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1. Introdução
Há 45 anos, uma ditadura civil-militar foi instalada no Brasil através de um golpe de
Estado: os anos de repressão se prolongariam até 1985, quando a transição lenta e segura
pretendida pelos donos do poder foi concretizada. O governo militar procurou manter-se forte
ao longo desse período, tanto reforçando o aparato policial e os órgãos de investigação quanto
recorrendo à construção de uma hegemonia ideológica na sociedade brasileira.
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Trabalho apresentado no Grupo Temático História do Jornalismo, modalidade Iniciação Científica (IC), do VII
Congresso Nacional de História da Mídia
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Estudante do 4° semestre do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da UFC-CE. Bolsista
do Programa de Educação Tutorial da UFC (Pet-UFC). E-mail: ericooal@gmail.com
autoritário exige o controle da sociedade. Se for preciso obter seu consenso, será necessário
recorrer ao apoio e à linguagem das mídias” (WEBER, 2000, p.156).
E foi o que o governo militar fez: buscou nas mídias, tanto com sua propaganda oficial
quanto com a imprensa, uma forma de assegurar o controle do sistema político e a
administração dos focos de contestação, seja na oposição armada seja na oposição permitida
pelos mecanismos institucionais do regime. O que se procura aqui é observar como se deu
esse processo na grande imprensa brasileira3.
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Muitas pesquisas foram feitas tanto sobre a atuação da grande imprensa no período ditatorial quanto sobre as
formas de oposição encontradas por uma imprensa alternativa que procurava sobreviver em meio à repressão.
Este artigo centra-se na grande imprensa; sobre a imprensa alternativa, uma importante fonte é: KUCINSKI,
Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - Nos tempos da imprensa alternativa. 2ª. ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2003
discurso atual de alguns grandes grupos de comunicação, que afirmam terem lutado contra a
censura e acatado as imposições simplesmente pela situação de repressão a que estavam
submetidos.
2. Sobre ideologia
A noção de ideologia é fundamental para que se trate das formas de se construir
legitimidade em um regime autoritário através da imprensa. As matérias favoráveis ao regime
militar brasileiro de 1964 a 1985 veiculadas nas páginas dos jornais e nos programas de
televisão traziam a ideologia dos donos do poder. Para os militares que governavam à época,
as ações repressivas deveriam conter a invasão da ideologia comunista no país e o que
consideravam uma tentativa de “controle das mentes” dos brasileiros.
No campo das teorias do jornalismo, a chamada teoria da ação política, em sua versão
de esquerda, carrega grande influência dessa tradição marxista ortodoxa: nessa teoria, “o
papel dos jornalistas é pouco relevante, menos, quase invisível, reduzido à função de
executantes a serviço do capitalismo, quando não coniventes com as elites” (TRAQUINA,
2001, p.81). Traquina destaca a contribuição dos teóricos Herman e Chomsky e explica que,
segundo os autores, “existe um diretório dirigente da classe capitalista que dita aos diretores e
jornalistas o que sai nos jornais” (2001, p.82). Nessa linha, as notícias acabariam exercendo
uma função de propaganda dos interesses das classes dominantes:
o problema central com o modelo proposto por Herman e Chomsky é a sua visão altamente
determinista do funcionamento do campo jornalístico em que os jornalistas ou colaboram na
utilização instrumentalista dos mídia noticiosos ou são totalmente submissos aos desígnios dos
interesses dos proprietários. (TRAQUINA, 2001, p.85)
A hegemonia é fundamentalmente uma construção do poder pela aquiescência dos dominados aos
valores da ordem social, pela produção de uma ‘vontade geral’, consensual. Compreende-se, a
partir disso, a atenção que a noção gramsciana leva a dispensar à mídia (MATTELART&NEVEU,
2004, p.74).
Graças à sofisticada tecnologia e à sedução de suas linguagens, as mídias têm sido utilizadas como
suporte de consenso pelas instituições políticas, Estados democráticos ou ditatoriais. As mídias,
como empresas, se constituem no principal aparato de hegemonia do Estado capitalista
contemporâneo (WEBER, 2000, p. 153).
Ridenti (1997) expõe, com isso, aquilo que, em linhas gerais, correspondia ao
pensamento político-operacional da guerrilha, no que é complementado por Reis Filho
(1997), para quem as organizações armadas buscavam ser uma contra-elite, propondo uma
alternativa ao sistema imposto pelas classes dominantes, aliadas aos militares no poder. Reis
Filho (1997) destaca o caráter de dissidentes dos responsáveis pela luta armada no Brasil, os
quais se opunham à visão burocrática do socialismo soviético e se inspiravam nos modelos da
Revolução Cubana de 1959 e da guerra pela independência da Argélia (1962).
4. Imprensa e ditadura
O sucesso da ditadura militar brasileira instalada em 1964 para garantir sua hegemonia
passava pelo controle daquilo que Althusser (1998) chama de Aparelho Ideológico de Estado
de informação, que compreende mídia impressa, rádio e televisão. Os Aparelhos Ideológicos
de Estado (AIE) são diferenciados por Althusser do que ele chamou de aparelho repressivo de
Estado: os AIE funcionam, prioritariamente, através da ideologia, o aparelho repressivo age,
eminentemente, através de atos repressivos, inclusive físicos.
em 1964 (...), jornais, rádio e televisão, trabalhando unidos para a tarefa, levaram o presidente
Goulart ao exílio, já deposto, em “operação” realizada em menos de um mês. Os dois editores de
primeira página do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, assinalaram, nos últimos dias de março,
os termos finais da ofensiva. A imprensa (...), acolitando o rádio e a televisão (...) foi a alavanca
que destruiu (...) presidentes eleitos. (SODRÉ, 1999, p.XIV).
Se alguns jornais mantinham uma política híbrida, a Folha da Tarde, entretanto, foi radical. O
diferencial encontrado no caminho percorrido pelo jornal é mais agravante e, por isso, tão
inusitado. Sua trajetória, a partir de julho de 1969, assenta o debate na questão da ética, da função
do jornal e do papel do jornalista. (KUSHNIR, 2004, p.314).
São inúmeras as atitudes de alinhamento da Folha da Tarde com o governo no pós-AI-5. Seguindo
as normas ditadas, o jornal realizou, em muitos momentos, uma releitura da realidade vivida e a
retratou, sem isenção, ao seu público leitor. Sua fama de “maior tiragem” também era bem
verídica. Jornalistas empenhados em uma “batalha, uma guerra santa”, nortearam a gestão Antônio
Aggio, Horley Antônio Destro e Carlos Dias Torres. (KUSHNIR, 2004, p.330, grifos da autora).
5. Considerações finais
O regime militar instalado no Brasil em 1964 precisava de aliados para dar curso a seu
projeto nacional: a grande imprensa brasileira acabou sendo, em muitas ocasiões, um
importante parceiro na execução dos objetivos dos donos de poder. Grandes empresas
jornalísticas viram numa aliança com o governo a oportunidade para empreender seus
próprios projetos: a união movia-se por interesses ideológicos e de classe, mas movia-se, em
grande medida, por conveniências – as possibilidades de manter-se e desenvolver os negócios
podia falar mais alto que a preocupação em resistir a um governo autoritário.
Não se ignora, evidentemente, que dentro da grande imprensa, a luta de grande parte
dos jornalistas era contra a censura, contra as versões oficiais; eles tinham, entretanto (como
têm ainda hoje), que lutar, em muitas ocasiões, contra os interesses de seus patrões, os donos
de jornais. A estrutura das redações tinha que comportar esses conflitos: a luta diária pela
transmissão de versões diferentes da oficial, de um lado, e a insistência no colaboracionismo e
na propagação da visão da realidade conforme queria o Estado repressor, de outro.
Referências bibliográficas
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Rio de Janeiro: Graal, 1998.
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KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à constituição de 1988. São Paulo:
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MATTELART, André, NEVEU, Érik. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
NUNES, Márcia Vidal. Imprensa e Poder. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, 1994.
REIS FILHO, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e outros. Versões e Ficções: o seqüestro da história. 2. ed. São
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SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001.
WEBER, Maria Helena. Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.