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2.1
Introdução
analíticas entre as duas áreas, cabe observar que não há uma preocupação em
abordar o tema de modo a estabelecer comparações entre os dois campos. Mesmo
quando o texto explicitar em qual dessas áreas se insere uma determinada
abordagem, o interesse básico é mostrar conceitos, perspectivas analíticas e
paradigmas que permitam compreender essa temática de modo o mais abrangente
possível. A forma como se organizou o capítulo reflete essa intenção.
Assim sendo, primeiramente, serão mostradas duas perspectivas
abordando conflitos internacionais a partir de diferentes níveis de análise. Em uma
seção subseqüente, os estudos sobre esse tema serão categorizados de acordo com
duas configurações que a resolução de conflitos pode assumir, ou seja, uma que
16
Deve-se notar que, além dos dois campos acima citados, outras áreas - pesquisas sobre a paz e
estudos sobre conflitos - têm contribuído para o debate acadêmico sobre a dinâmica dos conflitos
internacionais, em particular, com suas pesquisas empíricas e suas proposições sobre como esse
fenômeno pode ser transformado. Serão feitas algumas referências às pesquisas desses campos
neste capítulo, sem um maior aprofundamento para não distanciar de seu tema central, além de os
mesmos não comporem o quadro analítico desta tese (ver adiante, nas páginas 30 e 31, as
contribuições de Johan Galtung e de centros europeus no estudo sobre a paz). Cabe salientar que
cada um desses campos recebe contribuições teóricas e metodológicas de estudiosos de diferentes
disciplinas das Ciências Sociais, da Psicologia, da Economia e da Matemática. Dentre os autores
demonstrando as conexões entre esses campos estão Quincy Wright (1957), John Burton (1964),
David J. Dunn (1978), Christopher Mitchell (1981; 1985; 2002), Louis Kriesberg (1991b; 1999;
2001b) e Peter Wallensteen (2002). Quanto aos estudos sobre conflitos, refiro-me àqueles
fundamentados em teorias sociológicas. Portanto, por entender que o campo sobre conflitos
constitui uma subárea da Sociologia, não serão apresentadas aqui suas principais abordagens.
James A. Schellenberger (1996), no entanto, considera as pesquisas sobre resolução de conflitos e
sobre a paz como subáreas do campo de estudos sobre conflitos. Discordo desse seu
posicionamento. Com base nos autores antes citados, pode-se dizer que cada uma dessas áreas de
estudo representa um campo próprio sobre a temática dos conflitos internacionais.
27
interpreta esse processo de forma competitiva e uma outra que denota uma visão
cooperativa sobre o mesmo. Em seguida, o capítulo versará sobre as etapas da
resolução de conflitos. Em conjunto, essas seções permitirão delinear o quadro
analítico que norteará esta tese, conforme será mostrado ao final deste capítulo.
Diferentemente da disciplina de Relações Internacionais, o campo sobre a
resolução de conflitos inclui pesquisas sobre a ocorrência desse fenômeno não
somente no âmbito internacional, mas também no plano doméstico, no que diz
respeito às interações entre atores de uma mesma comunidade. Nessa direção, são
examinados, por exemplo, conflitos familiares, em organizações e entre empresas
ou, ainda, entre grupos de uma dada sociedade. Há, portanto, abordagens, nesse
campo de estudos, propondo modelos analíticos voltados exclusivamente para a
resolução dessas categorias de conflito que se passam na arena interna. Por outro
lado, alguns autores desenvolvem modelos de análise para que sejam igualmente
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17
Sobre as origens da disciplina de Relações Internacionais, ver BANKS (1984) e BURCHILL et
al., 2005.
18
CARR. The twenty years’ crisis: 1919-1939: an introduction to the study of international
relations, 1939.
19
MORGENTHAU. Politics among nations: the struggle for power and peace, 1948.
29
as all such areas are drawn on, can we devise an intellectual engine of sufficient
power to move the greatest problem of our time – the prevention of war. This
same engine will move us toward greater knowledge and greater power in all
areas of conflict – in the personality, in the home, in industrial relations, and so
on. [Editorial, JCR, March 1957, p. 1-2]20.
20
FINK, 1968, p. 412-413.
21
MIALL, RAMSBOTHAM e WOODHOUSE, 2000, p. 42-43.
22
Alguns estudiosos de relações internacionais também demonstravam, nesse período,
preocupações sobre a necessidade de um tratamento mais científico e objetivo em pesquisas sobre
política internacional, inserindo-se no contexto da “revolução behaviorista”. Esse questionamento
metodológico feito pelos behavioristas à produção de conhecimento no campo das relações
internacionais marcaria o segundo grande debate nessa disciplina. Sobre esse ponto, ver BANKS,
Michael (Ed.), 1984, p. 3-21.
23
Esse instituto denomina-se atualmente International Peace Research Institute of Oslo – PRIO.
31
24
MIALL, RAMSBOTHAM e WOODHOUSE, 2000, p. 43-44; HARTY e MODELL, 1991, p.
722.
25
BANKS e MITCHELL, 1996.
32
objetivos inconciliáveis, enquanto que uma disputa ocorre quando dois atores
buscam o mesmo objetivo.
De modo similar, há distinções quanto ao significado de resolução de
conflitos e, por conseguinte, as proposições quanto aos mecanismos a serem
empregados, nesse processo, também podem variar. Isso se deve não somente à
natureza do conflito em questão, mas os significados ditinguem-se também
conforme as linhas investigativas dos autores. Contudo, em geral, os conceitos
atribuídos à resolução de conflitos são muito amplos, referindo-se à total
eliminação de suas causas ou, ainda, das incompatibilidades entre as partes e a um
processo em que não mais se recorre à violência (Wallensteen, 2002, p. 8;
Zartman e Rasmussen, 1999, p. 11). É comum também na literatura sobre
resolução de conflitos uma visão prescritiva sobre tal processo. Ou seja, nesses
estudos, nota-se uma ênfase na idéia de que a resolução de conflitos deve levar a
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Como exemplo, seguindo esse posicionamento, cabe apontar uma das principais referências
sobre essa temática: MIALL, RAMSBOTHAM, WOODHOUSE, 2000.
27
Ver AZAR, 1990, p. 5 e WALLENSTEEN, 2002, p. 7.
33
28
Louis Kriesberg (1993) denomina esses conflitos como “intractable conflicts” e Charles
Gochman e Zeev Maoz (1984) os classificam como “enduring rivals”. Entre os trabalhos voltados
para esse tema, destacam-se: War and power transitions during enduring rivalries (1982), de F.
Wayman; um artigo de Paul Diehl, Contiguity and military escalation in major power rivalries
(Journal of Politics, vol. 47, n. 4, 1985); The empirical importance of enduring rivalries (1992),
de Gary Goertz e Paul F. Diehl; e um artigo de Daniel Geller: Power Differentials and war in rival
dyads (International Studies Quarterly, vol. 37, n. 2, 1993). Essas referências estão em
BERCOVITCH e REGAN (1999). Sobre o assunto, vale ver, também, BERCOVITCH, DIEHL e
GOERTZ (1997).
34
2.2
A análise de conflitos internacionais
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29
Essa interpretação sobre a natureza do conflito baseia-se em uma vasta literatura sociológica
contendo uma gama de hipóteses e modelos teóricos explicando esse fenômeno, mas que não cabe
aqui ser discutida. Sobre as perspectivas dessa literatura, vale conferir: FINK, 1968; COSER 1972;
MACK e SNYDER; 1972; DEUTSCH, 1972; BIRNBAUM, 1992.
30
FINK, 1968.
35
31
DE REUCK, 1984, p. 97.
32
PFETSCH e ROHLOFF, 2000, p. 27.
36
33
WALTZ, 1959, p. 235.
37
34
O termo cunhado por Azar para esses casos duradouros e aparentemente incapazes de serem
solucionados é “protracted social conflicts”.
38
or system and their implications (Waltz, 1959; Singer, 1961). It has ignored the
group totally. Our protracted social conflict research has impressed upon us the
need to re-examine this issue of the unit of analysis and to correct this deficiency
in the international politics literature. (…).
Many internal and external relations between states and nations are
induced by the desire to satisfy such basic needs (…). The unity of analysis is the
identity group that makes this possible, be it the state, the nation or some more
intimate group. The origins of international conflict are, therefore, in domestic
movements for the satisfaction of needs and in the drives of nations and states to
satisfy the same needs. Thus, distinctions made between domestic and
international conflicts are misleading”35.
35
A primeira frase foi grifada para chamar a atenção para o fato de que Azar acaba equiparando o
termo unidade de análise à noção de nível de análise no sentido empregado por Waltz. O segundo
trecho foi grifado para destacar que o plano doméstico é que deveria ter sido explicitado pelo autor
como o nível de análise (nível em que se encontram as causas do conflito). A citação acima está
presente em AZAR, 1986, p.31-33.
36
Em outro trabalho, Azar faz uma categorização das necessidades humanas: 1) aceitação
(reconhecimento da identidade definido em termos de valores culturais compartilhados); 2) acesso
(participação efetiva em instituições políticas, do mercado e decisórias); 3) segurança (segurança
física, alimentação e habitação). Ver AZAR, 1990.
39
37
Para o autor, embora esse caso se assemelhe a uma disputa entre “potências” (apesar de a
Argentina ser um país em desenvolvimento), possui também características que permitem
classificá-lo como “protracted social conflict”. Nessa direção, destaca que a disputa pela soberania
da região estava associada a questões identitárias. Por esse motivo, conclui o autor, o processo de
resolução do conflito, baseado em métodos tradicionais de diplomacia, foi ineficaz para evitar as
crises e o progressivo deterioramento das relações entre a Argentina e a Grã-Bretanha (Azar, 1990,
p. 82-105).
40
por meio do uso da força como possíveis razões adicionais para o prosseguimento
de um conflito (Burton, 1987, p.18). Esse posicionamento reflete sua crítica ao
paradigma realista, como será visto na seção que se segue.
Herbert C. Kelman é outro autor a apresentar uma análise das relações
internacionais e dos conflitos diferenciada das perspectivas realista, neo-realista e
daquelas voltadas para fatores estruturais. Essa distinção pode ser percebida na
forma como o autor descreve a natureza de um conflito internacional:
“(...) a process driven by collective needs and fears, rather than entirely a product
of rational calculation of objective national interests on the part of political
decision makers. Second, international conflict is an intersocietal process, not only
an interstate or intergovernmental phenomenon. Third, international conflict is a
multifaceted process of mutual influence, not only a contest in the exercise of
coercive power. And fourth, international conflict is an interactive process with an
escalatory, self-perpetuating dynamic, not merely a sequence of action and
reaction by stable actors. (Kelman, 1999, p. 194).
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2.3
Paradigmas sobre a resolução de conflitos internacionais
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38
Sobre essa discussão, vale ver LEVY, Jack S. Theories of interstate and intrastate war; a level-
of-analysis approach, 2001.
39
Ênfase do próprio autor.
43
41
Dentre os trabalhos sobre processos de barganha, vale conferir: How Nations Negotiate (1964)
de Fred Charles Iklé; e sobre a racionalidade dos atores em negociações, ver The Art and Science
of Negotiation (1982), de Howard Raiffa.
42
John Burton foi o primeiro autor a fazer essa distinção. Sobre esse ponto, ver BURTON, 1987.
45
conflito, sem haver, ainda, alterações no âmbito das atitudes das partes envolvidas
e de suas percepções mútuas.
Uma outra linha argumentativa, que também fundamenta seus
pressupostos no comportamento racional dos atores (maximizadores de seus
ganhos com os menores custos possíveis), pode ser enquadrada no paradigma
sobre a resolução construtiva dos conflitos. De acordo com esse segundo modelo,
o cálculo racional explicaria tanto a origem de um conflito, a intensificação do uso
da violência e mesmo o fim de uma guerra. Essa perspectiva pode ser ilustrada
com o modelo teórico proposto por Anatol Rapoport, introduzindo o método de
“solução de problemas” (problem-solving) como uma prática pacífica para
resolução de conflitos43.
Para esse autor, eventualmente, os conflitos entre Estados podem resultar
de falsas percepções e de entendimentos equivocados quanto às questões da
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43
Costuma-se referir a essa estratégia como “barganha integrativa”. Ver: RAPOPORT, Lutas,
Jogos e Debates. Brasília, DF, Ed. Universidade de Brasília, 1980 (originalmente publicado em
1960). Assim como outros autores, Rapoport utiliza-se da teoria dos jogos para compreender as
situações de conflitos e sua resolução. Essa teoria, introduzida em 1944 por John von Neumann e
Oskar Morgenstern (Theory of Games and Economic Behavior), busca mostrar, por meio de
modelos matemáticos e hipotéticos, o modo pelo qual atores se comportam em situações de
tomada decisória e de confrontação de estratégias racionalmente formuladas. Tanto a disciplina de
Relações Internacionais como o campo de resolução de conflitos possuem trabalhos baseados
nessa teoria, analisando como conflitos de interesses podem ser resolvidos em situações diversas.
Embora o desenvolvimento desse modelo teórico seja normalmente associado aos jogos de soma
zero – interações competitivas -, a teoria dos jogos também reconhece que conflitos envolvem
interesses cooperativos, podendo gerar resultados de soma-variada. Sobre a utilização da teoria dos
jogos e escolhas estratégicas sob esse segundo enfoque, vale conferir: Robert Axelrod, The
Evolution of Cooperation, 1980; e Cooperation under Anarchy, editado por Kenneth A. Oye
(1986).
44
William Zartman e Maureen Berman (The practical negotiator, 1982) enfatizam a importância
de as partes terem o devido entendimento sobre o problema. Posteriormente, devem chegar a uma
fórmula conceitual que sirva de guia para a negociação no que se refere aos seus detalhes
(diagnosis-formula-detail). Fisher e Ury (1991) enfatizam que as negociações fundamentam-se
46
sobre os interesses, e não sobre as posições de barganha. Sobre as referências dos demais autores
citados, ver ao final da tese: BURTON (1987); AZAR (1990) e ROUHANA e KELMAN (1994).
45
Dentre os autores inseridos nessa tradição liberal estão os pensadores clássicos Jean-Jacques
Rousseau, Immanuel Kant, Hugo Grotius, Adam Smith. Registre-se que há diferenciações
substantivas em suas perspectivas, mas não cabe aqui serem exploradas, pois não são essenciais
para o propósito desta tese. O que importa assinalar não são os distintos posicionamentos entre os
autores dessa corrente, mas sim seus pressupostos que indicam uma leitura cooperativa acerca da
resolução de conflitos internacionais. Sobre o legado desses autores para os estudos sobre as
relações internacionais, vale conferir BURCHILL et. al., 2005.
47
46
Esse método é uma das formas sugeridas por John Burton (1986; 1987) seguindo a lógica da
“solução de problemas”. Apesar de o significado ser o mesmo, há diferentes termos na literatura.
Hebert Kelman, 1999, e Ronald Fisher, 1997, por exemplo, referem-se a essa prática como parte
da “resolução interativa de conflitos”.
48
47
Duas referências que se destacam nessa literatura são: FISHER, Ronald. Interactive conflict
resolution, 1997; e KRIESBERG; NORTHRUP; THORSON. (Eds.). Intractable conflicts and
their transformation, 1989.
49
48
Os termos empregados por Lederach são, originalmente, “crisis responsive” quando se refere às
ações de longo prazo, em contrapartida às ações de curto prazo, por ele denominadas de “crisis
driven” (Lederach, 2001, p. 846).
50
paz, avalia o autor, seria alcançada por meio de projetos cooperativos entre nações
e grupos direcionados para essa reformulação sistêmica. E esse processo deve
ocorrer por meio de gradativas ações objetivando a paz, ou seja, através de “ações
construtivas” realizadas em etapas (Beer, 1990, p.18). Ademais, privilegia-se a
defesa de direitos do ser humano, sua proteção e seu desenvolvimento. Trata-se,
portanto, não apenas de se promover a desmilitarização e de se dar uma ênfase
menor à dimensão militar (alianças e regimes domésticos), mas, como sugere
Galtung (1990c), deve-se buscar a igualdade no sistema internacional.
Mas, para isso, é fundamental que sejam alteradas as práticas dos
indivíduos, como propõem os estudos baseados nos princípios de Gandhi sobre a
não-violência. Esse processo implicaria envolver-se no conflito de forma ativa,
porém, sem infligir qualquer ato violento sobre o(s) outro(s). Por conseguinte,
propõem esses estudos que se busque a resolução de conflitos não por meio de
interesses individuais, mas que o indivíduo pense e atinja seus objetivos de acordo
com um senso de justiça universal; ver-se a si mesmo como parte de um todo
orgânico, com objetivos e propósitos maiores do que aqueles referenciados no
indivíduo isoladamente. Portanto, diferentemente das abordagens que
“antropomorfizam” o Estado e o concebem como sujeito a lidar com o controle da
49
Sobre as perspectivas que se enquadram nessa argumentação, vale conferir: A Reader in Peace
Studies, de Paul Smoker, Ruth Davies e Barbara Munske (Orgs.), 1990.
51
participação de uma terceira parte, esta seria conduzida por uma potência. Dito
isso, cabe observar que, seguindo essa ordem de idéias, as estratégias empregadas
refletiriam o perfil competitivo do processo de resolução de conflitos, para usar
uma das categorias vistas nesta seção.
Assim sendo, a identificação das distintas linhas argumentativas presentes
na literatura sobre essa temática permitiram compreender uma das dimensões do
processo de resolução de conflitos, ou seja, se este último caracteriza-se de forma
destrutiva ou não. Dessa forma, foi possível ter uma noção desse processo com
base nas duas categorias apresentadas, faltando, pois, examiná-lo conforme suas
etapas, como será visto a seguir.
2.4
As etapas da resolução de um conflito
50
A autora, ao elencar esses elementos, baseia-se no conceito “ripe for resolution” desenvolvido
por Willian Zartman. Correspondem, pois, a um conjunto de fatores favorecendo o início de um
processo de resolução de um conflito. Sobre esse conceito, vale conferir ZARTMAN, 1985.
Quanto à conclusão da autora sobre a relevância de instituições democráticas, refere-se a um
contexto de guerra civil, no qual já existem instituições domésticas fundamentadas em valores
democráticos capazes de influenciar a obtenção de um acordo.
51
A autora não diz a que acordo ela se refere, mas, tendo em vista que ela examina diferentes
casos de processos de paz entre 1940 e 1992, provavelmente este sobre Angola deve corresponder
aos “Acordos de Bicesse”, de 31 de maio de 1991, que buscavam o fim da guerra civil iniciada em
1975. No entanto, cabe dizer que novos confrontos internos, seguidos de novas iniciativas de paz,
ocorreram até 1998 naquele país.
54
Isto posto, diz Walter, ao contrário da linha investigativa de boa parte dos
trabalhos sobre resolução de conflitos, não se deve estudar o resultado final desse
processo como conseqüência de um único fator (Walter, 2002, p. 305). Ainda
segundo sua avaliação, a literatura sobre o processo de negociação internacional é
rica em trabalhos associando a resolução de um conflito à assinatura de um acordo
de paz. Contudo, não necessariamente a assinatura de um documento dessa
natureza implica o fim do conflito e, por conseguinte, o fato de as partes terem
firmado um tratado não constitui o melhor indicador de sucesso de todo o
processo de negociação. Como observa a autora, há uma fase subseqüente à
formalização da paz em que um novo contexto nas relações entre as partes pode se
configurar, como por exemplo, a recusa de um dos atores em cumprir os termos
dos acordos.
Barbara Walter (2002) chama a atenção para o fato de o estágio de
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2.5
Considerações a respeito da literatura sobre resolução de conflitos
internacionais
entendimento sobre certos casos. Nesse sentido, vale lembrar que Waltz
concentra-se nas causas das guerras entre Estados, ignorando conflitos,
manifestando-se exclusivamente no interior de um país por fatores domésticos,
mas com repercussões internacionais, não contemplando, ainda, casos de conflitos
entre sociedades e culturas distintas. Além dos limites analíticos dessa
perspectiva, por apresentar uma visão uniforme sobre o comportamento dos atores
domésticos e por partir da premissa que os Estados possuem preferências
domésticas similares e estáveis, duas questões são negligenciadas sob esse
enfoque.
Em primeiro lugar, reduz a unidade de análise a um só tipo de ator. Dito de
outro modo, ao assumir a centralidade do Estado, não abrange casos de conflitos
internacionais entre unidades de natureza diferenciada (entre um Estado e um ator
não estatal, por exemplo)52, capazes, por seu turno, de terem impactos em âmbito
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52
Como é o caso do conflito aqui analisado, em que uma das partes, o povo palestino constitui
uma nação sem Estado, representada por um ator não-estatal, a OLP.
59
53
Getting to yes: how to negotiate without giving in.
54
Resolving deep-rooted conflicts: a handbook.
62
55
HUNTINGTON, 1971, p. 24.
65
possível (Razi, 1990, p. 70)56. Por outro lado, o termo diz respeito à percepção,
por parte de uma relevante parcela de uma dada sociedade, de que o regime
comporta-se, ou não, conforme ditas normas e valores (Razi, 1987, p. 461-62).
Ainda segundo sua argumentação, a satisfação quanto às ações governamentais
nas áreas de identidade, participação, igualdade e soberania é fundamental para a
legitimidade do regime e, por conseguinte, a estabilidade da ordem pública.
Ainda consoante Razi (1987), elementos motivadores de instabilidade e
revolução tornam-se significativos quando colocados no contexto de privação
relativa, participação política limitada e desigualdade. Fundamentando-se em Karl
W. Deutsch57, para quem o termo legitimidade aproxima-se de justiça, Razi
salienta que uma população percebe seu governo como justo ou não, legítimo ou
ilegítimo, não somente pelo modo como alcançou o poder, mas sobretudo por suas
ações. Ou seja, o autor chama a atenção para a compatibilização de ações políticas
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56
No entanto, vale sublinhar que embora legitimidade derive de crenças compartilhadas, o
consenso em torno delas desenvolve-se gradualmente, além de que nem todos os membros de uma
dada comunidade se identificarão com as normas e valores sobre governança. Alguns deles sequer
se esforçarão ou se interessarão pela defesa de seu regime. Ver DIAMOND, Larry e LIPSET,
Seymor Martim (1995), The Encyclopedia of democracy. Routledge, London. Verbete
“Legitimidade”, vol. III, p.747-751.
57
DEUTSCH, Karl W., Politics and Government, 3rd ed., Boston: Hooghton Mifflin, 1980, p. 15,
In: RAZI (1987, p. 461; 1990, p. 70-71).
58
RUSTOW, Dankwart A. A world of nations: problems of political modernization. Washington,
D.C., Brookings Institutions, 1967, p. 35-71. In: RAZI (1987, p. 460-461).
67
59
PUTNAM, R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games,
International Organization 42, 1988, p. 427-60. Esse estudo afigura-se como fonte de inspiração
para outros trabalhos voltados para a integração das arenas interna e externa em processos de
negociação internacional. Alguns analistas contribuíram de forma bastante relevante para o
tratamento dessa temática com a publicação do livro Double-Edged Diplomacy: International
Bargaining and Domestic Politics (1993), em que se aplica o modelo dos “jogos de dois níveis” ao
estudo de casos de cooperação internacional. Helen Milner (1997) também se dedica a uma
abordagem semelhante (Interests, Institutions and Information).
69