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ENCARTE 1 – TEORIAS E CONCEITOS

PLANO DE GESTÃO APA PALMARES

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 2

ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E O CONTEXTO DAS ÁREAS PROTEGIDAS .............. 3

1. Contexto Internacional .................................................................................... 3

2. Contexto Nacional ........................................................................................... 7


2.1. Evolução do Sistema de Unidades de Conservação no Brasil ............................. 7
2.2. Áreas de Proteção Ambiental (APA) .............................................................. 17

O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO DE APA .............................................. 19

1. Conceito de ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) ........................................ 19

2. Planejamento e Gestão .................................................................................. 20

APA PALMARES – CONTEXTO DE CRIAÇÃO E MARCO LEGAL .................................... 22

1. Agenda 21 como Base para a Conservação ...................................................... 22

2. Marco Legal para a Conservação .................................................................... 23

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 25

ANEXO 1 – Decreto de criação da APA PALMARES. .................................................. 26

1-1
APRESENTAÇÃO

Paty do Alferes é um município de destaque frente aos demais municípios que


compõem a região centro sul fluminense quando se refere à discussão ambiental. Desde
2001, mais contundentemente a partir de 2005, a sociedade local vem buscando
alternativas para reverter o quadro de degradação e os conseqüentes desserviços
ambientais diretamente relacionados aos padrões históricos de uso e ocupação de seu
território.
Por este caminho, realizou-se no período de 2005 a 2006 significativo esforço de
sistematização de informações técnicas associadas ao estudo participativo das diferentes
realidades locais, o que culminou em um plano de desenvolvimento sustentável para o
município. Em tal plano firmou-se propostas de ação para o desenvolvimento municipal
no século 21, iniciando-se pelo zoneamento do território municipal em sete (7) unidades
de planejamento.
Como resultado de todo esse esforço, ficou clara a posição de prioridade da
microbacia do rio Tinguá, cujas nascentes e mananciais abrangidos pela sub-bacia Ubá
2, garantem significativa parcela do abastecimento público do primeiro distrito de Paty
do Alferes (PATY DO ALFERES, 2006). Por sua relevância hídrica, valores culturais e
remanescentes florestais, nesta região, foi criada em 24 de novembro de 2004 a Área
de Preservação Ambiental de Palmares – APA Palmares.
Em junho de 2005, o Instituto Terra de Preservação Ambiental, como apoio da
Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), Aliança para Conservação e CEPF (Edital de
Fortalecimento Institucional das Entidades do Corredor da Serra do Mar) e em parceria
da Rede Mata Atlântica, Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, SEBRAE, Agenda 21 e
Prefeitura Municipal de Paty do Alferes, promoveu o 1º Workshop do Corredor de
Biodiversidade Tinguá-Bocaina, evento que reuniu na Aldeia de Arcozelo cerca de 130
participantes, entre representantes da sociedade, empresas e poder público de nove
municípios da região: Paty do Alferes, Miguel Pereira, Mendes, Eng. Paulo de Frontin,
Vassouras, Paracambi, Barra do Piraí, Piraí e Rio Claro. Esse evento firmou-se como um
marco inicial de um trabalho de gestão biorregional (Corredor de Biodiversidade Tinguá-
Bocaina) focado em três linhas prioritárias, discutidas e construídas participativamente,
em busca de um desenvolvimento mais harmonioso e de menor viés socioambiental,
sendo: Conservação da Biodiversidade, Gestão Participativa e Geração de Emprego e
Renda.
Especificamente em relação ao tema Conservação da Biodiversidade, ficou clara
a ausência e o exíguo incentivo à criação e gestão de unidades de conservação na
região. Tal ausência, inclusive, se coaduna com a constatação de que esta região se
apresenta como a de maior degradação, fragmentação e ruptura do cordão de Mata
Atlântica que ainda persiste nas vertentes da serra do Mar e que estabelece conexão
desde o Paraná até o norte do Rio de Janeiro.
Por esta razão, foi apontada como ação prioritária o desenvolvimento de
mecanismos e metodologias que apóiem a criação e a implementação/gestão de
unidades de conservação na região, especialmente aquelas sob responsabilidade
municipal.
Assim, com anuência e participação dos parceiros públicos e sociais da região, foi
construído o projeto “Construindo Estratégias Participativas e Projetos Demonstrativos

1-2
de Conservação da Mata Atlântica na Região do Corredor de Biodiversidade Tinguá -
Bocaina”, aprovado pelo MMA/PDA sob financiamento do GTZ e KFW. Dentre outras
atividades previstas, sua meta nº 4, “Projeto Piloto de Implantação das Unidades de
Conservação Municipais do Corredor (APA PALMARES E APA RIO SANTANA)”, visa à
construção de uma metodologia simples e de baixo custo que permita às demais
unidades de conservação municipais, e seus respectivos responsáveis, iniciar seu
processo de implementação (Constituição do Conselho Gestor e construção do Plano de
Manejo) rumo ao cumprimento de seus objetivos enquanto unidades de conservação.
Este documento, portanto, trás a primeira proposta de planejamento para a
implementação da APA Municipal de Palmares – APA Palmares, Paty do Alferes - RJ,
colocando a disposição dos demais parceiros responsáveis pela evolução deste
programa regional um referencial, até então inexistente, e que pode subsidiar seus
futuros processo de planejamento e gestão de UCs municipais. O documento foi
subdivido em quatro (4) encartes de forma a condensar e objetivar as informações,
assim como, possibilitar maior praticidade, dinamismo e facilidades de utilização e
atualização de informações.
No primeiro encarte encontram-se reunidas as principais informações e
discussões teórico/conceituais que embasaram e devem embasar a gestão das unidades
de conservação da mesma categoria que a trabalhada. No segundo, são expostos os
resultados dos diagnósticos e análises técnicas e participativas, fornecendo subsídios a
uma correta interpretação dos processos ecológicos, culturais e de uso incidentes no
território da UC. Em seu terceiro encarte, é proposto o zoneamento e as normas de uso
da unidade e no quarto encarte, seu plano operacional, composto por programas, ações
e estrutura institucional para gestão e cumprimento dos objetivos propostos para a APA
Palmares.
Temos certeza da relevância do resultado obtido, especialmente pela riqueza de
discussões e a visibilidade alcançada pela unidade, assim como pelo município de Paty
do Alferes neste último ano, consolidando-se como uma referência ambiental, ainda com
poucos resultados efetivos, contudo com um processo de planejamento e gestão
participativa (Agenda 21) extremamente vitoriosa e que certamente evoluirá ainda mais
nestes próximos anos que estão por vir.
Vale deixar um agradecimento especial a todos os atores locais, relacionados ou
não à Agenda 21 de Paty do Alferes, que vêm se esforçando em busca de um modelo de
gestão com maior participação do cidadão e que garanta um desenvolvimento sob uma
nova ótica, a ótica da sustentabilidade social e ambiental dos ecossistemas da Mata
Atlântica.

ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E O CONTEXTO DAS ÁREAS PROTEGIDAS

1. Contexto Internacional
“Uma área de terra e/ou mar especialmente dedicada à proteção e manutenção
da diversidade biológica e de seus recursos naturais e culturais associados, e manejada
por meio de instrumentos legais ou outros meios efetivos” (IUCN, 1994), constitui-se em
uma unidade de conservação.
Este foi o conceito consolidado em 1994 durante a assembléia geral da IUCN em
Buenos Aires, Argentina, depois de um longo percurso de experimentações iniciado a
partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1872. Neste histórico

1-3
relacionam-se as primeiras discussões teórico/conceituais que definiram duas linhas de
atuação para a criação e manejo das unidades de conservação (preservacionistas e
conservacionistas); a criação de novas categorias nos Estados Unidos (Florestas
Nacionais, Refúgios de Vida Silvestre e Monumentos Naturais); a difusão da importância
das áreas protegidas e a posterior criação em diversos países (Canadá em 1885, Nova
Zelândia em 1894, Austrália e África do Sul em 1898, México em 1898, Argentina em
1903...); a realização de grandes reuniões internacionais para debate e intercâmbio
científico, conhecimento mútuo entre pesquisadores e a proteção de determinados
grupos de animais (Paris, 1883; Viena, 1884; Londres, 1900; Suíça, 1913; Paris, 1923;
Londres, 1933; Washington, 1940); constituição da União Internacional para Proteção
de Natureza -IUPN (1948) que posteriormente teve sua denominação alterada para
União Internacional para Conservação da Natureza e Recurso Naturais (1956),
atualmente União Mundial pela Natureza – IUCN; criação da Comissão de Parques e
Áreas Protegidas – CNPPA (1960); organização da primeira listagem mundial de Parques
e Reservas Equivalentes (Seattle, 1962); realização da Conferência da Biosfera (Paris,
1968); estabelecimento do primeiro conceito mundial de Parque (Nova Deli, 1969);
assinatura da Convenção Ramsar (Ramsar, 1971); realização da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (1972); construção do primeiro sistema
internacional de classificação de Unidades de Conservação (Yellowstone, 1972),
consolidação em 1978 de um sistema internacional (CNPPA/IUCN) para a classificação
das áreas protegidas (ARAÚJO, 2007).
Em 1992, no III Congresso Mundial de Parques, realizado na cidade de Caracas
na Venezuela, a IUCN encaminhou para discussão e consolidação uma proposta
contendo cinco categorias, tendo como base a proposta em 1978 sob a liderança de
Kenton Miller. Os resultados do congresso definiram uma classificação em seis
categorias (QUADRO 1) com base nos seguintes objetivos de manejo: a) investigação
científica; b) proteção de zonas silvestres; c) preservação de espécies e da diversidade
genética; d) manutenção dos serviços ambientais; e) proteção das características
naturais e culturais; f) turismo e recreação; g) educação; h) utilização sustentável dos
recursos derivados dos ecossistemas naturais; i) manutenção de atributos culturais e
tradicionais.

Quadro 1: Categorias de manejo de unidades de conservação propostas pela IUCN em


1994.
Categoria Denominação Objetivo Principal
Reserva Natural Estrita/ Fins científicos ou de proteção da natureza
I
Área Silvestre
Conservação de ecossistemas e fins de
II Parque
recreação
Conservação de características naturais
III Monumento Natural
específicas
Santuário de Vida Conservação de hábitats e/ou para satisfazer as
IV
Silvestre necessidades de determinadas espécies
Paisagem Conservação de paisagens terrestres e
V Terrestre/Marinha marinhas com fins recreativos
Protegida
Área Protegida com Uso sustentável dos ecossistemas naturais.
IV
Recursos Manejados

1-4
Até 2003, o sistema internacional de áreas protegidas contava com algo em
torno de 102 mil unidades, abrangendo uma área de 18,8 milhões de Km 2, equivalente a
12,65% da superfície terrestre. Deste total, 67% se enquadram dentro das categorias
de manejo propostas pela IUCN em 1994, totalizando mais de 15 milhões de Km 2.
Também foram identificadas 436 áreas declaradas como Reservas da Biosfera, 172
como Patrimônio da Humanidade e 1305 como sítios Ramsar (Chape et. al. in ARAÚJO,
2007).
Atualmente o sistema internacional que temos resulta de uma série de
aperfeiçoamentos e adaptações quanto aos objetivos e foco das unidades de
conservação. O que parece consenso, é que ao longo de seu desenvolvimento surgiram
tendências que apontam para um novo paradigma na gestão (QUADRO 2), incorporando
a possibilidade de gestão compartilhada e participativa com a sociedade beneficiária e
interessada (IBAMA, 2001; ARAÚJO, 2007).

Quadro 2: Antigo e Novo paradigma para a gestão de áreas protegidas (Adaptado de


Philips, 2003).
Tema Paradigma Antigo Paradigma Atual
- Designadas para a- Razões científicas, econômicas e
conservação; culturais;
- Estabelecidas para a proteção - Também possuem objetivos
da vida silvestre sociais e econômicos;
- Manejadas para visitantes e - Turismo contribuinte da
Objetivos turistas; economia local;
- Valorizadas como ambiente - Valorizadas pela importância
selvagem; cultural dos “ambientes
- Relacionadas com a proteção. selvagens”;
- Mantidas também para a
restauração e reabilitação.
Administração - Governo Central - Descentralizada (parceiros)
- Atua contra a unidade, - Possível parceira para
requerendo um planejamento planejamento e gestão
População Local restritivo; compartilhada;
- Opiniões irrelevantes. - Manejo construído à luz das
opiniões e demandas locais.
- Planejadas separadamente - Planejadas como parte de
- Manejadas como “ilhas”. sistemas internacionais, nacionais
Contexto da
ou regionais;
Paisagem
- Desenvolvidas como redes ou
mosaicos.
- Consideradas principalmente - Considerada também como
como um patrimônio nacional; patrimônio da comunidade;
Percepções
- Interesse nacional. - Também de interesse
internacional.
- Manejada de forma reativa - Manejada de forma adaptativa;
Técnicas de dentro de uma escala de tempo - Gerida com sensibilidade política.
Manejo limitada;
- Manejada de forma

1-5
burocrática.
- Geridas por cientistas e - Geridas por indivíduos dotados
Capacidade de especialistas em recursos de múltiplas capacidades;
Manejo naturais; - Geridas levando-se em conta os
- Dirigida por especialistas. saberes locais.
Finanças - Tesouro nacional. - Múltiplas fontes.

No contexto internacional, nossas APAs podem ser enquadradas na categoria “V


– Conservação de paisagens Terrestres e Marinhas, de Lazer e Recreação”, guardadas
suas especificidades (QUADRO 3). Este grupo caracteriza-se pela missão de proteger a
biodiversidade, a qualidade cênica e o componente cultural das paisagens, sendo
constituídas em domínio público ou privado, contando com suporte público para gestão,
financiamento e manutenção em longo prazo (IBAMA, 2001).

Quadro 3: Relação entre categorias do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e


da IUCN (IBAMA, 2007).
Categoria -
Categoria - SNUC
IUCN
Estação Ecológica Ia
Reserva Biológica Ia
Parque II
Refúgio de Vida Silvestre III
Monumento Natural III
RPPN IV
Área de Proteção Ambiental V
Reserva de Desenvolvimento
Sustentável VI
Reserva de Fauna VI
Área de Relevante Interesse
Ecológico IV
Floresta Nacional VI
Reserva Extrativista VI

Pode-se estabelecer uma relação de semelhança entre as APAs e outros tipos de


áreas protegidas existentes pelo mundo, especialmente em relação aos Parques Naturais
existentes na França, Portugal, Espanha e Alemanha e as Reservas da Biosfera que,
segundo CHAPE et al. (2003), totalizavam 436 áreas de diversos países (QUADRO 4).

Quadro 4: APAs e Congêneres Internacionais.


Principais Semelhanças (IBAMA,
Área Protegida Definição 2001)

1-6
"área em geral extensa, com
certo grau de ocupação i) objetivam a conservação da
humana, dotada de atributos biodiversidade
abióticos, bióticos, estéticos
ou culturais especialmente
importantes para a qualidade
de vida e o bem estar das
APA populações humanas, e tem
como objetivos básicos
proteger a diversidade ii) admitem o uso sustentável dos
biológica, disciplinar o recursos naturais
processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade
do uso dos recursos naturais"
(SNUC, 2000).

“área que se caracteriza por iii) podem ser constituídas em


conter paisagens naturais, propriedade privada
alteradas e humanizadas, de
interesse nacional, sendo
Parques Naturais exemplo de integração
harmoniosa da atividade
iv) possuem sistema de
humana e da Natureza e que
ordenamento com zoneamento que
apresenta amostras de um
contém zonas com diferentes graus
bioma ou região natural.”
de proteção, restrições e permissões

"modelo de gestão integrada,


participativa e sustentável
dos recursos naturais,
adotado internacionalmente,
com os objetivos básicos de
v) sistema de gestão adotado de
preservação da diversidade
Reserva da forma participativa e visa contribuir
biológica, o desenvolvimento
Biosfera com a melhoria/manutenção da
de atividades de pesquisa, o
qualidade de vida local
monitoramento ambiental, a
educação ambiental, o
desenvolvimento e a melhoria
da qualidade de vida das
populações" (SNUC, 2000).

2. Contexto Nacional

2.1. Evolução do Sistema de Unidades de Conservação no Brasil


No Brasil, o histórico da proteção de áreas silvestres, também acompanha as
lutas e tendências mundiais. Este caminho com origens um pouco mais antigas que a
criação de nosso primeiro parque nacional, iniciou-se com instrumentos como o

1-7
“Regimento do Pau-Brasil” de 1605 e a Carta Régia de 1797 mas, todavia, tem-se como
consenso que a criação do Parque Nacional do Itatiaia configurou-se na materialização
de longos anos de debates e mobilizações iniciados ainda durante o período colonial e
imperial, mas que efetivamente não se traduziram em ações concretas pelo governo
federal até 1937 (MEDEIROS, 2006).
A partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos em
março de 1872, também no Brasil surgiram movimentações de apoio à proteção de
áreas naturais, sendo a primeira proposição, data de 1876, atribuída ao engenheiro
André Rebouças. Todavia, o conjunto de condições legais, políticas, sociais, econômicas
e culturais que prevaleceram até o fim Primeira República (1889-1930), originárias de
nossa herança lusitana de ânsia de prosperidade inconseqüente e sem custos, de
riquezas fáceis, impediam qualquer efetivação de unidades de conservação por estarem
incorporados na sociedade daquela época somente preceitos para a expansão
econômica com a degradação da natureza.
A criação do Parque Estadual de São Paulo em 1896 foi uma demonstração do
anseio preservacionista que surgia na época, contudo o cenário nacional ainda
permanecia congelado pela conjuntura econômica e política preponderante (MEDEIROS,
2006).
No período seguinte foi criado o Instituto Florestal Brasileiro (1921) sob
justificativas relacionadas à ótica de exploração dos recursos florestais, contudo,
inaugurando a ação oficial para o uso racional e a preservação de porções do território
nacional. Dentre suas incumbências configurava a de estudar e propor ao governo as
melhores situações para a criação dos parques nacionais, o que na prática não se
verificou.
Com o golpe em 1930, amparado pelo decreto nº 19.398, o governo de Vargas,
além de suas atribuições executivas democráticas, passa também a ter uma intensa
atuação legislativa. Neste contexto são promulgados importantes instrumentos
relacionados à ordenação de uso para a preservação ambiental. Destaca-se o primeiro
código florestal brasileiro (Decreto nº 23.793/1934), que previa a limitação do direito de
propriedade em detrimento das florestas do território nacional, bens de interesse
comum, e classificava as florestas como protetoras, remanescentes, modelo e de
rendimento descrevendo a classe remanescente como aquelas que formassem os
parques nacionais, estaduais e municipais. Por fim, com a Constituição de 16 de julho de
1934, onde em seu artigo 10 foi atribuída ao poder público a responsabilidade pela
proteção das “belezas naturais e monumentos de valor histórico ou artístico” estava
criada a base legal para a criação das unidades de conservação no Brasil.
Em 1937 é criada primeira unidade de conservação brasileira o Parque Nacional
do Itatiaia, resultado de alguma mobilização de setores da sociedade e do contexto legal
agora estruturado. Nos anos que finalizam a década de 30 ocorreram ainda a criação do
Parque Nacional de Foz do Iguaçu em janeiro de 1939 e em outubro do mesmo ano o
Parque Nacional da Serra dos Órgãos.
No período entre 1940 e 1959 com atenções voltadas para a guerra e depois
para a redemocratização do país, com o surto de desenvolvimento promovido pelo
governo Kubitschek poucos avanços quanto à evolução da estrutura para a existências
de áreas protegidas em nosso país foram alcançados. Com exceção da Floresta Nacional
do Araripe-Apodi, criada em 1940 no Ceará, somente após um período de 20 anos sem
novas unidades de conservação é que o Brasil teve novos processos para o
estabelecimento de áreas protegidas. Em 1959 são criados os Parques nacionais de

1-8
Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina; Araguaia (Ilha do bananal),
em Tocantins; e Ubajara, no Ceará. Em 1961 foram criados os Parques nacionais das
Emas (GO), Chapada dos Veadeiros (GO), Caparaó (MG e ES), Sete Cidades (PI), São
Joaquim (SC), Tijuca (RJ), Sete Quedas (PR), de Brasília (DF) e Monte Pascoal (BA)
(ARAÚJO, 2007).
Até este período, prevalece o caráter protecionista signatário de uma tradição de
proteção vinculada essencialmente à ótica da administração florestal, onde a floresta é
encarada como recurso econômico ou resguardada em função dos serviços ambientais
por ela prestados. Todavia, deve-se valorizar um importante aspecto do modelo de
proteção experimentado, que foi a sua capacidade de ter estabelecido desde o início,
distintas tipologias e categorias de áreas protegidas objetivando, ao menos
conceitualmente, a preservação e intocabilidade de áreas estratégicas assim como a
conservação através da utilização controlada dos recursos naturais em áreas específicas
(MEDEIROS, 2006).
Nos anos que se seguiram, passando-se pelo período de golpe militar a partir de
1964, curiosamente, todos os instrumentos que possibilitaram a criação de áreas
protegidas no Brasil foram mantidos em um primeiro momento e até mesmo
aperfeiçoados posteriormente. O QUADRO 5 sistematiza os principais instrumentos
legais instituídos durante a República, destacando sua evolução que subsidiou a criação
e gestão das áreas protegias no Brasil (MEDEIROS, 2006).

1-9
Quadro 5: Evolução dos principais instrumentos de criação de áreas protegidas no Brasil. (Fonte: MEDEIROS, 2006)
INSTRUMENTOS
PERÍODO INSTRUMENTOS TIPOLOGIAS CATEGORIAS
INCORPORADOS
Parque Nacional; Floresta
Floresta Protetora; Floresta
Código Florestal (Dec. Nacional; Reserva de
X Remanescente; Floresta de
23793/1934) Proteção Biológica ou
De 1934 até rendimento; floresta modelo
Estética
1964
Parque de Reserva, Refúgio
Código de Caça e Pesca Parques de Criação e Refúgio
X e Criação de Animais
(Dec. 23793/1934) de Animais
Silvestres
Parque Nacional; Floresta
Novo Código Florestal (Lei Código Florestal (Dec. 23793/
Nacional; Área de Preservação x
4771/1965) 1934)
Permanente; Reserva Legal
Lei de Proteção aos Animais
Lei de Proteção aos Animais Reserva Biológica; Parque de
(Dec. x
(Lei 5197/1967) Caça Federal
24645/1934)
Programa MaB, 1970 (Dec.
Áreas de Reconhecimento
74685/74 e Dec. Pres. X Reserva da Biosfera
Internacional
21/09/99)
De 1965 até
Convenção sobre Zonas
1999 Áreas de Reconhecimento
Úmidas, 1971 (promulgada x Sítios Ramsar
Internacional
pelo Dec. 1905/96)
Conv. Patrimônio Mundial,
Áreas de Reconhecimento Sítios do Patrimônio Mundial
1972 (promulgada pelo Dec. x
Internacional Natural
80978/1977)
Reserva Indígena, Parque
Estatuto do Índio (Lei nº Indígena, Colônia Agrícola
x Terras Indígenas
6001 de 19/12/1973) Indígena e Território Federal
Indígena

1-10
Lei de Criação das Estações
x Estação Ecológica x
Ecológicas (Lei 6902/1981)
Lei de Criação das Áreas de
Proteção Ambiental (Lei x Área de Proteção Ambiental x
6902/1981)
Decreto de Criação das
Reservas Ecológicas (Dec. x Reserva Ecológica x
89336/1984)
Lei de Criação das ARIEs Área de Relevante Interesse
x x
(Dec. 89336/1984) Ecológico
Lei de Criação das RPPNs Reserva Particular do
x x
(Lei 1922/1996) Patrimônio Natural

1-11
1) ao longo dos rios ou de
qualquer curso d’água; 2) ao
redor das lagoas, lagos ou
reservatórios d’água; 3) nas
nascentes e “olhos d’água”
num raio de 50m de largura;
4) no topo de morros,
montes, montanhas e serras;
5) nas encostas ou partes
destas, com declividade
superiora 45o, equivalente a
Novo Código Florestal (Lei Código Florestal (Dec. Área de Preservação 100% na linha de maior
A partir de 2000
4771/1965) 23793/1934) permanente declive 6) nas restingas,
como fixadoras de dunas
ouestabilizadoras de
mangues; 7) nas bordas dos
tabuleiros ou chapadas, a
partir da linha de ruptura
dorelevo, em faixa nunca
inferior a 100m em
projeçõeshorizontais; 8) em
altitude superior a 1800m,
qualquerque seja a
vegetação.

1-12
1) 80% da PR3 na Amazônia
Legal; 2) 35% na PR em
área de cerrado localizada na
Amazônia Legal; 3) 20% na
Reserva Legal PR em área de floresta ou
vegetação nativa nas demais
regiões; 4) 20% na PR em
área de campos
gerais em qualquer região.

PI: Estação Ecológica;


Reserva Biológica; Parque
Lei de Proteção aos Animais
Nacional;Monumento
(Lei5197/1967); Lei de Criação
Natural; Refúgio de Vida
dasEstações Ecológicas e APAs
Silvestre.US: Área de
(Lei6902/1981); Decreto de
Sistema Nacional de Unidades de Proteção Integral Proteção Ambiental; Área de
Criaçãodas RESECs e ARIEs
Unidades de Conservaçãoda (PI) eUnidades de Uso RelevanteInteresse
(Dec. 89336/1984); Lei de
Natureza (Lei 9985/2000) Sustentável (US) Ecológico; Floresta Nacional;
Criação das RPPNs (Lei
ReservaExtrativista; Reserva
1922/1996); parte do
de Fauna; Reserva de
NovoCódigo Florestal (Lei
DesenvolvimentoSustentável;
4771/1965)
Reserva Particular do
PatrimônioNatural.

Programa MaB, 1970 (Dec.


Áreas de Reconhecimento
74685/74 e Dec. Pres. x Reserva da Biosfera
Internacional
21/09/99)
Convenção sobre Zonas
Áreas de Reconhecimento
Úmidas, 1971 (promulgada x Sítios Ramsar
Internacional
pelo Dec. 1905/96)

1-13
Conv. Patrimônio Mundial,
Áreas de Reconhecimento Sítios do Patrimônio Mundial
1972 (promulgada pelo Dec. x
Internacional Natural
80978/1977)
Reserva Indígena, Parque
Estatuto do Índio (Lei nº Indígena, Colônia Agrícola
x Terras Indígenas
6001de 19/12/1973) Indígena e Território Federal
Indígena

1-14
A estrutura de gestão também experimentou diversas adaptações e evoluções
destacando-se os principais acontecimentos que impulsionaram este processo
(MEDEIROS, 2006; ARAÚJO, 2007):

 1965 – instituição do novo Código Florestal (Lei nº 4771 de 15/09/1965);


 1966 – 1º diagnóstico abrangente sobre UCs da Brasil e proposição dos
princípios para a criação de parques, assim como para o zoneamento e uso das
unidades de conservação;
 1967 – criação da FUNAI,
Criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF);
 1968 – Conferência da Biosfera;
 1970 – lançamento do programa “O Homem e a Biosfera - MaB”;
 1971 – criação da Convenção sobre Zonas Úmidas (RAMSAR);
 1972 – criação da Convenção sobre o Patrimônio Mundial,
Conferência de Estocolmo;
 1973 – criação do estatuto do Índio,
Criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA);
 1977 – lançamento do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND);
 1979 – apresentação da primeira proposta para criação de um “Sistema de
Unidades de Conservação” para o Brasil;
 1981 – proposição de novas tipologias de UC: Estação Ecológica (ESEC) e Área
de Proteção Ambiental (APA),
promulgação da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6938 31 de
agosto de 1981);
 1982 – apresentação da etapa 2 da primeira proposta para criação de um
“Sistema de Unidades de Conservação” para o Brasil;
 1988 – promulgação da nova constituição,
criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA);
 1991 – início da execução do Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA I),
Estabelecimento da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica;
 1992 – criação do programa PPG7;
 1996 – criação do Programa Nacional da Diversidade Biológica (PRONABIO),
sendo representado em nível governamental pelo Projeto de Conservação e
Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) e pelo Fundo
Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) relacionado à iniciativa provada,
proposição do projeto e Corredores Ecológicos.

Em 2007 contávamos com um total aproximado de 115 milhões de hectares de


áreas protegidas no território nacional (QUADRO 6), contando com um sistema instituído
pela Lei nº 9985 de 18 de julho de 2000, que contempla dois grupos, Proteção Integral
e Uso Sustentável, e doze categorias de manejo (ARAÚJO, 2007).
Esse novo instrumento mostrou-se de grande valia ao contexto nacional, pois
conseguiu integrar de uma única vez parte das áreas protegidas prevista pela legislação
brasileira, viabilizando a possibilidade de que novas categorias fossem criadas ou
incorporadas a partir de experiências originais desenvolvidas no país além de ter incluso
em seu texto um capítulo específico dedicado às Reservas da Biosfera, que ganharam o
status de categoria especial (MEDEIROS, 2006).

1-15
Quadro 6: Unidades de Conservação no Brasil em Março de 2007. (Fonte: ISA, 2007)

Categoria Número Área (ha)


Proteção Integral Federal
Estação Ecológica 32 7.006.908
Parque Nacional 62 21.632.419
Reserva Biológica 30 3.901.063
Reserva Ecológica 1 109
Refúgio de Vida Silvestre 3 145.245
Subtotal 128 32.685.744
Uso Sustentável Federal
Área de Proteção Ambiental 30 8.914.920
Área de Relevante Interesse Ecológico 13 30.047
Floresta Nacional 63 16.752.067
Reserva de Desenvolvimento Sustentável 1 64.735
Reserva Extrativista 49 9.845.531
Subtotal 156 35.607.300
Total de UCs Federais 284 68.293.044

Proteção Integral Estadual


Estação Ecológica 51 600.800
Monumento Natural 6 32.605
Parque Nacional 164 8.267.562
Reserva Biológica 36 169.386
Reserva Ecológica 13 116.666
Refúgio de Vida Silvestre 3 102.543
Subtotal 273 9.289.562
Uso Sustentável Estadual
Área de Proteção Ambiental 177 23.877.173
Área de Relevante Interesse Ecológico 15 20.167
Floresta Estadual 24 2.162.463
Floresta Extrativista 3 1.438.907
Floresta de rendimento Sustentável 18 1.470.759
Reserva de Desenvolvimento Sustentável 14 9.498.626

1-16
Reserva Extrativista 24 1.393.586
Subtotal 257 38.390.922
Total de UCs Estaduais 548 47.680.484

Total de UCs Brasileiras 814 115.735.528


Área de Sobreposição entre UCs - 3.631.742
Área de Sobreposição entre UCs e Terras 8.819.569
Indígenas
Área das UCs descontadas as sobreposições 104.992.976

Dados mais recentes, publicados do site do Cadastro Nacional de Unidades de


Conservação, apontam um número inferior de unidades de conservação já validadas,
totalizando 370 unidades em todo o território nacional sendo 281 de gestão federal, 83
estadual e 6 municipal (Portal Áreas Protegidas-MMA, 2008). Segundo MERCADANTE
(2007) as unidades brasileiras protegem cerca de 20% da Amazônia, 6% do Cerrado,
6% da Caatinga, 6% da Mata Atlântica, 2% do Pantanal, 3% dos Campos Sulinos e
0,15% da zona Costeira e Marinha.
Mais recentemente, por força da Medida Provisória 366 de 27 de abril de 2007, o
governo federal instituiu o novo órgão, Instituto Chico Mendes, com a atribuição de
executar as ações da política nacional de unidades de conservação da natureza,
responder pelas políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais, apoiar as
populações tradicionalmente extrativistas, incentivar programas de pesquisa e proteção
da biodiversidade, além de exercer poder de polícia ambiental para a proteção das
unidades de conservação (www.agenciabrasil.gov.br).
Esta nova estrutura, que busca atender antigas recomendações e rentes anseios
sociais de termos uma instituição exclusivamente direcionada às unidades de
conservação no Brasil, todavia vem passando por turbulências neste período de
implementação de seu funcionamento, visto a resistência e o descontentamento quanto
ao processo e contexto de criação assim como pela conseqüente desestabilização da já
deficiente estrutura organizacional do IBAMA.
Como incitado por ARAÚJO (2007), o histórico da gestão das UCs no Brasil já
provou que a simples criação, extinção, fusão ou subdivisão de órgãos de gestão não
soluciona os problemas, sendo o grande desafio proposto aos gestores atuais a
modernização da gestão com foco na eficiência e qualidade das unidades de
conservação rumo ao cumprimento de seus objetivos de criação.

2.2. Áreas de Proteção Ambiental (APA)


Especificamente, as Áreas de Proteção Ambiental (APA) foram instituídas pela Lei
no 6.902, de 27 de abril de 1981, sendo provável que o termo tenha sido usado pela
primeira vez, em legislação brasileira, na Lei de Zoneamento Industrial - Lei nº 6.803/80
(CÔRTE, 1997). Tal categoria de unidade poderia ser criada pelos Governos Federal,
Estadual e Municipal, segundo a própria necessidade e interesse em proteger um ou
mais atributos ambientais de relevância tal, que diferencia a área das demais. Esta
mesma lei, em seu artigo 9º, inicia um dos grandes percalços que esta nova categoria

1-17
teria que superar para seu efetivo reconhecimento: a compatibilização dos usos com a
conservação dos atributos ambientais, ou seja, a restrição à propriedade privada.
A Lei no 6.902/81 foi regulamentada pelo Decreto nº 88.351 de 01 de junho de
1983, pela Resolução CONAMA nº 10, de 14 de dezembro de 1988 e, posteriormente,
pelo Decreto no 99.274, de 06 de junho de 1990. Acrescente-se, ainda, a Lei Federal no
6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, que estabelece, dentre outros, as
APAs como um de seus instrumentos, consolidando o arcabouço legal para a existência
das Áreas de Proteção Ambiental no Brasil (CÔRTE, 1997).
Atualmente temos algo entorno de 30% da área das unidades de conservação
representados pela categoria APA contabilizando um total de 207 unidades, não
contabilizadas aquelas criadas em esfera municipal onde se constata uma lacuna de
informação recente.
Os dados mais recentemente sistematizados sobre áreas de proteção ambiental
municipais do Brasil foram apresentados por BRUCK, FREIRE e LIMA em 1995
(QUADROS 7 e 8). Certamente esta informação encontra significativamente defasada,
especialmente pelo incremento de unidades de conservação desta categoria, sobretudo
em estados onde se instituiu o ICMS Ecológico (QUADRO 9).

Quadro 7: Áreas de Proteção Ambiental do Brasil por regiões e nível de governo.


Esfera de Gerência
TOTAL
União Estado Município
Região n°
n° de n° de n° de
ha ha de ha ha
APAs APAs APAs
APAs
Norte 21600 1 21600 1
Nordeste 93740 5 154116 17 247856 22
Sudeste 964388 8 1870494 23 65613 19 2900495 50
Sul 612500 3 2222 11 614722 14
Centro
116200 2 9005300 3 9121500 5
Oeste
TOTAL 1808428 19 11029910 43 67835 30 12906173 92

Quadro 8: Criação de Áreas de Proteção Ambiental no Brasil.


Período de Esfera de Gerência
TOTAL
Criação União Estado Município
1981 a 1985 10 13 12 35
1986 a 1990 6 30 18 54
1991 a 1995 3 3
TOTAL 19 43 30 92

Quadro 9: Criação de Áreas de Proteção Ambiental no estado de minas Gerais. (Fonte:


adaptado de Euclydes, 2006)
Esfera de Até Até
TOTAL
Gestão Dez/1995 Dez/2005

1-18
Federal 4 0 4
Estadual 6 7 13
Municipal 6 149 155
TOTAL 16 156 172
o
*Obs: a Lei Robin Hood (Lei Estadual n 12.040), que instituiu o ICMS Ecológico no
estado de Minas Gerais foi criada em 28 de dezembro de 1995.

No atual contexto do sistema nacional de unidades de conservação, verifica-se


alta importância biológica e socioeconômica para as APAs e uma mediana efetividade de
gestão dos territórios abrangidos por esta categoria de unidade. A vulnerabilidade desta
categoria também se demonstra alta, originada uma vez suas características
permissivas, a dificuldade de estruturação e recursos humanos, a grande demanda e o
elevado valor de mercado dos recursos naturais e a dificuldade de monitoramento de
possíveis atividades ilegais (IBAMA, 2007).

O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO DE APA

1. Conceito de ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA)


A APA é uma Unidade de Conservação de Uso Direto dos recursos naturais,
segundo categorização da IUCN ou ainda Unidade de Conservação de Uso Sustentável,
conforme expresso no SNUC. Segundo a Resolução CONAMA nº 10/88, artigo 1º, as
APAs “são unidades de conservação, destinadas a proteger e conservar a qualidade
ambiental e os sistemas naturais ali existentes, visando a melhoria da qualidade de vida
da população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas regionais”.
A Lei nº 9985 de 22/08/2000, que instituiu o Sistema nacional de Unidades de
Conservação da Natureza – SNUC, em seu artigo 15, define as APAs como “uma área
em geral, extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos,
bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o
bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a
diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação, assegurar a sustentabilidade
do uso dos recursos naturais” (BRASIL, 2002).
Deste conceito geral, CÔRTE (1997), destaca algumas constatações primordiais a
cerca da categoria:

i. buscam conciliar o desenvolvimento de atividades humanas com a conservação


dos recursos naturais (objetivo geral);
ii. buscam proteger o solo, subsolo, a cobertura vegetal e a fauna local, promover a
melhoria da qualidade dos recursos hídricos, recuperar áreas degradadas (objetivos
específicos);
iii. são áreas submetidas ao planejamento e à gestão ambiental;
iv. são áreas de uso múltiplo, controladas através do zoneamento, fiscalização e
educação ambiental;
v. podem conter outras unidades de conservação mais restritivas;
vi. podem ter uso urbano;
vii. propiciam a experimentação de novas técnicas e atitudes que permitam conciliar
o uso da terra e o desenvolvimento regional com a manutenção dos processos
ecológicos essenciais (CÂMARA, 1993, p.4);

1-19
viii. permitem que a população residente e do entorno seja integrada nas medidas
práticas conservacionistas, através de ações de Educação Ambiental ou participação
no processo de planejamento e gestão;
ix. permitem o estabelecimento de um processo de co-gestão entre órgãos
governamentais, não-governamentais e setores organizados da sociedade.

Todavia, até os dias atuais, não tem sido fácil o entendimento e aceitação a esta
categoria de Unidade de Conservação. Problemas criados pela criação e gestão
equivocada das primeiras APAs, regidas por fundamentos preservacionistas que as
assemelhavam com Parques ou outras categorias mais restritivas, ainda são proferidos
como justificativa ou argumentação contrária às APAs. Sob esta ótica, tentava-se que as
atividades e equipamentos de caráter urbano, ou ainda a própria dinâmica urbana
fossem ignorados ou, às vezes, excluídos do território da APA e assim, a proposta
conservacionista trazida por esta categoria de unidade de conservação ganhou
contestadores ferrenhos, especialmente aqueles que defendem o direito de propriedade
e o desenvolvimento aquém a manutenção do ambiente (CÔRTE, 1997; IBAMA, 2001).
Com o passar do tempo, os conceitos base para a gestão e os processos de
criação das APAs têm amadurecido e, atualmente, buscam origens nas demandas e
anseios locais, de forma a permitir a utilização territorial com menor viés socioambiental,
juntamente com a constante mediação e gestão das expectativas dos diferentes atores
envolvidos.
Esse exercício vem consolidando o papel e cristalizando o conceito dessa unidade
de conservação de uso sustentável, conforme proposto ideologicamente pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, cumprindo importante papel complementar de
suporte às UCs de proteção Integral, como corredores ecológicos, zonas de
amortecimento ou mesmo possibilitando a conservação de atributos ambientais em
locais cuja condição de ocupação humana não permitiria a existência de uma unidade de
proteção integral.
Resta portando o desafio associado ao conceito em consolidação, de se viabilizar
esta proposta de um papel complementar a ser desempenhado pelas unidades de
conservação da categoria de Uso Sustentável como as APAs, emergindo, daí, a
importância da implantação de um eficiente processo de gestão que leve em conta os
diversos aspectos envolvidos (CÔRTE, 1997).

2. Planejamento e Gestão
O pleito do estabelecimento de uma categoria de unidade de conservação que
permitisse a pesquisa e a conservação em terras privadas e, ao mesmo tempo,
contornasse uma das grandes barreiras que é a desapropriação de terras, a partir dos
anos 80, se materializou na complexidade de uma efetiva gestão das Áreas de Proteção
Ambiental.
A conservação de bens coletivos em domínios da propriedade privada trouxe
desafios e contestações às tímidas, mas necessárias ações restritivas compatíveis com
as APAs. Ademais, visto que o uso é permanente e os diversos atores participam e
influenciam ativamente na conservação ou degradação do ambiente da unidade torna-se
necessário o estabelecimento de um sistema de gestão que permita gradual integração
e participação social no processo de gestão da unidade.

1-20
Com tais características, para a administração das APAs, deve-se ter claro,
conceitual e praticamente, os conceitos de manejo e gestão, onde no caso das Áreas de
Proteção Ambiental é sugerido pelo IBAMA a utilização do termo gestão.
Entende-se por manejo “o conjunto de ações e atividades necessárias ao
alcance dos objetivos das áreas protegidas; ou seja, em um sentido técnico, as
atividades fins, (...), aquelas que dizem respeito ao manuseio, controle ou direção de
processos nas unidades de conservação, tais como proteção, recreação, educação,
pesquisa e manejo de recursos” e gestão “o conjunto de atividades administrativas e
seu próprio controle, ou seja, atividades relacionadas à gerência, gestão ou
administração dos negócios e atos necessários à efetiva realização do manejo, tais como
controle de pessoal, licitação, contabilidade, aquisição e manutenção de bens, entre
outras” (MILANO, BERNARDES e FERREIRA, 1993).
De acordo com IBAMA (2001), o processo de implementação das APAs deve
evoluir em fases, mediante o acúmulo de conhecimento, aumento na mobilização e
participação social e desenvolvimento de ações demonstrativas (FIGURA 1).

ç ções

Figura 1: Visão processual do processo de planejamento e gestão de APAs (Adaptado de


IBAMA, 2001).
Dessa maneira, o planejamento das APAs deve se constituir em um processo
contínuo e dinâmico, pois, à medida que evolui o conhecimento da situação em questão,
novas ações podem ser propostas e implementadas para se chegar à situação desejada.
Os objetivos apontados pelo Roteiro Metodológico para a Gestão de APAs para
cada fase do planejamento podem ser observados na FIGURA 2.

1-21
Fase 3
Fase 2
Fase 1 Aprofundar o conhecimento e as
Ampliar o conhecimento e as ações de proteção da biodiver-
Sistematizar o conhecimento ações de proteção da biodiver- sidade
existente sobre a APA sidade
Promover o aperfeiçoamento do
Ampliar ações prioritárias para Zoneamento e das Normas
Definir áreas estratégicas e toda a APA Ambientais
homogêneas no território e
estabelecer as normas
Definir o Zoneamento e as Consolidação do Plano de Gestão
Normas Ambientais para a proteção da biodiversidade
Implementar o sistema de
gestão e o desenvolvimento sustentável
Estabelecer programas de ação com alcance regional
Priorizar ações em caráter para gestão
piloto Ampliar a descentralização e a
Aperfeiçoar o sistema de gestão autonomia do Processo de Gestão

Estruturar o sistema de gestão Promover a capacitação dos Promover o avanço institucional e


agentes socias envolvidos criar mecanismos de geração de
recursos econômicos

Figura 2: Objetivos do planejamento e gestão das APAs em cada fase.

Para CÔRTE (1997), visto o caráter de compatibilidade com a propriedade


privada e exigüidade de recursos para viabilização da gestão, o caminho para o
estabelecimento do processo de gestão das APAs deve superar o caráter impositivo e
restritivo, que já se mostrou ineficiente, orientando-se com base em uma gestão em
parceria ou co-gestão, cuja principal característica é a descentralização de atribuições e
atividades de manejo e de gerenciamento das unidades, envolvendo na gestão os
principais atores sociais (institucionais e sociedade civil).
Por esta razão, deve-se orientar a gestão das Áreas de Proteção Ambiental por
uma abordagem complementar baseada na gestão participativa, integrando a
comunidade nas diversas ações de planejamento e gestão de APAs facilitando a
mediação de conflitos entre uso do solo e a conservação dos recursos naturais; no
planejamento estratégico, que propicia a análise da situação vigente e propõe
cenários desejáveis, direcionando e facilitando a tomada de decisão; e na gestão da
qualidade, que agrega o constante monitoramento e avaliação do planejamento e das
ações implementadas (IBAMA, 2001).

APA PALMARES – CONTEXTO DE CRIAÇÃO E MARCO LEGAL

1. Agenda 21 como Base para a Conservação


O processo de construção da Agenda 21 de Paty do Alferes vem se
desenvolvendo a partir do ano de 2001, por meio de metodologias que visam a
participação da sociedade assim como a integração de diversos setores da sociedade,
rumo a construção de soluções para o atual modelo de desenvolvimento rural e urbano.
O estabelecimento de seu Fórum em 2001, reconhecido legalmente somente no
dia 14 de maio de 2002, e o esforço público na implantação de processos de educação
ambiental, como o projeto Água é Vida (Sec. de Educação) e os diversos eventos
promovidos pela Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente no período de 2001 a 2004,

1-22
iniciaram o processo de mobilização, capacitação e discussão em torno das questões
ambientais do município.
Para impulsionar o processo em construção, no ano de 2002 foi realizado o II
Fórum de Meio Ambiente de Paty do Alferes cujo tema foi a “A Agenda 21 e as Águas”
uma vez que já era perceptivo à sociedade os prejuízos causados ao município pelo
processo histórico de desenvolvimento. Neste mesmo ano um extenso período seco no
município, exaltando o problema do desabastecimento causado pela degradação do
ambiente, sensibilizou ainda mais a sociedade local. O Fórum contou com 152
participantes, e teve como principais resultados a afirmação do tema chave para a
agenda 21 do município (Água) e o fortalecimento do Fórum 21 de Paty como espaço de
articulação, planejamento e participação social.
Em 2003 a diretoria de meio ambiente, naquele período ainda como parte da
Secretaria Municipal de Agricultura, apoiada nas discussões emergente neste processo,
contrata uma consultoria para a realização dos estudos para a criação da primeira
unidade de conservação do município. Os resultados destes estudos embasaram o termo
de referencia para a criação e implementação da Área de proteção Ambiental de
Palmares o que posteriormente foi consolidado em decreto do executivo.
Por este caminho, verifica-se a importância do processo de discussão acerca da
realidade cotidiana, impulsionado pelo processo da Agenda 21 que até o momento vem
se consolidando como fundamental para o fortalecimento institucional e para a
efetivação de ações consensuadas em prol do desenvolvimento sustentável e da
restauração do ambiente de Paty do Alferes.

2. Marco Legal para a Conservação


A Área de Proteção Ambiental municipal de Palmares – APA PALMARES, em Paty
do Alferes – RJ, foi criada pelo decreto nº 1703 de 24 de novembro de 2003 (ANEXO 1).
Como ressaltado no histórico de consolidação legal das Áreas de Proteção um
extenso arcabouço legal foi desenvolvido nas diferentes esferas de governo, e deve ser
observado na gestão da unidade. Ema breve listagem busca-se ressaltar os principais
instrumento existentes:

a) Federais
- Constituição Federal
- Lei 6.902 de 27 de abril de 1981
- Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981
- Lei 9.795 de 27 de abril de 1999
- Lei 9.985 de 18 de julho de 2000
- Lei 10.257 de 10 de julho de 2001
- Decreto 99.274 de 06 de junho de 1990
- Decreto 88.351 de 01 de junho de 1993
- Resolução CONAMA nº 011 de 03/12/87
- Resolução CONAMA nº 010 de 14/12/88
- Resolução CONAMA nº 013 de 06/12/90
- Resolução CONAMA nº 010 de 01/10/93
- Resolução CONAMA nº 06 de 04/05/94
- Resolução CONAMA nº 302 de 20/04/2002
- Resolução CONAMA nº 303 de 20/04/2002

1-23
b) Estaduais
- Constituição Estadual

c) Municipais
- Lei Orgânica
- Lei de Diretrizes Urbanísticas
- LUPOS
- Código de Obras e Edificações
- Plano Diretor Municipal

1-24
BIBLIOGRAFIA

ARAÚJO, Marcos Antônio Reis. Unidades de Conservação no Brasil: da República a


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CÔRTE, Dione Angélica de Araújo. Planejamento e Gestão de APAs: enfoque


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MEDEIROS, Rodrigo. Evolução das Tipologias e Categorias de Áreas Protegidas no Brasil.


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PHILLIPS, A. A modern paradigm. Word Conservation, 2. p 6-7. 2003.

1-25
ANEXO 1 – Decreto de criação da APA PALMARES.

1-26
1-27
1-28
1-29

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