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THE PRESENCES: MITOS FEMININOS INVOCADOS

NA ESCRITA DE FRONTEIRA

Camila Montinho da Silva

UFRJ

Porque eu, uma mestiza,


continuamente saio de uma cultura
para entrar em outra,
porque estou em todas as culturas simultaneamente,
alma entre dos mundos, tres, cuatro,
me zumba la cabeza con lo contradictorio.
Estoy norteada por todas las voces que me hablan
simultáneamente (ANZALDÚA,2012, p.99)1.

Este trabalho, ainda em estágio inicial, tem como tema a incorporação de mitos femini-
nos relacionados ao imaginário chicano na obra Borderlands/La frontera — The new mestiza
(1987), da escritora Gloria Anzaldúa. A “autohistoria”, termo utilizado pela autora para defi-
nir sua escrita, constrói um mosaico a partir do entrecruzamento incessante de imagens, no
qual escritora e obra se fundem, resultando na personificação e na performatização do texto:
“eu penso nelas [minhas histórias] como performances, não como objetos ‘mortos’ e inertes”
(ANZALDÚA, 2012, p. 89).

Nessa espécie de palimpsesto, mitos e deidades femininas ancestrais deturpados pela

1 A obra é originalmente escrita em inglês, mesclado com trechos em espanhol e várias línguas e dialetos indí-
genas. Optou-se por fazer apenas a tradução das partes em inglês, mantendo as partes em espanhol e nas línguas
indígenas a fim de não rasurar a estrutura da obra, que faz parte da proposta da autora e é importante para sua
compreensão. Entretanto, para fins didáticos, colocarei a seguir uma tradução completa (feita por mim) nesta
nota de rodapé: “Porque eu, uma mestiza, continuamente saio de uma cultura para entrar em outra, porque estou
em todas as culturas simultâneamente, alma entre dois mundos, três, quatro,minha cabeça vibra com o contra-
ditório. Estou norteada por todas as vozes que me falam simultâneamente” (ANZALDÚA, 2012, p.99).

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cultura patriarcal, tanto do universo pré-colombiano como do mundo ocidental o qual atribui
aspectos de monstruosidade ao religioso feminino ao longo do tempo, foram ressignificados:
“Eu escrevo os mitos em mim, os mitos que sou, os mitos que quero me tornar” (ANZALDÚA,
2012, p. 93). Ancorando-se em reflexões sobre o feminismo interseccional, o qual possui grande
relevância por abordar questões específicas da mulher não-branca e sua relação com a proposta
de uma nova consciência mestiça proposta por Borderlands, tem-se como objetivo investigar
de que forma a recuperação de arquétipos nas figuras mitológicas invocadas é feita pelo sujeito
chicano feminino sobrevivente de fronteiras.

A partir de uma metodologia sociocrítica vinculada aos Estudos Culturais, entende-se


que é possível chegar a outros caminhos e perspectivas capazes de conduzir à verdadeira des-
coberta que o “eu” faz do “outro” ao revisitar a obra, cujo valor referencial e simbólico para
os estudos de gênero é notório. O quadro teórico deste trabalho será composto pelos seguintes
autores: Sonia Torres, pelos estudos sobre literatura chicana, presentes na obra Nosotros in
USA - literatura, etnografia e geografias de resistência (2001); Nestor García Canclini, pelos
estudos sobre culturas híbridas, presentes na obra Culturas híbridas: estratégias para entrar
e sair da Modernidade (1990); Judith Butler, com a obra Problemas de gênero – feminismo e
subversão da identidade (1990), Norma Alarcón, com o ensaio “Anzaldúa’s Frontera: Inscri-
bing gynetics” (1994), María Lugones, com o ensaio “Heterosexualims and the Colonial/Mo-
dern Gender System” (2007) e Kimberlé Crenshaw, com a obra “On Intersectionality: Essential
Writings” (2017), pelos estudos feministas e, sobretudo, pela contribuição acerca do feminismo
interseccional. Por se tratar de uma pesquisa em estágio inicial, não foi possível obter resultados
parciais ou completos, e o processo de revisão do projeto ainda se encontra em andamento.

Na introdução da quarta edição de Borderlands/La frontera — The new mestiza, publi-


cado pela primeira vez em 1987, é possível perceber o impacto da obra que, vinte e cinco anos
após seu lançamento, se encontrava entre os livros banidos pelo Sistema Escolar Unificado de
Tucson, no Arizona, como proibição da abordagem dos estudos chicanos nas escolas públicas:
“Borderlands é perigoso apenas porque possui o poder de mudar ideias, de incomodar compla-
cências” (ANZALDÚA, 2012, p. 3).

De significante relevância para os campos dos estudos de gênero, dos estudos chica-
nos, dos estudos LGBT, dos estudos pós-coloniais e outros, a obra de Gloria Anzaldúa (1987)
é dividida em duas partes: a primeira, intitulada Atravesando Fronteras/ Crossing Borders, é
composta por ensaios teóricos; a segunda, Un agitado viento/ Ehécatl, the wind, é composta por
poesias autorais. Ambas resultam na discussão acerca da identidade feminina mestiça através
de um ponto de vista singular, numa espécie de autobiografia que conta com uma mescla de
tipos discursivos, como poemas, ensaios, trechos de música, ditados populares etc. Mesmo o

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código utilizado pela autora não é homogêneo, uma vez que utiliza inglês, espanhol e algumas
línguas e dialetos indígenas.

Trata-se de um manifesto em que o trânsito de culturas está presente desde a forma até
a significação do discurso, enfatizando a experiência de fronteira: zona de hibridação por exce-
lência. Assim, a jornada para uma nova consciência mestiça tem início em um ponto físico: a
fronteira geográfica imposta entre os Estados Unidos e o México, a qual Gloria Anzaldúa define
como “uma ferida aberta em que o Terceiro Mundo se choca contra o primeiro e sangra. (...) o
sangue vital dos dois mundos é fundido para formar um terceiro país – uma cultura de fronteira”
(ANZALDÚA, Gloria, 2012. p. 25). A partir de então, surge neste contexto de deslocamento a
alusão às demais fronteiras, como as psicológica, sexual e espiritual, que, segundo a autora, não
são particulares da região mencionada, mas estão presentes em todos os espaços em que duas
ou mais culturas coexistem (ANZALDÚA, 2012, p. 18).

O próprio conceito de fronteira é problematizado, como observa Sônia Torres (2005),


ao caracterizar um espaço fluido em vez de remeter aos aspectos puramente totalizantes e ar-
bitrários. A consciência da nova mestiça é, portanto, resultante da migração dessas fronteiras
arbitrárias, “unnatural boundaries”, para um novo espaço. É preciso entender, entretanto, que
esse terceiro elemento não se trata apenas da junção entre duas oposições, como explica o editor
do livro de Anzaldúa em uma nota:

Gloria não está dizendo: bem, aqui há duas oposições e o resultado dessa contradi-
ção gera um novo, um terceiro caminho. Não, não... Ela está dizendo que esses opos-
tos tiveram de ser excluídos – eles não eram um fundamento, apenas atrapalhavam a
criação do que ela buscava. Não houve combinação linear de duas contradições para
criar uma terceira; Gloria viu que entre as contradições havia um lugar de possibilida-
de não explorado. Um lugar que ela, pelo ato de escrever de dentro dele, aprenderia a
ocupar. (ANZALDÚA, 2012, p. 15)

É justamente esse terceiro lugar que configura a nova consciência mestiça, que quebra
as dualidades as quais condenam os viventes (principalmente mulheres) de fronteira ao lugar de
não pertencimento e às exclusões múltiplas: histórica, política e social. Livre das classificações
e dos paradigmas de oposição, das sínteses e dos lugares-comuns, a nova mestiça convive com
as contradições e ambiguidades, transita entre as três culturas (mexicana, anglo e indígena)
diluindo os aspectos unitários dos conceitos impostos.

Essa articulação possibilita esmiuçar as diferenças existentes dentro da própria diferen-


ça, como será visto a seguir. “Essa dicotomia [ocidental] é a raiz de toda violência. Não só o
cérebro foi dividido em duas funções, mas também a realidade. Assim as pessoas que habitam
duas realidades são forçadas a viver na interface entre as duas. É o caso da índia e da mestiça”
(ANZALDÚA, 2012, p. 59, grifo da autora).

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Between los interstícios: reflexão sobre o feminismo interseccional

O termo “gênero” começou a ser utilizado pelo movimento feminista para referir-se à
organização social da relação entre os sexos, concepção que foge do sentido literal e biológico
que era atribuído à palavra tradicionalmente. Acreditava-se que um estudo específico sobre mu-
lheres poderia acrescentar novos temas e gerar uma revisão crítica no trabalho científico exis-
tente, como afirma Joan Scott (1989), no clássico artigo “Gênero: uma categoria útil de análise
histórica”, publicado em 1986. Dessa forma, o gênero (gender) implicaria numa categoria de
análise para escrever uma nova história.

Em 1990, Judith Butler publicou Problemas de Gênero: feminismo e subversão da iden-


tidade, obra na qual chamou atenção para a complexidade do conceito, que vai além das dico-
tomias sexo/gênero, mulher/homem, masculino/feminino. Assim como Joan Scott, para a qual
o gênero “é um campo primário por meio do qual o poder é articulado” (SCOTT, 1989, p. 88),
Butler enfatiza que é “efeito de uma formação específica de poder” (BUTLER, 2016, p. 9). Em
síntese, essa articulação entre gênero e poder constitui as relações sociais, que, por sua vez, são
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos.

Neste contexto de problematizações acerca da conceituação de gênero, Gloria Anzaldúa


colocou em evidência, a partir de seu lugar de fala como escritora mestiça, homossexual e lésbi-
ca, questões referentes às diferenças, não mais entre homens e mulheres, mas entre as próprias
mulheres dentro do movimento feminista. A interseccionalidade, muito debatida no período
mencionado, compreende que as relações de poder existentes no campo social não estão restri-
tas unicamente ao gênero.

Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; o
termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da “pes-
soa” transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem
sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos his-
tóricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas,
étnicas, sexuais e regionais de identidade discursivamente constituídas. Resulta que
se tornou impossível separar a noção de “gênero” das intersecções políticas e culturais
em que invariavelmente ela é produzida e mantida. (BUTLER, 2016, p. 21)

Com isso, a autora chama atenção para uma realidade singular ao dissecar questões pró-
prias da mulher mestiça, a qual se sente estrangeira dentro das múltiplas culturas que transita.
Uma vez que não é permitido pertencer a um lugar, é preciso clamar por um novo espaço, fa-
zendo uma nova cultura mestiça, com uma arquitetura feminista própria (ANZALDÚA, 2012).

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A interseccionalidade revela o que não é visível quando categorias como gênero
e raça são conceitualizadas separadamente. O movimento para intersectar essas ca-
tegorias foi motivado pelas dificuldades de tornar visível aquelas/es dominadas/os e
vitimizadas/os nos termos de ambas categorias. (...) É somente quando percebemos o
entrelaçamento ou fusão do gênero e da raça que vemos efetivamente a mulher de cor.
(LUGONES, 2007. p. 192-193)

De grande relevância, portanto, para os estudos de gênero, a obra chama atenção para a
necessidade de se pensar as identidades em espaços de poder cujas subordinações não residem
apenas na percepção entre sexos. A nova mestiça, com sua habilidade de permear os espaços
em constante processo de deslocamentos e travessias, “ocupa os vários vetores da diferença
resultantes dos desequilíbrios históricos e das exclusões múltiplas” (COSTA & ÁVILA, 2005,
p. 693).

The presences: mitos invocados na arte de fronteira

Em sua “autohistoria”, Gloria Anzaldúa utiliza algumas imagens repetidamente, é o


exemplo da imagem da serpente, principal símbolo da América pré-colombiana, que está pre-
sente em todo percurso narrativo pela ligação existente entre a feminilidade e os mistérios e
perigos representados pela serpente: “ela, o símbolo do desejo sexual sombrio, o ctônico (sub-
mundo), o feminino, o movimento serpentino da sexualidade, da criatividade, a base de toda
energia e vida” (ANZALDÚA, 2012, p. 57).
São invocadas, nesse panorama, algumas deusas como Chalchiuhtlicue (deusa das águas
doces), Chicomecoatl (deusa do milho, da vegetação e da fertilidade), Huixtocihuatl (deusa do
sal e das águas salgadas), Cihuacóatl/Mulher Serpente (deusa ancestral da guerra, da terra e dos
partos), Tlazolteotl (deusa da fertilidade e dos desejos) e Coatlicue (mãe dos deuses, da lua e
das estrelas). Há, ainda, uma reflexão aprofundada sobre três importantes figuras pertencentes
ao imaginário mexicano:
Os chicanos possuem três mães. Todas as três são mediadoras: Guadalupe, a virgem mãe
que não nos abandonou, laChingada (Malinche), a mãe violada que nós abandonamos, e la Llo-
rona, a mãe que procura por suas crianças perdidas e é uma combinação das outras duas (...) A
verdadeira identidade das três foram subvertidas – Guadalupe para nos fazer dóceis e pacientes,
la Chingada para nos fazer sentir vergonha de nosso lado indígena, e la Llorona para manter
um povo resignado. (ANZALDÚA, 2012, p. 53)

Em vez de estabelecer uma oposição, entretanto, entre a virgem e a impura (Guadalupe/


Malinche), como é tradicionalmente feito, ou enaltecer a figura indígena em detrimento do sím-
bolo de poder de uma cultura dominante, Gloria Anzaldúa compreende a imagem de Guadalupe
como um símbolo ambivalente. Cultuada por mexicanos dos dois lados da fronteira, ela é capaz

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de unir diferentes povos, religiões e linguagens, fazendo a ligação entre as culturas indígena
e hispânica. De forma semelhante, Coatlicue, que é antecessora asteca de Guadalupe, é quem
compõe relação complementar: “o primeiro passo é esquecer a dicotomia puta/virgem e ver
Coatlalopeuth-Coatlicue na Mãe Guadalupe” (ANZALDÚA, 2012, p. 106, grifos da autora).
Coatlicue representa a vida e a morte, ou seja, é a síntese de dualidades e, além disso, de
uma terceira perspectiva – algo além de mera dualidade ou de síntese de dualidades. Por estar
além das oposições binárias tão combatidas pela reflexão de fronteira, ela configura o estágio
inicial da travessia, do deslocamento para uma nova consciência mestiça: “em sua figura, todos
os símbolos importantes para a religião e filosofia astecas estão integrados. (...) Ela é a fusão
de oposições: da águia e da serpente, do paraíso e do submundo, vida e morte, mobilidade e
imobilidade, beleza e horror” (ANZALDÚA, 2012, p. 69).

Ao assumir posições resistentes de sujeitos nas figuras da Mulher-Cobra [Snake


Woman], La Chingada, Tlazolteotl, Coatlicue, Guadalupe, La Llorona, etc., não ape-
nas questiona o sujeito autoritário e coerente das representações eurocêntricas, mas
também invoca outros sistemas simbólicos para recuperar e recodificar os múltiplos
nomes da Mulher que não se encontram contidos dentro dos registros hegemônicos
ocidentais (ALARCON apud COSTA & ÁVILA, 2005, p. 693).

Assim como é estabelecida uma associação entre a virgem de Guadalupe e Coatlicue,


La Llorona (la Jila) é associada a Cihuacoatl, a Mulher Serpente. Todos os mitos, posterior-
mente, são associados: “Coatlicue-Cihuacoatl-Tlazolteotl-Tonantzin-Coatlalopeuh-Guadalupe
– todas são uma” (ANZALDÚA, 2012, p. 72). Tal como no catolicismo em que Maria recebe
diferentes nomes de acordo com a região em que é cultuada, diferentes avatares de deusas aste-
cas são invocadas por sua filha, que narra os encontros e as aparições ao longo de sua existência.

El retorno: considerações finais

Como mestiça, eu não tenho país, minha terra natal me expulsou; no entanto, todos
os países são meus porque eu sou irmã ou amante em potencial de todas as mulheres.
(Como lésbica, eu não tenho raça, meu próprio povo me rejeita; mas eu sou de todas
as raças porque a queer em mim existe em todas as raças.) Eu sou sem cultura porque,
como feminista, desafio as crenças culturais/religiosas coletivas de origem masculi-
na dos indo-hispânicos e anglos; entretanto, tenho cultura porque estou participando
da criação de uma outra cultura, uma nova história para explicar o mundo e a nossa
participação nele, um novo sistema de valores com imagens e símbolos que nos co-
nectam uns aos outros e ao planeta. Soy un amansiamento, sou o ato de juntar e unir
que não apenas produz uma criatura tanto da luz como da escuridão, mas também uma
criatura que questiona as definições de claro e de escuro e lhes dá novos significados
(ANZALDÚA, 2012, p. 102-103, grifos da autora).

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Ao finalizar a primeira parte de Borderlands/la frontera indicando uma direção para a
nova consciência mestiça, Gloria Anzaldúa retoma o começo da reflexão, indicando que o ca-
minho a ser percorrido, citado durante toda a obra, não se trata de um percurso linear e progres-
sista. Trata-se de uma história cíclica em que começo e fim e se reencontram, apontando novos
significados para figuras semelhantes, tal como em um ciclo serpentino (SALDÍVAR-HULL
apud TORRES, 2005).

Se há, no primeiro capítulo – intitulado “Homeland” –, uma crítica ao imaginário mexi-


cano de retorno ao paraíso perdido de Aztlán, há, no último capítulo, uma reflexão sobre a terra
natal e sobre a luta de sobrevivência na fronteira. O purismo concebido pela ideia de retorno dá
lugar à inscrição de um “atravessado” em modos plurais de ser e de pertencer, longe de aceitar
e “comprar” todos os mitos de sua cultura de origem, criando formas novas e oferecendo outras
alternativas a partir do contato entre duas ou mais culturas.

Assim, os paradoxos e as contradições pertencentes a todas as culturas citadas são colo-


cados em discussão, bem como a necessidade de superá-los e combater as práticas dominantes
de estabelecimento de conceitos binários responsáveis por toda violência simbólica e física a
qual são submetidas as mulheres mestiças. Gloria Anzaldúa traz, através de seu texto perfor-
mático e da incorporação e rasura de mitos de diferentes origens, as potências de cada área,
recuperando as forças de cada cultura e organizando o movimento – sempre em processo, nunca
terminado ou solucionado, já que não busca soluções, de sobrevivência da fronteira: é impera-
tivo que mestiças se apoiem umas às outras” (ANZALDÚA, 2012, p. 106).

Referências:

ALARCÓN, N. Anzaldúa’s Frontera: Inscribing gynetics. Anuário de Letras Modernas, vol.6,


1993-1994; pp. 143-159. Publicado por: Colégio de Letras, Facultad de Filosofía y Letras,
UNAM.

ANZALDÚA, G. Borderlands: the new mestiza – la frontera / by Gloria Abzaldúa. – 4th ed.
Aunt Lute Books, San Francisco, CA: 2012.

BUTLER, J. Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade. Col. Sujeito e


História. 8ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

COSTA, C. de L; AVILA, E. Gloria Anzaldúa, a consciência mestiça e o “feminismo da diferença”.


Rev. Estud. Fem., Florianópolis , v. 13, n. 3, p. 691-703, Dec. 2005. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104026X2005000300014&lng=en&nrm=iso>.

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