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ENSAIO

Do fetichismo da organização e da tecnologia ao


mimetismo tecnológico: os labirintos das fábricas
recuperadas

Maurício Sardá de Faria Henrique Tahan Novaes


Dep. de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Solidária DED/Senaes/MTE

Renato Dagnino
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Do fetichismo da organização e da tecnologia ao mimetismo tecnológico: os labirintos das fábricas


recuperadas
Resumo: Neste ensaio, examinam-se os fenômenos das fábricas recuperadas, da autogestão e das lutas sociais no capitalismo contemporâneo.
Inicia-se com um breve retrospecto histórico sobre esses temas para, em seguida, situar descritivamente as empresas recuperadas. O estudo
tem como foco a análise das formas variadas de controle dos trabalhadores sobre os instrumentos de trabalho, e a oportunidade que eles
apresentam para a autonomização das práticas coletivas de organização da classe. Uma de suas características inovadoras é a utilização do
campo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia para a análise dessas novas ‘relações sociais’, formas de controle e práticas de
organização. Este ensaio é uma confluência das reflexões de três pesquisadores preocupados com as experiências atuais e pretéritas dos
trabalhadores, onde o coletivismo e o igualitarismo apresentam-se como bases para a autogestão da produção e da vida social.
Palavras-chave: história da autogestão, fábricas recuperadas, tecnologia, autonomia.

From the Fetishism of Organization and Technology to Technological Mimicry: the Labyrinths of
Worker-Run Factories
Abstract: This paper examines the phenomenon of worker ‘recovered’ factories, self-management and social struggles in contemporary
capitalism. It begins with a brief historical retrospect of these issues and descriptively locates the recovered companies. The study
focuses on an analysis of various forms of worker control on the instruments of labor, and the opportunity that they present to make
autonomous the collective practices of class organization. One of the innovative characteristics of the article is the use of the field of the
Social Studies of Science and Technology to analyze these new ‘social relations’, forms of control and organizational practices. The
essay combines the reflections of three researchers concerned with the current and previous experiences of workers, where collectivism
and egalitarianism are bases for self-management of production and social life.
Key words: history of self-management, recovered factories, technology, autonomy.

Recebido em 30.10.2007. Aprovado em: 29.02.2008.

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Introdução ais da ocasião. Cenários de guerra, irrupções revolu-


cionárias e a ascensão do capitalismo transnacional
Este estudo resulta de uma reflexão sobre os fe- (durante os Trinta Gloriosos), crises econômicas e
nômenos das fábricas recuperadas, da autogestão e estruturais com respostas agressivas de corte
das lutas sociais no capitalismo contemporâneo, que neoliberal, são contextos onde se percebem formas
tem como elemento distintivo a consideração do as- de luta que enveredam pelo desenvolvimento de prá-
pecto cognitivo, ou, mais especificamente, ticas e relações sociais novas, coletivistas e
tecnológico, que é entendido por nós como um sério, igualitaristas. Cada momento de ascensão do ciclo
ainda que escassamente analisado, obstáculo para o das lutas sociais provoca na trajetória da autogestão
seu aprofundamento e a sua radicalização. um movimento espasmódico e em espiral ascenden-
Centra-se, fundamentalmente, na análise das for- te. É nossa percepção que essa trajetória traz dentro
mas variadas de controle dos trabalhadores sobre as de si a possibilidade de superação das relações soci-
condições e as relações de trabalho, e na tendência ais e do modo de produção capitalistas, e, também,
que esse controle possibilita para a autonomização dos limites que aquelas conjunturas de crise encer-
das práticas coletivas de organização da classe. ram para o avanço social.
Coerentemente com nossa preocupação com o A recorrência de tais momentos de irrupção das
aspecto cognitivo, procuramos adicionar uma pers- práticas autônomas, como formas novas de organi-
pectiva ainda ausente na trajetória das abordagens zação dos trabalhadores, caracteriza-se pela diversi-
recentes dessas novas relações sociais, formas de dade – em termos de temporalidade e intensidade –
controle e práticas de organização: a dos Estudos e pela sua ocorrência em espaços geográficos e na-
Sociais da Ciência e da Tecnologia. Dessa forma, cionalidades distintas. O que, permite (e ao mesmo
esperamos estar sugerindo caminhos para tratar de tempo obriga) uma crítica atenta às experiências
questões essenciais, ainda insuficientemente aborda- autogestionárias dos dias de hoje. É urgente, para
das pelos estudiosos do tema: a inadequação do dizer de forma clara, a necessidade de que sejam
substrato tecnocientífico, conformado no âmbito do observadas e rigorosamente avaliadas as
capitalismo, àquela tendência de autonomização das potencialidades das experiências atuais no campo da
práticas coletivas de organização; e – debruçando- economia solidária. Até que ponto elas apresentam
se sobre um objeto de grande atualidade – a nature- de fato soluções novas aos antigos e conhecidos pro-
za econômica, tecnológica, social e política do fenô- blemas do mercado, da tecnologia, da relação com o
meno das fábricas recuperadas e dos empreendimen- Estado que enfrentam os trabalhadores é um ponto
tos com características autogestionárias. que, ainda que de forma exploratória, procuraremos
A análise oferece uma perspectiva histórica ba- abordar mais adiante.
seada numa revisão da literatura a respeito das lutas Nossa retrospectiva, que procura resgatar a cultu-
sociais nas empresas em crise, dos problemas que ra produtiva e autogestionária dos envolvidos direta-
envolvem a autogestão das unidades produtivas e das mente nas experiências e a elaboração conceitual que
possibilidades que elas apresentam para a transfor- realizam das suas práticas, ressalta como marco inici-
mação do processo de produção da vida material e al a revolta de 1839-1842 dos tecelões de Lion, na
social. E constata que, no âmbito das fábricas recu- época uma importante cidade industrial francesa. Nesse
peradas, a transformação das condições de trabalho primeiro esboço contemporâneo da autogestão como
demanda outra direção social e política, como fruto forma de luta dos trabalhadores, os mestres tecelões
do próprio processo de auto-organização, da da seda declararam que “valia mais morrer de uma
desalienação e da emancipação dos trabalhadores. bala do que de fome” e tomaram a cidade por várias
Essa transformação, além de precisar ser realizada semanas, cunhando a divisa “viver trabalhando ou
pelas suas próprias mãos, terá que estar baseada num morrer combatendo.” Os canuts, como eram conhe-
substrato cognitivo alternativo ao produzido no âmbi- cidos, foram precursores da insígnia do “direito ao tra-
to das relações sociais tipicamente capitalistas, que balho”, cunhada na vaga revolucionária de 1848 (RUDE,
emolduram as suas lutas. 1982; MOISSONNIER, 1988). Durante aquela década,
e para além das reivindicações objetivas, que
aglutinaram os trabalhadores em torno da luta direta, o
Um breve histórico das lutas sociais pela que esteve em questão foi a inserção dos operários
autonomia nas unidades de produção do nascente capitalismo in-
dustrial francês. Os trabalhadores reivindicavam o di-
As iniciativas autogestionárias de luta e de produ- reito de participar na organização dos processos de
ção dos meios de vida deixam um rastro histórico produção da vida material e social. A começar pelo
desde há pelo menos dois séculos. Neste percurso, seu direito de organizar seu próprio trabalho, e do di-
apresentam formas institucionais e de organização reito de fazê-lo de forma distinta daquela que pregava
variadas, submetidas às condições materiais e soci- a ideologia industrial-burguesa (MEISTER, 1972).

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Nesse período, e durante todo o Século 19, as proposta associativa passou a desempenhar o papel
associações e cooperativas figuraram entre as prin- de preparar os trabalhadores para a vida coletiva, le-
cipais formas de organização e de resistência dos vando-os a assumir a produção das condições materi-
trabalhadores ao processo de expansão mundial do ais de existência. Essa estratégia atinge um ponto cul-
capitalismo. De fato, até a Comuna de Paris, em minante na Comuna de Paris (1871), quando a associ-
1871, a associação foi o princípio articulador de rela- ação projetou-se como forma organizativa para o con-
ções sociais igualitárias, coletivistas e democráticas junto da sociedade, pelo menos naqueles poucos dias
dos trabalhadores. Princípio este que se espalhou pelos em que se tentou ‘tomar o céu de assalto’.
vários dos países que então formavam a Europa. A derrota da Comuna e a diáspora operária abri-
Esse princípio articulador associativista assegu- ram o caminho para um deslocamento ideológico e
rava, por um lado, o caráter orgânico da instituição político que se verificou no seio do movimento socia-
operária e, por outro, a efeti- lista internacional. Se a asso-
vação de laços de solidarie- ciação dos produtores imedi-
dade com as comunidades de ... a pedagogia das lutas dos atos, forjada por seus própri-
interesse, das quais os traba- os meios, era a condição fun-
lhadores eram também agen- trabalhadores contém sempre damental para a realização
tes ativos. Por isso, ele assu- prática do socialismo, o mas-
miu o que, aos olhos de hoje,
uma dimensão organizativa, sacre da Comuna e a diás-
pode ser entendido como uma unificando os trabalhadores pora dos socialistas franceses
dupla função. A associação abriram o caminho para uma
parecia ‘fundir’ duas funções para a superação da explora- reinterpretação das tarefas
- ou vertentes - que só poste- prementes da classe operá-
riormente foram divididas: a ção e do próprio ria e da estratégia política no
organização para a produção interior da Segunda Interna-
dos meios de vida, especial- assalariamento. cional. A auto-organização
mente através das diversas dos trabalhadores, através do
formas de cooperativismo (no princípio associativo (coope-
início, principalmente, de produção, consumo e cré- rativo) em múltiplos campos da vida social, perde ter-
dito); e a resistência coletiva e política à implantação reno e rivaliza com a tese da necessidade de organi-
do capitalismo que se imiscuía em todas as esferas zação do partido da classe operária, tendo em vista a
da vida social. conquista do poder político (DESROCHE, 1981)
Essas formas associativas de produção, ao substi- No limiar do século 20, o desenvolvimento das
tuírem a competição entre os trabalhadores pela soli- estruturas e das relações sociais de produção capita-
dariedade, e a fragmentação pelo coletivismo, reve- listas passou a dificultar de forma significativa a ex-
lam um processo de auto-organização que era já en- pansão do setor cooperativo de base operária. Coad-
tendido no seu duplo aspecto de meio e de fim. A juvantes nesse processo foram a concentração de
autogestão das suas lutas era compreendida pelos tra- capitais, a expansão dos monopólios e a difusão das
balhadores, então, como indissociável da autogestão novas tecnologias e das novas técnicas de gestão
da produção e da vida social. Por isso a pedagogia das ensejadas pelo capital na fabricação de mercadori-
lutas dos trabalhadores contém sempre uma dimen- as. Isto contribuiu para o abandono das práticas coo-
são organizativa, unificando os trabalhadores para a perativas e do princípio associativo, motivando seu
superação da exploração e do próprio assalariamento. enfraquecimento como objetivo estratégico no interi-
Neste período, a associação, como primeira for- or do movimento operário internacional. Passaram a
ma assumida pela autogestão, era como que o princí- ganhar terreno as formas organizativas inspiradas na
pio e o meio para a superação das relações social-democracia alemã no plano parlamentar e no
concorrenciais e individualizantes do capitalismo no trade-union inglês no campo da regulamentação das
interior das unidades de produção, da sociedade, do condições de trabalho (FARIA, 2005).
Estado. E, também, para além das fronteiras de cada A despeito das implicações políticas dessa virada
país. Não é por acaso, neste aspecto, que anos de- organizativa, os trabalhadores persistem na defesa
pois a primeira forma de organização internacional das formas autônomas de organização das suas lutas
dos trabalhadores recebesse o nome de Associação no interior das unidades produtivas. Conjunturas de
Internacional dos Trabalhadores (BRUHAT, 1952) ruptura revolucionária ou de acirramento das contra-
A partir de então, a autogestão passou a estar pre- dições entre as classes possuem a capacidade de jun-
sente no horizonte da luta de classes, nas organiza- tar, ainda que momentaneamente e com pesos dife-
ções e nos conflitos mediante os quais os trabalhado- rentes, aquelas duas vertentes da prática associativa.
res tentam romper com a disciplina e a fragmentação Diante da fuga dos patrões ou quando estes são
que fundamentam as relações sociais capitalistas. A desalojados do controle das unidades produtivas, os

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trabalhadores se vêem frente à necessidade de reto- De fato, a história do movimento associativista


mar a produção dos seus meios de vida por sua pró- mostra que as estruturas coletivas de gestão, criadas
pria conta. Nada mais eficaz, quando isso ocorre, do em conjunturas de acirramento das contradições so-
que a ocupação das instalações, como aconteceu na ciais e no bojo da luta dos trabalhadores, tendem a se
Comuna de Paris, na Revolução Russa e na Guerra desarticular e desaparecer em períodos de descenso
Civil Espanhola. E, mais recentemente, durante a do movimento operário. Mostra, também, que a ‘nor-
greve geral de 1968 na França e nas ocupações das malidade democrática’ tende a levar a uma separa-
empresas que se seguiram até 1974; no Chile, nos ção entre os que decidem sem produzir e os que pro-
três anos que durou o governo Allende; em Portugal, duzem sem decidir acerca dos aspectos essenciais
na Revolução dos Cravos, de 1974 a 1976; no Brasil, da produção, da organização e do ritmo do processo
nas comissões de fábricas da década de 1970 e 19801. de trabalho e da tecnologia adotada ou a ser
E, na atualidade, nas fábricas recuperadas do Brasil, reprojetada. E que, no limite, esse processo pode le-
da Argentina, do Uruguai, da Venezuela ...2. var os trabalhadores a desconhecer a própria
No Brasil, o debate sobre a autogestão e as for- destinação do produto do seu trabalho.
mas autônomas de organização dos trabalhadores,
merece destaque a obra de Maurício Tragtenberg,
para quem a autogestão é condição essencial para a Trazendo essas questões para o caso das
perspectiva socialista. De maneira qualificada e in- fábricas recuperadas
sistente, ele refutou tanto as teses estatizantes quan-
to as social-democratas. Ou seja, tanto a ditadura do As experiências brasileiras no campo da econo-
partido em nome dos trabalhadores, quanto a do mer- mia solidária ganharam terreno a partir dos anos 1990,
cado da democracia capitalista sobre os trabalhado- numa conjuntura defensiva do movimento dos traba-
res. Seja qual for a situação, alertou sempre lhadores. De fato, as fábricas recuperadas, coopera-
Tragtenberg para as origens da burocratização das tivas e associações de trabalhadores surgiram na
instituições de luta, originalmente autônomas, da clas- contramão do intenso processo de desestruturação e
se trabalhadora, como os sindicatos, as comissões, o precarização do trabalho, cujo ritmo passou a ser di-
partido (TRAGTENBERG, 1986). tado pela voracidade capitalista na sua vertente
No centro dos constrangimentos estruturais que neoliberal de financeirização, abertura comercial,
levam ao estreitamento do horizonte das lutas autô- aperto fiscal e enxugamento do Estado. Nessa con-
nomas dos trabalhadores no capitalismo, que trans- juntura, algo que não era mais do que uma série de
formam seus objetivos e funções coletivistas e igua- experiências isoladas ganha fôlego, tendo como pal-
litárias em formas assimiláveis pelo sistema, revela- co as unidades produtivas em crise, especialmente
se a ação de um novo segmento da classe social ca- as empresas familiares falidas. Surge uma perspecti-
pitalista, identificado sob noves variados, como va nova que apontava para a possibilidade real da
gestores, burocratas, tecnocratas, ‘ornitorrincos’.... propriedade coletiva dos meios de produção. Além
Entender como pensa e atua esse novo segmento disso, é importante destacar, essas experiências pas-
é crucial para avaliar a situação atual e as perspecti- saram a reivindicar para si (e a assumir) o sentido do
vas da luta dos trabalhadores no interior das unida- associativismo e da autogestão.
des de produção. Por seu intermédio se difunde um Não obstante, observa-se atualmente que muitas
mecanismo de encilhamento dos horizontes das fá- das experiências latino-americanas no âmbito do
bricas recuperadas nos limites do mercado, da movimento das cooperativas e das fábricas recupe-
tecnologia capitalista e do Estado, que por sua vez radas se encontram hoje envolvidas num processo
exigem e reforçam a necessidade a presença de uma de assimilação à ordem capitalista3. Processo que
categoria-função determinada. Nesses processos, um possui suas origens tanto nos limites internos ao pró-
dos mecanismos centrais reside na identificação, sem- prio movimento, como na necessidade de produzir
pre reducionista e apressada, da autogestão com a para os circuitos de acumulação do mercado capita-
apropriação coletiva dos meios de produção pelos lista (inclusive para o mercado suntuoso das elites).
trabalhadores. Sugere-se, de forma mais ou menos Ou ainda, nos limites que decorrem das ações de um
consciente, que a modificação das relações de pro- aparelho de Estado que, apesar de estar ocupado por
priedade garanta por si só a adoção de formas governos simpáticos ao movimento, segue adotando
autogestionárias de organização da produção, políticas públicas (referentes ao crédito, às compras
comercialização ou consumo pelos trabalhadores. E governamentais) cujo ajuste desfigura a dinâmica
que elas poderiam assim assumir características so- impulsionada por aqueles empreendimentos. E que
ciais, solidárias ou socialistas, quando na verdade ten- tende a submetê-los às práticas usuais do mercado
dência é a de que surja um novo tipo de separação que favorecem o grande capital.
entre dirigentes e dirigidos, fracamente condiciona- O que se observa é um isolamento entre os empre-
da à propriedade dos meios de produção. endimentos em autogestão. E a não-constituição de

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encadeamentos produtivos, para frente ou para trás, capazes de torná-los ‘competitivos’4. Quem faz re-
que permitam a essas experiências um apartamento comendações dessa natureza entende que só resta
das relações com o mercado ou, pelo menos, um ‘re- às fábricas recuperadas imitar a tecnologia (incluin-
tardamento’ de sua captura pelas cadeias produtivas do aí a organização do processo de trabalho) das
dominadas pelo capital. Amplifica essa tendência um empresas convencionais.
quadro geral que se mantém marcado pelo avanço das Nossa visão se contrapõe à da maioria dos partidá-
forças conservadoras e das políticas de ajuste rios da economia solidária – autores com os quais te-
neoliberal, aplicadas vorazmente nos países periféri- mos dialogado que acreditam que a tecnologia conven-
cos, contra as quais os movimentos sociais mais não cional, engendrada sob a égide das relações sociais de
têm conseguido que impor medidas defensivas. produção capitalistas para atender à lógica de acumula-
As imposições e restrições do Estado em relação ção das grandes empresas, pode ser ‘usada’ sem signi-
à compra de produtos e à contratação de serviços ficativas modificações nos empreendimentos com ca-
das empresas recuperadas pelos trabalhadores, e o racterísticas autogestionárias (NOVAES, 2007b).
estímulo que oferece à aquisição de uma tecnologia Se o debate sobre a economia solidária tem avan-
convencional inadequada (embutida ou não em má- çado significativamente na crítica à organização do
quinas, equipamentos e insumos produtivos), prejudi- processo de trabalho capitalista (orgware), o mesmo
cam a sustentabilidade econômica dos empreendi- não ocorre em relação à tecnologia de tipo hardware.
mentos solidários e a alteração da divisão do traba- De forma geral, uma vez que aqueles autores não
lho capitalista. poderiam ser aqui melhor apresentados, cabe sinteti-
No plano técnico-administrativo interno aos em- zar sua visão dizendo que ela incorpora um elemento
preendimentos, essas imposições dificultam a orien- cognitivo (ou, mais especificamente, tecnocientífico)
tação autogestionária em função da tendência à sua ainda não contemplado. Por um lado, há que se veri-
acomodação às normas e formas usuais previstas nos ficar em que medida as máquinas criadas num con-
manuais e reconhecidas institucionalmente. Práticas texto capitalista, heterogestionário, com o propósito
distópicas e contraproducentes (como a da elabora- de acumular capital, podem ser ‘reprojetadas’ tendo
ção de um ‘plano de negócio’) são freqüentemente em vista a produção de valores de uso, a autogestão
adotadas, muitas vezes com a melhor das intenções, e o desenvolvimento intelectual dos ‘produtores as-
por ONGs e órgãos públicos. sociados’5. Adicionalmente, os pesquisadores e mili-
Tudo isso faz com que, muitas vezes, o subsídio tantes da economia solidária parecem não perceber
governamental especificamente destinado a esses que o conhecimento produzido para a promoção da
empreendimentos (como os de catadores de material heterogestão não pode ser adaptado para outros fins,
reciclável), ou proporcionado aos excluídos mediante cabendo então a necessidade de uma nova rota de
os programas compensatórios que visam à ‘inclusão pesquisa e desenvolvimento de produtos, máquinas e
social’, seja apropriado como trabalho não pago pelos processos adequados à promoção da autogestão.
‘atravessadores’. E, em parte, repassado ao circuito A partir de uma visão crítica sobre a base cognitiva
formal de geração e apropriação de excedente da eco- do modo de produção capitalista, temos explicado o
nomia, o qual não consideraria atrativa a compra dos porquê da persistência do caráter fetichizado da
produtos desses empreendimentos caso aqueles tives- tecnologia nas fábricas recuperadas e, de maneira geral,
sem os encargos sociais e o salário, que a legislação nas experiências no campo da economia solidária.
em vigor prevê, incorporado ao seu preço. Como uma forma de superar essa visão ainda
Aliás, nunca é demais lembrar que as áreas onde dominante, formulamos a proposta da Adequação
se localizam esses empreendimentos só não são ocu- Sociotécnica (AST), que parte do reconhecimento
padas pelas empresas privadas porque sua taxa de da inadequação da tecnologia concebida e aplica-
lucro se situa bem abaixo da média da economia. É da pela e para a empresa capitalista aos princípi-
sua baixa rentabilidade que torna essas áreas passiveis os, valores e interesses do movimento cuja traje-
de serem por eles exploradas. tória aqui mostramos. Baseada nos estudos sobre
No âmbito do campo denominado de economia aprendizagem técnico-econômica latino-america-
solidária, do qual participam no Brasil a maioria das nos, e na visão de autores marxistas contemporâ-
experiências de empresas recuperadas, o debate, neos – que, revisitando o enfoque da construção
sobre o que nos parece ser uma das questões funda- social da tecnologia6, argumentam no sentido con-
mentais, o da sobrevivência dos empreendimentos trário às concepções da neutralidade de ciência e
com características autogestionárias e da constitui- do determinismo tecnológico – a proposta da Ade-
ção de encadeamentos produtivos que permitam seu quação Sociotécnica oferece um instrumental útil
fortalecimento, pouco tem avançado. Quando abor- para a análise e proposição de alternativas ao que
dado, ele é frequentemente ‘encerrado’ com a reco- temos denominado Tecnologia Convencional
mendação de que esses empreendimentos devem (DAGNINO, 2001; DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES,
‘modernizar-se’, incorporando as novas tecnologias 2004, NOVAES, 2007b).

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A proposta da AST busca interlocução com a c) em hardware, relacionam-se à aquisição de


corrente principal do marxismo, que ainda acredita maquinário, às adaptações e ao
que as forças produtivas seguem um caminho linear repotenciamento (NOVAES, 2007b).
e inexorável e que podem ser ‘usadas’ para outros Ao mesmo tempo, as fábricas recuperadas ob-
fins caso sejam ‘apropriadas’ pelos trabalhadores servadas, embora tenham promovido processos de
(DAGNINO; NOVAES, 2007). E o faz oferecendo AST, parecem encontrar obstáculos devido:
parâmetros para a desconstrução/reconstrução de a) à naturalização da organização do processo de
artefatos tecnológicos que são, além de adequados, trabalho pelos cooperados;
indispensáveis ao crescimento e à radicalização do b) ao fetiche da tecnologia, que leva a que se acre-
movimento associativista e da autogestão. dite que a última tecnologia é sempre a melhor
Numa dimensão situada no nível da policy, a pro- e se ignore seu caráter relacional (NOVAES;
posta da AST é uma proposta de trabalho conjunto DAGNINO, 2004);
que fazemos à comunidade de pesquisa de esquerda, c) ao tempo necessário para uma transformação
preocupada com a exclusão social, para que busque significativa das forças produtivas e da forma
perceber e atender as demandas cognitivas que a de repartição do excedente;
inclusão social coloca. Para que passe a questionar a d) aos constrangimentos impostos pelo ‘merca-
idéia de que a solução para a exclusão social dar-se- do’ capitalista e
á no terreno puramente político, como se não existis- e) ao momento extremamente defensivo enfren-
se também um componente tecnológico (e mesmo tado pela classe trabalhadora, caracterizado
científico) a ser satisfeito. E para que entenda que pela perda de direitos trabalhistas, fragmenta-
cabe a ela, enquanto parte da comunidade de pesqui- ção das lutas e hiperexploração do trabalho
sa, atender às demandas dos movimentos sociais. A (NOVAES, 2007a).
proposta da AST pode facilitar a emergência no inte-
rior da comunidade de pesquisa de um segmento ca-
paz de incorporar as demandas cognitivas dos movi- Considerações finais
mentos sociais à sua agenda de pesquisa7.
Ainda nessa acepção, acreditamos que a AST, Um fenômeno instigante ocorre quando os traba-
por seu caráter de ‘ponte’ entre a crítica das forças lhadores, na luta pelos seus interesses materiais e
produtivas na sociedade capitalista e a possibilidade sociais, criam instituições novas, com sentidos anta-
de desconstrução e construção da tecnologia num gônicos àqueles que orientam a organização do pro-
sentido desejado, é um estribo que os movimentos cesso de trabalho e o substrato tecnológico que o
sociais poderão utilizar para ‘pressionar’ a comuni- impulsiona. Contrariamente ao individualismo e a frag-
dade científica e o governo a conformar uma nova mentação, os trabalhadores experimentam, nesses
agenda de política científica e tecnológica (DAGNINO, processos de luta, relações calçadas no coletivismo
2004, 2007). e na solidariedade. Desde os canuts lioneses que os
Novaes (2007b), em sua pesquisa sobre oito fá- trabalhadores recolocam a questão do ‘direito ao tra-
bricas recuperadas situadas no Brasil, na Argentina balho’, como possibilidade de serem eles próprios os
e no Uruguai, aponta que três delas apresentaram organizadores do processo de trabalho segundo seus
processos significativos de AST. Apesar de estarem princípios coletivamente construídos.
inseridas no sistema produtor de mercadorias e ten- Em que pese o caráter cada vez mais amplo que
derem a reproduzir as relações de trabalho herda- assumem as lutas pela autogestão das unidades pro-
das, foi constatado que elas foram capazes de dutivas, é recorrente a constatação de que são ainda
incursionar em três das sete modalidades8 de AST escassas as tentativas de reorganização cognitiva dos
que nossa tipologia propõe. Essas três modalidades: processos de trabalho, ou que enfrentam decisivamente
a) em software, são mudanças de natureza cul- o componente tecnológico herdado ou existente. Nes-
tural ligadas à repartição do excedente, isto é, sa medida, a comunidade de pesquisa deve se sentir
retiradas (antigos salários) mais próximas ou provocada a desenvolver, junto com os trabalhadores
igualitárias, fundos (sobras de fim de ano) igua- das experiências de fábricas recuperadas, um novo
litários ou proporcionais, adequação parcial da substrato cognitivo alternativo e adequado ao desen-
fábrica aos interesses dos trabalhadores volvimento das relações sociais capitalistas.
(melhoria dos refeitórios, eventos culturais na Cabe, no entanto, a ressalva metodológica de que
fábrica...), apropriação do conhecimento do a observação das fábricas recuperadas não compor-
processo produtivo sem modificação da divi- ta análises maniqueístas. Deve-se mostrar os avan-
são do trabalho; ços e retrocessos que ocorrem no âmbito das mes-
b) em orgware, é a apropriação do conhecimen- mas e se referir às formas possíveis de transforma-
to do processo produtivo com modificação da ção de um mesmo fenômeno. No entanto, é preciso
divisão do trabalho e reconhecer que embora significativa, a transforma-

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ção na forma de propriedade dos meios de produção JR. et al. Tecnologia social – uma estratégia para o
não tem possibilitado, freqüentemente, que se avan- desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do
ce até a superação da substância da exploração e da Brasil, 2004. p. 15 a 64.
opressão de classe que são inerentes às relações
sociais de produção capitalistas. DESROCHE, H. Pratique coopérative et parti ouvrier (1876-
Tanto para as fábricas recuperadas como para o 1879). In: ______. Solidatirés ouvrières. Tome I – Sociétaires
conjunto de experiências de economia solidária, a et compagnons dans les associations coopératives (1831-
questão de fundo por nós abordada é a do destino 1900). Paris: Les Editions Ouvrières, 1981, p. 99-123.
das experiências de organização coletiva e
autogestionária, seja de uma fábrica, de uma cidade FAJN, G. et al. Fábricas y empresas recuperadas – protesta
ou um país. Trata-se, enfim, de saber se as experi- social, autogestión y rupturas en la subjetividad. Buenos
ências em vigência podem constituir pontos de apoio Aires: Ediciones del Insituto Movilizador de Fondos
para movimentos emancipatórios de organização da Cooperativos, 2003.
produção dos meios de vida. Se superam o trabalho
assalariado, se dão forma ao trabalho consciente, li- FARIA, M. S. de. ...Se a coisa é por aí, que autogestão é
vre, prazeroso, se aprofundam ou radicalizam a de- essa ...? Um estudo da experiência ‘autogestionária’ dos
mocracia nos locais de trabalho e na sociedade. trabalhadores da Makerli Calçados. Dissertação (Mestrado
em Administração) – Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), Florianópolis, 1997.
Referências
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130 Maurício Sardá de Faria, Renato Dagnino e Henrique Tahan Novaes

_______. O Fetiche da tecnologia – a experiência das 7 Sobre este tema, ver Dagnino, Brandão e Novaes (2004),
fábricas recuperadas. São Paulo: Expressão Popular, 2007b. Novaes (2006), relatório de pesquisa (em andamento) sobre
a relação da universidade com as fábricas recuperadas na
______.; DAGNINO, R. O fetiche da tecnologia. Revista Argentina, Brasil e Venezuela.
Organizações & Democracia, Marília, v. 5, n. 2, p. 189-
210, dez. 2004. 8 As sete modalidades são as seguintes relacionadas. 1)
Uso: o simples uso da tecnologia (máquinas, equipamentos,
ODA, N. T. Gestão e trabalho em cooperativas de formas de organização do processo de trabalho etc.) antes
produção: dilemas e alternativas à participação. empregada (no caso de cooperativas que sucederam a
Dissertação (Mestrado em Engenharia) – Universidade de empresas falidas), ou a adoção de tecnologia convencional,
São Paulo (USP), Escola Politécnica, São Paulo, 2001. com a condição de que se altere a forma como se reparte o
excedente gerado, é percebida como suficiente. 2)
RUDE, F. Les revoltes des canuts (novembre 1831 – avril Apropriação: entendida como um processo que tem como
1834). Paris: Fançois Maspero, 1982. condição a propriedade coletiva dos meios de produção
(máquinas, equipamentos), ela implica uma ampliação do
RUGGERI, A.; MARTÍNEZ, C.; TRINCHERO, H. Las conhecimento, por parte do trabalhador, dos aspectos
empresas recuperadas em la Argentina. Buenos Aires: produtivos (fases de produção, cadeia produtiva...),
Facultad de Filosofia y Letras, 2005. gerenciais e de concepção dos produtos e processos, sem
que exista qualquer modificação no uso concreto que deles
TRAGTENBERG, M. Reflexões sobre socialismo. São se faz. 3) Ajuste do processo de trabalho: implica a
Paulo: Moderna, 1986. adaptação da organização do processo trabalho à forma de
propriedade coletiva dos meios de produção (pré-existentes
VIEITEZ, C.; DAL RI, N. Trabalho associado. Rio de ou convencionais), o questionamento da divisão técnica
Janeiro: DP&A, 2001. do trabalho e a adoção progressiva da autogestão. 4)
Revitalização ou repotenciamento das máquinas e
______.; ______. A fábrica recuperada Zanon – Cooperativa equipamentos: significa não só o aumento da vida útil das
Fasinpat. Revista Organizações & Democracia, Marília: máquinas e equipamentos, mas também ajustes,
Editora da Unesp, n. 7, p. 183-196, 2006. recondicionamento e a revitalização do maquinário. Supõe
ainda a fertilização das tecnologias antigas com
componentes novos. 5) Alternativas tecnológicas: implica
Notas a percepção de que as modalidades anteriores, inclusive a
do ajuste do processo de trabalho, não são suficientes
1 Para maiores detalhes sobre estes temas, ver Bernardo (1986) para dar conta das demandas por AST dos
e Tragtenberg (1986). empreendimentos autogestionários, sendo necessário o
emprego de tecnologias alternativas à convencional. A
2 Sobre as fábricas recuperadas na Argentina e no Uruguai, ver atividade decorrente desta modalidade é a busca e seleção
Ruggeri, Martínez e Trinchero. (2005), Fajn et al. (2003), Novaes de tecnologias existentes. 6) Incorporação de conhecimento
(2005),Vieitez e Dal Ri (2006). Para o casoVenezuelano, Moreno científico-tecnológico existente: resulta do esgotamento
e Sanabria (2007). Para o caso brasileiro, ver também Faria do processo sistemático de busca de tecnologias
(1997), Oda; Holzmann;Vieitez, Dal Ri (2001) e Cruz (2006). alternativas e na percepção de que é necessária a
incorporação à produção de conhecimento científico-
3 Ver, por exemplo, Faria (2005), Novaes (2005, 2007a e b). tecnológico existente (intangível, não embutido nos meios
de produção), ou o desenvolvimento, a partir dele, de novos
4 Sobre os limites e a inviabilidade desta ‘estratégia’, ver processos produtivos ou meios de produção, para
Dagnino (1998, 2002, 2004). satisfazer as demandas por AST. Atividades associadas a
esta modalidade são processos de inovação de tipo
5 Em inúmeras fábricas que estivemos, o problema da tecnologia incremental, isolados ou em conjunto com centros de P&D
hardware não aparecia nem para os pesquisadores e ou universidades. 7) Incorporação de conhecimento
raramente para os trabalhadores. Para as entidades de governo científico-tecnológico novo: resulta do esgotamento do
que subvencionam as fábricas recuperadas, há que ‘dar’ ou processo de inovação incremental em função da inexistência
financiar a aquisição da tecnologia mais ‘nova’ do mercado. de conhecimento suscetível de ser incorporado a processos
ou meios de produção para atender às demandas por AST.
6 A AST pode ser entendida como um processo inverso ao da Atividades associadas a esta modalidade são processos
construção sociotécnica, em que um artefato tecnológico de inovação de tipo radical que tendem a demandar o
sofreria um processo de desconstrução e reconstrução a partir concurso de centros de P&D ou universidades e que
de valores e interesses de grupos sociais relevantes, distintos implicam na exploração da fronteira do conhecimento.
daqueles que originalmente participaram de sua construção.

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Do fetichismo da organização e da tecnologia ao mimetismo tecnológico: os labirintos das fábricas recuperadas 131

Maurício Sardá de Faria


Doutor em Sociologia Política pela Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC)
Coordenador Geral de Promoção e Divulgação do
Dep. de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacio-
nal de Economia Solidária DED/SENAES/MTE
Esplanada dos Ministérios
Bloco F, sala 347
Brasília – Distrito Federal
CEP: 70059-900

Renato Dagnino
Doutor em Economia pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp)
Professor Titular do Depatamento de Política Cientí-
fica e Tecnológica da Unicamp

Henrique Tahan Novaes


Doutorando em Política Científica e Tecnológica na
Unicamp
Orientador: Renato Dagnino

Unicamp - Instituto de Geociências


Caixa Postal 6152
Rua João Pandiá Calógeras 151
Campinas – São Paulo
CEP: 13083-970

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