ARTIGO ORIGINAL

UMA ABORDAGEM DO CONCEITO DE LOGARITMO

Logarithm concept approach

Leandro de Oliveira Sodré1

RESUMO
Muitas pesquisas voltadas para o ensino de ciências e de matemática têm apontado para a
importância de abordagens históricas na estruturação de metodologias que visem melhoria do
processo de ensino e de aprendizagem dos conceitos científicos. Portanto, nesse artigo,
apresentamos uma contextualização histórica do conceito de logaritmo e uma aplicação deste em
diagramas termodinâmicos, utilizados em escolas técnicas de aeronáutica.

PALAVRAS-CHAVE
Logaritmos no ensino técnico. Aplicação dos logaritmos. Diagramas termodinâmicos. História dos
logaritmos.

ABSTRACT
Many researches in Science and Mathematics Teaching have pointed out the importance of
historical approaches in structuring methodologies that aim at the development of scientific
concepts of teaching and learning. Therefore, this paper shows a historical contextualization of the
logarithm concept and its application in thermodynamics diagrams in aeronautical technical
schools.

KEYWORDS
Logarithm in technical school. Logarithm application. Thermodynamics diagram. The history of
logarithms.

1 Especialização em Ensino de Matemática. Professor da EEAR/COMAER. pileandrosodre@yahoo.com.br

Recebido em 06 de abril de 2009, revisado em 09 de outubro de 2009

Uma abordagem do conceito de logaritmos
1 INTRODUÇÃO
Os alunos do ensino médio possuem
grandes dificuldades em interpretar problemas
que envolvem o uso do conceito de
exponenciais, limitando-se apenas a mera
aplicação mecânica das técnicas de cálculo.
Isso se deve ao fato dos alunos não
observarem a relação entre o uso de
logaritmos e os problemas que envolvem
conhecimentos sobre a função exponencial5.
No caso dos alunos da Escola de
Especialistas de Aeronáutica (EEAR), existe
uma grande exigência quanto ao uso do
conceito para aumentar a capacidade de
análise gráfica da função logarítmica, muito
usada em vários procedimentos de
manutenção, executados por esses
profissionais do setor aeronáutico.
Trabalhos de pesquisa6,7,8,9 evidenciam
que a análise de acontecimentos históricos,
relativos ao desenvolvimento epistemológico
de determinados conceitos, são úteis na
preparação de diferentes metodologias de
ensino.
Esse trabalho tem o objetivo de
apresentar uma abordagem histórica relativa
ao desenvolvimento epistemológico do
conceito de logaritmo, de forma a oferecer
meio para que novas metodologias de ensino
de matemática possam ser desenvolvidas.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Contexto: sondagens aerológicas
As sondagens aerológicas são
procedimentos realizados por meio da
aquisição de dados obtidos por sensores de
pressão, temperatura e umidade, acoplados a
balões de borracha, inflados com Hélio e
lançados na atmosfera10. Os dados coletados
são plotados em diagramas termodinâmicos.
O mais usual desses diagramas é o Skew
T/Log P. Esse diagrama é composto por linhas
horizontais que estabelecem os níveis de
pressão presentes na atmosfera, em uma
escala logarítmica, cujos valores estão no eixo
vertical e linhas inclinadas representando
isotermas e cujos valores se encontram no
eixo horizontal. A forma como se distribui as
temperaturas na atmosfera estabelece os
valores de alguns parâmetros de previsão do
tempo11.
R. Educ. Tecn. Apl. Aeron.
86 vol. 1, n. 2, p. 85-89, out. 2009
2.2 Desencadeadores de aprendizagem:
2.2.1 Diagramas termodinâmicos
Uma dificuldade epistemiológica
encontrada durante o levantamento histórico
de como o conceito de logarítmico foi
desenvolvido é o fato de que inicialmente os
logaritmos calculados não eram pertencentes
a um conjunto de valores contínuos5.
Historicamente, houve uma demora em
relacionar o logaritmo ao conceito de função.
Portanto, a estratégia de ensino a ser usada
para o conceito de logarítmico deve prever
situações de mediação envolvendo o conceito
de estimativas e arredondamentos de
números irracionais nos cálculos.
A opção adotada para atingir esse objetivo
é discutir o item 2.2.2 em que uma descrição
histórica é colocada ao aluno com o intuito de
permitir elementos de desenvolvimento do
conceito e, ao mesmo tempo, mediar
discussões sobre o intervalo de tempo
necessário para se chegar ao conceito atual.
Dessa forma procura-se, também, retirar a
idéia de que os conceitos científicos são
desenvolvidos rapidamente.
No caso de diagramas de radiosondagem
este mesmo conceito pode ser trabalhado
utilizando o fator que estabelece a menor
divisão da escala vertical dos níveis de
pressões a partir de múltiplos de H
R T R d Tv
H= = = 29,3 Tv
g0 g0
onde Rd é a constante para os gases em uma
atmosfera seca e Tv é chamada de
temperatura virtual; e g0 é a gravidade local. O
valor da temperatura pode ser arbitrado para
um valor obtido em uma leitura feita no
momento em que essa proposta for aplicada e
este deve ser na escala Kelvin.
O termo H, também chamado de escala
de altura, é estabelecido na equação
⎡ (Z − Z 1 ) ⎤
p 2 = p 1 exp ⎢ − 2 ⎥
⎣ H ⎦
em que Z2-Z1 é a diferença entre alturas
geopotenciais; definido dessa forma
estabelece a escala de alturas em função da
temperatura (Tv); e p1 e p2 são dois níveis de

pressão. Detalhes do desenvolvimento dessa
expressão podem ser encontrados em Hess12
não sendo apresentadas aqui por não se tratar
do objetivo dessa proposta. No entanto, um
trabalho interdisciplinar com Física pode ser
estabelecido a medida que desenvolve-se a
equação enriquecendo a proposta ainda mais,
uma vez que essa equação é deduzida a partir
de princípios da hidrostática.
Se (Z2 − Z1) assumir sucessivamente os
valores (0, H, 2H, 3H, ....) , então, (p2 p1) será
igual a 1, exp(-1), exp(-2), exp(-3), ...., isto é, a
pressão decresce de um fator 2,718 para cada
aumento de H na altura geopotencial. Ao
registrar os valores aproximados de H, cria-se,
então, uma situação ideal para o estudo dos
números irracionais e das escalas logarítmicas
que facilitam a leitura gráfica.
2.2.2 Construção histórica dos logaritmos
Dois nomes estão relacionados à
invenção dos logaritmos: John Napier (1550-
1617) e Jobst Bürg (1552-1632). Mesmo
trabalhando na mesma época, cada um
chegou aos seus resultados sem a influência
do outro. No entanto seus trabalhos
apresentam grandes semelhanças. Há indícios
de que Bürg tenha iniciado seus trabalhos
antes de Napier, porém este é mais aceito
como o inventor dos logaritmos, pois publicou
seu trabalho seis anos antes de Bürg
apresentar seus resultados. A obra de Napier
foi publicada em 1614 em um livro intitulado
Mirifici logarithmorum canonis descriptio (Uma
descrição da maravilhosa regra dos
logaritmos). O termo logaritmo foi inventado
por Napier e significa número proporcional.
No século XVI, quando a Navegação, a
Astronomia e a Economia tiveram grandes
avanços, tornou-se necessário multiplicar e
dividir números muito grandes ou muito
pequenos e, na época, esses cálculos exigiam
bastante tempo. Para haver ainda mais
avanços, era necessário que a Matemática
também passasse por mudanças evolutivas.
Napier, então, dispõe-se a encontrar uma
maneira de facilitar o algoritmo da
multiplicação e da divisão, o que consegue
com a invenção dos logaritmos, trazendo,
assim, grandes benefícios para a sociedade e
a Ciência.
Para isso, provavelmente, Napier teve
duas fontes de inspiração. Uma delas foi a
prostaférese (“adição e subtração” em grego),
Uma abordagem do conceito de logaritmos
processo que utiliza as fórmulas
trigonométricas
2 cos A ⋅ cos B = cos( A + B) + cos( A − B) ,
2senA cos B = sen( A + B) + sen( A − B) ,
2 cos AsenB = sen( A + B) − sen( A − B) e
2senAsenB = cos( A − B) − cos( A + B) para
obter produtos ou quocientes utilizando
adições ou subtrações em lugar de
multiplicações ou divisões. Esse processo foi
largamente utilizado a partir do século XVI,
porém a primeira das fórmulas apresentadas
foi deduzida por ibn-Yunus, já no século XI3.
As quatro identidades citadas acima são, às
vezes, conhecidas como fórmulas de Werner
por ser provável que Johannes Werner
(1468 – 1528) as utilizou para facilitar cálculos
na Astronomia2. Tycho Brahe (1546 – 1601),
astrônomo dinamarquês e sucessor de
Nicolau Copérnico (1473 – 1543), também fez
uso intenso da prostaférese nas pesquisas
que realizou em seu observatório3,4. Outra
possível origem para o raciocínio que levou
Napier à invenção dos logaritmos foi a relação
entre os termos de uma Progressão
Geométrica e os expoentes da razão dessa
PG (pela seqüência de raciocínio descrita a
seguir, fica notório que essa idéia foi a que
mais inspirou Napier na invenção dos
logaritmos).
Michael Stifel (1487-1567) publicou, em
1544, uma obra em que mostra que, ao
multiplicarmos quaisquer dois termos da
progressão 1, q, q2, q3, ..., o produto será o
termo cujo expoente é igual à soma dos
expoentes dos dois termos iniciais
(propriedade já conhecida por Arquimedes)4.
Atualmente podemos dizer que qm.qn = qm + n
e também que qm : qn = qm-n , para quaisquer
valores reais de m e n. Stifel, no entanto,
considerava apenas expoentes inteiros1.
A idéia de Napier era
escrever qualquer número positivo como uma
potência de algum dado número fixo (o qual
depois seria chamado de base), então a
multiplicação e a divisão de números seria o
equivalente à adição ou à subtração de seus
expoentes. Além disso, elevar um número à
enésima potência [...] seria equivalente a
somar o expoente n vezes a ele próprio, isto é,
multiplicá-lo por n, e encontrar a enésima raiz
de um número seria equivalente a n
subtrações repetidas, ou seja, a divisão por n.
Resumindo, cada operação aritmética seria
reduzida à que está abaixo dela na hierarquia
das operações, o que reduziria muito a
dificuldade das computações numéricas.1
R. Educ. Tecn. Apl. Aeron.
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Uma abordagem do conceito de logaritmos

Como as potências de 1 – 10–7 10–7)100.000. Os valores de L são: 0, 5000,

(0,9999999) decrescem lentamente, Napier 10.000, ..., 100.000.
utilizou esse valor como base das potências
Finalmente, a partir de cada um dos 21
para conservar os termos da seqüência
elementos da tabela anterior, ele calculou 68
geométrica próximos uns dos outros e facilitar
elementos utilizando a razão 0,99, valor
interpolações.
aproximado para o fator que multiplica 107 no
Para evitar trabalhar com frações
último elemento da tabela anterior. Os valores,
decimais (que na época ainda não eram tão
aproximados, são:
conhecidas e tão utilizadas quanto hoje),
ele multiplicou 1 – 10–7 e suas potências por • 107, 107(1 – 10–7)100.000, 107(1 – 10–7)200.000 ...,
107 e então definiu: 10 (1 – 10–7)6.800.000
7

Se N = 107(1 – 10–7)L, então L é o • 107(1 – 10–7)5000, 107(1 – 10–7)105.000, ..., 107(1 –

logaritmo de N (para facilitar, vamos escrever –7 6.805.000
10 )
simplesmente que L = Nap log N).
Assim, Nap log 107 = 0, pois 107 = 107(1 • 107(1 – 10–7)10.000, 107(1 – 10–7)110.000, ..., 107(1
–7 6.810.000
– 10–7)0, e Nap log 107(1 – 10–7) = 1, pois – 10 )
107(1 – 10–7) = 107(1 – 10–7)1. • ...
Inicialmente, Napier calculou e apresentou
uma tabela com 101 termos. Em uma coluna • 107(1 – 10–7)100.000, 107(1 – 10–7)200.000, ...,
estavam os valores de L, que começavam em 10 (1 – 10–7)6.900.000
7

0 e terminavam em 100, e na outra os de N, Podemos observar que o trabalho

sendo o primeiro valor 107, correspondente a L realizado por Napier não foi pequeno; ele
= 0, o segundo 107(1 – 10–7)1, correspondendo utilizou vinte anos para realizar seus cálculos.
a L = 1, e o último 107(1 – 10–7)100, que Utilizando a definição de Napier e suas
corresponde a L = 100. tabelas, para calcular o produto de dois
números, procedia-se da seguinte maneira:
TABELA 1 - Alguns dos 101 elementos da primeira Sejam N1 e N2 os números.
tabela de Napier Procuravam - se na tabela logarítmica os
N L = Nap log N valores de Nap log N1 e Nap log N2.
7
Somavam-se esses valores e obtinha-se um
10 = 10.000.000 0
valor S. Novamente se utilizava a tabela para
7 –7 1
10 (1 – 10 ) = 9.999.999 1 encontrar o número x cujo logaritmo fosse S,
7 –7 2
10 (1 – 10 ) = 9.999.998 2 ou seja, Nap log x = S. Encontrado x, bastava
7 –7 3
10 (1 – 10 ) = 9.999.997 3 multiplicá-lo por 107 para obter o valor de
---
---
---
---
N1⋅N2.
7
10 (1 – 10 ) –7 97
= 9.999.903 97 Verifica-se facilmente que esse
7 –7 98 procedimento é correto provando, como feito a
10 (1 – 10 ) = 9.999.902 98
7 –7 99
seguir, que
10 (1 – 10 ) = 9.999.901 99 N ⋅N
7
10 (1 – 10 ) –7 100
= 9.999.900 100
Nap log 1 2 = Nap log N1 + Nap log N 2 .
10 7
Seja L1 = Nap log N1 e L2 = Nap log N2, ou
Em seguida, ele apresentou uma tabela
com 51 elementos, obtidos multiplicando 107 seja, N1 = 10 7 (1 − 10 − 7 ) L1 e
por potências de 1 – 10–5, valor aproximado N2 = 10 7 (1 − 10 − 7 ) L2 .
de (1 – 10–7)100, que por sua vez é o fator que
multiplica 107 no último elemento da primeira N1 ⋅ N2 = 1014 (1 − 10 −7 )L1 + L 2 ⇒
tabela. Os números apresentados na segunda
tabela são valores aproximados de 107, 107(1 – [
N1 ⋅ N2 = 10 7 10 7 (1 − 10 − 7 )L1 +L 2 ⇒ ]
10–7)100, 107(1 – 10–7)200, 107(1 – 10–7)300, ..., N1 ⋅ N2
= 10 7 (1 − 10 − 7 )L1 +L 2 ⇒
107(1 – 10–7)5000. Assim, obteve os seguintes 10 7
valores de L: 0 , 100, 200, 300, ..., 5000. N ⋅N
Napier repetiu a idéia e calculou 21 Nap log 1 2 = L1 + L 2 ⇒
107
elementos multiplicando 107 por potências de
N ⋅N
0,9995, valor aproximado de (1 – 10–7)5000. Os Nap log 1 2 = Nap log N1 + Nap log N2
valores, também aproximados, de N na 107
terceira tabela são 107, 107(1 – 10–7)5000,
107(1 – 10–7)10.000, 107(1 – 10–7)15.000, ..., 107(1 –
R. Educ. Tecn. Apl. Aeron.
88 vol. 1, n. 2, p. 85-89, out. 2009

Perceba que
Nap log N1 ⋅ N2 ≠ Nap log N1 + Nap log N2 . Essa
é uma diferença entre os logaritmos definidos
por Napier e os definidos por Euler, que têm
como propriedade a igualdade
logb N1 ⋅ N2 = logb N1 + logb N2 .
Chamamos a atenção para o fato de que,
para valores crescentes, os logaritmos de
Napier (ou neperianos) são decrescentes,
enquanto que os logaritmos de base e, ou
naturais (ln), são crescentes; esse é um dos
motivos pelos quais é historicamente incorreto
chamar os logaritmos naturais de logaritmos
neperianos.
Felizmente, e com o apoio de Henry
Briggs4, os logaritmos de Napier foram aceitos
e recebidos com muito entusiasmo pelos
cientistas da Europa e da China. Johann
Kepler (1571 – 1630), que deu continuidade
aos trabalhos astronômicos de Brahe, por
exemplo, utilizou-os com grande sucesso em
seus cálculos das órbitas planetárias3.
3 CONCLUSÃO
Os logaritmos foram intensamente
utilizados até a segunda metade do século XX,
porém, ainda hoje, eles têm diversas
aplicações, além da que já foi citada (em
diagramas termodinâmicos): na Matemática
Financeira, na Estatística, na Biologia, na
Engenharia, na Química, na Física, na Escala
Richter, no “Relógio de Carbono”, na dosagem
de medicamentos, dentre outras. Essas
aplicações também devem ser estudadas com
os alunos em sala de aula. Assim, o ensino
desse conteúdo pode ser feito através de uma
abordagem interdisciplinar, histórica e
tecnológica.
Dessa forma, aprender logaritmos leva o
aluno a perceber que a Matemática é fruto do
trabalho intelectual de pessoas comuns; que
os logaritmos e a Matemática têm aplicações
práticas em outras Ciências e em situações do
cotidiano de profissionais de várias áreas,
inclusive da aeronáutica; e que a Matemática
contribui para a evolução da sociedade.
Podemos perceber que os logaritmos têm
uma grande abrangência e, se bem explorado
em sala de aula, o ensino desse conteúdo
trará grandes benefícios aos alunos que não
terão motivos para perguntar: “por que tenho
que estudar logaritmos?”; e terão mais
facilidade em entender o conceito, em
interpretar e em resolver problemas práticos.
Não abordamos nessa proposta outras
atividades para estabelecer processos de
Uma abordagem do conceito de logaritmos
transferência definidos por Vygotsky. Além
disso, logaritmos de números negativos não
foram alvo dessa proposta uma vez que o
contexto dos levantamentos aerológicos não
utiliza esse conceito.
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