto, buscava fortalecer a atividade


diplomática e o MNE. Sumariamente, no que tange a organização administrativa,
os Negócios Estrangeiros, desde sua gênese, enfrentaram insuficiente
quantidade de funcionários e empecilhos burocráticos. No Primeiro Reinado, à
emancipação do Ministério da Guerra por José Bonifácio soma-se a Reforma
Oyenhausen (1828), o primeiro esboço de estrutura administrativa. Na Regência,
desde 1831 o MNE é obrigado a enviar relatório para o Parlamento, e Aureliano
de Souza e Oliveira Coutinho, ao longo de duas passagens no comando
administrativo, aprova os primeiros regimentos das três divisões administrativas:
consular, de legações (ambas de 1834) e da Secretaria de Estado (1842), este
já no Segundo Reinado. Em 1847, o irmão de Aureliano, Saturnino, assina
atualização do regulamento consular, e dois anos depois, no Gabinete da
trindade saquarema, o Visconde do Uruguai regula a atuação de cônsules
estrangeiros em terras tupiniquins e aprova leis que aprimoraram a estrutura do
ministério: o primeiro Regulamento do Corpo Diplomático Brasileiro; tabela de
gratificações; e a regulamentação do número de missões no exterior. A
reorganização da Secretária de Estado, requisitada nos relatórios para a
Assembleia Legislativa há décadas, somente é concretizada pelo Visconde do
Rio Branco em 1859, no que foi a estrutura organizacional definitiva do MNE.
Nas décadas seguintes, houve uma redução de despesas (reforma João Silveira
de Souza em 1868) e nova atualização do código consular no ano de 1872, por
Manoel Francisco Correia26.
Em linhas gerais, o MNE era um executor das diretrizes elaboradas pelo
Imperador e Conselho de Estado, com um relativamente pequeno corpo de
funcionários. Devido a imperativa necessidade de sucesso na implementação
dessas políticas, pois estavam diretamente relacionadas com a sobrevivência do
Estado brasileiro, usualmente os grandes estadistas da época comandavam o
ministério.
O Senado e a Câmara, por sua vez, nos anos de Pedro I não possuíram
papel na PE, realizando a denúncia dos tratados desiguais; e já na Regência
tornaram-se fórum de debates e propositores de políticas para as relações
internacionais da nação. No Segundo Reinado, o poder de formulação de
diretrizes que o Parlamento tinha na Regência é transmutado para o Conselho,
e com isso a Câmara e o Senado passam a ser, prioritariamente, o locus do jogo
político, das disputas partidárias, com constantes tentativas de desestabilizações
do adversário que se encontrava no poder, criticando a PE do outro a fim de
provocar possíveis crises que os levem de volta ao comando do Gabinete.

26
Para detalhes sobre a história administrativa do MNE, ver Castro (2009) e Romero (2019).
Neste ponto, vale citar o argumento de Mattos (1987). Segundo o autor,
as casas parlamentares, ao fazer com que os acontecimentos adquirissem
caráter político e informando a opinião pública, representariam as paixões
partidárias, relacionadas com interesses de curto prazo e das regiões
específicas as quais os respectivos deputados e senadores representassem. Por
sua vez, o Conselho de Estado e o Imperador significavam o mínimo de política
e a racionalização dos interesses nacionais, da formulação de diretrizes públicas
segundo a raison d’etat. Ou seja, havia uma distinção de papéis entre as
instituições que participavam da PEB, com os interesses de Estado, a longo
prazo, guiando a formulação de diretrizes pelo Conselho, enquanto o Poder
Legislativo representava os interesses imediatos de determinados setores da
sociedade.

Até 1847, o Imperador atuava como chefe de Estado e de Governo, e


indicava todos que assumiriam os ministérios: Negócios do Império; Negócios
Estrangeiros; Negócios da Fazenda; Negócios da Justiça; Negócios da Guerra;
e Negócios da Marinha27. Nesse ano, todavia, cria-se o cargo de Presidente do
Conselho de Ministros, que passou a ser chefe do Poder Executivo e formava
seu Gabinete, no que foi a representação da consolidação do sistema de
governo monárquico-parlamentar. Tal medida forneceu maior estabilidade para
o sistema político brasileiro. Isto porque o Imperador não sofreria mais
inoportuno desgaste político: possíveis crises por situações corriqueiras, da
política diária, seriam responsabilidade do Presidente do Conselho e de seus
ministros. Assim sendo, caso houvesse relevante problema, ou percepção do
Imperador da necessidade de correção de rumos políticos, era necessário
apenas convocar um novo Presidente para o Conselho de Ministros e formar
outro Gabinete – troca de governo infinitamente menos traumática do que um
processo de impeachment, por exemplo.

Apesar desse importante papel, em grande maioria dos casos o


Presidente do Conselho possuía pouquíssima autonomia no que diz respeito à
proposição de agenda política. Exemplo simbólico, já citado no primeiro capítulo,
é o do Barão de Cotegipe, um dos maiores líderes saquaremas nos anos
derradeiros do Trono, e que em 1888 foi demitido pela Regente Isabel por
recusar-se a propor a abolição da escravidão. Dessa maneira, o chefe do
Executivo era demitido quando se opunha ao Imperador, ou quando se
mostrasse incapaz de resolver determinado problema, como na também já
mencionada troca de Gabinete luzia pelos saquaremas em 1868.

Pedro II, para aprovar uma legislação ou medida em específico, não raro
trocava o Gabinete ou dissolvia o Parlamento, ou mesmo convocava políticos de
sua confiança, como em 1871 com José Maria da Silva Paranhos, quando
incumbiu-lhe da aprovação do que tornar-se-ia a Lei do Ventre Livre e partiu em
sua primeira viagem para o exterior. Em vista disso, é possível entender o
argumento de que ao longo do Segundo Reinado os partidos políticos foram
gradativamente enfraquecendo e perdendo força, uma vez que as escolhas de

27
Em 1860, foi criado o sétimo ministério, a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas.
quem exerceria o poder Executivo cabia apenas ao Monarca. Houve importantes
momentos de crise política a partir da escolha pessoal do Imperador, como nas
já analisadas reclamações luzias de 1848 e 1868.

Há de se mencionar, por fim, os partidos políticos como atores da


dinâmica institucional do período. Não há motivos, porém, para nos estendermos
nisto, haja vista que os movimentos e projetos políticos de liberais e
conservadores são o pano de fundo e permeiam, a todo momento, as análises
dessa pesquisa. Em síntese, no Primeiro Reinado, houve a divisão entre grupo
de defesa ao Imperador, concentrados no Conselho de Estado e no Senado –
órgãos vitalícios e com composição indicada pelo Monarca – e opositores,
deputados como Bernardo Pereira de Vasconcelos e Diogo Antônio Feijó. Este
grupo, na Regência, toma o poder, mas a partir da segunda metade da década
de trinta se dividem: parte mantém defesa da descentralização (como Feijó e
Evaristo da Veiga), e os outros se juntam com os antigos defensores de Pedro I
e formam os “regressistas”, cujo líder era Bernardo Vasconcelos. No Segundo
Reinado, com o predomínio do grupo criado por Vasconcelos, os liberais se
revoltam e consolida-se por volta de 1842 a divisão política do Império entre
“saquaremas” e “luzias”, com seus respectivos projetos para o Brasil no plano
interno e externo bem definidos, como detalhado dois capítulos atrás.
Estes grupos políticos, que em maior ou menor grau possuíam
divergências internas, lutarão pelo Gabinete, a fim de concretizar seus projetos
para o Brasil, e conforme argumentamos, os saquaremas foram predominantes
e conseguiram estabelecer o Estado brasileiro no plano interno e externo, com
gradual domínio luzia após a década de setenta, movimento este que atingiu seu
ápice após o Golpe de novembro de 1889. Seus eminentes líderes políticos se
concentravam no Conselho de Estado, e no Parlamento predominava o jogo
político e provocações ao adversário. Ainda, pode-se mencionar, os períodos em
que esses partidos, de maneira genérica, se alternaram no poder: de 1831-1837,
liberais; 1837-1844, saquaremas; 1844-1848, luzias; 1848-1853, saquaremas;
1853-1862, Conciliação Partidária, com Gabinetes de postura conservadora;
1862-1868, luzias; 1868-1878, saquaremas; 1878-1885, luzias; 1885-1888,
saquaremas; e até o Golpe o Gabinete era luzia.
3.3 Das políticas de Estado
Após a análise da função institucional de cada ator envolvido na PE, a finalidade
dessa seção é apresentar como garantiu-se, no Segundo Reinado, a constante
defesa e promoção de determinados princípios para as relações exteriores
brasileiras.
Exemplo ilustrativo da continuidade da PEB foi o processo que levou a
Guerra do Paraguai, em momento no qual os luzias, contrários a um conflito,
estavam no poder. Mesmo com um Gabinete liberal, o Brasil agiu de acordo com
a narrativa saquarema e foi para guerra, contra a vontade do ministro dos
Negócios Estrangeiros, o luzia Dias Vieira28. Dessa maneira, a Guerra de 1864,
em meio a gabinetes liberais, mostra que a PE possuía continuidade e tomada
de decisões principalmente por meio do Conselho de Estado e da vontade do
Imperador; sendo, com isso, menos suscetíveis a Gabinetes, que interferiam
mas no final tinham que executar as ordens de Pedro II. E como demonstrado
no capítulo segundo, o Conselho possuía, até meados da década de setenta,
uma hegemonia saquarema.
Além disso, os liberais possuíam uma maior instabilidade em seus
governos, o que dificultava a elaboração e implementação de uma política para
a projeção externa do Brasil. Por seu lado, os saquaremas tiveram maior coesão
e estabilidade em seus Gabinetes:
À ascendência conservadora sobre o Senado e o Conselho de Estado, somou-
se a maior prevalência e estabilidade de gabinetes liderados pelo Partido
Conservador. Dos 510 meses entre a criação da Presidência do Conselho de
Ministros e a derrocada da Monarquia, 324 foram capitaneados pela liderança
conservadora, enquanto 186 pela liberal. Os primeiros chefiaram 15 gabinetes e
nomearam 21 chanceleres; os segundos, 17 gabinetes e 28 chanceleres, quase
o dobro dos conservadores. Em termos numéricos, a duração média de um
chanceler liberal fora de 6 meses, enquanto a conservadora de 15. (Sousa, op.
cit., p.215)

Seguindo esse raciocínio, cabe pontuar que os conservadores mantinham


uma mínima coesão de princípios no pensamento internacional entre seus
principais líderes. Além da concentração regional destacada na seção 1.3, os
saquaremas foram coerentes, ao longo de todo o período, com seu projeto de
manutenção da integridade territorial: rejeitou-se propostas de acordos bilaterais,
as alianças foram sempre pragmáticas, com desconfianças de todos os países;
e não houve expansionismo, mas apenas a proteção do território consolidado
historicamente como brasileiro. Depreende-se disto que os saquaremas não
queriam ir para guerra, nem eram imperialistas; foram por motivos claros e
porque interpretaram o contexto da época, o qual era marcado pelo avanço de
potências europeias a territórios em outros continentes, e devido a isto, havia a
necessidade de o Brasil consolidar suas fronteiras, para garantir ordem e
estabilidade ao país. Comprovam isso ao não anexarem territórios de vizinhos,
não comemorarem vitórias na guerra e perdoarem dívidas dos países, como foi
o caso de Paraguai e Uruguai. Queriam boas relações, mas não tentaram impor
à realidade o desejo que tinham, pelo contrário: tiveram uma visão realista o
suficiente para entender a necessidade do contexto da época. Nas palavras de
João Camilo de Oliveira Torres (2017, p.56), os saquaremas “fundavam a sua
política em fatos e não em fórmulas, como do agrado dos liberais”. O Visconde
do Uruguai, por exemplo, menciona o pacifismo brasileiro em discurso no
Senado sobre o ditador Rosas:

28
Nesse sentido, o jornal “O Jequitinhonha”, relacionado com liberais históricos da revolta de 1842 como
Teófilo Ottoni e Joaquim Felício dos Santos, é exemplo da reação liberal contra a Guerra da Tríplice Aliança.
Para detalhes, ver Reis (2014).
Suponha o nobre senador, falo sempre em hipótese, suponha que o governador
de Buenos Aires se apoderava do Estado Oriental; suponha que se apoderava
do Paraguai; a Confederação Argentina, apesar do estado de debilidade em que
a julga o nobre senador, pode pôr em pé um exército de 20 a 30.000 homens.
[...] Apoderando-se também do Paraguai, poderia tirar dele uns 20.000 bons
soldados, robustos, obedientes e sóbrios. Isto em países acostumados à guerra,
que não têm os hábitos industriais e pacíficos que nós temos. Absorvidas as
repúblicas do Uruguai e do Paraguai, que cobrem as nossas fronteiras na
Confederação Argentina, ficariam abertas as nossas províncias de Mato Grosso,
São Paulo e Rio Grande do Sul. Ficaríamos assim muito seguros? E quem nos
diz que não se nos viria então exigir a execução do tratado de 1777 29? [...] Ora,
aquele tratado nulo e caduco nos arrancaria uma extensa e importantíssima
parte da província do Rio Grande do Sul, que sempre possuímos, e da qual
atualmente estamos da posse. Por ele perderíamos uma parte importante da
província de Mato Grosso, que compreende a sua capital, ficando a província e
a navegação de seus rios completamente aberta. Deixaríamos nós, deixar-se
iam as populações dessas províncias, aventadas assim as questões de limites,
separar para irem pertencer a uma nação com origem, língua e hábitos
inteiramente diversos? Semelhantes questões de limites que ainda não estão
resolvidas não tornariam inevitável uma guerra, com um vizinho que absorvendo
nacionalidades que temos reconhecido teria aumentado extraordinariamente o
seu poder, e adquirido proporções gigantescas? [...] Se ela [a Ingleterra] quiser
aconselhar o governador de Buenos Aires, se conseguir levá-lo a adotar um
procedimento mais razoável, muito o estimaremos; não havemos de ser nós que
havemos de embaraçar uma solução pacífica e completa dos negócios do Rio
da Prata; mas não há de ser um governo hamado pérfido e inimigo asqueroso
da América, que tem visto repelidas todas as suas tentativas para uma solução
pacífica, que há de ir pedir a um terceiro que o leve à presença do governador
de Buenos Aires para tentar novos arranjos. Já declaramos alguma vez que
recusávamos os meios pacíficos? Não; mas com segurança. (Apoiados.) Todo
o passado nos está gritando aos ouvidos: "Acautelai-vos, procurai garantias,
procurai seguranças para o futuro." (Anais do Senado, 24/05/1851)

Ainda, em discurso na Câmara dos Deputados após a vitória brasileira


nos conflitos contra Rosas, Paulino Souza justificou a necessidade de
intervenção devido ao contexto da época:
Senhores, se as lições da história, se os fatos que se passam nos nossos dias
e diante dos nossos olhos não nos servirem para nos regularmos em casos
semelhantes, não sei que utilidade prática poderá trazer a história. Ignora
porventura o nobre deputado quantas missões pacíficas foram ao Rio da Prata?
[…] O general Rosas zombou de todas elas. Foram completamente burladas.
[...] Antes da inauguração da nova política [de intervenções], eram os súditos do
Império perseguidos e maltratados no Estado Oriental, obrigados ao serviço
militar, sujeitos a enormíssimas contribuições de guerra, a direitos pesados que
recaíam sobre eles quase exclusivamente. […] Suas reclamações e as do
governo imperial eram desatendidas; o seu direito, negado completamente. [...]
Hoje seus direitos estão reconhecidos e garantidos por um tratado solene. (Anais
da Câmara dos Deputados, 04/06/1852)

Em discurso de junho de 1860, já transcrito na seção 2.4, o herdeiro


político de Uruguai, Visconde do Rio Branco, novamente afirma que prefere os

29
O Tratado de Santo Ildefonso fora decorrente das derrotas do Império Português em conflitos
capitaneados pelo Marquês de Pombal, e diminuia o espaço territorial brasileiro.
“triunfos da paz”, mas que as intervenções “são necessidades a que nem sempre
os governos se podem recusar”. Ainda assim, após a vitória em 1852, recordou
Paranhos, o Brasil retirou-se de território estrangeiro: “não quisemos tomar a
menor parte na organização interna da Confederação Argentina e do mesmo
modo procedemos para com o Estado Oriental do Uruguai”. Mesmo anos depois
da morte de Solano López, em 1886, o então Ministro dos Estrangeiros, Barão
de Cotegipe, um dos líderes saquaremas, defendia que não se insistisse na
cobrança de dívidas paraguaias, “ante a absoluta falta de recursos, ante a
necessidade de manter boas relações com aquele Estado e ante a disposição
de não recorrer a qualquer tipo de ação coercitiva.” (Cervo, 1992, p.142).
Não obstante, os saquaremas também construíram consenso teórico e
prático sobre o uti possidetis nas negociações limítrofes com seus vizinhos. Em
1851, durante o Gabinete da trindade saquarema, Duarte da Ponte Ribeiro
concretizava o primeiro tratado deste tipo com o Peru. O alcance da aprovação
na utilização desse princípio e sua consolidação como política de Estado, que
inclusive será reutilizada pelo Barão do Rio Branco no século seguinte, é mais
um exemplo que corrobora a “satisfação territorial” dos conservadores e do
Império, que apenas queriam sustentar as terras historicamente ocupadas pelo
Brasil – manter-se-ia, via de regra, a posse do território com as nações que já
historicamente habitavam a respectiva região disputada. O trabalho de Ponte
Ribeiro era tão importante que o próprio Paulino redigiu as orientações, perfeito
exemplo do que consolidar-se-ia como a doutrina de limites brasileira:
Em uma palavra, empregue V. S. todos os meios ao seu alcance para pô-las do
nosso lado e contra Rosas. [...] Deseja [o Governo Imperial] promover relações
comerciais com os Estados conterrâneos, facilitar o desenvolvimento recíproco,
para eles e para o Brasil, da sua população, comércio e riqueza e, por isso, em
lugar de trancar os rios que podem ser um poderoso instrumento para o aumento
da população e riqueza – como faz Rosas no rio da Prata –, não duvida,
mediante convenções adequadas e talvez os regulamentos fiscais e de polícia,
conceder aos outros Estados americanos a faculdade de descer seus rios até o
oceano para fins de comércio. [...] conclua um tratado de limites com Bolívia [...]
incluindo nele o reconhecimento do princípio uti possidetis [...] Quanto aos limites
com o Peru, V. S. se limitará a conservar o reconhecimento do uti possidetis
reconhecido no tratado não ratificado de 1841 [...] O que nestas instruções fica
dito, quanto a tratados de comércio pela fronteira, navegação, direitos e
extradição, com as repúblicas de Bolívia e Peru, milita para com as outras. (apud
CHDD, 2004)

Por meio da defesa contínua desses pontos, após 1876 aspectos que os
conservadores entendiam como imprescindíveis ao país concretizaram-se por
meio da ação deles, tornando-se tradição político-diplomática. O paradigma
saquarema de política externa tornou-se bem quisto:
Nas décadas de 1850 e 1860, o projeto saquarema de construção estatal e de
política externa seria amplamente aceito pela sociedade política imperial.
Vitoriosa em todas as pelejas pelo Prata, essa forma de ver o mundo seria a que
mais influenciaria os agentes estatais de seu tempo, mediante a cristalização de
ideias-base em forma de tradição político-diplomática. (Sousa, 2013, p.60)

E mesmo após o fim da hegemonia saquarema, houve continuidade da


influência conservadora sobre a projeção externa brasileira:
[...] o intervencionismo representou a dimensão externa do idéario político do
grupo conservador que ocupou a posição hegemônica no campo da política
interna desde o final da década de 1840 até o início da década de 1860 e
continuou a influenciar a ação diplomática do Império mesmo depois que esse
grupo perdeu sua hegemonia. (Barrio, 2011, p.249)

Mesmo no plano doméstico, o pensamento saquarema ainda resistiu às


mudanças decorrentes do gradativo predomínio dos luzias:
O modelo saquarema seria finalmente substituído em 1881, quando a Lei
Saraiva30 tentaria fazer a passagem do modelo monárquico centralizador para
outro, oligárquico e federalista, ideal frustrado que só se materializaria com o
advento do regime republicano. Como pensamento, porém, o saquaremismo
sobreviveria. (Lynch, 2010, p.47)

Outrossim, mesmo que a continuidade e hegemonia saquarema fosse


garantida primariamente pelos aspectos ressaltados no capítulo dois – vale
lembrar que o papel do Conselho de Estado e do Trono, em certa medida, era
fornecer estabilidade e continuidade para as políticas governamentais adotadas
–, outras instituições consideradas neste capítulo possuíam cargos e funções
que garantiriam continuidade nas práticas, ritos e tradições adquiridas ao longo
do regime. Assim como o Conselho, o Senado também era vitalício, o que
garantia que experientes políticos defendessem as políticas e argumentos
adotados pelo seu respectivo partido. E principalmente, desde antes de sua
emancipação do Ministério da Guerra, o MNE já possuía a figura do Oficial-
Maior, substituto imediato do ministro (Castro, op. cit.), que comandava todos os
funcionários, representando “a estabilidade e a continuidade das tradições, em
oposição ao caráter transitório do Ministro de Estado” (Romero, op. cit., p.48).
Ou seja, esse cargo31, em meio a elevada volatilidade do cargo de ministro,
manteve as tradições diplomáticas do ministério. Contudo, como lembra Cheibub
(1984), para que esse papel se concretize, é necessário um ocupante que
permaneça por considerável tempo e que seja capaz de concretizar essa função
na prática política diária. Neste sentido, no Segundo Reinado, destaca-se a
figura do Visconde de Cabo Frio (Joaquim Tomás do Amaral), que ocupou a
função por nada menos do que quarenta e dois anos, e será analisado na seção
seguinte. De maneira geral, para que as respectivas posições institucionais
concretizassem seu papel, não basta a atribuição garantida aos cargos pela
legislação, no plano teórico: é imprescindível indivíduos que exerçam o cargo e
tornem realidade a importância e influência dessas posições, conforme descrito
nas legislações. É este processo que a próxima seção busca destacar.
3.4 Das lideranças institucionais
O intuito dessa seção é descrever o papel dos principais agentes políticos na
hegemonia do paradigma saquarema de PE. Busquei demonstrar a criação,
consolidação e continuação do projeto saquarema, por meio dos políticos que
comandaram as instituições responsáveis pela condução das ações externas

30
Esta lei será pormenorizada a seguir.
31
Que mudou para o nome de “Diretor-Geral” com a Reforma Rio Branco de 1859 e contemporaneamente
é o “Secretário-Geral”.
brasileiras. Devido as suas respectivas trajetórias políticas e relações pessoais
entre si, as pessoas analisadas possuíam uma herança intelectual e
estabeleceram uma tradição diplomática brasileira, da qual muito aproveitou-se,
posteriormente, o Barão do Rio Branco.
Em primeiro lugar, apresentar-se-á breve panorama sobre o
conservadorismo brasileiro. Na obra Os construtores do Império – ideais e lutas
do Partido Conservador Brasileiro (2017), João Camilo de Oliveira Torres define
o conservadorismo:
é uma posição política que reconhece que a existência das comunidades está
sujeita a determinadas condições e que as mudanças sociais, para serem justas
e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro.
Podemos dizer que o traço mais característico da psicologia conservadora
consiste, exatamente, no fato de que não considera viáveis as transformações
e mudanças feitas sem o sentido da continuidade histórica - mais: o conservador
acha impraticáveis e condenadas ao suicídio todas as reformas fundadas
unicamente na vontade humana, sem respeito às condições preexistentes.
Podemos reformar - por meio de um processo de cautelosa adaptação do
existente às novas condições - nunca o estabelecimento de algo radicalmente
novo. (Torres, op. cit., p.23)

[…] somente podemos conservar reformando. As reformas, em si mesmas, são


necessárias. Não convém precipitá-las, nem tomar a iniciativa delas. Os
conservadores, habitualmente, não começam as reformas. Em casos especiais,
quando uma reforma se impõe para evitar a revolução, o conservador pode
tomar a iniciativa. Mas, de qualquer modo, feita a reforma, o conservador a
aceita, adaptando-a às condições preexistentes, consagra-a. (Torres, op. cit., p.
25)

O autor entende que no Brasil, apesar de ambos os partidos do Império


compartilharem da base teórica da democracia liberal, influenciados por autores
como Montesquieu, Rousseau, Locke e Bentham, foram os saquaremas que
contribuíram decisivamente para a consolidação do Estado monárquico. Torres
(op. cit.) afirma que (como já exposto no capítulo precedente) foram os
saquaremas os responsáveis por fornecerem ao Imperador os instrumentos para
unificar o país, uma vez que para uma nação existir, deve ser fundada em um
sistema de leis, possuir uma autoridade. Frente a geografia dispersiva e
população insuficiente para compor todo o território brasileiro, apenas graças a
Monarquia conseguir-se-ia manter a unidade nacional, pensavam os
conservadores.
Ele argumenta, ainda, que os saquaremas pensaram o Brasil à luz do
legado que o país possuía, enquanto embrião de pátria. O partido conservador
brasileiro não era contra as reformas, mas queria acomodá-las à realidade
brasileira: “era um conservadorismo político, não social. Poderia ser, também,
social, mas por acidente” (Torres, op. cit., p.30-31), sendo do tipo que entendia
a forma brasileira de viver e de estar no mundo. Exemplo disso é a defesa de
um sistema monárquico distinto do que era praticado pela Inglaterra:
sustentavam que não era possível copiar a organização britânica, devido a
inexistência de uma população urbana densa e de uma classe média sólida em
território tupiniquim; e mesmo com grande maioria fazendo parte da Maçonaria,
respeitaram a tradição católica existente na sociedade brasileira. Além disso,
Torres (op. cit., p.20) afirma que “eles não negavam a liberdade, nem a amavam
menos do que os outros. Apenas sabiam que a liberdade não se mantém
unicamente com palavras, gestos e hinos, mas requer condições efetivas e bem
fundadas na realidade”.
Dentre os principais nomes do Partido Conservador ao longo do Império,
o autor destaca os de maior relevância política: Bernardo Pereira de
Vasconcelos; José Antônio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente), o “jurista
do Imperador”; Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês de Paraná); Eusébio
de Queirós; Visconde do Uruguai; Duque de Caxias; Visconde do Rio Branco;
José Joaquim Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí); João Alfredo; e o Barão
de Cotegipe (João Maurício Wanderley). Pode-se, lembrar, também, de Caetano
Maria Lopes Gama (Visconde de Maranguape), que foi o conselheiro com maior
número de participações na Seção de Justiça e dos Negócios Estrangeiros do
Conselho de Estado, tendo praticamente o dobro do segundo colocado – a
saber, o Marquês de Paraná.
Entre os políticos que iniciaram suas carreiras como conservadores e
tornar-se-iam luzias estão Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda); Zacarias
de Góis e Vasconcelos; e José Tomás Nabuco de Araújo. A única reforma efetiva
que os liberais fizeram, lembra Torres, foi a Lei Saraiva, que de progressista
nada teve, haja vista que diminuiu drasticamente a participação eleitoral da
população analfabeta, absoluta maioria no Império. Mas valorizou o eleitorado
urbano, beneficiando os luzias. A despeito da discussão do mérito dessa lei, foi
a primeira grande reforma nacional promovida pelos liberais no Império,
realizada já em 1881.
Apesar da polarização característica em um sistema bipartidário, vale
lembrar que o autor afirma que o abolicionismo atuou como uma terceira pauta,
autônoma em relação a oposição entre os dois grupos, dividindo internamente
saquaremas e luzias. Neste sentido, apesar de na maioria das vezes o partido
conservador atuar unido, havia uma divisão entre “ultras” e “moderados”. Tendo
essas características dos saquaremas como pressuposto, a seguir disserto
sobre os principais indivíduos que contribuíram para o processo de formação da
PEB ao longo do Segundo Reinado, destacando o papel e contribuição de cada
um desses indivíduos para a formação e continuidade da hegemonia
saquarema. Mas evidentemente, não pretende-se afirmar que foram apenas as
personagens abaixo mencionados os responsáveis, sendo esse um processo
complexo e que contou com a participação de várias pessoas.
O principal fundador do partido conservador foi Bernardo Pereira de
Vasconcelos. No ano de 1813 ele iniciou seus estudos na Universidade de
Coimbra, e lá fez amizade com outros futuros políticos imperiais, dentre eles
Caetano Maria Lopes Gama e Pedro de Araújo Lima. Sete anos depois ele
retorna para o Brasil, e em 1826 é eleito deputado por Minas Gerais, fazendo
parte da primeira legislatura brasileira. Meses depois, passa a ser acometido
com grave doença na coluna, que devido a deformação física e subsequente
afastamento social o fez dedicar sua vida exclusivamente à política (Sousa,
2015). Ao longo da década de trinta, atuou em diversos momentos como
Ministro, seja na Fazenda, na Justiça ou nos Negócios do Império. Em 1838 foi
escolhido como Senador e quatro anos depois foi um dos primeiros a integrar o
Terceiro Conselho de Estado, inclusive com substancial participação na Seção
dos Estrangeiros. Morreu no ano de 1850.
Em sua atuação legislativa, destacou-se por ser um grande orador e líder
da oposição às medidas de Pedro I, realizando discursos com elevados tons de
ironia e sarcasmo para com os ministros do Imperador: “seus inimigos criaram a
expressão ‘o Vasconcelos caiu-lhe em cima’, para indicar que alguém fora
atrozmente caluniado” (Carvalho, 1999, p.17). Promoveu a defesa do sistema
monárquico representativo, com severas críticas às decisões autocráticas do
Monarca, e caracterizou-se pela busca de afirmação do Poder Legislativo frente
ao Moderador, criticando a inexistência de papel para o Parlamento na PE e
contribuindo, desde sua eleição em 1826, para o acirramento das tensões entre
Imperador e Legislativo (Pereira, 2014).
Após a abdicação de D. Pedro I, Vasconcelos passa a exercer cargo no
governo, assim como seu então aliado político, Diogo Feijó; e apresenta o projeto
que se tornaria o Ato Adicional de 1834. O debate sobre a aprovação dessa
medida deixou claro, contudo, que Vasconcelos se opunha ao liberalismo radical
e alertava quanto aos riscos de uma transposição da organização política dos
EUA para o Brasil, devido aos dois países possuírem uma distinta experiência
histórica. Ele defendeu uma mudança lenta, pois o excesso de descentralização
poderia levar a uma guerra civil (Carvalho, op. cit.).
Apesar disso, as emendas realizadas ao projeto que ele havia
apresentado promoveram maior descentralização, e após a aprovação
Vasconcelos afastou-se dos liberais e começou a criticar líderes progressistas
como Evaristo da Veiga, assumindo a liderança da oposição contra a regência
Feijó (1835-1837). Entre seus aliados estavam Honório Hermeto Carneiro Leão,
Joaquim José Rodrigues Torres e o recém eleito deputado Paulino José Soares
de Souza.
Com as crescentes tensões e revoltas regionais, elevou-se a pressão do
grupo de Vasconcelos pela mudança do Código de Processo Criminal, e após a
renúncia de Feijó, Vasconcelos retorna ao Gabinete no governo de Pedro de
Araújo Lima e atua no sentido da promoção de reformas centralizadoras, que
culminaram na Interpretação do Ato Adicional em 1840, e no ano seguinte na
reforma do Código de Processo Penal e no reestabelecimento do Conselho de
Estado. Estas duas últimas medidas foram originadas de projetos seus, mas
concretizadas pela atuação do Visconde do Uruguai, como afirmou Joaquim
Nabuco (1949, p.60-61): “Paulino fôra a alma do 23 de Março e realizara o
pensamento político de Vasconcelos, fazendo passar nas Câmaras as leis de 23
de Novembro e de 3 de Dezembro de 1841, que reconstituíram as bases da
autoridade no país”.
Paulino José Soares de Souza, ao longo de sua trajetória política, atuou
como Presidente da província do Rio de Janeiro; foi deputado, senador, Ministro
da Justiça e do MNE; além de ter sido formulador de uma teoria política nacional,
contribuindo para o debate de ideias entre luzias e saquaremas. No plano
interno, foi decisivo entre os anos de 1837-1843, sendo o “principal redator das
leis que fundaram as bases jurídicas do Segundo Reinado” (Torres, op. cit.,
p.55). E na PE, elaborou as bases do paradigma saquarema, na virada para a
segunda metade do século.
Quando do estudo na Universidade de Coimbra, iniciado em 1823,
conheceu o futuro Marquês de Paraná, e seu retorno ao Brasil ocorreu em 1828,
sem concluir os estudos. Formou-se na faculdade de São Paulo em 1831, e seu
colega de Coimbra, Honório Hermeto, então ministro da Justiça, o contratou
como juiz na Corte no ano seguinte. Em 1833, casa-se com filha de um grande
fazendeiro do Rio de Janeiro, e torna-se genro de Joaquim José Rodrigues
Torres, futuro Visconde de Itaboraí. Em 1835, aos 27 anos de idade, recusa
assumir o Ministério da Justiça, julgando-se não ser ainda capaz para exercer
esse cargo. Em 1836 é eleito deputado e alcança o posto de presidente da
província do Rio de Janeiro, cargo que exerceu quase ininterruptamente por
quatro anos. Neste tempo, aproximou-se de Bernardo Vasconcelos,
considerando-se seu discípulo.
Na Câmara, foi o principal parlamentar responsável pela articulação da
aprovação da Lei de Interpretação do Ato Adicional (1840). Em 1841, já como
Ministro da Justiça, aprova a Reforma do Código de Processo Criminal, além do
retorno do Conselho de Estado. Paulino Souza foi também o encarregado de
enfrentar as revoltas liberais de 1842, e após ser bem sucedido no cargo da
Justiça, consolida-se como um dos principais políticos conservadores e adquire
uma reputação de autoridade.
Em 1843, assume pela primeira vez o MNE, em momento no qual os
assuntos internacionais adquiriam crescente importância, com pressões
francesas e inglesas sobre o país, além da perpetuação da Farroupilha e das
movimentações de líderes caudilhos na Bacia do Prata. A integridade territorial
brasileira começava a ser ameaçada, e mesmo na ausência de capacidade
militar para intervir, Paulino Souza já altera a postura neutralista: enviou o
saquarema José Antônio Pimenta Bueno em missão especial para o Paraguai,
a fim de reconhecer a independência desse país e realizar possível tratado. Ou
seja, o Império passa, neste momento, a agir contra a Argentina, para conter sua
ambição expansionista, como nota-se nas instruções para o futuro Marquês de
São Vicente:
Insinue também (ao governo do Paraguai) que na sustentação da Independência
do Paraguai tem o Brasil grande interesse por não lhe convir que Rosas
engrandeça seu poder, e portanto que esta república pode encontrar no Brasil
um auxílio forte contra as vistas ambiciosas daquele governador, – pelo que
sendo mútuos os interesses, muito convém firmar por Tratados, relações de
amizade úteis a ambos os países. (apud Ferreira, 2013, p.137)
Quando retorna ao comando dos Estrangeiros em outubro de 1849, o
Visconde do Uruguai já está, portanto, ciente dos desafios externos brasileiros,
e atuou rapidamente para resolvê-los. Paulino Souza foi o único, em todo o
Império, a permanecer por tanto tempo, ininterruptamente, como chanceler.
Após sua saída em setembro de 1853, os grandes problemas que o Brasil
possuía na área externa haviam sido enfrentados, e o Visconde havia lançado
as bases para a demarcação de todas as fronteiras do Império, afastando o
fantasma da validade do Tratado de Santo Ildefonso (1777) e garantindo uma
nova doutrina de limites brasileira, estabelecendo os princípios do paradigma
saquarema de PE.
Miguel Torres (2011) afirma que Paulino transitava bem pelos mais
diversos setores sociais da sociedade imperial – industrialistas, jornalistas,
negociantes, círculos artísticos e intelectuais –, e que usou tais conexões para
facilitar sua gestão como ministro, como no caso da parceria com o Barão de
Mauá na política dos patacões. O objetivo geral da política implementada pelo
Visconde do Uruguai era a definição das fronteiras, preservação da integridade
territorial e a busca de segurança e de estabilidade para o país na arena
internacional. Especificamente, era necessário garantir equilíbrio estratégico no
Rio da Prata e a preservação do imenso território amazônico. Para cumprir isto,
preocupou-se, também, em garantir maior eficiência ao MNE, aprovando
legislações essenciais para a coesão do corpo diplomático, conferindo
profissionalismo e estruturando a carreira.
O primeiro desafio enfrentado foi a abolição do tráfico de escravos. Em
meio a campanhas difamatórias dos luzias, após a aprovação da Lei Eusébio de
Queirós o próprio representante britânico no Brasil reconheceu o empenho do
Gabinete da trindade saquarema para a aprovação da medida. Paulino Souza
entendia que a abolição não era apenas sobre segurança de Estado, mas
também uma questão moral (Carvalho, 2002). Para tratar das fronteiras, recrutou
estudiosos do tema, como Francisco Varnhagen e Joaquim Caetano da Silva,
além de contar com os constantes conselhos de Pimenta Bueno e do diplomata
Duarte da Ponte Ribeiro (Torres, op. cit.). Após a derrota de Rosas, enviou para
as negociações seu colega Marquês de Paraná, líder saquarema que defendeu
intransigentemente as reivindicações brasileiras. Após o regresso de Carneiro
Leão, Paulino Souza designou o promissor José Paranhos como ministro
residente no Uruguai, devido ao importante papel que havia desempenhado
como assessor do Marquês de Paraná nas negociações.
Ademais, em 1855, já com o título de Visconde do Uruguai, Pedro II o
designa como enviado extraordinário para a Europa, a fim de resolver litígios
territoriais que o Brasil possuía com a Guiana Francesa. Os franceses estavam
desinteressados por qualquer solução, e Paulino Souza permaneceu no Velho
Continente por quase dois anos. Neste tempo, escreveu diversas cartas para
José Paranhos e entrou em contato com diversos livros e ambientes intelectuais,
com sua matriz teórica sofrendo influência dos pensadores europeus e de
estudos da época sobre o progresso dos EUA (Carvalho, op. cit.).
Seu retorno ao Brasil coincidiu com a Conciliação Partidária, política da
qual descordava. O Imperador, que tinha o Uruguai em alta estima, convidou-o
para ser presidente do Conselho de Ministros em 1857 e 1859, e em ambas ele
recusou. Paulino Souza se manteve, no restante de sua vida, como integrante
do Conselho de Estado e do Senado, dedicando-se precipuamente a elaboração
de dois livros, escritos concomitantemente ao agravamento de seu estado de
saúde: em 1862 publicou Ensaio sobre o Direito Administrativo, e três anos
depois Estudos práticos sobre a administração das províncias no Brasil, e em
1866 faleceu enquanto trabalhava em livro sobre a administração dos
municípios.
José Murilo de Carvalho (op. cit.) afirma que os escritos de Uruguai
representaram tentativa de repensar o Brasil a partir da ótica conservadora.
Impactado pelo bom funcionamento da administração governamental na Europa,
Uruguai percebe que neste continente o governo chega ao cidadão por meio
dessa eficiência. Seguindo esse raciocínio, Paulino Souza propõe a separação
entre política e administração pública, com esta sendo responsável por garantir
os direitos civis. Era necessário, argumenta, desenvolver uma cultura política no
Brasil, com o Estado interagindo com a sociedade de maneira que permitisse
que os indivíduos tivessem liberdade de iniciativa, como ocorria nos Estados
Unidos. Portanto, Uruguai defendia manter a centralização política e
descentralizar a esfera administrativa, mas na direção do autogoverno municipal,
e não provincial.
Torres (op. cit., p.187) aponta que ideologicamente ele era um liberal
moderado, um realista que tinha como objetivo a organização da liberdade e que
buscava resultados práticos ao invés de proclamar concepções teóricas, no que
era uma crítica a verborragia dos luzias. Buscava a organização do Estado e o
aperfeiçoamento das instituições, da ordem e da civilização. Era um
representante da raison d’etat, e seu processo de tomada de decisões
pressupunha os interesses gerais acima dos particulares, buscando garantir a
segurança e sobrevivência do Império. Em sua carreira política, edificou as
bases do paradigma saquarema de PE, principalmente na atuação no Prata, que
valeu-se, por exemplo, de íntima união dos trabalhos dos militares e da
diplomacia, além da utilização do princípio do uti possidetis. Essa política seria
continuada pelo seu herdeiro político, o Visconde do Rio Branco.
A trajetória política de José Maria da Silva Paranhos é marcada por
especificidades. Em primeiro lugar, ele foi um “estadista diplomata”, sendo
considerando pela literatura o político mais influente na política exterior do
Império: Rio Branco comandou o MNE em cinco momentos diferentes, e sua
atuação diplomática foi determinada principalmente pelos acontecimentos no Rio
da Prata, ponto nevrálgico da PE do Segundo Reinado e região na qual
Paranhos esteve presente em nada menos do que em sete ocasiões
diplomáticas. Além de membro do Conselho de Estado, ele foi membro da Seção
dos Estrangeiros desta instituição e consultor do MNE entre 1862-64, com vários
pareceres que influenciaram tomadas de decisões políticas.
Em segundo lugar, Paranhos não estudou em Coimbra, nem ascendeu
politicamente por alianças com a elite cafeicultora do Rio de Janeiro. Sem
recursos financeiros, formou-se intelectualmente em instituições de ensino
militar, e provavelmente teve origem nessa época a devoção à pátria que irá
marcar sua atuação política. Foi o primeiro professor de estatística de um curso
superior no Brasil, e sua formação matemática refletiu-se em suas exposições
no Parlamento, com relação de causa e efeito, além do calculismo e paciência
em negociações, e da definição de objetivos e práticas metódicas. A principal
fonte de rendimento de Paranhos era seus salários públicos, e ele foi devotado
a servir ao Trono e ao Estado brasileiro, sem interesses regionais ou econômicos
de determinado grupo social (Doratioto, 2013).
Rio Branco iniciou sua carreira pelos luzias em 1844, alcançando o posto
de secretário de governo da província do Rio de Janeiro em 1846. Mas após os
acontecimentos da revolta da Praieira em 1848, afasta-se dos liberais. Além da
violência envolvida nessa revolta, essa transição política de Paranhos, marcada
pela posição contra reformas radicais, pode também ser explicada por sua
relação com a Maçonaria (Doratioto, op. cit.).
A partir da década de cinquenta Rio Branco passa a defender a PE
adotada pelo Visconde do Uruguai, por meio da publicação das Cartas ao amigo
ausente, na qual além dos ataques às investidas da marinha britânica em
território brasileiro e ao expansionismo de Rosas, também condenou a
escravidão, afirmando que seria possível extingui-la gradativamente.
Como aponta José Honório Rodrigues (1953), Paranhos foi escolhido pelo
próprio Marquês de Paraná para ser seu secretário nas negociações após a
derrota de Rosas devido ao seu trabalho nas Cartas, e em 1853, enquanto
exercia o cargo de ministro residente em Montevideu que o Visconde do Uruguai
havia lhe atribuído, foi eleito deputado pelo partido conservador, em campanha
alavancada pelo próprio Carneiro Leão. Vale destacar que Paranhos, em parte
devido a sua trajetória incomum, esteve sempre no setor moderado do partido
conservador. O futuro Visconde defendia a Monarquia principalmente devido a
estabilidade política que esta gerava, facilitando o progresso civilizacional. No
final de 1853, Honório Hermeto o escolheu como Ministro da Marinha, e ao longo
dessa década Paranhos também comandou o MNE em três momentos, dentre
estes o biênio 1858-9, quando promoveu a famigerada reforma da Secretaria de
Estado.
Paranhos, assim como os outros saquaremas, entendia que a prioridade
na diplomacia era sempre a paz, mas que a guerra poderia vir a ocorrer, como
expõe em uma de suas Cartas (2008, p.211):
A paz deve seguramente ser o alfa e o ômega das nossas relações exteriores,
é a condição indispensável de todo o progresso bem entendido e estável. Mas
a paz é sempre preferível à guerra, embora com sacrifício do crédito, da
dignidade e dos interesses nacionais?

Ao longo de sua atuação como diplomata, Rio Branco soube valer-se da


vantagem em termos materiais que o Brasil possuía à época em que ele se
encontrava, como por exemplo na negociação para a livre navegação do Prata
em 1857-1858, momento no qual o Paraguai sugeria que dificultaria a
navegação, mas acabou por ceder. Principalmente na década de cinquenta,
auge do Império, a capacidade bélica imperial era utilizada como ferramenta de
persuasão em negociações diplomáticas. Paranhos ilustra isto em discurso na
Câmara, quando debatia com Tavares Bastos:
Mas o nobre deputado sabe bem que quando uma negociação é acompanhada
de força, a força é um meio auxiliar, que não dispensa trabalhos e esforços de
inteligência para a solução amigável. (Franco, 2005, p.226)

Em seus discursos no Parlamento, percebe-se esforço para introduzir a


noção de interesse nacional, em processo decisório no qual a racionalidade
deveria guiar a tomada de decisões, de modo a sempre contemplar as
necessidades perenes da nação (Mello, 2005). Nesse sentido, para Paranhos
os debates sobre PE deveriam ser isentos de discussões partidárias, com o
interesse nacional guiando as negociações de maneira continuada:
Sempre professei, e ainda hoje professo, que a política externa não deve estar
sujeita às vicissitudes da política interna, que deve ter princípios tradicionais e
fixos, comuns a todos os partidos. (Franco, op. cit., p.306)

Haveria, portanto, entendia Paranhos, um interesse de Estado vinculado


à estabilidade das fronteiras. Ele defendia sempre a não expansão territorial,
apenas um processo de avanço civilizacional nas regiões já de domínio
brasileiro. De certa maneira, além da continuidade dos preceitos estabelecidos
por Uruguai, nota-se, devido a esse aspecto, uma evolução na concepção de
como deveria ser conduzida, idealmente, a PEB – mas que apenas ocorreu na
mente de Paranhos, haja vista que após ter aceitado missão ao Uruguai em 1864
e resolvido a questão, foi demitido pelos adversários luzias por pura
mesquinharia partidária, como exposto no primeiro capítulo. Aliás, esta demissão
injusta foi a causa do discurso mais célebre de Paranhos, realizado no Senado
em Junho de 1865 e com oito horas de duração, que foi inclusive relatado e
elogiadíssimo pelo então jornalista Machado de Assis. A despeito da
permanência das disputas partidárias nessa época, o filho de Paranhos, no
século seguinte, fez valer a afirmação citada acima, inclusive citando esse mote
do pai (Lynch, 2014, p.291). Não obstante, leitura dos pareceres de José
Paranhos Pai na função de Consultor do MNE, entre 1862-1864, deixa claro o
conhecimento deste de doutrinas e axiomas do Direito Internacional à época,
que no século XX também seria uma marca de seu filho. Dessa maneira, é
possível entender que o Visconde do Rio Branco foi pioneiro no que diz respeito
a ideias e comportamentos que se tornariam, posteriormente, típicos do corpo
diplomático brasileiro, uma vez que estes sempre inspiram sua conduta no
Barão.
Em 1868, no Gabinete Itaboraí, Rio Branco volta a assumir o MNE. Sua
tarefa principal foi estabelecer um governo provisório em Assunção, capital do
Paraguai que havia sido tomada pela Tríplice Aliança. Paranhos atuou para
convencer o presidente argentino a aceitar a garantia da soberania paraguaia,
de maneira a diminuir os receios, presente em todos os saquaremas, de
ambições expansionistas argentinas. Em fins de 1870, o Visconde do Rio Branco
retornou ao Prata para negociar o tratado definitivo de fim da guerra, que era
imprescindível para consolidar a independência paraguaia, e com isso os
interesses brasileiros no Prata. Paranhos, entretanto, foi convocado pouco
tempo depois pelo Imperador para ser Presidente do Conselho de Ministros, e
teve de retornar para a capital. Em seu lugar foi enviado o Barão de Cotegipe,
que no fim teve de assinar tratado em separado com o Paraguai para garantir as
fronteiras desse país, gerando grande reação argentina. O Gabinete comandado
por Rio Branco, mesmo com grande oposição deste país, reconheceu o tratado,
e em 1876 arbitramento do presidente dos EUA rejeitou as pretensões
argentinas, sepultando a questão.
Entende-se, pelo exposto, que o Visconde do Rio Branco foi o maior
responsável por consolidar uma balança de poder favorável aos interesses
brasileiros no Prata. Paranhos concretizou a política elaborada pelo Visconde do
Uruguai, com a contenção do expansionismo argentino por meio da garantia da
independência dos outros países, a livre navegação na Bacia do Prata e a
utilização do uti possidetis para definição dos limites brasileiros. Defendeu os
interesses nacionais primariamente por meio da diplomacia, evitando conflitos
bélicos e utilizando a força de maneira instrumental.
Após a morte de Rio Branco em 1880, a principal liderança saquarema
em assuntos externos foi o Barão de Cotegipe, que foi chanceler em três
oportunidades e acumulou esta função com a de Presidente do Conselho de
Ministros entre 1885-1888. Havia, entretanto, como já exposto, uma hegemonia
luzia no campo das ideias e no Conselho de Estado nas últimas décadas do
regime – os saquaremas estavam em plena decadência. Ainda assim, as
mudanças promovidas na PE, como a aproximação aos Estados Unidos e a
participação em iniciativas multilaterais, ocorreram de maneira gradual,
adquirindo tom ufanista na República muitas vezes apenas no plano do discurso,
normalmente não concretizando-se, como no caso do tratado com a Argentina
assinado por Quintino Bocaiúva. Houve, mesmo após o fim da hegemonia
saquarema e do Golpe, uma continuidade nas práticas e atitudes diplomáticas
brasileiras, e o principal responsável por isso foi o Visconde do Cabo Frio.
Joaquim Tomás do Amaral, oriundo de uma família com histórico de
serviço público, assim como seu irmão foi um diplomata de carreira. Ao longo de
quase setenta anos de serviços prestados ao MNE, ele comandou missões
brasileiras na Europa, e passou quatro anos no Cone Sul, principal eixo
diplomático do Brasil no século e região onde as diretrizes saquaremas se
concretizaram. Na década de quarenta, atuou na comissão mista Brasil-
Inglaterra em Serra Leoa; foi adido na legação de Londres, e secretário em Paris.
Em 1855 assumiu o cargo de diretor da legação de Buenos Aires, atuando depois
em Montevidéu, e posteriormente como ministro residente em Assunção. Em
meados de 1861, foi enviado para ser ministro plenipotenciário em Bruxelas,
participando de importantes negociações diplomáticas, destacando-se a
representação que fez do Brasil, no arbitramento decorrente da Questão
Christie, ao rei da Bélgica. Na metade da década de sessenta, foi promovido a
função de Diretor-Geral do MNE, que exerceu até 1907, quando faleceu. Nestas
quatro décadas, atuou também como enviado em missão especial no Prata entre
1867-1869, para tratar de questões relativas à Guerra do Paraguai.
Como expõe o diplomata Luís Gurgel do Amaral (2008) em seu livro de
memórias, Cabo Frio representava, para os funcionários do ministério, exemplo
de devoção a carreira, era um símbolo da instituição. Controlava, por exemplo,
os horários de entrada e saída dos funcionários. Segundo Cheibub, Cabo Frio
“representava a ‘instituição’ no que concerne à manutenção das regras,
costumes e comportamentos tradicionais. Sua força e prestígio não se
baseavam no elemento pessoal, mas no seu símbolo enquanto representante
das tradições imperiais” (Cheibub, 1984, p.41, grifo meu). Amaral possuía
elevado prestígio diplomático e reconhecimento no meio político: enquanto
representante de Londres, por exemplo, recebeu instruções do Visconde do
Uruguai sobre como atuar frente às crescentes tensões com os britânicos por
causa do tráfico de escravos; e o Visconde do Rio Branco, quando ministro,
requisitava pareceres de Cabo Frio. Sua competência foi reconhecida, inclusive,
após o Golpe republicano por Quintino Bocaiúva e Floriano Peixoto, o que fez
com que ele permanecesse no cargo.
Em linhas gerais, seu tempo à frente de questões burocráticas dos
Negócios Estrangeiros é marcado pelo controle e conhecimento do Diretor-Geral
sobre os mais variados tipos de documentações, além da obstrução a maioria
das propostas inovadores de PE apresentadas pelos políticos que assumiam o
comando da pasta. Cervo (2013) afirma que a atuação de Cabo Frio é marcada
pelo que chama de “pensamento gestor”, preocupado sempre com a eficiência
diplomática e produções de resultados concretos, tornando-se exemplo para as
outras esferas da administração pública.
Já em relação a ações diplomáticas concretas, Cabo Frio possuía uma
grande aversão a tratados e acordos internacionais, característica do paradigma
conservador da PEB, aspecto este que ele entendia como tradição e aplicou
como elemento de continuidade da diplomacia do Segundo Reinado. Como todo
saquarema, o Diretor-Geral desconfiava de todas as nações. Nos treze anos que
precederam o início da administração do Barão de Rio Branco (1902), o MNE
possuiu onze comandantes, que ao desembarcarem nos Negócios Estrangeiros
encontravam na figura de Amaral grande empecilho para realizar qualquer
mudança, ou mesmo na condução diária dos trabalhos, uma vez que em grande
maioria dos casos não conseguiam impor sua vontade sobre o Diretor-Geral, que
sempre sabia mais sobre os assuntos analisados do que os ministros. Além
disso, os argumentos e pareceres de Amaral se assemelhavam com a posição
nacionalista dos Chefes de Estado (principalmente Floriano Peixoto), o que
também contribuiu para fortalecer a posição do burocrata. Na prática, Cabo Frio
foi o condutor da PEB nos últimos anos da Monarquia e na República até o
momento em que o Barão do Rio Branco assumiu o comando. Ele ditou a
execução dos trabalhos, por exemplo, por meio da seleção de documentos que
seriam enviados para o Ministro das Relações Exteriores, concentrando em si
aspectos relevantes do poder decisório.
No Segundo Reinado, Cabo Frio exercia sua função a partir dos
despachos para legações e consulados no exterior, instruindo quanto a
condução dos negócios. Emitia, também, pareceres aos ministros, e
principalmente, para a seção dos Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado.
Além dessa atuação no Conselho, Amaral trocou cartas com grandes
personalidades do cenário nacional e internacional, recebendo, inclusive,
homenagens de governos estrangeiros.
O Visconde valorizava o processo de inserção histórica do Brasil, o qual
afirmava que havia acumulado grandes êxitos nas últimas décadas, e por isto
entendia que era necessário a manutenção das tradições já consolidadas. Ao
redigir os documentos que seriam enviados ao Conselho de Estado, utilizava da
influência dessa instituição no processo de formulação de diretrizes diplomáticas
para influenciar a tomada de decisões sobre PE. A análise das Consultas da
Seção dos Negócios Estrangeiros mostra que Amaral, na maioria das vezes,
apenas enviava os vários documentos que envolviam o respectivo assunto a ser
analisado para os conselheiros, o que transmitia a imagem de notório saber do
Diretor-Geral, de vasto conhecimento das documentações da nação. Contudo,
quando o assunto era muito relevante para o rumo da PE, Cabo Frio emitia um
parecer, separado da documentação, que exercia influência sobre a posição dos
conselheiros.
Até meados da década de setenta, isto ocorreu, de maneira relevante, em
poucos momentos (dois foram transcritos nos documentos da Seção, sendo que
apenas em um os conselheiros concordaram), apenas durante a Guerra do
Paraguai – ou seja, em período excepcional. Após o término dos conflitos, Cabo
Frio restringiu-se aos aspectos estritamente burocráticos de sua função, aos
envios de documentos e requisições de gratificações para funcionários. Contudo,
no último volume das Consultas, entre 1875-1889, houve grande mudança em
sua atuação: há, no mínimo, sete pareceres em que Amaral explicitamente emite
sua opinião sobre o que deve ser feito, em variados assuntos. Dentre estes,
destaca-se o parecer de janeiro de 1875, sobre o relato paraguaio de que não
conseguiria pagar as dívidas decorrentes da Guerra da Tríplice Aliança, no que
Amaral argumenta que:
[...] é evidente a gravidade do caso e a conveniência de se fazerem concessões
que evitem a completa ruína do Paraguai e tornem praticável a indenização dos
prejuízos sofridos pelos brasileiros. (FUNAG, 2009, p.54)

Assim como os principais líderes saquaremas do período, Amaral


defendeu a tese de que o Império não obteria grandes benefícios ao cobrar a
dívida dos paraguaios. O Diretor-Geral, inclusive, anexou um projeto de tratado
ao seu parecer. A Seção dos Estrangeiros seguiu a opinião de Cabo Frio e
defendeu a amortização dos juros. Ademais, o Diretor-Geral defendeu seu ponto
de vista em questões como direito de naturalidade (parecer de 8 de janeiro de
1878); direitos de extradição (28 de dezembro de 1877); direitos dos cônsules
residentes (5 de dezembro de 1884); dentre outros. Em absoluta maioria dos
casos, os conselheiros – em momento em que, como ressaltado no segundo
capítulo, era de hegemonia luzia – seguiam o argumento do Diretor-Geral.
Ora, não pode ser apenas coincidência que o momento em que Cabo Frio
buscou ter maior influência na tomada de decisões, emitindo pareceres sobre o
que entendia ser a política correta, seja simultâneo aos anos em que os
conservadores estavam em trajetória decadente. Ele tentava manter a tradição
diplomática consolidada ao longo da hegemonia saquarema. Além disso, foi com
o passar dos anos que ele garantiu o respeito dos conselheiros (parcela
considerável havia sido nomeada após Cabo Frio ser Diretor-Geral por vários
anos), o caráter de especialista nos Negócios Estrangeiros, e com isso o
prestígio à sua opinião.
Evidencia-se, pela análise desses documentos, que nos escritos para o
Conselho de Estado o Visconde de Cabo Frio transita entre o papel de simples
burocrata para o de gestor e propositor de políticas no cenário externo, atuando
desta maneira principalmente nas últimas duas décadas da Monarquia,
momento em que coincide com a decadência saquarema e a preponderância
luzia no Conselho de Estado e na PE. A defesa de Amaral da não cobrança da
dívida paraguaia decorrente da Guerra do Paraguai é um claro exemplo de que
o Diretor-Geral seguia as tradições saquaremas, e de que se opunha às
proposições dos luzias de maiores acordos com outros países e a uma
priorização da busca de maiores benefícios econômicos no plano externo.
Assim sendo, Cabo Frio valia-se do prestígio que possuía na esfera
política para tentar influenciar as decisões tomadas na cúpula do poder, mas de
maneira indireta: seus pareceres e propostas não eram divulgados ou
conhecidos pela opinião pública. O Diretor-Geral era um gestor, um burocrata
que trabalhou nos bastidores. Desta maneira, Amaral buscou manter a tradição
político-diplomática do Império, tanto em momentos de hegemonia luzia sobre o
reinado de Pedro II, quanto na conturbada época republicana, quando garantiu
a continuidade dos trabalhos na promoção da projeção externa brasileira. Cabo
Frio, portanto, difere-se dos outros indivíduos aqui analisados por não ser um
formulador, não inovar em determinadas práticas de PE, pelo contrário: foi um
mantenedor das práticas e tradições que os saquaremas estabeleceram, voltado
para o alcance de resultados diplomáticos concretos.
A presença de um Diretor-Geral com tamanha influência fazia com que as
mudanças desejadas pelos luzias ocorressem dentro de um certo espectro
político. Por exemplo, em parecer ao Conselho em janeiro de 1884, em meio a
pressão dos luzias ao longo dos anos precedentes, Cabo Frio defendeu que se
aceitasse proposta de arbitramento territorial com a Argentina. Fez isto porque
considerava que Brasil conseguiria advir vantagens em maioria dos cenários,
que os argumentos do Império eram melhores; e principalmente, ao ir de
encontro ao que defendiam os luzias, Amaral pôde controlar como ocorreria o
processo – em seu parecer ele novamente forneceu, passo a passo, como
poder-se-ia fazer as negociações. E os conselheiros:
Em conclusão, pensa a seção do Conselho de Estado dos Negócios
Estrangeiros que a proposta do dr. Quesada, nos termos em que a entende o
conselheiro Diretor-Geral da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, está no caso
de ser aceita. (FUNAG, op. cit., p.283-286, grifo meu)
Em outras ocasiões, defendeu de maneira intransigente a soberania no
território brasileiro: em parecer de agosto de 188932, sobre reivindicações do
governo uruguaio, afirmou que o Brasil possuía “a soberania inteira e exclusiva
sobre as águas da lagoa Mirim e do rio Jaguarão. Neste ponto, não é
admissível transação de nenhuma espécie. O governo oriental parece não
estar ainda convencido disso, e eu o sinto, porque ele põe o Governo
Imperial na desagradável necessidade de repetir uma recusa que tanto lhe
custa.” (CHDD, 2009, p. 314, grifo meu). Por fim, vale lembrar que em termos de
diretrizes diplomáticas, a aproximação com os EUA iniciada na década de
setenta, fora a mudança na governança política causada pelo Golpe,
concretizou-se apenas em termos comerciais; e o objetivo dos liberais de
alinhamento aos argentinos restringiu-se muito mais à retórica. Ou seja, a
tradição político-diplomática estabelecida pelos saquaremas foi mantida por
Cabo Frio tanto burocrática quanto diplomaticamente, de maneira que luzias
tivessem delimitados cenários e possibilidades de ação.
A crença em um papel protagonista no cenário internacional, a intangibilidade
do território nacional, a defesa da livre navegação dos rios limítrofes e o equilíbrio
de poder no Prata foram marcas indeléveis da política externa imperial que
seguiriam ativas no imaginário republicano. (Sousa, 2013, p.62)

Nesses termos, a importância histórica de Cabo Frio se deve a


continuidade institucional garantida por ele, de forma que o MNE pouco alterou-
se após o Golpe. É válido, com isso, questionar: em meio ao ufanismo ideológico
do início da República, em qual estado o Barão, protagonista da narrativa
exposta na Introdução, encontraria os negócios exteriores do Brasil se não fosse
Cabo Frio para se opor a todas às rupturas propostas e manter aspectos
institucionais do MNE e da tradição diplomática construída no Império, após a
Proclamação da República? Juca Paranhos chegou a reconhecer a importância
de Cabo Frio para a chancelaria brasileira, e afirmou ter reverência pelo
secretário, o qual conhecera ainda pequeno na casa de seu pai, o visconde do
Rio Branco – homenageou Cabo Frio com uma estátua no Itamaraty, inclusive.
Entende-se, portanto, que houve um esforço, pelos indivíduos aqui
citados e muitos outros, de formar, consolidar e perpetuar uma tradição
diplomática brasileira baseada e implementada no momento de hegemonia
saquarema na PE do Segundo Reinado. Por outro lado, é significativamente
mais difícil identificar uma continuidade teórica e na prática política entre luzias:
primeiro porque o partido era muito mais incoeso; e segundo, o domínio
conservador no Império impossibilitou a implementação das diretrizes liberais,
que gradativamente sobressaíram apenas a partir da década de setenta e
culminaram nas desastradas medidas diplomáticas realizadas por chanceleres
nos primórdios da República tupiniquim.
Ainda assim, é possível identificar indivíduos que mais contribuíram para
o paradigma luzia, como Diogo Antônio Feijó, Tavares Bastos e José Tomás

32
Publicado pelo CHDD em 2009.
Nabuco de Araújo33. Essas tradições de pensamento serão detalhadas na
Conclusão, e neste momento é necessário apenas esclarecer que, apesar da
existência de um projeto luzia para a PE por parte desses e de outros políticos,
deve-se reconhecer que esses liberais foram relativamente menos significantes
para a PE do período do que os saquaremas acima citados, haja vista a maneira
com que manuais introdutórios de PE, por exemplo, citam Uruguai e Rio Branco
como os maiores responsáveis pela atuação externa imperial. Por motivos já
abordados, os luzias não tiveram uma continuidade no poder, e portanto um
legado menos concreto no que diz respeito ao Segundo Reinado e as relações
internacionais brasileiras.
3.5 Conclusão
Em relação ao sistema institucional, Pedro I foi um monarca centralizador, que
pouco espaço fornecia para debates sobre objetivos e ações concretas de sua
diplomacia, tornando impossível, após alguns anos, conciliar seus interesses
particulares e as demandas do país. Já sob o comando de Pedro II, o Trono
caracterizou-se pelo respeito a coisa pública e às regras e recomendações
constitucionais, conduzindo o Estado brasileiro de acordo com os anseios e
necessidades da época. O Imperador atuou como principal condutor da projeção
internacional brasileira, supervisionando sempre os trabalhos dos ministros e em
constante contato com funcionários e enviados extraordinários ao exterior. A
Coroa esteve, também, em estreita relação com as demais instituições para
decidir sobre as políticas adotadas, e buscava garantir a continuidade das
tradições estabelecidas com o passar do tempo.
Por seu turno, o Conselho de Estado era pouco atuante no Primeiro
Reinado, mas em sua terceira formação influenciou diretamente na formulação
de diretrizes diplomáticas, sendo o local no qual se concentrava os grandes
estadistas brasileiros, e até meados da década de setenta era de prevalência
conservadora. O MNE manteve seu papel relativamente constante ao longo do
Império, ao servir como simples instrumento de implementação das políticas
discutidas no Conselho e determinadas pelo Imperador, mas foi crescentemente
adquirindo um corpo burocrático e caráter profissional, especializado – devido,
principalmente, aos incentivos dos saquaremas, que forneceram gradativamente
maior eficiência ao serviço externo. É importante destacar, ainda, que o corpo
diplomático, ao longo de todo o século, por mais que houvesse cargos com
objetivos de estabelecer certa continuidade dos trabalhos, esteve sujeito aos
“ventos políticos”, a mudanças de Gabinete, uma vez que era comandado por
políticos, que uma vez no comando buscariam cumprir os projetos de seu
respectivo partido para a PE.
Não obstante, o Parlamento nacional, na ausência de papel na década de
vinte, dedicou-se à denúncia dos tratados desiguais, para na Regência tornar-se
o principal fórum de debates e de propostas para as relações internacionais
brasileiras. Após a Maioridade, deixa de ser protagonista na formulação de PE

33
Para detalhes, ver Rosi (2016).
para voltar a atuar como fiscalizador das ações governamentais, além de servir
como casa da disputa política entre as duas ideologias predominantes naqueles
anos. O cargo de Presidente do Conselho de Ministros, responsável por montar
e reger os Gabinetes do Império, foi criado já quase na década de cinquenta, e
aplicava as diretrizes impostas pelo Imperador, que haviam sido discutidas e
elaboradas principalmente pelo Conselho de Estado. Normalmente havia pouca
margem de manobra aos políticos nesse cargo, mas os principais estadistas que
conquistaram a confiança e admiração de Pedro II, como o “senhor Paulino” 34 e
Paranhos, conduziam seus trabalhos segundo a grande autoridade e
reconhecimento que possuíam, com maior liberdade para atuação.
As disputas que culminavam em alternância de Gabinetes ocorria por
meio dos partidos conservadores e liberais, cujos projetos de Brasil e constante
busca para fazer com que o Imperador concretizasse suas respectivas visões
permeiam todas as análises desse trabalho. Quando do governo de Pedro I,
houve a divisão entre grupos que realizaram a defesa incondicional do Monarca
e de políticos concentrados na Câmara, que realizaram ataques aos tratados
desiguais, por exemplo. Na Regência evidenciar-se-iam diferentes concepções
e projetos para o Brasil, com uma divergência (na época entre “progressistas” e
“regressistas”) que consolidou-se em princípios do Segundo Reinado e
formalizou-se em dois paradigmas de PE, com uma hegemonia saquarema no
Império.
Seguindo esse raciocínio, houve continuidade dos princípios elaborados
pelos saquaremas nas políticas imperiais, como: a não assinatura de novos
tratados comerciais; a desconfiança, em meio ao contexto do Imperialismo, de
todas as nações, buscando conter principalmente anseios expansionistas
argentinos; a defesa da intransigência territorial brasileira, que devia ser
defendida principalmente por mecanismos diplomáticos, mas por guerras se
necessário; e as negociações fronteiriças a partir do princípio do uti possidetis.
Tais políticas se concretizaram pelas defesas delas no Conselho, e devido a alta
eficiência perpetuaram-se pelas gerações subsequentes de estadistas imperiais,
tornando-se política de Estado, tradições político-diplomáticas.
Nesse sentido, determinados agentes políticos foram essenciais para
consolidar e manter a projeção externa brasileira pela ótica saquarema.
Bernardo Vasconcelos foi o principal responsável por estabelecer o
conservadorismo brasileiro, além de criticar decisões de PE autoritárias ou não
realizadas de acordo com interesse nacional. Paulino Souza criou as diretrizes
do paradigma saquarema, responsáveis por atender as demandas brasileiras da
época e resolver grande parte dos desafios que o Brasil enfrentava no âmbito
internacional. José Paranhos consolidou a doutrina do Visconde do Uruguai de
maneira que, ao (por exemplo) garantir a independência paraguaia e uma ordem
favorável ao Império, tornaram-se políticas públicas incontornáveis. Já o
diplomata Visconde de Cabo Frio, no papel de funcionário devoto, com setenta
anos de serviços prestados ao MNE, foi responsável por manter essas tradições

34
Segundo José Murilo de Carvalho (2002), maneira pela qual Pedro II se referia ao Visconde do Uruguai.
que ele próprio havia presenciado serem construídas, mantendo uma
organização e continuidade dos Negócios Estrangeiros pelo menos até o
momento em que o Barão do Rio Branco, filho do Visconde do Rio Branco,
assumiu a pasta.
Conclusão
Essa Conclusão está dividida em três partes. Na primeira, realizo síntese dos
argumentos e conclusões de cada capítulo. Em seguida, trato das principais
contribuições da PE do Segundo Reinado para o processo de constituição
histórica da PEB. Já na terceira parte busco interpretar, a partir do legado das
relações exteriores imperiais, os acontecimentos diplomáticos da Primeira
República; além de pensar as matrizes teóricas das relações internacionais
brasileiras a partir da noção de tradições de pensamento internacional.
I
Essa monografia, diante da narrativa exposta na Introdução, a qual argumenta
que a concepção da “diplomacia moderna” brasileira ocorreu a partir da figura do
Barão do Rio Branco, o que tem como consequência a pouca atenção a PE do
Império no geral e a dinâmica institucional do período em específico, buscou
entender: como ocorreu o processo de concepção da Política Externa Brasileira
no Segundo Reinado? Quais os principais agentes, atores e instituições
envolvidas na sua formulação e aplicação? Nossa hipótese era de que a
evolução histórica da PEB foi um processo muito mais complexo do que a
narrativa do Barão como patrono e fundador de supostos princípios da
diplomacia da nação permite-nos enxergar; de que já havia uma PEB articulada
antes do Barão, que padecia de pouco detalhamento. Seguindo esse propósito,
nosso objetivo geral foi explicar o processo de construção e desenvolvimento da
PE do Segundo Reinado a partir de sua dinâmica político-institucional, para
identificar as contribuições do Segundo Reinado para o processo de constituição
histórica da PEB.
O primeiro objetivo em específico era descrever a formação e principais
características dos paradigmas saquarema e luzia de PEB. Assim, no Primeiro
Reinado formou-se o que viria a ser o projeto conservador, e na Regência os
liberais se opuseram a esta interpretação, surgindo a visão na qual os luzias se
inspirariam, e com posterior divisão entre “regressistas” e “progressistas”. Esta
polarização foi característica do Segundo Reinado, no qual os saquaremas
consolidaram a ordem interna na primeira metade do século, para em seguida
garantir os interesses brasileiros no cenário internacional. Na década de
sessenta houve um ressurgimento luzia, que culminou em domínio destes da
esfera política nas últimas décadas do regime. O paradigma saquarema
baseava-se no tripé Ordem-Centralização-Estadocentrismo, e entendia como
primordial a defesa da intangibilidade do território nacional; enquanto luzias
guiavam suas decisões a partir da Liberdade-Federação-Sociocentrismo,
sempre buscando boas relações (e vantagens econômicas) com os vizinhos e
uma descentralização do poder.
O segundo intuito em específico foi identificar os motivos do projeto
saquarema ter prevalecido. Isto ocorre primordialmente por conservadores e o
Imperador compartilharem de projeto para o Brasil que originalmente era lusitano
(defensor da integridade territorial), além da prevalência dos saquaremas no
Conselho de Estado, órgão formulador das diretrizes diplomáticas do Segundo
Reinado. Todavia, essa predominância não ocorreu por pura preferência de
Pedro II ao conservadorismo, mas porque este grupo, além de ter maior
conhecimento e ter defendido um fortalecimento do serviço diplomático
brasileiro, demonstrou-se o mais adequado no contexto de instabilidade que o
país vivia na década de quarenta, enquanto os liberais provocavam revoltas. Em
certo sentido, a hegemonia saquarema foi consequência direta das medidas que
os progressistas adotaram quando eram dominantes na Regência, haja vista que
foram decorrentes das políticas descentralizadoras que ocasionaram o contexto
de ameaça territorial, o que por sua vez fez com que o Monarca tivesse
predileção pelos saquaremas (defensores da unidade nacional) nessa época.
Por seu turno, o terceiro propósito específico tratava de expor como
funcionava, institucionalmente, esse projeto: o papel dos principais órgãos e
estadistas que participavam da PEB. A formulação da PE ficava dividida,
precipuamente, entre Imperador, Conselho e Parlamento, sendo os dois
primeiros os protagonistas do Segundo Reinado, com diretrizes de acordo com
a raison d’etat, sendo Senado e Câmara o locus das disputas políticas. Em
momentos excepcionais, o político a cargo do Gabinete possuía vasta influência,
como no caso de Uruguai e Rio Branco, mas via de regra o Presidente do
Conselho de Ministros se esforçava para implementar os desejos do Imperador.
Já o MNE nunca era protagonista, mas utilizado como instrumento, assistente
do jogo político apenas – o executor das ordens, sujeito aos “ventos políticos”.
Houve também uma estabilidade na defesa de políticas como a não negociação
de tratados e acordos comerciais com potências, e da utilização de princípios
como o uti possidetis para a negociação dos limites brasileiros. Para que
continuidades como essas fossem possíveis, foi imprescindível a participação e
envolvimento de eminentes indivíduos. Dentre eles, Bernardo Vasconcelos foi o
responsável por estabelecer o conservadorismo brasileiro, além de criticar
decisões no plano externo que fossem autoritárias e não realizadas de acordo
com interesses nacionais; Visconde do Uruguai criou as diretrizes do paradigma
saquarema responsáveis por atender as demandas brasileiras da época; Rio
Branco as consolidou de maneira que se tornaram política de Estado; e Cabo
Frio, como funcionário devoto, foi responsável por manter essas tradições
político-diplomáticas pelo menos até momento em que o Barão de Rio Branco
tornou-se chanceler.
II
Ao longo de toda a história nacional, a diplomacia foi instrumento essencial para
o desenvolvimento da nação. Mesmo antes de ser um país independente, foi
necessário a atuação de indivíduos como Alexandre de Gusmão para defender
as terras ocupadas por portugueses. Como aponta Goes Filho, Navegantes,
Bandeirantes e Diplomatas (2015), desde o tempo colonial, atuaram para formar
os limites do Brasil. Contudo, após 1822 o papel da atividade diplomática só fez
crescer, uma vez que era necessário garantir a integridade do território que havia
sido assegurado pelo Tratado de Madri (1750); isto em meio ao Imperialismo das
grandes potências, revoluções caudilhas, fragmentações dos países vizinhos, e
avanços expansionistas de ditadores como Rosas e López. Os conflitos militares
ocorreram, muitas vezes, como parte de estratégia do Gabinete e do Ministro
dos Estrangeiros – literalmente, a guerra era a continuação da diplomacia por
outros meios. Perante tais desafios, os principais estadistas se ocuparam das
relações internacionais do incipiente Estado, que possuía grande impacto na
política do país, capaz de ocasionar grandes crises, ou glórias para quem
garantisse a concretização dos objetivos definidos pelo Monarca, com auxílio
dos demais órgãos.
Ao longo desse trabalho, argumentei que da mesma forma que no plano
interno é consenso historiográfico que o projeto saquarema se corroborou
vitorioso no Segundo Reinado a partir de demonstrações práticas e de
acontecimentos como as revoltas regenciais, o paradigma de PE saquarema
também se mostrou mais adaptado ao contexto da realidade da época, do século
XIX marcado pelo Imperialismo, com um Brasil recém independente, fragilizado
e sem fronteiras definidas. O Segundo Reinado foi período de consolidação do
Estado brasileiro no plano interno e externo, por meio das ações do Partido
Conservador, com seus principais líderes sendo os grandes protagonistas
políticos da época35. Há de se notar, inclusive, que após o domínio da cena
política pelos luzias o sistema monárquico perdeu força, e as forças
revolucionárias gradativamente fortaleceram-se, culminando no Golpe de 1889.
O pensamento político conservador ascenderia gradativamente, a partir do
movimento regressista, ao ponto de tornar-se o paradigma dominante na
construção institucional do Segundo Reinado. Do ponto de vista da história das
ideias, a emergência, consolidação e declínio do pensamento político
conservador coincidem com o desenvolvimento do próprio Estado monárquico
(Sousa, 2017, p. 82)

A despeito disso, o Ministério responsável por administrar as relações


internacionais do país pouco modificou-se com o advento republicano, talvez
exceto por seu nome. Houve vários elementos de continuidade dos trabalhos
diplomáticos até 1902, ano em que o Barão chega ao comando – garantidos,
como exposto na seção 3.4, pelo Barão de Cabo Frio. Considerando isso, a
seguir busco destacar as principais contribuições da PE do Segundo Reinado
para o processo de constituição histórica da PEB, argumentando que os
princípios que a interpretação da Introdução identifica como estabelecidos na
Primeira República possuem estreita relação com o tempo de Pedro II.
Primeiramente, o princípio da visão realista do cenário internacional
remonta sua origem aos saquaremas. Estes atuaram de maneira pragmática,
determinando suas ações a partir do contexto histórico e da distribuição de
capacidades materiais de cada país. Buscaram, enquanto faltava vigor ao
Império, defendê-lo estritamente pela diplomacia, por alianças com quem fosse
necessário em cada momento. Uma vez que o Brasil pacificou sua ordem interna
e que demonstrou-se necessário defender suas terras e população por meio de

35
Por outro lado, seguindo João Camilo de Oliveira Torres, vale ressaltar que os debates político-
intelectuais do Império eram de altíssimo nível, com grandes pensadores e estadistas luzias. O autor, que
escreveu na segunda metade da década de sessenta, faz um paralelo com os líderes políticos de seu
tempo, no que conclui que houve uma decadência da cultura brasileira no século XX.
conflitos, os conservadores estabeleceram ordem favorável ao país no Prata.
Perdurou, mesmo após a consolidação fronteiriça, a desconfiança e prudência
em relação a todas as nações do globo. Conforme ver-se-á abaixo, o Barão do
Rio Branco, décadas depois, irá retomar vários desses aspectos.
Ademais, a literatura normalmente aponta que foi na Primeira República,
após conflitos bélicos do Império como a Guerra do Paraguai, momento de
“exceção hobbesiana”, que crenças como o pacifismo, a não-intervenção, e a
defesa da autodeterminação dos povos se tornaram constantes na PEB. Neste
sentido, entendo que princípios da PEB acima citados remontam justamente ao
momento áureo do Segundo Reinado, das vitórias brasileiras em conflitos; uma
vez que foi a partir das atitudes dos líderes políticos da época que foi possível
estabelecer a paz para o Brasil, e com isso a defesa desses princípios. Em meio
ao Imperialismo do século XIX, entre as décadas de cinquenta e setenta, quando
o Império subjugou em distintas oportunidades todos os países da Bacia do
Prata, seria muito natural, e relativamente fácil, expandir as fronteiras
tupiniquins, anexar terras historicamente ocupadas por outros povos, outras
culturas. Os Império, contudo, não o fez. Como disse o Visconde do Uruguai em
1851:
Senhores, nós, e louvores sejam dados a todas as administrações passadas por
isso, nunca tivemos vistas ambiciosas. (Apoiados) Contentamo-nos com a
imensidade do nosso território, com os recursos e riquezas naturais que Deus
lhe deu, e que só esperam a ação da indústria para fazer a nossa felicidade. Não
temos a ambição de conquistas, e de aquisições territoriais, nem a podemos ter.
Mas se não pretendemos engrandecer-nos à custa de outras nacionalidades,
não devemos querer que à custa dessas, outras que até agora têm mostrado
para conosco vistas e disposições tão pouco pacíficas, se engrandeçam, e se
habilitem para nos incomodar seriamente para o futuro. [...] Não temos vistas
ambiciosas, o que desejamos é que os negócios do Rio da Prata se arranjem de
modo que tenhamos seguranças para o futuro. Não é possível que estejam
constantemente a repetir-se os sacrifícios que tem feito o Império com a
província do Rio Grande do Sul. Não é possível estar sempre de arma ao ombro
e preparado, convém procurar alguma solução que nos dê seguranças e
garantias para o diante, a fim de que desembaraçados possamos cuidar e aplicar
os nossos recursos aos melhoramentos internos que o país reclama. (Anais do
Senado, 24/05/1851)

Não obstante, o Visconde do Rio Branco, o “estadista diplomata”, principal


responsável por garantir para o país uma balança de poder favorável no Prata,
ponto máximo de importância da PE da época, afirma em discurso na Câmara
em 1858 que:
Não duvido que se pudesse estabelecer uma fronteira preferível a esta; mas eu
nunca aconselharei ao governo imperial que, sem uma necessidade absoluta de
segurança e polícia para o Império e os seus vizinhos, trate de obter aumento
de território, trate de levar os seus limites além do seu direito perfeito.
(Apoiados.) Nós não carecemos de território; carecemos, sim, de gente útil que
povoe o vasto e belo território que possuímos. (Apoiados.) É um preconceito
entre os nossos vizinhos que o governo imperial tem em vistas ampliar os seus
domínios. O princípio do uti possidetis, consagrado no direito das gentes, e que
é a base do direito territorial de quase todas as nações, é considerado por alguns
dos nossos vizinhos como uma invenção sutil do governo imperial para aumentar
o seu território. Por conseguinte, não pretendamos estender as nossas fronteiras
além do que possuímos por direito originário e em virtude de nossas posses.
(Franco, 2005: 128)

Dois anos depois, em discurso no mesmo local, Paranhos volta a afirmar


que:
As vitórias militares são algumas vezes gloriosas, têm também algumas vezes
suas vantagens especiais; mas eu preferirei sempre os triunfos da paz, quando
eles possam ser igualmente honrosos. (Muito bem!) [...] O governo do Brasil
nunca pretendeu ingerir-se nos negócios peculiares dos seus vizinhos. O nobre
deputado tem disto uma prova no procedimento que observamos – e
observamos escrupulosamente – em 1852, depois de uma vitória obtida com o
concurso das armas, da diplomacia e dos recursos financeiros do Império.
Conseguido o fim que nos era comum, retiramo-nos, não quisemos tomar a
menor parte na organização interna da Confederação Argentina e do mesmo
modo procedemos para com o Estado Oriental do Uruguai. (Franco, 2005, p.145)

Nesse mesmo discurso, em trecho já citado na seção 2.4, Paranhos diz


que “as intervenções são necessidades a que nem sempre os governos se
podem recusar. Esse procedimento é, algumas vezes, aconselhado e
determinado indeclinavelmente por grandes interesses do Estado”, e que no
caso brasileiro “esses atos foram aconselhados por ponderosos motivos, por
interesses indeclináveis do nosso país.”
Ou seja, tais discursos apenas corroboram a visão realista, uma vez que
esses líderes da PE imperial preferiam a paz, mas perceberam que no contexto
em que viviam ela precisaria ser conquistada. E eles provaram a predileção pela
paz ao, no momento em que possuíam o poder para a expansão, abandonarem
o território inimigo. Assim sendo, é por meio dessas ações que inaugura-se o
que tornar-se-ia a tradição brasileira de defesa do pacifismo, pois os políticos
imperiais não proclamaram guerra com desejos expansionistas, mas para
garantir a ordem e tranquilidade no território historicamente brasileiro. É por meio
dessas ações que tem início o que se tornaria a tradição da defesa da não-
intervenção em assuntos internos de outros países, haja vista que o Brasil
retirou-se da Argentina após derrotar o ditador que lá governava, e garantiu a
independência uruguaia e paraguaia, quando tinha poder para absorver estas
terras. É por buscar garantir o direito dos países de determinarem sua própria
organização constitucional, como fez Paranhos com o Paraguai e Uruguai, que
o país inaugura o que se tornaria a tradição de respeito a auto-determinação dos
povos. Nisto, vale citar trecho da instrução do Visconde do Uruguai para a
missão de Duarte da Ponte Ribeiro, já mencionada na seção 3.4:
Fará ver que a política do governo imperial consiste em não intervir de modo
algum, nem direta, nem indiretamente nas questões internas dos outros países.
Posto que a forma do governo do Brasil seja monárquica, ele respeita as outras
e entende que cada nação deve ser governada como quer e por quem quer [...]
Deseja o governo imperial e concorrerá quanto puder para que as
nacionalidades existentes sejam mantidas, e não absorvidas por outros Estados.
(apud CHDD, 2004)

Dessa maneira, entendo que a tradição diplomática brasileira da defesa


do pacifismo, da não intervenção e da auto-determinação dos povos originou-se
na PE do Segundo Reinado, das atitudes e políticas defendidas pelos líderes
conservadores, consolidando-se nas décadas posteriores. A ação imperial
possibilitou que líderes republicanos continuassem a defender as práticas
pacificistas do país, uma vez que o território brasileiro já estava, em boa parte,
delimitado. Havia outros interesses, mas a escolha destes por não anexar
território quando facilmente poderiam ter expandido as fronteiras brasileiras e
causado uma rivalidade histórica, corrobora que o Brasil não buscava a guerra
e expansão territorial em detrimento de relações amistosas com os vizinhos.
Novamente, vale lembrar: enquanto o Império abandonou o território da
combalida Argentina na década de cinquenta e garantiu a independência do
Uruguai e do Paraguai até meados da década de setenta, para organizarem seu
próprio governo e domínio sobre seus territórios, EUA e Europa subjugavam
várias regiões ao redor do globo.
Não obstante, desde a época da Regência expoentes liberais inspiravam-
se nos Estados Unidos, defendiam relações pacíficas com os países do
continente, e a mudança do eixo diplomático brasileiro, da Europa para a
América. Anais do Parlamento, Atas do Conselho de Estado, Consultas da
Seção dos Estrangeiros do Conselho e textos dos luzias deixam claro a ojeriza
que possuíam a conflitos com outros países e às ações conservadoras no Prata.
E principalmente nas duas últimas décadas monárquicas, os liberais buscaram
concretizar isso, com aproximações dos vizinhos continentais. E por isso, a
defesa desses princípios na Primeira República deve ser também entendida
como originada do que argumento abaixo ser a tradição de pensamento
internacional luzia, oriunda do Império, e não das décadas posteriores ao Golpe,
como sustenta a narrativa da Introdução.
Outrossim, existia também, na época imperial, o respeito a convenções e
regras do Direito Internacional existentes. Isto é evidente, principalmente, pela
análise dos Pareceres dos consultores do Ministério dos Negócios Estrangeiros
(FUNAG, 2006). Mais uma vez destaca-se a figura do Visconde do Rio Branco,
que foi o que mais produziu relatórios para o MNE, que versavam sobre variados
assuntos, como dupla nacionalidade, direitos de sucessão e questões de limites.
Em grande maioria dos textos, Paranhos utilizava do conhecimento que
possuía36 sobre legislações e convenções internacionais para sustentar sua
argumentação. Exemplo disto é o parecer de setembro de 1862, sobre as
ocorrências com o patacho americano Palmetto no porto de Aracaju, que
segundo ele eram casos que “exigem que recordemos os princípio[s] do direito
internacional” (FUNAG, op. cit., p.33). Neste escrito, Rio Branco afirma que “é
axioma do direito internacional que, perante a lei civil ou criminal de um país, os
estrangeiros que não gozem de imunidades pelo seu caráter público não podem
pretender maiores direitos do que aqueles que competirem aos reinícolas”
(FUNAG, op. cit., p.40), e portanto “segundo o direito internacional, a autoridade
territorial era competente para conhecer deles, julgá-los e puni-los de
conformidade com as leis do Brasil” (FUNAG, op. cit., p.45).

36
Vale mencionar que o Visconde possuía formação em Ciências Exatas, mas desbrava-se sobre assuntos
legais, nos pareceres, com facilidade.
Depreende-se disto que a tradição da diplomacia brasileira de
conhecimento e adesão aos princípios do Direito Internacional também não
surgiu na Primeira República. Não foi uma prerrogativa estabelecida pelo Barão
do Rio Branco, haja vista que seu próprio pai já defendia isso décadas antes.
Para uma nação fraca como o Brasil, num mundo de poucos agentes
internacionais, o do século XIX, porém de vínculos sempre mais intensos entre
as nações, abrir espaço era uma dificuldade gigantesca. As vias da força e da
concorrência, que comandavam a política externa das potências dominantes
eram-lhe inacessíveis. Escolheu, pois, a do direito, com todas as limitações que
comporta, tão bem conhecidas pelos cientistas políticos. O direito contra a força,
eis a concepção das relações fraco-forte, desenvolvida pelo pensamento político
brasileiro no século XIX. (Barrio, op. cit., p.206, grifo meu)

Além disso, por mais que o multilateralismo, como praticado na


contemporaneidade, tenha se desenvolvido ao longo do século XX, já é
perceptível, no Segundo Reinado, defesa de líderes do partido liberal de adesões
às iniciativas transnacionais, ou pan-americanas, como pelo exemplo do convite
aceito pelo Brasil para participar da Primeira Conferência Americana, que
originalmente seria realizada em 1881, e após adiamento foi realizada sete anos
depois. A argumentação dos luzias em favor dessa medida, que foi também
consentida pelos saquaremas que integravam o Conselho de Estado, deixa claro
que a adesão a iniciativas multilaterais é outro aspecto que possui uma relação
com o Império, não simplesmente surgiu na Primeira República.
Finalmente, o chamado “americanismo”, que a narrativa de continuidade
e tradição aponta como a mudança do eixo diplomático brasileiro para os EUA,
que teria surgido na Primeira República com o Barão, remonta suas origens na
formação do pensamento liberal no período Regencial. Ao longo de todo o século
os luzias defenderam uma aproximação com os Estados Unidos, que
concretizou-se durante as duas últimas décadas da Monarquia, e apenas foi
intensificada após o 15 de Novembro, seguindo o caráter idealista e puramente
ideológico que passou a dominar a política nesta época, até momento em que o
Barão definiu o tom dessa nova diretriz de ação externa brasileira.
Por meio do exposto, nota-se que esses princípios da ação externa
brasileira não foram criados na Primeira República. Podem ter adquirido nova
dimensão e diferentes aplicações, mas mesmo para que se consolidassem no
século XX foi necessário um longo processo de constituição e desenvolvimento
histórico de cada uma dessas tendências, que se manifestaram ao longo da PE
do Império. Dentre as características que a narrativa da Introdução atribui a
praxis diplomática brasileira, exceção que não está presente no tempo das
monarquias é o universalismo (relação com todos os países do mundo), que foi
uma tendência da esfera internacional consolidada apenas no século seguinte.
A distribuição de funcionários do MNE lotados no exterior em 1889 comprova
isso, com apenas 74 profissionais, sendo metades distribuídos na Europa e
metade na América (Castro, 2009). Por fim, foi apenas após o término de
conflitos relacionados com a Guerra do Paraguai, tendo já garantido a
delimitação das regiões mais problemáticas de suas fronteiras e esgotado sua
capacidade bélica, que o Brasil começou a formar sua defesa do não uso da
força para resolução de conflitos.
Assim como no plano interno, evoluções do Estado brasileiro obviamente
precisariam acontecer no século XX. Mas apenas porque aconteceram não quer
dizer que o “Brasil moderno” surgiu na Primeira República. O Império como um
todo, e o Segundo Reinado em específico, contribuíram bastante para a
formação do país, estabeleceram muitas tendências, ritos e tradições que se
consolidariam como parte da cultura nacional, tanto em política externa quanto
doméstica. Por exemplo: José Murilo de Carvalho afirma que os livros do
Visconde do Uruguai, publicados na década de sessenta, discutem problemas
que até hoje assolam o país, como “a distância entre governo e povo, a
burocracia absolutista e ineficaz, a mania de esperar tudo do Estado, o
sufocamento dos municípios, províncias e governo central, o empreguismo, o
empenho, o clientelismo, o patronato, o predomínio dos interesses pessoais e
de facções, a falta de espírito público, a falta de garantia dos direitos individuais”
(Carvalho, 2002, p.44). Tentativas de ignorar contribuições do tempo das
monarquias podem justamente fazer com que problemas históricos da nação
persistam.
III
Como exposto no capítulo terceiro, a despeito das transformações de regime
político, na PEB houve certa continuidade após o Golpe, principalmente pela
atuação do Visconde de Cabo Frio. Logo, o Barão do Rio Branco herdou todo o
legado da PE do Segundo Reinado acima mencionado, toda a tradição político-
diplomática construída ao longo da Monarquia. Sobre a estratégia adotada pelo
Barão do Rio Branco em princípios do novo milênio, Christian Lynch afirma que:
Esgotado o paradigma da política externa estabelecida pelos saquaremas da
década de 1850, Rio Branco incumbiu-se de adaptá-lo aos novos e perigosos
tempos de expansão da sociedade internacional, calçando-se na exploração
pragmática do pan-americanismo estadunidense. (Lynch, 2014, p.286)

Além disso, aponta que


é impossível compreender a visão de mundo e do Brasil cultivadas pelo Barão
do Rio Branco fora do contexto da cultura política saquarema em que, desde o
nascimento, estivera imerso e da qual sempre se sentira uma espécie de
herdeiro e guardião. Toda a sua educação doméstica se fizera no convívio com
os amigos do pai, todos – como ele mesmo – próceres do regime monárquico:
Paraná, Uruguai, Caxias, Cotegipe, Eusébio, São Vicente e Itaboraí. Com eles,
Paranhos Filho aprendeu a ver o mundo pelas lentes de um nacionalismo
realista [...] para ele, as especificidades da formação nacional brasileira – um
império territorial, no aspecto geográfico; uma monarquia unitária, na dimensão
histórico-política – prediziam ao Brasil um futuro de grandeza que só lhe poderia
ser arrebatado caso, a exemplo do que sucedera nos países vizinhos, a direção
do Estado fosse tomada por politiqueiros mesquinhos, turbulentos e localistas .
Seu proverbial gosto pela história e pela geografia, desenvolvido à sombra do
trabalho do pai, não tinha outro móvel senão o de perpetuar a glória política e
militar do Estado brasileiro, conduzido pelos saquaremas, contra a anarquia –
fosse a exterior, produzida pelos caudilhos vizinhos; fosse a interior, produzida
pelos caudilhos luzias. (idem)
Seguindo esse raciocínio, percebe-se que o Barão do Rio Branco não
fundou ou criou a suposta “diplomacia moderna” brasileira, ou para recordar
frase já citada na Introdução, ele não é o “fundador da política externa do
moderno Brasil”, como tenta afirmar o diplomata Ricupero (2017, p.37). Ele era
um herdeiro da tradição saquarema, um “saquarema no Itamaraty”, que tem
todos os seus méritos ao realizar, assim como fizeram o Visconde do Uruguai e
seus pares, uma leitura realista e em certa medida pragmática do cenário
internacional e do contexto histórico em que se encontrava. Por meio disto, o
Barão promoveu mudanças importantes nas diretrizes diplomáticas tupiniquins,
ressignificando aspectos da tradição diplomática da PEB que haviam sido
consolidados por seu pai e outros, adaptando-os ao contexto internacional dos
novecentos, a partir de sua cosmovisão de mundo saquarema.
Desse modo, Juca Paranhos deve sim ser reconhecido por suas façanhas
e pela grande contribuição ao país, mas por meio da contextualização de sua
ação diplomática, intrínsecas ao cenário em que viveu, em um Brasil de
inexistente capacidade bélica, com um vizinho argentino que ascendia, e sujeito
a intempéries das potências europeias. Neste cenário que o Barão promoveu a
aproximação com o insurgente EUA, buscando uma aliança que também fosse
capaz de, em certa medida, proteger o território da insurgente República.
Ademais, seu pensamento, leitura e interpretação do cenário internacional deve
ser entendido à luz de sua herança intelectual, de sua constituição como
indivíduo em meio aos expoentes saquaremas do Império.
Evidencia-se, por meio disso, que o Segundo Reinado não é momento
apenas de “concepções fundadoras da diplomacia brasileira”, mas de efetiva
construção de vertentes de pensamento internacional e estabelecimento 37 da
diplomacia brasileiras, com a formação de princípios, diretrizes e tradições
político-diplomáticas que seriam base para a atuação do Barão do Rio Branco.
O período que a narrativa da Introdução dessa monografia identifica como o de
fundador da diplomacia moderna é, na verdade, baseado e inspirado na PE do
Segundo Reinado, com a projeção externa brasileira seguindo tendências como
aproximações dos países americanos e dos EUA em especial, já existente no
mínimo desde a década de 1870. Na República foram consolidados os princípios
acima mencionados, que se originam do Segundo Reinado; o Barão reutiliza
vários aspectos antes adotados pelos saquaremas, como o uti possidetis para
questões fronteiriças, e a defesa da superioridade brasileira frente aos vizinhos,
como no caso das disputas com a vizinha Argentina, mais precisamente com o
chanceler Estanislao Zeballos.

37
Vale deixar claro, entretanto, que não busco estabelecer um marco zero, afirmar que a diplomacia
brasileira foi criada no período estudado. Não é possível afirmar que aspectos como princípios e tradições
simplesmente surgiram, do nada, em poucos anos. Pelo contrário: entendo que a constituição da diplomacia
brasileira é fruto de longo e complexo processo de evolução histórica, no qual cada época fornece uma
contribuição, que pode ser aproveitada pelos agentes políticos posteriores. Deve-se levar em conta, por
exemplo, o papel e legado teórico-prático de indivíduos como Alexandre de Gusmão e José Bonifácio, o
que devido a limitação de tempo e de espaço dessa monografia, não foi possível abarcar.
Ademais, ao contrário do absoluto consenso que atualmente reina sobre
as escolhas diplomáticas do Barão, trabalhos como o de Vedoveli (2010), Sousa
(2013) e Rosi (2016) deixam claro que Juca Paranhos e seu “americanismo
pragmático” não eram, nem mesmo na Primeira República, uma unanimidade
entre a elite diplomática brasileira. Joaquim Nabuco e Manoel de Oliveira Lima,
por exemplo, discordavam das políticas adotadas por Paranhos Júnior. O
primeiro era filho do expoente liberal Joaquim Tomás Nabuco de Araújo, e
defendeu diretrizes luzias para a PE enquanto embaixador em Washington, no
que muitos classificam como “alinhamento ideológico” com os estadunidenses.
Já Oliveira Lima defendia um outro aspecto do paradigma imperial luzia:
condenava o “imperialismo norte-americano” e defendia substancial
aproximação dos vizinhos latino-americanos.
Assim sendo, a formação do que chamam de paradigma americanista (e
de vertentes teóricas opostas a ela) ocorre por meio da ressignificação que as
personagens acima fazem do pensamento internacional do Segundo Reinado,
interpretando suas principais características e adaptando-as ao contexto em que
viviam. Os protagonistas da PE de princípios do século XX eram ex-membros da
política monárquica, expoentes e herdeiros intelectuais, cada um à sua maneira,
dos paradigmas saquaremas e luzias de PE.
Por meio dessa linha de pensamento, faz sentido, portanto, não apenas
pensar em paradigmas saquaremas e luzias, mas em duas tradições de
pensamento internacional brasileiro construídas ao longo do século XIX, que
foram ressignificadas e renovadas de acordo com preocupações e
constrangimentos de cada época posterior, de acordo com o contexto e
interpretações dos agentes políticos das necessidades do país no cenário
externo.
Ao longo do século XIX, crenças e valores foram sendo construídos pelas elites
luzia e saquarema no processo de interação política. Do diálogo, choque e
disputa entre os agentes envolvidos na discussão do Estado, muitas das ideias
base contidas nos dois paradigmas de política externa se cristalizariam no
formato de tradição político-diplomática, espécie de estrutura cognitiva que
incidiria sobre os agentes da posteridade (Sousa, 2013, p.62)

Não foi possível mencionar detalhar anteriormente, devido ao escopo


dessa monografia, mas como aponta Bruno Rosi (2016), os projetos de país dos
dois principais grupos políticos do Segundo Reinado já eram debatidos desde
antes da independência, como por exemplo entre José Bonifácio e Frei Caneca,
no debate entre federalismo e centralização:
Embora não exista uma continuação orgânica perfeita entre José Bonifácio de
Andrada e Silva e o Barão do Rio Branco, considero pertinente chamar toda esta
tradição de saquarema, com referência a este aspecto conservador, ou de
mudança dentro da ordem, evitando uma ruptura radical que possa levar à
anarquia. (Rosi, op. cit., p.221)

[...] embora não haja uma continuidade orgânica entre Frei Caneca e Diogo
Feijó, nota-se alguma semelhança entre o pensamento político do
pernambucano e do paulista. De forma semelhante, os luzias que surgiram na
década de 1840 mantiveram algumas destas características, que seriam
recobradas também por Tavares Bastos, Nabuco de Araújo e Joaquim Nabuco.
(Rosi, op. cit., p. 222)

Em tudo isso o Visconde de Uruguai, Paranhos Pai e Paranhos Filho seguem


uma mesma tradição, que encontra um contraponto na tradição de Tavares
Bastos, Nabuco de Araújo e Joaquim Nabuco. (Rosi, op. cit., p. 223)

Ao utilizar a ideia de tradições luzias e saquaremas para entender a


história do pensamento internacional brasileiro, é importante esclarecer que esse
processo de ressignificação das tradições estabelecidas ocorre a partir da
herança intelectual de cada indivíduo: seu respectivo pensamento ocasiona
distintas interpretações do cenário internacional, de maneira que quem está
implementando a respectiva política fornece diferentes ênfases ou significados
às diretrizes que entendem como necessárias de serem tomadas, tendo como
decorrência disto a criação de diferentes correntes, distintas ramificações e
concepções teóricas para as relações exteriores brasileiras (Rosi, 2014). No
caso do suposto “paradigma americanista” descrito pela narrativa da Introdução,
por exemplo, é possível notar três vertentes: o pragmático, do Barão, que como
bom saquarema sempre desconfiava das nações e fazia alianças
circunstanciais; o “idealismo prático” (Sousa, 2013) de Nabuco; e o latino-
americanismo de Oliveira Lima.
Dessa maneira, a narrativa exposta na Introdução constrói sua
interpretação da “história diplomática” brasileira e um consenso ao redor do
Barão por outros interesses que não apenas uma suposta expertise, genialidade
ou superioridade teórico-prática do “americanismo pragmático”. O faz porque a
interpretação deles torna a política externa, como aponta Vedoveli (op. cit.), um
consenso nacional, faz com que as diretrizes que eles, o establishment,
entendem como corretas para o Brasil se tornem unânimes, adquiram
legitimidade, haja vista que supostamente são uma continuação direta da obra
de Paranhos Filho. Porque perpetua o domínio do Itamaraty sobre a formulação
e implementação da PEB, que como bem mostra Belém Lopes (2010), é
historicamente desconectada da democracia e da participação popular – devido,
em parte, a tentativas de apolitizar o que, por essência, é uma política, portanto
sujeita a certo nível de mudanças de acordo com o grupo político no comando
da nação. O mote de José Maria da Silva Paranhos de que a política externa
deve estar acima das paixões partidárias é muito bonito, mas apenas um ideal:
partidos e setores sociais com diferentes ideologias, naturalmente, terão
distintos objetivos e diretrizes para as relações internacionais de seu respectivo
país.
Finalmente, vale destacar que, pela riqueza de detalhes da PE do Império,
que pesquisas como a de Sousa (2017) demonstraram, e que até então haviam
sido pouco estudados, é necessário passar a analisar a PE do Império em geral,
e do Segundo Reinado em específico, de outra maneira, com mais atenção para
sua contribuição para o processo de constituição histórica da PEB. Por meio de
uma narrativa até pouco tempo uníssona, ela estava sob a sombra do Barão; em
tempo, novas interpretações estão fornecendo a devida importância ao período.
Referências bibliográficas

ALMEIDA, Paulo Roberto de. História da diplomacia no Brasil tem novo livro
definitivo, 2017. Disponível em <
https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-da-diplomacia-no-brasil-tem-
novo-livro-definitivo,70002030739 >. Acesso em 21 de Novembro de 2019.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Historiografia brasileira das relações
internacionais. Brasília, 4 de Novembro de 1997.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. O legado do Barão: Rio Branco e a moderna
diplomacia brasileira. Revista Brasileira de Política Internacional, v.39, n.2,
p.125-135, 1996.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Pensamento diplomático brasileiro: introdução
metodológica às ideias e ações de alguns dos seus representantes. IN:
PIMENTEL, José Vicente de Sá (ed.). Pensamento diplomático brasileiro:
formuladores e agentes da política externa (1750-1964), vol. 1. Brasília:
Funag, 2013.
ALTEMANI, Henrique Altemani de. Política externa brasileira. São Paulo:
Saraiva, 2008.
AMARAL, Luís Gurgel do. O meu velho Itamarati - (De Amanuense a
Secretário de Legação): 1905-1913. 2ª edição, Brasília: FUNAG, 2008.
ASSIS, Rafael Dutra. A construção da disciplina de Relações Internacionais.
Sistema de Bolsas REI, FACE/UFMG. Disponível em
<https://sistemadebolsasreiufmg.wordpress.com/>. Último acesso em junho de
2020.
BARRIO, Cesar de O. L. O Intervencionismo no Império Brasileiro no Rio da
Prata: da Ação contra Rosas e Oribe à Tríplice Aliança. Tese (Doutorado em
História) – Departamento de História, Universidade de Brasília, 2011.
BELÉM LOPES, Dawisson. A política externa brasileira e a “circunstância
democrática”: do silêncio respeitoso à politização ruidosa. Revista Brasileira de
Política Internacional, 54 (1): 67-86, 2011.
BELÉM LOPES, Dawisson. Da Razão de Estado ao Republicanismo Mitigado:
Uma Narrativa Faoriana sobre a Produção da Política Externa Brasileira. Revista
Dados 57 (2): 481–516, 2014.
BELÉM LOPES, Dawisson. Da razão de Estado ao republicanismo mitigado:
a plausabilidade de uma política externa democraticamente orientada no
Brasil contemporâneo. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de
Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2010.
BUENO, Clodoaldo; CERVO, Amado L. História da política exterior do Brasil.
Brasília: editora UnB, 4ª edição, 2015 (1992).
CABO FRIO, Visconde do (Joaquim Tomás do Amaral. Navegação da lagoa
Mirim e do Rio Jaguarão. IN: Cadernos do CHDD n.15, 2009.

CALÓGERAS, João Pandiá. CALÓGERAS, Pandiá. A política exterior do


Império. Brasília: Senado Federal, 3 vol, 1998 (1927-1933).
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Anais do Império. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-
pesquisa/diariosdacamara>. Último acesso em junho de 2020.
CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil, edição fac-
similar. Brasília: Senado Federal, 1998 (1959).
CARVALHO, José Murilo de. “Clamar e agitar sempre”: os radicais da década
de 1860. São Paulo: Toopbooks, 365p, 2018.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem/Teatro das Sombras.
4.Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CARVALHO, José Murilo de. A contrução nacional: 1830-1889. História do
Brasil Nação, vol. 2. Rio de Janeiro: Objetiva/Fundación MAPFRE, 2013.
CARVALHO, José Murilo de. Entre a autoridade e a liberdade. IN: CARVALHO,
José Murilo de (org.). Paulino José Soares de Souza: Visconde
do Uruguai. São Paulo: Editora 34, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. Introdução. IN: CARVALHO, José Murilo de (org.).
Bernardo Pereira de Vasconcelos. Coleção formadores do Brasil São Paulo:
Editora 34, 1999.
CASARÕES, Guilherme. The evolution of foreign policy studies: four
perspectives. IN: AMES, Barry (ed.). Routledge Handbook of Brazilian
politics. New York: Routledge, 2019.
CASTRO, Flávio Mendes de Oliveira. História da organização do Ministério das
Relações Exteriores (1983). IN: Dois séculos de história da organização do
Itamaraty (1808-2008), 2 vols, Brasília: FUNAG, 2009.
CERVO, Amado L. Eixos conceituais da política exterior do Brasil. Revista
Brasileira de Política Internacional, Brasília, 1998.
CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação dos conceitos
brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008.
CERVO, Amado Luiz. Joaquim Tomás do Amaral (Visconde de Cabo Frio): o
pensamento gestor. IN: PIMENTEL, José Vicente de Sá (ed.). Pensamento
diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-
1964), vol. 1. Brasília: FUNAG, 2013
CERVO, Amado Luiz. Tendências da política éxterior do Brasil. In: CERVO,
A. L. (Org.). O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a
nossos dias. Brasília: Editora UnB, 1994.
CERVO, Amado. A conquista e o exercício da soberania (1822-1889). IN:
BUENO, Clodoaldo; CERVO, Amado L. História da política exterior do Brasil.
Brasília: editora UnB, 4ª edição, 2015 (1992).
CERVO, Luiz A. O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (1826-
1889). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
CHDD. Cadernos do CHDD. Brasília: FUNAG. Disponível em:
<http://www.funag.gov.br/chdd/index.php/cadernos-do-chdd>. Último acesso em
Maio de 2020.
CHDD. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros. Disponível em:
<http://www.funag.gov.br/chdd/index.php/relatorios-do-ministerio>. Último
acesso em junho de 2020.
CHEIBUB, Zairo B. A carreira diplomática no Brasil: o processo de
burocratização do Itamarati. Revista de Administração Pública 23 (2): 97–128,
1989.
CHEIBUB, Zairo B. Diplomacia e Construção Institucional: O Itamaraty em uma
Perspectiva Histórica. DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 28, no. 1,
pp. 113-131, 1985.
CHEIBUB, Zairo Borges. Diplomacia, Diplomatas e Política Externa:
Aspectos do Processo de Institucionalização do Itamaraty. Dissertação de
Mestrado, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), 1984.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do
Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DORATIOTO, Francisco. O Visconde do Rio Branco: soberania, diplomacia e
força. IN: PIMENTEL, José Vicente de Sá (ed.). Pensamento diplomático
brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964), vol. 1.
Brasília: FUNAG, 2013
DORATIOTO, Francisco; VIDIGAL, Carlos. História das relações
internacionais do Brasil. Coleção temas em RI, vol 5. São Paulo: Editora
Saraiva, 2015.
DOVAL, Gisela P. The Point of View of the Tradition in the Institutional Identity.
The case of the Ministry of Foreign Relations of Brazil. JANUS.NET e-journal of
International Relations, Vol. 4, Nº 2, 2013.
ESTRE, Felipe. Diplomats as intellectuals: representations and narratives of
brazilian foreign policy. IN: International Political Science Association, 2019.
FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Opinião pública e política externa:
insulamento, politização e reforma na produção da política exterior do Brasil.
Revista Brasileira de Política Internacional 51 (2): 80-97, 2008.
FELDMAN, Luiz. Soberania e modernização no Brasil: pensamento de política
externa no Segundo Reinado e na Primeira República. Contexto Internacional,
Rio de Janeiro, vol.31, n.3, p.535-592, 2009.
FERREIRA, Gabriela Nunes. Paulino José Soares de Souza (Visconde do
Uruguai): a construção dos instrumentos da diplomacia brasileira. IN:
PIMENTEL, José Vicente de Sá (ed.). Pensamento diplomático brasileiro:
formuladores e agentes da política externa (1750-1964), vol. 1. Brasília:
FUNAG, 2013
FONSECA JR., Gelson. Diplomacia e academia: um estudo sobre as
relações entre o Itamaraty e a comunidade acadêmica. Brasília: FUNAG,
2012.
FRANCO, Alvaro da Costa. Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: a
política exterior no Parlamento Imperial. FUNAG/CHDD: Rio de Janeiro.
2005.
FUNAG. O Conselho de Estado e a Política Externa do Império – Consultas
da Seção dos Negócios Estrangeiros (1858-1862). Rio de Janeiro : FUNAG,
2005.
FUNAG. O Conselho de Estado e a Política Externa do Império – Consultas
da Seção dos Negócios Estrangeiros (1863-1867). Rio de Janeiro : FUNAG,
2007.
FUNAG. O Conselho de Estado e a Política Externa do Império – Consultas
da Seção dos Negócios Estrangeiros (1868-1870). Rio de Janeiro : FUNAG,
2008.
FUNAG. O Conselho de Estado e a Política Externa do Império – Consultas
da Seção dos Negócios Estrangeiros (1871-1874). Brasília : FUNAG, 2009.
FUNAG. O Conselho de Estado e a Política Externa do Império – Consultas
da Seção dos Negócios Estrangeiros (1875-1889). Rio de Janeiro: FUNAG,
2009.
FUNAG/CHDD. Pareceres dos consultores do Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Rio de Janeiro : CHDD; Brasília: FUNAG, 2006.
GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um
ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2015.

LESSA, Antônio Carlos. A diplomacia universalista do Brasil: a construção do


sistema contemporâneo de relações bilaterais. Revista Brasileira de Política
Internacional 41 (n. esp. 40 anos), p. 29-41, 1998.
LESSA, Antônio Carlos. A intensificação do debate acadêmico e social sobre as
relações internacionais e a política exterior no Brasil. IN: ALTEMANI, Henrique;
LESSA, Antônio Carlos (eds). Relações Internacionais do Brasil - temas e
agendas. Sao Paulo: Saraiva, 2006.
LESSA, Antônio Carlos. Trinta anos de ensino de Relações Internacionais em
nível de graduação no Brasil. Meridiano, vol 47, n. 6 (54), 2005.
LUNA, Cristina. Joaquim Tomás do Amaral, Visconde do Rio Branco.
Verbetes FGV-CPDOC, sem data.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Quando o Regresso é Progresso: a formação
do pensamento conservador saquarema e de seu modelo político (1834-1851).
IN: BOTELHO, André; FERREIRA, Gabriela Nunes. (Org.). Revisão do
Pensamento Conservador: ideias e política no Brasil. São Paulo: Hucitec,
2010, p. 25-53.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Saquaremas e Luzias: a sociologia do
desgosto com o Brasil. Insight Inteligência: Rio de Janeiro), v. 55, p. 21-37,
2011.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Um saquarema no Itamaraty: por uma
abordagem renovada do pensamento político do Barão do Rio Branco. Revista
Brasileira de Ciência Política, Brasília , n. 15, p. 279-314, 2014.
MARIANO, Marcelo Passini. A política externa brasileira e a integração
regional: uma análise a partir do Mercosul. São Paulo: Editora UNESP, 2015.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Editora Hucitec,
1987.

MEIRELES, Tiago de Oliveira. Ministério das Relações Exteriores:


insulamento burocrático, pressões institucionais, novos atores e
diplomacia pública. V Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência
Política da USP, 2015.

MELLO, Fernando Figueira. O Visconde do Rio Branco: entre a biografia


estabelecida e a reconstrução da biografia. IN: FRANCO, Alvaro da Costa. Com
a palavra, o Visconde do Rio Branco: a política exterior no Parlamento
Imperial. FUNAG/CHDD: Rio de Janeiro. 2005.
MOURA, Cristina Patriota de. O Instituto Rio Branco e a Diplomacia
Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. 3v. São Paulo: Instituto
Progresso Editorial, 1949.
PARANHOS, José Maria da Silva – Visconde do Rio Branco. Cartas ao amigo
ausente. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2008.
PEDRO II. Diários do Imperador D. Pedro II. Disponível em
<http://museuimperial.museus.gov.br/palacio/arquivo-historico/2-arquivo-da-
casa-imperial-do-brasil.html>. Último acesso em Maio de 2020.
PEREIRA, Aline Pinto. Bernardo Pereira de Vasconcelos e a oposição à
política externa de Pedro I. Anais do XVI Encontro Regional de História da
ANPUH-Rio: saberes e práticas científicas, 2014.
PIMENTEL, José Vicente de Sá (ed.). Pensamento diplomático brasileiro:
formuladores e agentes da política externa (1750-1964), vol. 1. Brasília:
FUNAG, 2013.
PINHEIRO, Leticia. Política Externa Brasileira. Coleção Descobrindo o
Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
PINHEIRO, Leticia; VEDOVELI, Paula Elena. Caminhos cruzados: Diplomatas e
acadêmicos na Construção do Campo de estudos de Política Externa Brasileira.
Revista Política Hoje, vol. 21, n.1, 2012.
REIS, Maria de Lourdes Dias. Imprensa em tempos de guerra: o jornal O
Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do
Estado de Minas Gerais, 6ª edição, 2014.
REZEK, José F. (direção, introdução e notas). Consultas da Seção dos
Negócios Estrangeiros (1842-1845). Volume 1. Brasília: Câmara dos
Deputados, 1978.
REZEK, José F. (direção, introdução e notas). Consultas da Seção dos
Negócios Estrangeiros (1846-1848). Volume 2. Brasília: Câmara dos
Deputados, 1978.
REZEK, José F. (direção, introdução e notas). Consultas da Seção dos
Negócios Estrangeiros (1849-1853). Volume 3. Brasília: Câmara dos
Deputados, 1981.
REZEK, José F. (direção, introdução e notas). Consultas da Seção dos
Negócios Estrangeiros (1854-1857). Volume 4. Brasília: Câmara dos
Deputados, 1981.
RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Rio
de Janeiro: Versal, 2017.
RODRIGUES, José Honório (org.). Atas do Conselho de Estado. 13 volumes.
Brasília: Senado Federal, 1973.
RODRIGUES, José Honorio. Explicação (1953). IN: PARANHOS, José Maria da
Silva – Visconde do Rio Branco. Cartas ao amigo ausente. Rio de Janeiro:
Academia Brasileira de Letras, 2008.
RODRIGUES, José Honório; SEITENFUS, Ricardo. Uma história diplomática
do Brasil: 1531-1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
ROMERO, Marcos. História da organização administrativa da Secretaria de
Estado dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores (1808-1951).
Brasília: FUNAG, edição fac-similar, 2019 (1951).
ROSI, Bruno Gonçalves. O pensamento político e a política externa
brasileiros. IN: Anais do IX Encontro da ABCP, 2014.
ROSI, Bruno Gonçalves. Saquaremas, Luzias, o Brasil e os Estados Unidos.
2016. 245 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Estudos Sociais
e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
SARAIVA, Miriam Gomes; VALENÇA, Marcelo. A Política Externa Brasileira e
sua Projeção Internacional: um projeto caracterizado pela continuidade. CEBRI
Artigos, vol 1, ano VII, 2012.
SEITENFUS, Ricardo; CASTRO, Sérgio Henrique; ALBUQUERQUE, José
Augusto (eds). Sessenta anos de política externa (1930-1990), Vol. 1. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006 (1991).
SENADO FEDERAL. Anais do Império. Disponível
em:<https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/IP_AnaisImperio.asp>.
Último acesso em Maio de 2020.
SENADO FEDERAL. Atas do Conselho de Estado Pleno. Disponível em: <
https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/AT_AtasDoConselhoDeEstad
o.asp>. Último acesso em Maio de 2020.
SENADO FEDERAL. Falas do Trono. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/227319>. Último acesso em Maio de
2020.
SILVA, Pedro Henrique Verano Cordeiro da. As Instituições Políticas do
Império e as Relações com o Paraguai (1840 - 1853). Dissertação de
Mestrado, Instituto de Relações Internacionais (iREL), UnB: Brasília, 2012a.
SILVA, Pedro Henrique Verano Cordeiro da. Parlamento e política externa
brasileira no Império. IN: Anais ABRI, 2012b.
SKINNER, Quentin. Visions of Politics. Vol. 1: Regarding Method. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002.
SOUSA, Elizeu Santiago Tavares de. Agentes, Estrutura, Cognição: O
Pensamento Internacional de Oliveira Lima e Joaquim Nabuco. Dissertação
(Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais,
PUC-Rio, 2013.
SOUSA, Elizeu Santiago Tavares de. O Longo Século XIX: Pensamento
Político e Política Externa no Brasil Imperial. In: 10º Encontro da Associação
Brasileira de Ciência Política, 2016, Belo Horizonte. Anais Eletrônicos do 10º
Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, 2016.

SOUSA, Elizeu Santiago Tavares de. Pensamento Diplomático ou


Pensamento Internacional Brasileiro? Reflexões sobre o Brasil Imperial. In:
Anais da III Jornada de Pensamento Político Brasileiro, 2019.

SOUSA, Elizeu Santiago Tavares de. Pensamento político e política externa


no Brasil imperial: tendências do pensamento internacional brasileiro.
2017. 295 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Estudos Sociais
e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
SOUSA, Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil,
vol III, Bernardo Pereira de Vasconcelos. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, (1957) 2015.
TORRES, João Camilo de Oliveira. Os construtores do Império: ideais e lutas
do Partido Conservador brasileiro. Brasília: Câmara dos Deputados, 2017
(1968).
TORRES, Miguel Gustavo de Paiva. O Visconde do Uruguai e sua atuação
diplomática para a consolidação da política externa do Império. Brasília:
FUNAG, 2011.
URUGUAI, Visconde (Paulino José Soares de Souza). Instruções à missão
especial nas Repúblicas do Pacífico e da Venezuela. IN: Cadernos do CHDD,
N.05, 2004.
VEDOVELI, Paula Elena. Continuidade e Mudança na História Intelectual
Diplomática Brasileira: Uma Análise da Construção da Tradição. Rio de
Janeiro. 203p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Relações
Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2010.
VIANNA, Hélio. História diplomática do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1958.
VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A Política Externa de Lula da Silva: A
Estratégia da Autonomia pela Diversificação. Contexto Internacional 29 (2):
273-335, 2007.
VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo; CINTRA, Rodrigo. Política externa no
período FHC: a busca de autonomia pela integração. Tempo Social 15 (2): 31-
61, 2003.
VISENTINI, Paulo Fagundes. A projeção internacional do Brasil: 1930-2012.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2013
WALTZ, Kenneth N. Man, the State, and War: A Theoretical Analysis, New
York: Columbia University Press, 1959.
XAVIER, Leopoldo Bibiano. No Império a Imprensa é Livre. Federação
Nacional da Imprensa, 2013.

Você também pode gostar