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ANEXO 12

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 003.771/2014-8

GRUPO I CLASSE VII Plenário


TC nº 003.771/2014-8.
Natureza: Representação.
Órgão: Ministério da Saúde.
Representantes: Deputados Federais José Mendonça
Bezerra Filho, Luiz Henrique Mandetta e Ronaldo
Ramos Caiado.
Representação legal: não há

SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. PROGRAMA


MAIS MÉDICOS. PEDIDO DE MEDIDA
CAUTELAR. CAUTELAR INDEFERIDA TENDO
EM VISTA A INEXISTÊNCIA DOS RESPECTIVOS
REQUISITOS. CONHECIMENTO DA
REPRESENTAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE
JULGAMENTO DE QUESTÕES TRATADAS
NESTA REPRESENTAÇÃO PELO TCU. IMPACTO
NESTE PROCESSO. JULGAMENTO DE ADIs PELO
STF. LEI DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS
JULGADA CONSTITUCIONAL. SUPOSTAS
IRREGULARIDADES AFASTADAS. NÃO
PROCEDÊNCIA DESTA REPRESENTAÇÃO.
ARQUIVAMENTO.

RELATÓRIO

Cuidam os autos de representação, com pedido de medida cautelar, a respeito de possíveis


irregularidades relacionadas ao objeto da Medida Provisória nº 621/2013, de 8/7/2013, posteriormente
convertida na Lei nº 12.871, de 23/10/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos , quanto à
execução do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Governo
Brasileiro e pela Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS, visando à implementação do
Projeto Ampliação do acesso da população brasileira à atenção básica em saúde (peça 39, p. 50 a 58
e peça 60, p. 21).
2. Nesta representação (peça 1), foram apontadas as seguintes supostas irregularidades:
a) não caracterização do programa em comento como uma atividade de ensino, pesquisa e
extensão, uma vez que estaria ocorrendo a oferta de serviços médicos estrangeiros para resolver a
carência de médicos brasileiros, a despeito de a Lei nº 12.871/2013 estabelecer que o objeto do Projeto
Mais Médicos para o Brasil é a oferta de curso de especialização na modalidade de ensino, pesquisa e
extensão. Por via de consequência, estaria havendo a arregimentação de força de trabalho, o que pode
caracterizar vínculo empregatício;
b) tratamento desigual indevido dos profissionais cubanos em relação aos naturais de
outros países;
c) discrepância entre os dispêndios do governo brasileiro e a remuneração paga a título de
bolsa para os profissionais de origem cubana;
d) existência de restrição às liberdades individuais dos profissionais cubanos integrantes
do programa em foco;

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e) participação de empresa cubana na intermediação da contratação dos profissionais


daquele país, o que alegadamente desvirtua os objetivos dos projetos de cooperação técnica
internacional e viola as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional
Multilateral e Bilateral, da Agência Brasileira de Cooperação - ABC (peça 1, p. 4 a 8). Afinal, a
atuação da Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. -CSMC,
caracteriza um desvio de finalidade e uma subcontratação irregular, pois os instrumentos de
cooperação internacional pressupõem a prestação de consultorias com o objetivo de transferência de
know-how para a promoção de mudanças qualitativas na área que se pretende desenvolver. Diante
disso, os representantes solicitaram que esta Corte examinasse se houve a efetiva transferência de
know-how e a consequente agregação de conhecimento para o setor de saúde brasileiro.
3. Os representantes apresentaram os seguintes documentos:
a) representação com pedido de cautelar para que o Governo Brasileiro se abstenha de
realizar novos desembolsos para a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), com vistas a evitar
prejuízos para o erário (peça 1, p. 1 a 10);
b) contrato individual para la prestación de servicios profesionales y tecnicos en el
exterior, firmado pela Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos
S.A (CSMC) e pela Sra. Ramona Matos Rodrigues, médica cubana participante do programa em tela
(peça 1, p. 11 a 21);
c) Inquérito Civil nº 707/2013, instaurado pela Coordenadoria da Defesa dos Interesses
Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região
(peça 1, p. 17 a 21).
4. Após analisar estes autos, o auditor salientou que:
a) a presente representação preenche os requisitos de admissibilidade constantes do art.
235 do Regimento Interno do TCU, haja vista que determinados aspectos da matéria em foco são de
competência do Tribunal;
b) ademais, existem aspectos dessa matéria que, ainda que não estejam no âmbito da
competência constitucional e legal atribuída ao TCU, acarretam evidentes riscos à continuidade do
Programa Mais Médicos e aos respectivos recursos públicos. Logo, devem ser consignados na presente
instrução;
c) esta representação refere-se a responsável sujeito à jurisdição desta Corte de Contas, está
redigida em linguagem clara e objetiva, contém nome e qualificação dos representantes e apresenta
indício concernente à irregularidade ou ilegalidade. Além disso, os deputados federais possuem
legitimidade para representar ao Tribunal, consoante disposto no inciso III do art. 237 do Regimento
Interno do TCU; e
d) dessa forma, a presente representação pode ser apurada, para verificar sua procedência,
nos termos do art. 234, § 2º, segunda parte, do Regimento Interno do TCU.
5. Quanto ao pedido de cautelar, o auditor frisou que:
a) os representantes solicitaram a concessão de medida cautelar para que o governo
brasileiro se abstenha de realizar novos desembolsos para a Organização Pan-Americana de Saúde por
intermédio do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação, com vistas a evitar prejuízos para o
erário;
b) consoante disposto no art. 276 do Regimento Interno do TCU, o Relator poderá, em
caso de urgência, fundado receio de grave lesão ao erário ou ao interesse público ou risco de ineficácia
da decisão de mérito, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, determinando a
suspensão do procedimento impugnado até que o Tribunal julgue o mérito da questão. Tal providência
deverá ser adotada quando presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora;
c) o fumus boni iuris é uma expressão latina que significa sinal ou aparência de bom
direito. Dito de outra forma, suposição de verossimilhança de direito que um julgador tem ao analisar
uma alegação que lhe foi submetida. Essa suposição tem fulcro na presunção de que a alegação possui
suficiente base perante o sistema legal vigente;

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d) o periculum in mora significa o perigo da demora, a existência de risco relativo à


possibilidade de a decisão ser intempestiva. É mencionado quando o pedido deve ser julgado
procedente com urgência ou, alternativamente, deve ser imediatamente suspenso o efeito de
determinado ato, visando evitar a ocorrência de danos graves e de difícil reparação;
e) no caso vertente, por meio de leitura preliminar desta representação, foi possível
identificar elementos que indicam a existência do fumus boni iuris, tais como a falta de transparência
na execução de recursos relativos ao Programa Mais Médicos, a presença de elementos nesse
programa que podem desconfigurar sua natureza de ensino, pesquisa e extensão, a falta de isonomia no
tratamento conferido aos profissionais participantes do mencionado programa e a presença de regras
pactuadas que impõem ao Ministério da Saúde a responsabilidade por atos de terceiros;
f) quanto ao periculum in mora, cabe registrar que o programa sob exame está em
andamento. Assim, a possível concessão de cautelar está claramente relacionada a uma série de riscos
potenciais e efetivos;
g) o atendimento ao pleito dos representantes provocaria impactos extremos no programa
em foco, em especial no que concerne à situação dos profissionais estrangeiros que atuam no Brasil.
Afinal, na hipótese de suspensão ou extinção desse programa, restará comprometida a justificativa para
sua permanência no país;
h) também seriam negativamente afetados os serviços de saúde dos municípios, que estão
estruturados em função do reforço do quadro decorrente do programa em tela. Assim sendo, maiores
prejuízos seriam verificados caso seja atendido o pleito formulado pelos representantes, o que
caracteriza o periculum in mora reverso, que sempre deve ser sopesado pelo TCU;
i) além disso, não foi dada oportunidade para o Ministério da Saúde e a OPAS
apresentarem elementos que possam afastar os indícios de irregularidades apontados; e
j) diante do acima exposto, deve ser indeferido o pedido de cautelar, sem prejuízo do
prosseguimento da análise por este Tribunal dos fatos e documentos apresentados pelos representantes,
com vistas a firmar um juízo de mérito. Para tanto, devem ser solicitados esclarecimentos e
informações ao Ministério da Saúde e à OPAS.
6. No que concerne à competência desta Corte de Contas, o auditor salientou que o Tribunal
de Contas da União não possui expressa competência legal para:
a) suspender ou decretar a nulidade do acordo internacional firmado. Caso suspenda os
repasses de recursos para o Programa Mais Médicos na forma solicitada pelos representantes, este
Tribunal suspenderá indiretamente o acordo internacional;
b) julgar a existência e a licitude de vínculos trabalhistas, assunto que compete à justiça do
trabalho. Contudo, o TCU pode avaliar o cumprimento da legislação em contratos firmados pela
administração;
c) julgar matéria relativa às liberdades e garantias constitucionais ou a direito
internacional, o que compete ao Poder Judiciário, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal;
d) em que pese esses aspectos do Programa Mais Médicos não estarem diretamente
relacionados às competências deste Tribunal, é inegável que, se for confirmada a existência de
irregularidades pelos órgãos competentes para julgá-las, as consequências podem recair sobre o erário
e sobre o desempenho operacional e a continuidade do programa em foco;
e) cumpre frisar que a destinação de recursos públicos e a gestão de políticas ou programas
sob responsabilidade de entes públicos federais estão sob responsabilidade do TCU; e
f) por fim, cabe lembrar que a constitucionalidade da Lei nº 12.871/2013 está sendo
discutida no Supremo Tribunal Federal, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.035 e nº
5.037. O resultado do julgamento dessas Adins pode afetar substancialmente o entendimento acerca de
diversos aspectos do objeto dos presentes autos.
7. Em seguida, o auditor apresentou um histórico do Programa Mais Médicos e da atuação
deste Tribunal, do qual destaco os seguintes pontos:

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a) segundo dispõe o art. 1º da Lei nº 12.871, de 22/10/2013, o Programa Mais Médicos foi
instituído com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde
(SUS). Em conformidade com essa finalidade, o referido programa possui os seguintes objetivos:
- diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as
desigualdades regionais na área da saúde;
- fortalecer a prestação de serviços na atenção básica em saúde no País;
- aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo da
prática médica durante o processo de formação;
- ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS,
desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira;
- fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio
da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades
desempenhadas pelos médicos;
- promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da área de saúde
brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras;
- aperfeiçoar médicos para atuarem nas políticas públicas de saúde do País e na
organização e funcionamento do SUS; e
- estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS;
b) o capítulo IV da mencionada lei, que trata das disposições relativas ao Projeto Mais
Médicos para o Brasil , prevê a participação de médicos:
- formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no
País; e
- formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio
médico internacional;
c) a participação de profissionais estrangeiros ocorre por meio da contratação direta,
realizada com base em seleção realizada pelo Ministério da Saúde, ou da intermediação de organismo
internacional, com base no art. 27 da Lei nº 12.871/2013. Para essa última hipótese, foi escolhida a
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS);
d) no caso dos médicos cubanos, as contratações foram realizadas apenas por intermédio
da OPAS. Entretanto, os profissionais de outras nacionalidades foram contratados diretamente pelo
governo brasileiro;
e) a participação da OPAS tem fulcro no 80º Termo de Cooperação Técnica, celebrado no
dia 25/4/2013, pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-americana da Saúde, visando ao
desenvolvimento de ações vinculadas ao projeto acesso da população brasileira à atenção básica em
saúde ;
f) cumpre destacar que as primeiras manifestações populares que supostamente teriam
motivado a adoção da medida pelo Governo Federal ocorreram em julho de 2013. Logo, o desenho do
programa sob comento antecedeu os movimentos sociais que pediram melhorias na área da saúde
pública no Brasil;
g) no dia 22/8/2013, foi firmado o Terceiro Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
para viabilizar o Programa de Cooperação Técnica da Organização Pan-Americana da Saúde para a
Participação de Médicos Cubanos no Projeto Mais Médicos para o Brasil ;
h) o modelo adotado no Programa Mais Médicos enfrenta questionamentos oriundos de
conselhos de classes profissionais, do Ministério Público e dos órgãos de controle. Pode ser citado o
caso da médica cubana Ramona Matos Rodriguez, que ingressou no programa em outubro de 2013
para atuar na cidade de Pacajá (PA). Posteriormente, ela decidiu se desvincular desse programa e se
refugiou na liderança de um partido político no Congresso Nacional. Naquela oportunidade, ela
apresentou um contrato firmado por ela e pela empresa denominada Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A , cuja participação na contratação de
profissionais do Programa Mais Médicos era até então desconhecida;

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i) de posse desse documento, os representantes decidiram trazer o caso ao conhecimento


deste Tribunal. O TCU já avaliava aspectos desse programa no TC nº 027.492/2013-3, no âmbito do
qual é avaliada a legitimidade da criação e da implementação do Programa Mais Médicos. Aduz-se
que o TC nº 026.701/2013-8, relativo a uma denúncia, foi apensado ao mencionado processo;
j) no TC nº 027.492/2013-3, foi proferido o Acórdão nº 3.614/2013 - Plenário, que
apresenta a seguinte redação:
9.1. com espeque no art. 43 da Lei nº 8.443/1992, determinar ao Ministério da Saúde e
ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que adote as providências necessárias para:
9.1.1. incluir o Programa Mais Médicos no Plano Plurianual;
9.1.2. inserir rubrica orçamentária específica na Lei Orçamentária Anual para abrigar os
recursos do Programa Mais Médicos;
9.2 . com fulcro no art. 250, V, do Regimento Interno do TCU, promover a oitiva do
Ministério da Saúde para, no prazo de 15 (quinze) dias:
9.2.1. apresentar justificativas para a realização de pagamentos semestrais antecipados à
OPAS, tendo em vista o disposto no art. 62 da Lei nº 4.320/1964;
9.2.2. informar que medidas serão adotadas se os valores transferidos não
corresponderem ao total dos serviços prestados no período;
9.2.3. relacionar os procedimentos que serão adotados em relação à prestação de contas
do valor repassado à OPAS a título de taxa de administração, de modo a verificar se o referido valor
foi integralmente aplicado no custeio d os serviços objeto do acordo;
9.2.4. apresentar justificativas para a utilização do Programa/Ação 2015.20YD como
fonte de recursos para a execução do projeto Mais Médicos para o Brasil ;
9.2.5. confirmar se, no âmbito do acordo de cooperação firmado com a OPAS/OMS, todos
os profissionais selecionados para atuar no Brasil receberão a ajuda de custo máxima prevista. Caso
esse pagamento vá ocorrer nesses moldes, deverá ser apresentada a competente justificativa e
motivação;
9.2.6. apresentar as devidas justificativas para o período estimado de 8,6 meses relativo
ao pagamento das bolsas para os médicos cubanos;
9.2.7. apresentar as necessárias justificativas para a contratação de 20 assessores
internacionais e 20 consultorias especializadas, devendo ser detalhado o rol de atribuições que serão
cometidas a esses profissionais;
9.3. encaminhar ao Ministério da Saúde cópia da instrução elaborada pela Secex Saúde,
bem como do Relatório e do Voto que fundamentaram este Acórdão ;
9.4. determinar à Secex Saúde que, nas próximas etapas deste acompanhamento:
9.4.1. verifique se os supervisores e tutores estão cumprindo de forma adequada suas
atribuições e, caso seja necessário, sugira a adoção das providências porventura cabíveis
9.4.2. avalie o impacto do Projeto Mais Médicos para o Brasil sobre a formação de
recursos humanos na área médica para atuarem n o âmbito do SUS;
9.5. encaminhar ao Procurador - Geral da República e ao Procurador - Geral do
Trabalho cópia da instrução elaborada pela Secex Saúde, bem como do Relatório e do Voto que
fundamentaram este Acórdão, para que examinem as questões aqui tratadas, em especial no que
concerne ao tratamento diferenciado conferido aos médicos formados no Brasil e aos intercambistas,
e adotem as providências que julgarem cabíveis;
9.6. determinar o retorno destes autos à Secex Saúde para que a unidade técnica dê
prosseguimento a este Acompanhamento.
k) é necessário ressaltar o seguinte trecho do voto revisor elaborado pelo Ministro José
Jorge:
32. Penso que o Tribunal, como órgão de controle externo, não pode se eximir da busca
por elementos que lhe permitam exercer a missão constitucional de fiscalizar a regular utilização dos
recursos federais. No caso presente, o vulto dos valores envolvidos (cerca de R$ 1,6 bilhão para os

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três primeiros anos) torna mais premente a atuação desta Corte, considerando inclusive a duração
continuada do Programa.
33. Preocupa-me, nesse ponto, dispositivo do 80º Termo de Cooperação Técnica
celebrado com a OPAS/OMS, constante da cláusula oitava, referente à prestação de contas, vazado
nos seguintes termos:
A ORGANIZAÇÃO apresentará semestralmente ao MINISTÉRIO, a título de prestação de
contas, Relatórios Técnico e Financeiro da execução parcial do Plano de Trabalho até 60 (sessenta)
dias após o término de cada semestre, e ao final da execução do Plano de Trabalho até 90 (noventa)
dias após o término das atividades, a serem processados em sistema computadorizado de informações
da ORGANIZAÇÃO para este fim, dispensando-se a juntada de documentação interna da
ORGANIZAÇÃO .
34. No meu entender, tal dispositivo fere os princípios constitucionais que regem a
Administração Pública, notadamente os princípios da indisponibilidade do interesse público, da
publicidade e da razoabilidade. A não disponibilização de documentação pertinente, quando da
prestação de contas, compromete sobremaneira o controle dos gastos públicos a cargo desta Corte.
35. Nesses termos, além do encaminhamento, pelo Ministério da Saúde, do documento que
demonstre os termos do acordo firmado entre a OPAS/OMS e o governo de Cuba, como proposto pela
unidade técnica ainda que por razões diversas , deve ser recomendado ao mesmo órgão que envide
esforços no sentido de rever junto àquela Organização os termos da cláusula oitava do 80º Termo de
Cooperação Técnica.
l) em voto complementar, o relator do processo Ministro Benjamin Zymler entendeu pela
impossibilidade de interpelar a OPAS em função de sua imunidade internacional, nos seguintes
termos:
16. Por fim, cabe destacar que a OPAS/OMS conta com imunidade de jurisdição, como
foi bem explicado pelo Ministro Ives Gandra do Tribunal Superior do Trabalho:
Na realidade específica da ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA
SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OPAS/OMS, diversos diplomas internacionais,
devidamente incorporados ao ordenamento positivo brasileiro, mediante aprovação pelo Congresso
Nacional e pelo Poder Executivo, asseguram total e expressa imunidade de jurisdição (ver fls.
49/127), razão pela qual esta é de conteúdo absoluto, e não relativo, porque assim ajustado pelos
Poderes constituídos da Republica Federativa do Brasil (fl. 196). Aliás, neste sentido já se posicionou
a egr. 1ª Turma, em questão idêntica, envolvendo, inclusive, o mesmo organismo internacional
reclamado, cujos fundamentos peço venia para adotar como razões de decidir: Inegável a
flexibilização experimentada na aplicação do instituto da imunidade de jurisdição concedida ao
Estado Estrangeiro, notadamente no âmbito trabalhista. Ocorre que, no presente caso, trata-se de um
organismo internacional, com prerrogativas de imunidade previstas não só no Direito
Consuetudinário, mas também por tratados internacionais específicos, ratificados pela vontade
soberana dos Estados.
17. Nessa linha, o TST uniformizou o entendimento no sentido de que os organismos
internacionais gozam de imunidade absoluta. Diferentemente do que ocorre em relação aos Estados
estrangeiros, a imunidade de jurisdição desses organismos não encontra amparo apenas na praxe
internacional. Ela decorre de expressa previsão em norma internacional veiculada por meio de
acordos ou tratados, de sorte que sua não observância representaria a quebra de um pacto
internacional.
(...)
20. Friso que a cláusula décima terceira do Termo de Cooperação Técnica celebrado pelo
Ministério da Saúde e pela OPAS/OMS prevê expressamente a imunidade de jurisdição daquela
organização.
(...)

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22. Cabe destacar que mesmo se essa cláusula não existisse, a OPAS poderia licitamente
se recusar a apresentar o acordo celebrado por ela e pelo Governo de Cuba com fulcro no Acordo
Básico e na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, ambos subscritos pelo
Brasil.
23. Nesse contexto, é certo que, caso o TCU determine ao Ministério da Saúde que
obtenha dados sobre o ajuste firmado pela OPAS/OMS e pelo Estado Cubano, aquela Organização
lançará mão dessa imunidade para recusar-se a fornecer tais dados. Aliás, segundo me foi informado
em audiência realizada com a presença do Ministro da Saúde, a OPAS/OMS teria adotado tal
procedimento anteriormente quando foram solicitadas informações similares. Cabe frisar, ainda, que
nas audiências públicas realizadas pelo STF nos dias 25 e 26/11/2013, versando sobre o Programa
Mais Médicos, a OPAS/OMS não se fez presente nem apresentou dados relativos ao seu
relacionamento com o Governo Cubano.
24. Diante dessas considerações, entendo ser conveniente e oportuno determinar a oitiva
do Ministério da Saúde para que sejam esclarecidos os pontos levantados pelo eminente Revisor
relativos ao pagamento das ajudas de custo e das bolsas e à contratação de assessores e consultoria.
Por outro lado, considero que não deve ser solicitado o acesso ao acordo firmado pela OPAS/OMS e
pelo Governo Cubano ; e
m) posteriormente, o Acórdão nº 4/2014 - Plenário autorizou a prorrogação, por mais trinta
dias, do prazo originalmente fixado pelo item 9.2 do Acórdão nº 3.614/2013 - Plenário, em
atendimento à solicitação formulada pela Secretária-Executiva do Ministério da Saúde.
8. Quanto à análise dos riscos detectados no Programa Mais Médicos, o auditor salientou que:
a) devem ser apresentados os riscos a que está exposto o citado programa, em especial
aqueles relacionados a questões operacionais e de desempenho, uma vez que eles podem ocasionar a
suspensão, modificação ou extinção dessas iniciativas, que adquiriram grande relevância no âmbito do
SUS. Além disso, cumpre lembrar que o montante de recursos federais envolvidos atinge bilhões de
reais;
b) o art. 14 da Lei nº 12.871/2013 prevê que o aperfeiçoamento dos médicos participantes
ocorrerá mediante a oferta de curso de especialização por instituição pública de educação superior.
Serão executadas atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terão componente assistencial
mediante a integração ensino-serviço, com prazo de até três anos, prorrogável por igual período caso
sejam ofertadas outras modalidades de formação;
c) a referida norma legal permite o oferecimento de curso de especialização em Atenção
Básica, mediante a Educação pelo Trabalho, para médicos formados em instituições de educação
superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional. Segundo o art. 19 dessa mesma
lei, serão fornecidas bolsa-formação, bolsa-supervisão e bolsa-tutoria, além de ajuda de custo
destinada a compensar as despesas de instalação do médico participante;
d) os recursos destinados ao Programa Mais Médicos estão consignados no programa
orçamentário 2015 Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS) , na ação 20YD
Educação e Formação em Saúde , o que confere destaque ao seu caráter educacional;
e) nesse mesmo sentido, o art. 2º da Portaria Interministerial dos Ministérios da Saúde e da
Educação nº 1.369, de 8/7/2013, estabelece que esse Projeto visa aperfeiçoar médicos na atenção
básica em saúde em regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde (SUS) ;
f) em nota técnica sobre a cooperação técnica internacional, a Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde informou que:
Durante toda a vigência do Programa, haverá acompanhamento, por meio de tutores e
supervisores. A cada 100 médicos, serão 10 supervisores oriundos de Universidades Pública,
Hospitais de Ensino certificados, escolas de saúde e/ou programas de residências de medicina de
família e comunidade e 01 tutor oriundo de Universidade Pública. Ressalte-se que o pagamento das
bolsas aos supervisores e tutores é de responsabilidade do Ministério da Educação MEC.

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g) a presente representação questiona uma possível descaracterização da natureza de


ensino, pesquisa e extensão do Programa Mais Médicos, verbis:
27. Ademais, se ficar caracterizada a ilegalidade dos instrumentos de cooperação e
forem reconhecidos os vínculos trabalhistas destes profissionais pela Justiça do Trabalho brasileira,
há que se buscar que medidas serão adotadas para serem recuperados os recursos já enviados
diretamente ao Governo cubano pelo Governo brasileiro.
h) a Cláusula I do contrato apresentado pela médica cubana Ramona Matos Rodriguez
dispõe que:
Mediante el presente Contrato CSMC estabelece la relación de trabajo con el
PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO, en virtude de los servicios que éste brindará en el
território de ia República Federativa del Brasil, bajo los términos y condiciones que mediante este
Contrato se convienen.
i) cabe registrar que a instituição intitulada Comercializadora de Servicios Médicos
Cubanos S.A (CSMC), como seu próprio nome comercial revela, não é relacionada a ensino, pesquisa
ou extensão, mas sim ao comércio de serviços médicos, o que eleva as suspeitas acerca da natureza do
objeto contratado pelo Ministério da Saúde por intermédio da OPAS;
j) no âmbito do Inquérito Civil nº 707/2013, instaurado pela Coordenadoria da Defesa dos
Interesses Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª
Região, foi colhido o depoimento da Dra. Ramona Matos Rodriguez (peça 1, p. 17 a 21), no qual ela
afirmou que:
não sabe quem são o supervisor ou o tutor que deveriam ser responsáveis pelo curso de
especialização; que recebeu um tablet com material para o curso de especialização, o qual também
era usado para tirar dúvidas e fazer consultas relacionadas ao trabalho de atendimento médico, além
de usá-lo para se comunicar, inclusive com os familiares e amigos em Cuba;
k) os representantes também afirmaram que:
17. Ao estabelecer as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica
Internacional Multilateral e Bilateral , a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), órgão do
Ministério das Relações Exteriores responsável por essa temática, ao discorrer sobre a contratação
de pessoal, estabelece que
o componente pessoal de um projeto envolve a possibilidade de contratação de pessoas
físicas, nacionais ou estrangeiras, para a prestação de consultorias com prazo determinado,
exclusivamente vinculados aos objetivos e resultados contemplados na ação de cooperação
internacional.
(...)
Considera-se como desvio de finalidade o uso de Subcontratos ou de Agências
Implementadoras para a contratação de profissionais destinados a desempenhar atividades que
possam vir a caracterizar vínculo empregatício com a instituição executora .
18. Segundo as diretrizes estabelecidas pela ABC, a utilização de acordos de cooperação
internacional que envolvam a contratação de pessoas físicas pressupõe a prestação de consultorias
com o objetivo de transferência de know-how, para promoção de mudanças qualitativas na área que
se pretende desenvolver (como, por exemplo, instalação de bancos de leite, desenvolvimento de novas
técnicas de cultivo agrícola etc.).
19. O acordo internacional firmado com a OPAS contraria essas diretrizes, pois os
médicos cubanos - pelas lentes da Lei n° 12.871/2013 - estão vindo ao Brasil para receberem
treinamento, mediante curso de especialização.
20. Em não prosperando o argumento da especialização na modalidade ensino-pesquisa-
extensão, há que se demonstrar no bojo deste acordo internacional o know-how transferido à
medicina e ao País por esses médicos, para atendimento às diretrizes estabelecidas pela Agência
Brasileira de Cooperação. De outra forma, restará caracterizado nesse acordo firmado entre Brasil e
Cuba, com intermediação da OPAS, o simples recrutamento de profissionais médicos exclusivamente

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para suprirem a carência de mão de obra na área de saúde, clara relação trabalhista, o que é
proibido, como acima descrito.
21. Some-se a toda essa análise, a presença de mais um ente nessa relação: La Sociedad
Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. Pela documentação
apresentada pela Dra. Ramona Matos Rodriguez, acostada a esta Representação, esta Sociedad
Mercantil é quem realmente firmou o contrato com os médicos cubanos, recrutando-os,
estabelecendo os direitos e as obrigações, pagando-lhes os salários e disciplinando as regras para
trabalhar em el território de la República Federativa del Brasil . Pelos termos explicitados pela
Agência Brasileira de Cooperação, caracteriza desvio de finalidade o uso de subcontratos nos
projetos de cooperação técnica internacional.
l) em suma, entendem os representantes que, confrontada com as regras que regem a
matéria, a contratação em comento resta prejudicada em ambas as hipóteses aventadas sobre sua
natureza, a saber:
- se o objetivo da contratação foi a transferência de conhecimento por organismo
internacional: o acordo internacional firmado pela OPAS está em desacordo com a Lei nº 12.871/2013,
a qual prevê que os profissionais participantes estariam vindo ao Brasil para receberem treinamento,
mediante curso de especialização (os médicos vêm ao país receber conhecimentos, não transmitir);
- se o objetivo da contratação não foi a transferência de conhecimento: o acordo
internacional firmado com a OPAS contradiz seus próprios termos e viola as diretrizes estabelecidas
pela ABC, pois viabiliza o recrutamento de profissionais médicos exclusivamente para suprirem a
carência de mão de obra na área de saúde e gera uma relação trabalhista que foge do escopo dos
tratados internacionais;
m) em qualquer dessas hipóteses, haveria ainda a irregularidade decorrente da participação
da empresa cubana no ajuste, a qual infringe o disposto nas Diretrizes para o Desenvolvimento da
Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral da ABC;
n) assiste razão aos representantes no sentido de que, restando desconfigurado o caráter de
formação profissional, previsto pela lei que instituiu o programa, existe elevado risco de União,
estados e municípios envolvidos serem responsabilizados em eventuais disputas trabalhistas. Ademais,
a justiça trabalhista tende a prezar pela relação fática existente entre contratante e empregado, em
conformidade com o princípio da primazia da realidade. Nessa hipótese, pode ocorrer a
responsabilização solidária do ente público tomador dos serviços;
o) o art. 17 da Lei nº 12.871/2013 estabelece que as atividades desempenhadas no âmbito
do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza . Ainda
que esse dispositivo seja considerado constitucional, não está excluída a possibilidade de as esferas
governamentais figurarem no polo passivo de eventuais processos indenizatórios nos âmbitos civil,
administrativo ou trabalhista;
p) no que diz respeito à União, cabe frisar que o inciso I da cláusula quinta do 3º Termo de
Ajuste ao 80º Termo de Cooperação firmado com a OPAS estabelece que compete ao Ministério da
Saúde:
i) Indenizar, isentar e defender a seu próprio custo a ORGANIZAÇÃO e seus
funcionários, mandatários, servidores e empregados, a qualquer título, de todo pleito, reclamação,
demanda e responsabilidade de qualquer classe que surja com relação às atividades executadas sob a
responsabilidade ou dolo dos mencionados funcionários, mandatários, servidores e empregados da
ORGANIZAÇÃO [OPAS].
r) com fulcro no acima exposto, os representantes solicitaram ao TCU que examine se:
- a finalidade desse termo de cooperação internacional está sendo atingida, por meio da
transferência e da agregação de know-how para a saúde brasileira;
- a participação de um terceiro ente nesta contratação (La Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A) caracteriza desvio de finalidade e eiva o ato de
nulidade; e

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- estão sendo atendidos os pressupostos de legalidade, legitimidade e economicidade das


despesas realizadas por intermédio do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação, com vistas a
viabilizar o Programa de Cooperação Técnica da Organização Pan-Americana da Saúde para a
Participação de Médicos Cubanos no Projeto Mais Médicos para o Brasil ;
s) a preocupação acerca da natureza da contratação em foco foi demonstrada no seguinte
trecho do voto do ministro José Jorge:
17. O primeiro deles diz respeito à forma de atuação dos participantes do Projeto Mais
Médicos . Observo, nesse sentido, que, apesar de haver sido amplamente divulgado na mídia que tais
profissionais iriam prestar serviços médicos à população mais carente na área do SUS, não há, nos
termos da lei, qualquer vínculo profissional entre eles e o Ministério da Saúde. De acordo com a
norma, os profissionais participarão de um curso de especialização e serão remunerados mediante
uma bolsa-formação. Concebido sob tal ótica, o projeto, ao tempo que abranda questionamentos
acerca do pleno exercício da medicina mesmo sem a validação do diploma, pode gerar problemas
com eventuais responsabilizações por procedimentos inadequados. No meu entender, faz-se
imprescindível, nos próximos acompanhamentos do Programa, que se verifique o real exercício, pelos
supervisores e tutores, das atividades de suporte técnico e acadêmico, previstas em lei, e de que forma
está se dando essa atuação.
t) diante do acima exposto, cabe realizar diligência ao Ministério da Saúde para que se
manifeste sobre:
- os indícios de descaracterização da natureza ensino, pesquisa e extensão do Programa
Mais Médicos Para o Brasil;
- a validade e a legitimidade da participação da empresa Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A no Programa Mais Médicos, visto que essa
entidade não aparenta ter por objeto nenhuma atividade relacionada a ensino, pesquisa e extensão;
- a adoção de medidas para evitar ou diminuir os riscos associados aos questionamentos
legais acerca da natureza do Programa Mais Médicos; e
- as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis pela análise da adequação e da
qualidade dos produtos que serão elaborados pela OPAS no âmbito do Programa Mais Médicos;
u) considerando que o Ministério da Educação (MEC) deve ser o órgão responsável pelo
fornecimento das bolsas supervisão e tutoria, cabe realizar diligência àquele órgão, visando obter
informações sobre:
- quais programas orçamentários estão sendo utilizados para pagar as despesas relativas ao
Programa Mais Médicos;
- quais normativos disciplinam a participação do MEC no âmbito do Programa Mais
Médicos, em especial aqueles referentes à seleção das instituições e dos profissionais;
- quais são as unidades administrativas vinculadas ao Ministério da Educação;
- quais controles foram ou serão implementados para acompanhar e identificar
irregularidades relativas ao fornecimento de bolsas supervisão ou tutoria;
- quais indicadores foram elaborados e quais procedimentos de monitoramento e
acompanhamentos foram previstos e implementados para avaliar os resultados operacionais do
Programa Mais Médicos;
- quais estruturas, unidades ou agentes são responsáveis pela análise da adequação e
qualidade dos produtos que serão elaborados no âmbito do Programa Mais Médicos;
- quantos profissionais desenvolvem atividades de supervisão ou tutoria no Programa Mais
Médicos;
- que valores foram executados até o momento com relação ao pagamento de bolsas
supervisão ou tutoria; e
- de que forma está sendo garantida a transparência da aplicação dos recursos e da
realização de atividades sob a responsabilidade do Ministério da Educação.

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9. No que concerne aos riscos relativos à discrepância entre os valores pagos pelo governo
brasileiro e a remuneração recebida pelos médicos participantes, o auditor destacou que:
a) uma das grandes polêmicas que envolvem o Programa Mais Médicos está relacionada à
falta de transparência na destinação dos recursos financeiros. A partir da apresentação do contrato
celebrado com a empresa comercializadora de serviços médicos, foi possível identificar uma enorme
diferença entre os recursos públicos brasileiros alocados para custear a remuneração dos médicos e os
valores recebidos pelos profissionais cubanos;
b) no âmbito do TC nº 027.492/2013-3, foi constatado que o valor individual das bolsas foi
fixado em dez mil reais, como se observa no seguinte trecho do voto condutor do Acórdão nº
3.614/2013 - Plenário:
67. Cabe destacar que o Ministério da Saúde, em resposta à diligência realizada por esta
Corte de Contas, enviou Nota Técnica contendo a memória de cálculo referente aos valores a serem
desembolsados até novembro deste ano. A partir da análise dessas informações, constatou-se que
serão pagos, até novembro de 2013, bolsas, no valor individual de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a
4.000 (quatro mil) médicos cubanos pelo período de 8,6 meses;
c) já o contrato firmado pela Sociedad mercantil cubana Comercializadora de Servicios
Médicos Cubanos S.A (CSMC) e pela médica cubana Ramona Matos Rodrigues estabeleceu:
j) Pagar mensualmente al PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO por concepto de
estipendio una cantidad equivalente a Mil/00 dólares estadounidenses (1000.00 USD), de la forma
siguiente: se le depositará en una cuenta de ahorro en Cuba que habilitará el PROFESIONAL DE LA
SALUD CUBANO, facilitada por CSMC, Seiscientos/00 CUC (600.00 CUC) al cambio 1 USD = 1
CUC (Quinhentos cincuenta/00 CUC (550.00 CUC) si designó un tarjetahabiente) y se te pagará en
territorio brasileño, en reales brasileños el equivalente a Cuatrocientos/00 dólares estadounidenses
(400.00 USD), a través de la cuenta bancaria habilitada a ese fin, a una tasa de cambio de referencia
del Real Brasileño contra el Dólar Estadunidense publicado por el Banco Central de Brasil, que será
fijada periódicamente según se decida, lo cual será comunicado oportunamente al início de cada
período.
d) as informações colhidas até o momento permitem elaborar a seguinte memória de
cálculo (utilizando como cotação o dólar americano, que, conforme consulta ao sítio do Banco Central
do Brasil, correspondia a R$ 2,3385 no dia 24/2/2014):
Tabela 1 Destinação dos valores no Programa Mais Médicos
% do
Linha Descrição Reais Dólar
Total
(a) Valor pago pelo governo brasileiro 10.000,00 4.276,25 100%
Valor depositado em Cuba em nome do profissional
(b) 1.403,10 600,00 14,03%
participante do programa
Valor entregue diretamente ao profissional participante do
(c) 935,40 400,00 9,35%
programa no Brasil
Valor pago à OPAS a título de taxa de administração (5%,
(d) conforme Subcláusula Única da Cláusula Terceira do 3º 500,00 213,81 5,00%
Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação)
Valores pagos pelo governo brasileiro cuja destinação é
(e) 7.161,50 3.062,44 71,62%
desconhecida (e) = (a) - (b) - (c) - (d)

e) pode-se supor que a diferença constante na linha (e) da tabela acima esteja sendo
retida pela empresa cubana CSMC. Porém, não se sabe a que título essa empresa está recebendo a
maior parcela dos recursos do programa por intermédio da OPAS;

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f) só se conhece a destinação de 30% dos recursos públicos destinados ao Programa Mais


Médicos executados por intermédio da OPAS. Ao mesmo tempo, apenas 9% desses recursos são
colocados à disposição dos médicos que atuam no Brasil;
g) os seiscentos dólares que, de acordo com o contrato, serão depositados em conta de
poupança em nome dos médicos cubanos podem sofrer descontos de tributos, o que reduz ainda mais a
retribuição total paga a esses profissionais;
h) persiste a dúvida sobre quais são os serviços de fato prestados pela empresa cubana
CSMC. Aliás, cabe registrar que o item 2.1, n , do contrato sob comento, a seguir transcrito, veda que
informações consideradas no públicas (não públicas) sejam divulgadas pelos profissionais cubanos:
n) Advertir al PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO através del personal actuante,
cuando así corresponda, sobre la estricta confidencialidad que deberá guardar sobre informaciones
no públicas que le sean dadas en tal condición o a las que tenga acceso por cualquier via, en
cumplimiento del labor que realizará o realiza en virtud de este Contrato, en Cuba y en el Brasil,
durante la vigencia de este Contrato y hasta un año después de su terminación por cualquier causa.
i) além da falta de transparência na execução dos recursos, cumpre analisar a situação
pelos aspectos da economicidade e do interesse público. Se o governo brasileiro entende ser possível a
adesão de estrangeiros ao Programa Mais Médicos por meio de seleção direta (forma adotada para
profissionais de outras nacionalidades que não a cubana), resta a seguinte pergunta: por que não se
adotou a seleção direta de médicos daquela ilha caribenha, repassando-lhes diretamente os mil dólares
que eles recebem efetivamente?
j) os representantes fundamentaram seu pedido nas competências constitucionais do TCU,
verbis:
São recursos públicos, sujeitos, portanto, à fiscalização na forma dos art. 70 e 71 da
Constituição Federal. Por isso, entendemos que devam restar esclarecidos por essa Corte de Contas a
destinação destes valores, bem como a legalidade, legitimidade e economicidade dos pagamentos
efetuados pelo Governo brasileiro.
k) preocupação semelhante consta do seguinte trecho do voto do Ministro José Jorge:
30. Vale lembrar que os acordos de cooperação com a Organização Pan-Americana de
Saúde já foram objeto de intensos debates nesta Corte, no âmbito do TC nº 015.008/2005-6. Quando
da apreciação do recurso interposto no referido processo, contra o Acórdão nº 1.018/2007 - Plenário,
o Tribunal tornou insubsistentes alguns comandos antes firmados e alterou o teor de outros itens.
Nesse contexto, a nova redação do item 9.1.7 encaminhou determinação à Secretaria-Executiva do
Ministério da Saúde no sentido de aprimorar o sistema de controle interno referente aos termos de
cooperação técnica firmados com a Organização Pan-Americana de Saúde, os quais devem conter as
informações previstas no artigo IV do Ajuste Complementar aprovado pelo Decreto nº 3.594/2000, de
forma a obter as informações necessárias sobre o andamento dos projetos de cooperação técnica em
execução que possibilitem avaliar a eficácia, eficiência e economicidade da administração e
aplicação dos recursos públicos.
l) diante do acima exposto, cumpre diligenciar o Ministério da Saúde para que:
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade da destinação de percentual inferior a 10% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS aos médicos cubanos;
- informe se o Ministério da Saúde tinha conhecimento da participação da Sociedad
Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A na execução Programa Mais
Médicos;
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do repasse de percentual superior a 70% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para a Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A ;

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- manifeste-se sobre o tipo e a legitimidade das atividades que estão sendo financiadas
com a parcela dos recursos públicos do Programa Mais Médicos acima citada;
- informe quais medidas de controle estão sendo adotadas para evitar os riscos decorrentes
de questionamentos legais acerca da destinação dos recursos para a Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A , indicando as estruturas, unidades e agentes
evolvidos e responsáveis por estas medidas; e
- informe sobre a existência de estruturas, unidades ou agentes responsáveis pela análise do
efetivo pagamento da bolsa-estudo destinada aos participantes do Programa Mais Médicos, visto
tratar-se de despesas custeadas com recursos públicos.
10. No que concerne aos riscos relativos ao suposto desrespeito ao estado de direito e a
tratados internacionais, o auditor frisou que:
a) o Programa Mais Médicos tem sido alvo de frequentes questionamentos acerca do
cumprimento dos direitos e do respeito às liberdades individuais e coletivas dos profissionais
estrangeiros participantes, tais como:
- possibilidade de solicitação de asilo político por parte dos profissionais cubanos;
- direito de abandono do programa a qualquer momento;
- direito de imigrar para outro país;
- direito de realizar remessas ou tomar posse dos recursos que supostamente estão sendo
depositados em nome do trabalhador cubano; e
- garantia da liberdade de ir e vir no território brasileiro;
b) os representantes demonstraram preocupação acerca da regularidade e legitimidade do
tratamento desigual oferecido aos profissionais cubanos, verbis:
7. Durante o desempenho de suas atividades em Pacajá, foi noticiado pela Dra. Romana
Rodriguez que esteve submetida a diversas situações por tudo e em tudo humanamente desiguais, se
comparadas com aquelas vivenciadas pelos médicos não-cubanos que integram o Programa Mais
Médicos .
8. Causou-nos espécie, primeiramente, a substancial discrepância estipendiária
experimentada pela médica - bem como pelos demais profissionais cubanos - que, diferentemente dos
médicos de outras nacionalidades, faz jus a algo em torno de US$ 1.000,00 (mil dólares
americanos)/mês, sendo que US$ 400,00 (quatrocentos dólares) disponíveis mensalmente para saque e
utilização no Brasil e US$ 600,00 (seiscentos dólares)/mês disponíveis apenas quando do retorno do
médico intercambista a Cuba (3 anos após o ingresso no Programa Mais Médicos ).
9. Diferentemente dos profissionais cubanos, que se submetem ao regime estipendiário
acima descrito, os médicos de outras nacionalidades percebem algo em torno de R$ 10.000,00 (dez
mil reais), para realizar, acresça-se, as mesmíssimas atribuições que são desempenhadas pelos
profissionais oriundos de Cuba, e com a mesma jornada de labor, evidenciando, assim, uma frontal
violação ao princípio constitucional da isonomia, estendida pela Constituição Federal de 1988 aos
estrangeiros residentes no País (art. 5º, caput).
c) a representação em tela também enfocou situações em que supostamente a profissional
cubana teria tido seus direitos constitucionais básicos desrespeitados:
11. Como se não bastasse, Dra. Ramona relatou restrição à sua liberdade de ir e vir -
liberdade, essa, aliás, assegurada a todo e qualquer estrangeiro residente no País (inciso XV do art.
50 da CF/1988) -, porquanto se encontrava constantemente monitorada por um supervisor, a quem
deveria se reportar sempre que tencionasse ultrapassar os limites do Município de Pacajá/PA, ainda
que fora do horário de trabalho. Acresça-se, também, a dificuldade - senão a impossibilidade - de
trazer os familiares para residirem consigo no Brasil, a despeito da previsão legal estabelecida nos
arts. 18 e 19 da Lei n° 12.871/2013.
d) é necessário lembrar que a isonomia permeia vários artigos da Constituição Federal,
como, por exemplo:
- art. 5º, caput: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ;

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- art. 7º, XXX: proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios


de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil ;
- art. 7º, XXXI: proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou
entre os profissionais respectivos ;
e) a justiça trabalhista tende a adotar a realidade fática, não formalista, das relações de
trabalho, o que acentua o risco de decisões contrárias ao erário. Note-se que foi autuado, no dia
14/2/2014, o Processo nº 228-98.2014.5.08.0110, cuja autora é a médica cubana Ramona Matos
Rodrigues. Os autos desse processo foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, por
determinação do magistrado titular da Vara do Trabalho da cidade de Tucuruí (PA);
f) a esta representação foi anexada cópia do Inquérito Civil nº 707/2013, instaurado pela
Coordenadoria da Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria
Regional do Trabalho da 1ª Região (peça 1, p. 17 a 21). Nesse documento, a médica Ramona Matos
Rodriguez prestou testemunho sobre as condições enfrentadas pelos profissionais cubanos no
Programa Mais Médicos. Tais afirmações, caso venham a ser confirmadas, representam sérios riscos
para a legitimidade desse programa, além de ensejar o ajuizamento de possíveis ações de indenizações;
g) transcreve-se a seguir alguns trechos do depoimento dessa profissional:
apesar dos questionamentos dos médicos que participaram de tais cursos [ministrados
em território cubano] a respeito do valor que receberiam para trabalhar no Brasil, somente souberam
o valor da remuneração quando da assinatura do contrato individual de trabalho cuja cópia foi
entregue nesta oportunidade; morava em casa fornecida pela Prefeitura e pela Secretaria de Saúde e
que também lhe era garantido alimentação por esses Órgãos; a casa era boa, onde residiam outras
duas médicas cubanas; a alimentação era comprada com o dinheiro depositado em cartão de débito;
o valor destinado para alimentação era inicialmente de R$ 500,00 para cada participante do
Programa e que o valor foi reajustado para R$ 750,00, após reclamação no sentido de que o valor
anterior era insuficiente; o valor de R$ 750,00 reais era suficiente para alimentação; foi dito aos
médicos cubanos por representantes do governo de Cuba que poderiam trazer seus parentes ao Brasil,
desde que arcassem com todas as despesas correspondentes; nessas condições os integrantes da
família não poderiam habitar a residência oferecida em razão do Projeto Mais Médicos para o Brasil;
não teve intenção de trazer familiares ao Brasil; ficou sabendo, através de colegas cubanos que
tentaram trazer familiares ao Brasil, que isso é praticamente impossível em razão das exigências para
se conseguir o visto de saída de Cuba; há um controle quanto à prestação de serviço e à jornada de
trabalho, que é feito por um assessor do Projeto Cubano que fica em Belém de nome Javier, que
segundo lhe disseram, é ligado a OPAS; entre os 6 médicos que prestavam serviço em Pacajás, havia
uma pessoa que era responsável pelo grupo chamada Magdalys Campos; acredita que a Sra.
Magdalys foi encarregada pelo assessor do Projeto, que fica em Belém, de fazer o controle e repassar
as informações a respeito para Belém; para sair de Pacajás, tinha que pedir autorização ao referido
assessor que fica em Belém; essa solicitação era enviada pela Sra. Magdalys, por e-mail, ao assessor
Javier para autorização; enquanto esteve em Pacajás houve pedidos para que integrante do
Programa pudesse ir a passeio a Anapu - PA, o que foi autorizado; por expressa previsão contratual,
os médicos cubanos devem guardar confidencialidade estrita, não podendo falar sobre as condições
do contrato; eventual "namoro" ou matrimônio com pessoas não cubanas dependem de autorização
prévia de representantes do governo de Cuba; somente quando da realização do curso em Brasília,
soube que o valor pago aos médicos não cubanos integrantes do Programa é de R$ 10.000,00; quando
soube da distinção entre os integrantes do Programa e da discrepância entre o valor destinado a cada
profissional e o que era pago a ela, sentiu-se enganada; mesmo com o fornecimento de aIimentação e
moradia pelo Município, o valor percebido no Brasil é insuficiente para o sustento e também para a
vontade de enviar roupas e outros bens aos familiares em Cuba, considerando o alto custo de vida no
Brasil.

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h) em que pese o valor apenas testemunhal desse documento, entende-se que ele expõe os
riscos potenciais de as esferas de governo envolvidas virem a sofrer os efeitos decorrentes de
condenações em ações indenizatórias;
i) ademais, existe o risco de enfrentar alegações de conflitos de competências entre as
esferas governamentais, sendo comum que nenhuma delas assuma a responsabilidade pela execução
ou controle das ações desenvolvidas;
j) as afirmações da profissional cubana guardam similaridade com as obrigações
contratualmente impingidas aos médicos daquele país;
k) a seguir, são transcritos dispositivos do contrato individual para la prestación de
servicios profesionales y técnicos en el exterior , firmado pela Sociedad mercantil cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A (CSMC) e pela médica Ramona Matos
Rodrigues (peça 1, p. 11 a 21), que representam possíveis afrontas ao direito constitucional brasileiro e
a diversas liberdades individuais dos médicos cubanos que participam do Programa Mais Médicos:
Proibição de exercer emprego distinto
Item 2.2, e : Abstenerse de prestar servicios y realizar otras actividades en institución
diferente a la que fue ubicado, ni servicios y actividades que no le corresponden en virtud del
INSTRUMENTO JURÍDICO suscrito y de este Contrato, con excepción de que se determine lo
contrario mediante autorización previa, por escrito, de la máxima Direccián de la Misión Médica
cubana en Brasil. En ninguna situación el PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO podrá recibir
por la prestación de servicios o realización de alguna actividad renuneración alguna diferente a la
que recibe en virtud de este Contrato.
Proibição de passar férias em país distinto de Cuba
Item 2.2, f : Disfrutar en Cuba de treinta (30) dias de vacaciones remuneradas, luego
de trabajar once (11) meses al amparo de este Contrato, con la coordinacián necesaria con la
Dirección de la Missión Médica cubana en Brasil y con la Unidad de Colaboración Médica del
MINSAP en Cuba, según corresponda, para determinar el período de las vacaciones y para la
transportación nacional e internacional.
Vinculação a instrumento legal cubano
Item 2.2, g : Cumplir, en cuanto a su actuación respecta, con lo dispuesto en la
Resolución nº 168 Reglamento Disciplinario para los trabajadores civiles cubanos que prestan
servicios en el exterior como colaboradores , de fecha 29 de marzo de 2010, emitida por el Ministro
de Comercio Exterior e lnversión Extranjera de la República de Cuba, cuyo conocimiento recibirá en
la preparación previa a su salida al exterior.
Proibição de exercer liberdades individuais básicas
Item 2.2, j : Cumplir con la legislación cubana de contraer matrimonio con persona
natural extranjera, no quedando por ello exonerado del cumplimiento de las obligaciones derivadas
del referido INSTRUMENTO JURÍDICO y del presente Contrato, con excepción de que se determine
lo contrario mediante autorización previa, por escrito, de la máxima Dirección de la Misión Médica
cubana en Brasil.
Imposição sob os profissionais da autoridade cubana em território nacional brasileiro
Item 2.2, k : Reconocer que los representantes designados por el Ministerio de Salud
Pública de la República de Cuba en la Dirección de la Misión Médica cubana en territorio del Brasil
están investidos de las facultades suficientes para actuar en su nombre y representación ante las
autoridades brasileñas y de la OPS/OMS, de conformidad con el INSTRUMENTO JURÍDICO
suscrito.
Imposição da legislação cubana em programa em que Cuba oficialmente não é parte
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Item 3.5: CSMC, ante el abandono de la misión; negativa de regreso al territorio


nacional cubano y/o cualquier otra grave indisciplina por parte del PROFESIONAL DE LA SALUD
CIJOANO, observará la legislación vigente em la República de Cuba para establecer las
reclamaciones y demandas judiciales que correspondan con el objetivo de saldar las deudas y
obligaciones pendientes del PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO y hará cumplir lo previsto em
el INSTRUMENTO JURIDICO y la legislación brasileña, en cuanto a la prohibición al
PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO del ejercicio de la profesión en territorio brasileño
amparado en el permiso de trabajo y registro médico adquirido en razón del INSTRUMENTO
JURÍDICO suscrito.
l) percebe-se que o Ministério da Saúde, ainda que involuntariamente, celebrou um pacto
que afetou a soberania do país, visto que os profissionais cubanos devem respeitar as leis de seu país
ainda que estejam em território brasileiro;
m) a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), unidade do
Ministério da Saúde, destacou, em Nota Técnica sem número, cuja descrição do assunto foi Programa
Mais Médicos Para o Brasil (peça 3), teceu comentário acerca da necessidade de o termo de
cooperação firmado prezar pela prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre povos e pelos
princípios adotados pelo país:
A pactuação de termo de cooperação norteia-se, primordialmente, pelos princípios que
vinculam a Republica Federativa do Brasil, nas suas relações internacionais, quanto à prevalência
dos direitos humanos e à cooperação entre povos para o progresso da humanidade e pelos
comprometimentos do país em ações de cooperação internacional em saúde, pela sua condição de
Estado Parte da Organização das Nações Unidas e, nesta, como propulsor da instituição de uma
divisão especificamente volta ao apoio mundial às ações de saúde a Organização Mundial de Saúde
(OMS).
n) o próprio Ministério da Saúde entende que o respeito aos princípios internacionais
relativos a direitos humanos é condição primordial e insuperável para a celebração de acordos
semelhantes ao objeto desta representação;
o) no parágrafo 35 da Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 621/2013, foi
ressaltado que, na seleção de médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras para
participarem do Projeto Mais Médicos para o Brasil, o Estado respeitará as diretrizes estabelecidas no
Código Global de Práticas para Recrutamento Internacional de Profissionais da Saúde da OMS (2010).
Afirmação de igual teor consta da Nota Técnica de Cooperação Técnica Internacional (peça 2, p. 2 e
3), que foi emitida pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES);
p) o Código acima citado, que se apoia em princípios éticos para reforçar os sistemas dos
países em desenvolvimento, trata de assuntos como a capacidade e a qualidade da formação
profissional, as políticas de apoio à fixação de médicos, a reciprocidade dos benefícios, a coleta e o
intercâmbio de informações, o monitoramento e a realização de pesquisas em saúde;
q) essa norma estabelece, por exemplo, que o pessoal de saúde imigrante deve ser
contratado, promovido e remunerado com base em critérios objetivos, tais como níveis de qualificação,
anos de experiência e grau de responsabilidade, sempre respeitada a igualdade de tratamento com o
pessoal de saúde do país. Nesse sentido, seu parágrafo 4.5 apresenta a seguinte redação:
Os Estados-Membros devem garantir que, sujeitos às leis aplicáveis, incluindo
instrumentos legais internacionais, o pessoal de saúde imigrante deve possuir os mesmos direitos
legais e responsabilidades que o pessoal de saúde do país no que concerne a todos os termos de
contratação e às condições de trabalho.
r) cumpre registrar que o direito ao trabalho é reconhecido como sendo inalienável pela
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789, verbis:
Todo homem pode empenhar seus serviços, seu tempo; mas não pode vender-se nem ser
vendido. Sua pessoa não é propriedade alheia. A lei não reconhece domesticidade; só pode existir um
penhor de cuidados e de reconhecimento entre o homem que trabalha e aquele que o emprega.

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s) os direitos do trabalhador são assegurados pelo art. 23 da Declaração Universal dos


Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948, verbis:
I) Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
II) Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito à igual remuneração por igual
trabalho.
III) Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe
assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se
acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
IV) Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de
seus interesses.
t) uma vez provada a condição de trabalhador, o estrangeiro tem seus direitos trabalhistas
protegidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que não diferencia os direitos básicos do
estrangeiro ou do nacional, conforme se observa a seguir:
Direito à igualdade
Art. 5º: A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de
sexo.
Art. 461: Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo
empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade
ou idade.
Art. 373-A: Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que
afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos
trabalhistas, é vedado:
(...)
III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante
para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
Direito à intimidade
Art. 391: Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o
fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.
Parágrafo único - Não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza ou
contratos coletivos ou individuais de trabalho restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por
motivo de casamento ou de gravidez.
u) a fim de garantir o direito dos trabalhadores, o legislador tipificou diversas condutas
relacionadas ao desrespeito aos direitos dos trabalhadores, como se observa a seguir:
Criminalização da conduta discriminatória
Art. 1º da Lei nº 9.029/1999:
Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de
acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil,
situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no
inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
A criminalização das condutas que resultem em redução a condição análoga à de escravo
Art. 149 do Código Penal:
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
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§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:


I cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de
retê-lo no local de trabalho;
II mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I contra criança ou adolescente;
II por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Atentado contra a liberdade de trabalho
Art. 197 do Código Penal:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:
I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria ou a trabalhar ou não
trabalhar durante certo período ou em determinados dias:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;
Frustração de direito assegurado por lei trabalhista
Art. 203 do Código Penal:
Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Na mesma pena incorre quem:
(...)
II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou
por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
v) Ives Gandra da Silva Martins publicou artigo intitulado O Neoescravagismo cubano
no jornal Folha de São Paulo, edição de 17/2/2014, Página A3 (peça 4 destes autos), no qual se
posiciona veementemente contrário à legalidade do acordo em tela e demonstra o alto risco a que a
União se submeteu ao firmar tal ajuste certo, verbis:
A Constituição Federal consagra, no artigo 7º, inciso XXX, entre os direitos dos
trabalhadores: XXX proibição de diferença de salários, de exercício de função e de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
O programa Mais Médicos do governo federal oferece para todos os médicos
estrangeiros não cubanos que aderiram ao programa Mais Médicos um pagamento mensal de R$
10 mil.
Em relação aos cubanos, todavia, os R$ 10 mil são pagos ao governo da ilha, que os
contratou por meio de sociedade intitulada Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos
Cubanos S/A. Pela cláusula 2.1 j desse contrato, receberia cada profissional no Brasil, apenas 400
dólares por mês, depositando-se em Cuba outros 600 dólares.
(...)
Há menção à vinculação do profissional cubano a um regulamento disciplinar (resolução
168) de trabalhadores cubanos no exterior, cujo conhecimento só o terá quando da preparação
prévia de sua saída para o exterior . Na letra 2.2 j , lê-se que o casamento com um não cubano
estará sujeito à legislação cubana, a não ser que haja autorização prévia por escrito da referida
máxima direção cubana.
(...)
A leitura do contrato demonstra nitidamente que consagra a escravidão laboral, não
admitida no Brasil. Fere os seguintes artigos da Constituição brasileira: 1º incisos III (dignidade da
pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho); o inciso IV do art. 3º (eliminar qualquer tipo de
discriminação); o art. 4º inciso II (prevalência de direitos humanos); o art. 5º inciso I (princípio da
igualdade) e inciso III (submissão a tratamento degradante), inciso X (direito à privacidade e honra),
inciso XIII (liberdade de exercício de qualquer trabalho), inciso XV (livre locomoção no território
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nacional), inciso XLI (punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais), art. 7º inciso XXXIV (igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo laboral ou
avulso) e muitos outros que não cabe aqui enunciar, à falta de espaço.
(...)
Não se compreende como as autoridades brasileiras tenham concordado com tal iníquo
regime de escravidão e de proibições, em que o Direito cubano vale em matéria que nos é tão cara
(dignidade humana) mais do que as leis brasileiras!
A fuga de uma médica cubana e há outros que estão fazendo o mesmo desventrou uma
realidade, ou seja, que o Mais Médicos esconde a mais dramática violação de direitos humanos de
trabalhadores de que se tem notícia, praticada, infelizmente, em território nacional. Que o Ministério
Público do Trabalho tome as medidas necessárias para que esses médicos deixem de estar sujeitos a
tal degradante tratamento.
x) ao apresentar trechos desse artigo, não se pretende adotá-lo como posição da unidade
técnica, mas demonstrar a existência de riscos para a continuidade do programa e a boa aplicação dos
recursos públicos envolvidos; e
z) com fulcro nessas considerações, entende-se cabível a realização de diligência ao
Ministério da Saúde para que:
- informe quais medidas foram ou serão adotadas para apurar as alegações da Sra. Ramona
Matos Rodriguez no Inquérito Civil nº 707/2013 da Coordenadoria da Defesa dos Interesses
Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região;
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade dos contratos firmados pelos profissionais cubanos e pela Sociedad Mercantil
Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A , visto que tais contratos estão sendo
observados no Programa Mais Médicos;
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do modelo diferenciado de participação dos profissionais cubanos, em face
especialmente das disposições constitucionais que vedam distinções de qualquer natureza por motivos
de sexo, idade, cor ou estado civil;
- informe quais estruturas, unidades ou agentes são responsáveis pela análise e garantia das
condições de trabalho dos profissionais participantes do Programa Mais Médicos, descrevendo as
respectivas competências;
- informe se o Ministério da Saúde tem conhecimento da existência de pessoas ligadas à
OPAS ou a qualquer outra instituição nacional ou estrangeira que seja responsável por monitorar a
atuação dos médicos cubanos;
- informe se existe norma ou procedimento que impeça os médicos cubanos de aderirem ao
programa de forma direta, em igualdade de condições com os profissionais provenientes de outras
nacionalidades;
- na hipótese de ampliação do Programa Mais Médicos, informe se aos profissionais de
nacionalidade cubana que já aderiram ao programa por intermédio da OPAS será facultada a
possibilidade de participar de nova inscrição com vista à seleção direta pelo governo brasileiro; e
- informe se foram adotadas medidas para garantir a prevalência dos direitos humanos e do
caráter de cooperação entre povos para o progresso da humanidade, estabelecidos em disposições
internacionais, que teriam fundamentado a elaboração do Programa Mais Médicos, conforme consta de
documento elaborado pelo Ministério da Saúde.
11. Quanto aos riscos relativos à imputação de responsabilidade ao Ministério da Saúde por
atos praticados por terceiros, o auditor salientou que:
a) os riscos a que o erário público está submetido são agravados pelo disposto no inciso I
da Cláusula Quinta do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação firmado com a OPAS, que
impõe ao Ministério da Saúde a obrigação de:

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I) Indenizar, isentar e defender a seu próprio custo a ORGANIZAÇÃO [OPAS] e a seus


funcionários, mandatários, servidores e empregados, a qualquer título, de todo pleito, reclamação,
demanda e responsabilidade de qualquer classe que surja com relação às atividades executadas sob a
responsabilidade ou dolo dos mencionados funcionários, mandatários, servidores e empregados da
ORGANIZAÇÃO.
b) considerando que o art. 5º, XLV, da Constituição Federal estabelece que toda pena é
individual e intransferível, entende-se que a constitucionalidade da cláusula acima citada poderia vir a
ser questionada. Afinal, ela imputa ao Ministério da Saúde e, consequentemente, aos cofres públicos a
responsabilidade pelo cumprimento de eventual pena por atos irregulares praticados pela Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS);
c) cabe frisar que a OPAS tem alegado imunidade internacional para não prestar
informações sobre a execução do Programa Mais Médicos. Além disso, cumpre lembrar que ela
receberá 5% dos recursos executados por seu intermédio;
d) na medida em que o Ministério da Saúde assume o ônus de responder pelos atos
praticados pela mencionada organização, vê-se que o modelo adotado gera o risco de que possíveis
desvios na execução do programa em tela serão suportados pelos escassos recursos destinados ao
Sistema Único de Saúde;
e) aduz-se que o Ministério da Saúde, órgão ao qual primordialmente competiria instituir
mecanismos de acompanhamento, controle e aplicação de penalidade para coibir desvios de toda sorte
em programa sob sua responsabilidade, será ao mesmo tempo acusador, julgador e réu se porventura
vier a implementar tais mecanismos; e
f) diante do acima exposto, entende-se cabível a realização de diligência ao Ministério da
Saúde para que:
- informe qual foi o fundamento legal considerado para que aquele Ministério assumisse a
responsabilidade incondicional por atos praticados por terceiros;
- informe quais medidas estão sendo adotadas para evitar ou diminuir os riscos associados
à responsabilidade assumida pelo Ministério da Saúde em decorrência do estabelecido no inciso I da
Cláusula Quinta do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica; e
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade da imunidade da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), caso essa
prerrogativa seja invocada para negar acesso e transparência às atividades e recursos relacionados ao
Programa Mais Médicos.
12. Sobre a garantia à ampla defesa dos interessados, o auditor salientou que:
a) o STF aprovou, na Sessão Plenária de 30/5/2007, a edição da Súmula Vinculante nº 3,
cujo verbete dispõe que:
Nos processos perante o Tribunal de Contas da União, asseguram-se o contraditório e a
ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que
beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de
aposentadoria, reforma e pensão.
b) os direitos tratados pela citada Súmula Vinculante 3 encontram-se inseridos no art. 5º,
LV, de nossa Lei Maior, o qual determina que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes ;
c) no plano infraconstitucional, o caput do art. 2º da Lei nº 9.784/1999, que regula o
processo administrativo no âmbito federal, preceitua expressamente que a Administração Pública
obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e
eficiência ;
d) a Súmula Vinculante nº 3 deve ser aplicada à Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS), uma vez que sobre ela podem recair os efeitos do julgamento dos presentes autos. Portanto, a

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Organização Pan-Americana de Saúde deve figurar neste processo como terceiro interessado, pois
existe o risco de que seus custos relativos à mobilização de recursos financeiros e humanos não sejam
integralmente retribuídos em função de alterações no pacto firmado com o Ministério da Saúde;
e) outro grande risco vislumbrado para a OPAS diz respeito à sua imagem, em decorrência
das suspeitas existentes sobre a legitimidade do acerto em tela no que concerne ao respeito aos direitos
humanos e à real destinação dos recursos públicos vinculados ao Programa Mais Médicos;
f) no âmbito do TC nº 027.492/2013-3, este Tribunal reafirmou a imunidade internacional
da OPAS. No entanto, essa imunidade não justifica a usurpação de direitos previstos no sistema
jurídico nacional, pois, no estado de direito brasileiro, são vedadas discriminações em função da
nacionalidade, exceto com base em diploma legal;
g) dessa forma, o TCU não pode impedir ou dificultar o direito de a OPAS se pronunciar
sobre os pontos tratados na presente representação, além de tecer as considerações que entender
cabíveis e apresentar a documentação necessária;
h) procedimentos análogos vem sendo adotados nesta Corte, por exemplo, quando se
concede a empresas licitantes ou contratadas a oportunidade de se manifestarem nos autos, na hipótese
de o instrumento que as vinculam à administração estar sendo questionado acerca de sua legalidade ou
validade. Tais empresas não estão obrigadas a prestar as informações solicitadas, mas tem garantido
seu direito de esclarecer ou defender seus interesses relativos a instrumentos em que figuram como
partes;
i) na hipótese de que ora se cuida, a natureza de direito é expressamente comunicada às
empresas, no próprio texto da oitiva, por meio da utilização de expressões como: caso entenda
necessário ou caso deseje se pronunciar ; e
j) com espeque nessas considerações, entende-se cabível a realização de oitiva direcionada
a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), para que, na qualidade de parte interessada, caso
entenda pertinente:
- manifeste-se sobre os indícios de descaracterização da natureza de ensino, pesquisa e
extensão do programa sob comento;
- manifeste-se sobre a validade e legitimidade da participação da Sociedad Mercantil
Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. na execução do Programa Mais
Médicos, visto que essa empresa não aparenta ter por objeto nenhuma atividade relacionada com o
ensino, a pesquisa e a extensão;
- informe se estão sendo adotadas medidas para evitar ou diminuir os riscos associados aos
questionamentos legais acerca da natureza de ensino, pesquisa e extensão do Programa Mais Médicos;
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do repasse de percentual inferior a 10% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para os médicos cubanos;
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do repasse de percentual superior a 70% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para a Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A.;
- preste informações sobre os tipos e a legitimidade das atividades que estão sendo
financiadas com os recursos executados por intermédio da OPAS;
- preste informações sobre a existência de estruturas, unidades ou agentes responsáveis
pela análise do efetivo pagamento da bolsa-estudo destinada aos participantes do Programa Mais
Médicos;
- apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do contrato firmado pelos profissionais cubanos e pela Sociedad Mercantil
Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A., no âmbito do Programa Mais Médicos;

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- preste informações sobre as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis pela análise


e garantia das condições de trabalho dos médicos participantes do Programa Mais Médicos,
descrevendo as respectivas competências;
- informe se a OPAS tem conhecimento da existência de pessoas ligadas à instituição
nacional ou estrangeira responsável por monitorar as atividades dos participantes do Programa Mais
Médicos de nacionalidade cubana; e
- informe que medidas estão sendo adotadas para garantir a prevalência dos direitos
humanos e o caráter de cooperação entre povos para o progresso da humanidade, estabelecidos em
disposições internacionais e que teriam fundamentado a elaboração do Programa Mais Médicos,
conforme consta de documento do próprio Ministério da Saúde.
13. Diante do acima exposto, o auditor concluiu que:
a) o documento constante da peça 1 deve ser conhecido como representação, por preencher
os requisitos previstos nos arts. 235 e 237 do Regimento Interno do TCU;
b) no que tange ao requerimento de medida cautelar, entende-se que existe o fumus boni
iuris. No entanto, avalia-se que não há o periculum in mora, dado que o objeto da presente
representação está em andamento e produz efeitos práticos e jurídicos. Ademais, está presente o
periculum in mora reverso em função dos prejuízos que poderiam advir do atendimento ao pleito
formulado, a exemplo da paralisação de atendimentos médicos agendados. Assim sendo, entende-se
que o pedido de medida cautelar não deve ser acolhido;
c) as informações constantes destes autos não são suficientes para permitir a análise do
mérito da presente representação, razão pela qual se faz necessária a realização de diligência e de
oitiva para obter documentos que ajudem a elucidar a questão. Nesse sentido, há diversos pontos sobre
os quais é necessário solicitar informações aos Ministérios da Saúde e da Educação e à OPAS;
d) as solicitações de informações propostas versam sobre três aspectos distintos:
- estruturação e funcionamento operacional do programa;
- identificação de agentes que possam ser apontados como stakeholders (agentes
envolvidos ou interessados) em futuros trabalhos a serem realizados pelo TCU; e
- agentes que possam vir a responder por irregularidades no âmbito da competência do
TCU; e
e) apesar de o TC nº 027.492/2013-3 tratar do mesmo objeto desta representação, não se
entende, até o presente momento, ser adequado apensar esses processos, pois naquele processo se
realiza uma análise diversa da pretendida pelos ora representantes. Ademais, a natureza distinta desses
processos acarreta diferenças quanto à acessibilidade a peças e decisões, bem como no que concerne
aos procedimentos e encaminhamentos adotados. Entretanto, a unidade técnica está atenta a que as
informações apresentadas naquele processo sejam incorporadas aos presentes autos.
14. Com fulcro nessas considerações, o auditor propôs (peça 5):
a) conhecer da presente representação, uma vez que foram satisfeitos os requisitos de
admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, inciso III, do Regimento Interno deste Tribunal;
b) indeferir a cautelar pleiteada, diante da presença do periculum in mora reverso;
c) realizar diligência, com fundamento no art. 157 do Regimento Interno do TCU, ao
Ministério da Saúde, para que, no prazo de 15 dias:
c.1) pronuncie-se acerca dos indícios de descaracterização da natureza ensino, pesquisa e
extensão do programa em tela;
c.2) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade da participação da empresa Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de
Servicios Médicos Cubanos S.A. no Programa Mais Médicos, visto que essa empresa não aparenta ter
por objeto nenhuma atividade relacionada a ensino, pesquisa ou extensão;
c.3) informe se estão sendo adotadas medidas para evitar ou diminuir os riscos associados
a questionamentos legais acerca da natureza de ensino, pesquisa e extensão do Programa Mais
Médicos, indicando as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis por essas medidas;

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c.4) informe quais são as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis pela análise da
adequação e qualidade dos produtos relativos à natureza de ensino, pesquisa e extensão que vierem a
ser elaborados pela OPAS no âmbito do Programa Mais Médicos, descrevendo as respectivas
competências;
c.5) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do repasse de percentual inferior a 10% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para os médicos cubanos;
c.6) informe se tinha conhecimento da participação da Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A., por intermédio da OPAS, na execução do
Programa Mais Médicos;
c.7) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do repasse de percentual superior a 70% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para a Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A.;
c.8) informe o tipo e a legitimidade das atividades que estão sendo financiadas com a
parcela superior a 70% dos recursos públicos do Programa Mais Médicos executados por intermédio
da OPAS;
c.9) informe as medidas adotadas para evitar os riscos decorrentes de questionamentos
legais acerca da destinação de mais de 70% dos recursos executados sob intermediação da OPAS para
a empresa Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A.,
indicando as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis por essas medidas;
c.10) informe se existem estruturas, unidades ou agentes responsáveis pela análise do
efetivo pagamento da bolsa-estudo destinada aos participantes do Programa Mais Médicos, visto
tratar-se de despesas custeadas com recursos públicos;
c.11) informe quais as medidas foram ou serão adotadas para apurar os fatos alegados pela
médica Ramona Matos Rodriguez, no âmbito do Inquérito Civil nº 707/2013, que foi instaurado pela
Coordenadoria da Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria
Regional do Trabalho da 1ª Região;
c.12) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do contrato firmado pelos médicos cubanos e pela Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A., visto que este contrato está sendo utilizado na
execução do Programa Mais Médicos;
c.13) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade da adoção de modelo diferenciado de participação dos profissionais cubanos,
tendo em vista as disposições insculpidas nos arts. 5º, caput ( todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza ), e 7º, XXX ( proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil ), da Constituição
Federal;
c.14) informe as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis pela análise das
condições de trabalho dos médicos participantes do Programa Mais Médicos, descrevendo as
respectivas competências;
c.15) informe se tem conhecimento da existência de pessoas ligadas à OPAS ou a qualquer
outra instituição nacional ou estrangeira responsável por monitorar os participantes do Programa Mais
Médicos de nacionalidade cubana;
c.16) informe se existe norma ou procedimento que impeça os médicos cubanos de
aderirem ao programa de forma direta em igualdade de condições com os profissionais com outras
nacionalidade;
c.17) na hipótese de ampliação do Programa Mais Médicos, informe se será facultada aos
profissionais cubanos que já aderiram a esse programa por intermédio da OPAS a possibilidade de
participar da seleção direta pelo governo brasileiro;
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c.18) informe as medidas adotadas para garantir a prevalência dos direitos humanos e o
caráter de cooperação entre povos para o progresso da humanidade, estabelecidos em disposições
internacionais e que teriam fundamentado a elaboração do Programa Mais Médicos, conforme consta
de documento desse Ministério;
c.19) informe o fundamento legal da assunção pelo Ministério da Saúde da
responsabilidade incondicional por atos praticados por terceiros, a qual foi prevista no inciso I da
Cláusula Quinta do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica;
c.20) informe as medidas adotadas para evitar ou diminuir os riscos associados à
responsabilidade mencionada no item acima, bem como relacione esses riscos e a probabilidade, a
relevância e os impactos a eles atribuídos; e
c.21) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade da imunidade conferida à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), caso
essa imunidade seja invocada para negar acesso e transparência às atividades e aos recursos referentes
ao Programa Mais Médicos;
d) realizar diligência, com fundamento no art. 157 do Regimento Interno do TCU, ao
Ministério da Educação, para que, no prazo de 15 dias:
d.1) informe quais programas orçamentários estão sendo utilizados para pagar as despesas
relativas ao Programa Mais Médicos;
d.2) informe quais normativos disciplinam a participação do MEC no âmbito do Programa
Mais Médicos, em especial aqueles que disciplinam a seleção das instituições e dos profissionais
associados ao caráter de ensino, pesquisa e extensão do mencionado programa;
d.3) informe quais são as unidades administrativas e os agentes envolvidos na consecução
dos objetivos do Programa Mais Médicos, descrevendo as respectivas competências;
d.4) informe os controles implementados com vistas a identificar eventuais irregularidades
relativas ao fornecimento de bolsas supervisão ou tutoria;
d.5) informe os indicadores elaborados e os procedimentos de monitoramento e
acompanhamento previstos e implementados para avaliar os resultados operacionais das atividades de
ensino, pesquisa e extensão relativas ao Programa Mais Médicos;
d.6) informe as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis pela análise da adequação
e qualidade dos produtos relativos à natureza de ensino, pesquisa e extensão que vierem a ser
elaborados no âmbito do Programa Mais Médicos, descrevendo as respectivas competências;
d.7) informe a quantidade de supervisores ou tutores no âmbito do Programa Mais
Médicos, bem como os valores pagos a título de bolsas supervisão ou tutoria; e
d.8) informe como está sendo garantida a transparência da utilização dos recursos e da
execução de atividades sob sua responsabilidade;
e) determinar, nos termos do art. 276, § 2º, do Regimento Interno do TCU, a oitiva da
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), para que, no prazo de 15 dias úteis, caso entenda
pertinente:
e.1) pronuncie-se acerca dos indícios de descaracterização da natureza ensino, pesquisa e
extensão do Programa Mais Médicos;
e.2) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade da participação da Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios
Médicos Cubanos S.A. na execução do Programa Mais Médicos, visto que essa empresa não aparenta
ter por objeto nenhuma atividade relacionada a ensino, pesquisa ou extensão;
e.3) informe se estão sendo adotadas medidas para evitar ou diminuir os riscos associados
aos questionamentos legais acerca da natureza de ensino, pesquisa e extensão do Programa Mais
Médicos;
e.4) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do repasse de percentual inferior a 10% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para os médicos cubanos;

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e.5) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da


validade e legitimidade do repasse de percentual superior a 70% dos recursos públicos do Programa
Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para a empresa Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A.;
e.6) preste informações sobre a legitimidade das atividades que estão sendo financiadas
com os recursos públicos do Programa Mais Médicos executados por intermédio da OPAS;
e.7) informe sobre a existência de estruturas, unidades e agentes responsáveis pela análise
do efetivo pagamento da bolsa-estudo destinada aos participantes do Programa Mais Médicos;
e.8) apresente posicionamento, sob os aspectos técnicos, legais e operacionais, acerca da
validade e legitimidade do contrato firmado pelos médicos cubanos e pela Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A., visto que esse contrato está sendo utilizado na
execução do Programa Mais Médicos;
e.9) informe as estruturas, as unidades e os agentes responsáveis pela análise das condições
de trabalho dos profissionais participantes do Programa Mais Médicos, descrevendo as respectivas
competências;
e.10) informe acerca do seu conhecimento da existência de pessoas ligadas à instituição
nacional ou estrangeira responsável por monitorar as atividades dos participantes do Programa Mais
Médicos de nacionalidade cubana;
e.11) informe as medidas adotadas para garantir a prevalência dos direitos humanos e o
caráter de cooperação entre povos para o progresso da humanidade, estabelecidos em disposições
internacionais e que teriam fundamentado a elaboração do Programa Mais Médicos, conforme consta
de documento elaborado pelo Ministério da Saúde;
f) encaminhar cópia integral dos presentes autos aos órgãos e às entidades às quais se
destinam essas oitivas e diligências, a fim de subsidiar as respectivas respostas;
g) comunicar aos Deputados Federais José Mendonça Bezerra Filho, Luiz Henrique
Mandetta e Ronaldo Ramos Caiado a decisão que vier a ser adotada nestes autos.
15. O Diretor da 2ª Diretoria da Secex Saúde expediu o seguinte despacho (peça 6):
Manifesto-me de acordo com a proposta formulada pelo AUFC MARCOS TIBÚRCIO
DOS SANTOS TABOSA, constante de peça anterior (doc 51.089.883-8).
Nada obstante, fazem-se dois registros. O primeiro é relativo ao tópico Da garantia à
ampla defesa dos interessados da instrução do auditor (itens 4.91 a 4.104), a título de
esclarecimento. A par de fazer remissão à imunidade internacional da OPAS abordada pelo Ministro-
Relator no Acórdão nº 3.614/2013 - Plenário, o auditor aduz nos itens 4.98 e 4.99 que a imunidade
internacional da OPAS não pode ser entendida como motivo para que sejam usurpados da
organização direitos previstos no sistema jurídico nacional e que não pode o TCU impedir ou
dificultar o direito de a OPAS se pronunciar sobre os pontos tratados na presente representação .
Em verdade, são situações distintas. Naquela oportunidade, reconheceu-se que a OPAS
não estaria obrigada a prestar as informações requeridas, com amparo na citada imunidade. Nesta
representação, pela proposta formulada, o TCU está franqueando à OPAS o direito de se manifestar,
diante da possibilidade de ela se ver atingida, indiretamente, por eventual medida que venha a ser
endereçada ao Ministério da Saúde.
Portanto, não há que se falar em possível usurpação ou impedimento, até mesmo porque,
para que isso restasse caracterizado, necessário que houvesse intenção da OPAS em manifestar nos
autos e ela fosse cerceada pelo Tribunal, o que não é o caso.
O segundo registro diz respeito ao fundamento para a oitiva da OPAS (item V da proposta
de encaminhamento). Utilizou-se o art. 276, § 2º, do RI/TCU, todavia, tal dispositivo é adequado para
o caso de oitiva prévia com o fim de o Tribunal decidir acerca de cautelar, o que não guarda
consonância com o proposto no item II, uma vez já formulado juízo pela negativa da cautelar.
Portanto, propõe-se que a oitiva seja fundamentada no art. 250, inciso V, do RI/TCU.

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16. O titular da Secex Saúde manifestou-se favoravelmente ao acolhimento da proposta


formulada pelo auditor, com as retificações sugeridas pelo Diretor (peça 7).
17. Em seguida, proferi o seguinte despacho (peça 8):
Cuida-se de representação formulada pelos Deputados Federais José Mendonça Bezerra
Filho, Luiz Henrique Mandetta e Ronaldo Ramos Caiado, a qual versa sobre possíveis irregularidades
relacionadas ao objeto da Medida Provisória nº 621/2013, de 08/07/2013, posteriormente convertida
na Lei nº 12.871, de 23/10/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos (pp. 1 a 10 da peça 1).
2. Os representantes alegaram a existência das seguintes supostas irregularidades:
a) não caracterização de ensino-pesquisa-extensão do programa em comento;
b) desigualdade indevida de tratamento entre profissionais cubanos e os naturais de
outros países;
c) discrepância entre os dispêndios do governo brasileiro e a remuneração paga a título
de bolsa para o profissional de origem cubana;
d) existência de restrição às liberdades individuais dos profissionais cubanos integrantes
do programa em foco;
e) participação de empresa cubana na intermediação da contratação dos profissionais
cubanos, desvirtuando os objetivos que fundamentam os projetos de cooperação técnica internacional.
3. Com fulcro nessas alegadas irregularidades, os representantes solicitaram a concessão
de medida cautelar no sentido de determinar ao governo brasileiro que se abstenha de realizar novos
desembolsos à Organização Pan-Americana de Saúde, com fulcro no 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo
de Cooperação.
4. No que concerne ao mérito deste processo, os ilustres Deputados Federais solicitaram
que o TCU julgue procedente esta Representação e considere irregular a execução do 3º Termo de
Ajuste ao 80º Termo de Cooperação para a Participação de Médicos Cubanos no Projeto Mais
Médicos para o Brasil, com a consequente identificação dos responsáveis por eventuais
irregularidades e a aplicação das devidas sanções legais.
5. Em anexo a esta representação, foram encaminhados ao Tribunal:
a) o documento intitulado Contrato individual para la prestación de servicios
profesionales y tecnicos en el exterior firmado entre a Sociedad mercantil cubana Comercializadora
de Servicios Médicos Cubanos S.A. (CSMC) e a Sra. Ramona Matos Rodrigues, médica de
nacionalidade cubana participante do programa em comento (pp. 11 a 21 da peça 1);
b) uma peça do Inquérito Civil nº 707/2013, instaurado pela Coordenadoria da Defesa dos
Interesses Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª
Região (pp. 17 a 21 da peça 1).
6. A unidade técnica, após analisar os documentos encaminhados a esta Corte de Contas,
manifestou-se pelo conhecimento desta representação, uma vez que ela preenche os requisitos
constantes do art. 235 do Regimento Interno do TCU.
7. Em seguida, a Secretaria de Controle Externo da Saúde Secex Saúde opinou pela
negativa da medida cautelar pleiteada pelos representantes, uma vez que não estaria presente o
periculum in mora.
8. Por fim, a Secex Saúde propôs as oitivas dos Ministérios da Educação e da Saúde e da
Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
9. Concordo com o entendimento esposado pela unidade técnica pelos motivos que passo a
expor. Em primeiro lugar, considero que restaram atendidos os requisitos para o conhecimento desta
representação, que constam do art. 235 do Regimento Interno do TCU. Afinal, ela versa sobre matéria
de competência do Tribunal, refere-se a responsável sujeito à sua jurisdição, está redigida em
linguagem clara e objetiva, contém os nomes dos representantes, além das respectivas qualificações e
endereços e está acompanhada de supostos indícios concernente a alegadas irregularidades. Aduzo
que os Deputados Federais possuem legitimidade para representar a esta Corte, segundo dispõe o art.
237, III, do Regimento Interno deste Tribunal.

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10. Em segundo lugar, entendo que a medida cautelar ora solicitada deve ser negada, uma
vez que não restou caracterizado um dos requisitos para sua concessão, qual seja o perigo na demora.
11. Com espeque nessas considerações:
a) conheço desta representação e nego a concessão da medida cautelar solicitada pelos
representantes;
b) determino a realização das oitivas na forma proposta pela unidade técnica. Friso que,
no caso da Organização Pan-Americana de Saúde, o ofício a ser encaminhado deverá explicitar que a
oitiva significa uma oportunidade para apresentar esclarecimentos, não havendo obrigatoriedade de
fazê-lo;
c) determino, ainda, o encaminhamento de cópia deste despacho e da instrução da
unidade técnica para os Deputados Federais representantes.
À Secex Saúde, para a adoção das providências cabíveis.
18. Após a realização das mencionadas diligências e oitivas, o auditor analisou os documentos
acostados aos presentes autos e, na sequência, elaborou instrução da qual destaco os seguintes pontos:
Histórico do Programa Mais Médicos
a) no dia 8/7/2013, foi instituído pelo Governo Federal o Programa Mais Médicos,
mediante a Medida Provisória nº 621/2013, posteriormente convertida na Lei nº 12.871, de 22/10/2013
(peça 54). Nessas normas, foi estabelecido que o referido programa visa formar recursos humanos na
área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS);
b) com esse objetivo, no art. 2º dessa Lei, foram definidas três ações, dentre as quais cabe
destacar a promoção, nas regiões prioritárias do SUS, do aperfeiçoamento de médicos na área de
atenção básica em saúde, mediante a integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio
internacional. Para executar essa ação, foi instituído o Projeto Mais Médicos para o Brasil;
c) nesse sentido, o § 2º do art. 13 da Lei nº 12.871/2013 prevê a participação de
prosissionais estrangeiros no Projeto em tela. Além disso, o art. 23 dessa lei autoriza que, para a
execução das ações por ela previstas, os Ministérios da Educação e da Saúde poderão firmar acordos e
outros instrumentos de cooperação com organismos internacionais;
d) com esse fundamento, o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde
- OPAS firmaram, no dia 22/8/2013, o 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica para
implementação do Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em
Saúde , com vistas a viabilizar a vinda de médicos cubanos para o Brasil, na condição de participantes
do mencionado Programa (peça 39, p. 50 a 58);
e) desse modo, a participação de profissionais estrangeiros ocorreria de duas formas:
- inscrição direta realizada pelo médico participante junto ao Governo Brasileiro; e
- por cooperação (forma indireta), com a intermediação da OPAS (médicos provenientes
de Cuba), iniciada pelo 3º Termo de Ajuste;
f) o 3º Termo de Ajuste teve vigência por três anos e previu um desembolso pelo Governo
Federal, no exercício de 2013, de R$ 510.957.307,00 (quinhentos e dez milhões, novecentos e
cinquenta e sete mil, trezentos e sete reais). Tais recursos foram transferidos para a OPAS, visando ao
pagamento de bolsas-formação para os médicos cubanos participantes e de taxas de administração para
aquela organização. Inicialmente, previu-se que 4.000 médicos cooperados provenientes de Cuba
seriam integrados ao Projeto Mais Médicos para o Brasil (peça 40, p. 46);
g) foram publicados os 4º e 5º Termos de Ajuste (peça 41, p. 22, e peça 42), os quais
também são objetos de análise nesta instrução; e
h) o Parecer nº 2.778/2014 COGEAJUR/CONJUR-MS/CGU/AGU, da Advocacia-Geral
da União - AGU (peça 44, p. 2), relativo ao 5º Termo de Ajuste, menciona existir a minuta de um 6º
Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica, cuja redação é idêntica à daquele Termo de
Ajuste. Ademais, em consulta ao Sistema Integrado de Protocolo e Arquivo - SIPAR, verificou-se
menção à minuta de um 7º Termo de Ajuste, no entanto, não foram identificados nem o propósito nem

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os desembolsos de recursos previstos (peça 62, p. 2; Registro SIPAR 25000.059870/2015-19). Esses


últimos instrumentos não foram analisados nesta instrução;
Dos recursos da União envolvidos no Projeto Mais Médicos para o Brasil
a) os recursos da União atingiam R$ 2.660.877.647,00 (dois bilhões, seiscentos e sessenta
milhões, oitocentos e setenta e sete mil, seiscentos e quarenta e sete reais), conforme detalhado no
quadro abaixo:
Quadro 1- Total de recursos fiscalizados
INSTRUMENTO RECURSOS
3º Termo de Ajuste R$ 510.957.307,00
4º Termo de Ajuste R$ 973.946.600,00
5º Termo de Ajuste R$ 1.175.973.740,00
TOTAL R$ 2.660.877.647,00
Fonte: 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste (peça 39, p. 50; peça 41, p. 22; peça 42)

b) consoante disposto nos cronogramas de desembolso constantes dos planos de trabalho


anexados aos Termos de Ajuste, a última parcela desses recursos (referente ao 5º Termo de Ajuste)
seria transferida à OPAS em fevereiro de 2015, conforme segue:
Quadro 2- Cronograma de desembolso
Instrumento Mês de desembolso Valor a ser desembolsado
ago/13 R$ 100.000.000,00
3º Termo de Ajuste set/13 R$ 300.000.000,00
nov/13 R$ 110.957.307,00
TOTAL R$ 510.957.307,00
fev/14 R$ 427.000.000,00
4º Termo de Ajuste abr/14 R$ 273.000.000,00
jun/14 R$ 273.946.600,00
TOTAL R$ 973.946.600,00
ago/14 R$ 280.000.000,00
out/14 R$ 300.000.000,00
5º Termo de Ajuste dez/14 R$ 120.000.000,00
fev/15 R$ 475.973.740,00
TOTAL R$ 1.175.973.740,00
Fonte: Planos de Trabalho dos Termos de Ajuste (peça 39, p. 58; peça 41, p. 34; peça 43, p. 3)

c) os valores referentes aos três Termos de Ajuste já foram integralmente transferidos para
OPAS, conforme consta do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
SIAFI, a saber:
- 3º Termo de Ajuste: Transferências Financeiras 2013TF828704, 2013TF833433,
2013TF836122, 2014TF802947 e 2014TF000002;
- 4º Termo de Ajuste: Transferências Financeiras 2014TF000044, 2014TF817800 e
2014TF822096; e
- 5º Termo de Ajuste: Transferências Financeiras 2014TF831066, 2014TF837034,
2014TF843163 e 2015TF000034.
Dos trabalhos realizados pelo TCU versando sobre o Projeto Mais Médicos
a) o Projeto Mais Médicos para o Brasil foi objeto de auditoria de natureza operacional, a
qual deu origem ao Acórdão nº 331/2015 - Plenário (TC nº 005.391/2014-8), bem como de

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acompanhamento efetuado em decorrência do Acórdão nº 3.614/2013 - Plenário (TC nº 027.492/2013-


3);
Das impugnações em outras instituições
a) encontra-se em tramitação, no Senado Federal, o Projeto de Decreto Legislativo nº
33/2015 (peça 53), que propõe a sustação do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica, tendo como justificativa matéria veiculada na Revista Veja , na qual, em essência,
menciona-se esse Termo de Ajuste como um artifício do Poder Executivo Federal, que teria por
finalidade evitar um acordo bilateral com o Governo da República de Cuba, o qual teria que ser
necessariamente submetido à apreciação e à aprovação do Congresso Nacional. Dessa forma, como o
Brasil possui acordos internacionais de cooperação técnica firmados com a OPAS, essa organização
assumiu o papel de intermediar a relação entre os Governos Brasileiro e Cubano. Assim, teria havido
um acordo bilateral (entre Brasil e Cuba) ocultado por uma cooperação técnica multilateral (entre o
Brasil e OPAS);
b) nesse sentido, o Projeto de Decreto Legislativo dispõe que o 3º Termo de Ajuste usurpa
a competência legislativa do Congresso Nacional em matéria de tratados, acordos ou atos
internacionais;
c) por outro lado, os valores referentes à execução do 3º Termo de Ajuste, no montante de
R$ 510.957.307,00 (quinhentos e dez milhões, novecentos e cinquenta e sete mil e trezentos e sete
reais), foi integralmente transferido pelo Governo Brasileiro para a OPAS, mediante as Transferências
Financeiras 2013TF828704, 2013TF833433, 2013TF836122, 2014TF802947 e 2014TF000002.
Portanto, caso venha a ocorrer a sustação pelo Legislativo Federal, ela não terá efeitos financeiros;
d) além disso, os valores correspondentes aos 4º e 5º Termos de Ajuste também foram
integralmente repassados, mediante as Transferências Financeiras 2014TF000044, 2014TF817800 e
2014TF822096 (4º Termo de Ajuste) e 2014TF831066, 2014TF837034, 2014TF843163 e
2015TF000034 (5º Termo de Ajuste). Cabe salientar que, apesar de serem instrumentos semelhantes,
os 4º e 5º Termos de Ajuste não constam como objeto da proposta de sustação feita no Projeto de
Decreto Legislativo nº 33/2015;
e) o mencionado Projeto de Decreto Legislativo se encontra na Subsecretaria de
Coordenação Legislativa do Senado Federal - SSCLSF, aguardando a inclusão na Ordem do Dia dos
Requerimentos nº 224 e nº 225, de 2015, de autoria do Senador Humberto Costa, para que a matéria
seja submetida ao exame das Comissões de Assuntos Sociais CAS e de Relações Exteriores e Defesa
Nacional CRE;
f) continua tramitando a Ação Civil Pública nº 75040-51.2013.4.01.3400, ajuizada pelo
Conselho Federal de Medicina - CFM, no âmbito da qual se pleiteia a declaração de nulidade do 3º
Termo de Ajuste. O Ministério Público Federal emitiu parecer concordando parcialmente com o
pedido formulado pelo autor daquela ação, no sentido de considerar inválido o 3º Termo de Ajuste por
entender que haveria vícios de objeto, motivo e finalidade (peça 63, p. 5 e 6);
g) estão tramitando no STF as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.035 e nº 5.037,
nas quais está sendo avaliada a constitucionalidade de dispositivos da Medida Provisória nº 621/2013,
posteriormente convertida na Lei nº 12.871/2013. O Procurador-Geral da República se manifestou pela
improcedência total do pedido e pela a constitucionalidade da mencionada lei;
h) o processo que teve origem na reclamação realizada pela médica cubana Ramona Matos
Rodrigues, que tramitou na 1ª Vara do Trabalho de Tucuruí - PA, foi arquivado, devido ao não
comparecimento da médica à sessão e ao pedido de desistência da ação por ela apresentado; e
i) o Ministério Público do Trabalho, em decorrência do Inquérito Civil nº 707/2013 da
Coordenadoria da Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria
Regional do Trabalho da 10ª Região ingressou com Ação Civil Pública junto à 13ª Vara da Justiça do
Trabalho de Brasília/DF. No entanto, aquele juízo se declarou absolutamente incompetente para julgar
a matéria e remeteu os autos para a Justiça Federal do Distrito Federal;

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Do arcabouço normativo utilizado pelo Poder Executivo para alicerçar o Projeto Mais
Médicos para o Brasil
a) o Projeto Mais Médicos para o Brasil foi instituído pela Medida Provisória nº 621/2013,
posteriormente convertida na Lei nº 12.871/2013, conhecida como Lei do Mais Médicos (peça 54).
Esse programa possui a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único
de Saúde (SUS). Nesse sentido, foram estabelecidos diversos objetivos a serem alcançados (art. 1º,
caput e incisos I a VIII, da Lei nº 12.871/2013);
b) para atingir esses objetivos, o art. 2º da Lei estabelece um tripé de ações a serem
executadas, quais sejam:
- estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no País;
- reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica; e
- promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de
atenção básica em saúde, mediante a integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio
internacional;
c) o capítulo IV da Lei do Mais Médicos dispõe sobre o Projeto Mais Médicos para o
Brasil, o qual diz respeito à última ação acima citada;
d) o citado projeto prevê a participação de médicos formados em instituições de educação
superior brasileiras, com diploma revalidado no País ou formados em instituições de educação superior
estrangeiras. As inscrições dos médicos têm ocorrido pelas vias indireta, com a intermediação da
OPAS (médicos cooperados provenientes de Cuba), e direta, sem a intermediação dessa organização
internacional, realizadas pelo Governo Brasileiro (profissionais brasileiros e estrangeiros);
e) o Ministério da Saúde e a OPAS utilizam como permissivos legais para a inscrição de
profissionais cubanos de forma intermediada (via indireta) o Ajuste Complementar ao Convênio
Básico firmado entre o Brasil e a OMS, promulgado pelo Decreto nº 3.594/2000 (peça 47), do qual
decorrem o 80º Termo de Cooperação Técnica e seus 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste;
f) o mencionado Ajuste Complementar teria fundamento:
- no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS, que foi aprovado pelo Decreto
Legislativo nº 11/1956 (peça 45) e promulgado pelo Decreto nº 54.366/1964 (peça 46);
- no Acordo Básico de Assistência Técnica firmado pelo Brasil, pela Organização das
Nações Unidas ONU e por suas agências especializadas e pela Agência Internacional de Energia
Atômica, o qual foi ratificado pelo Decreto Legislativo nº 11/1966 (peça 48) e promulgado pelo
Decreto nº 59.308/1966 (peça 49); e
- no Acordo entre o Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento
do Escritório de Área, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 108/1983 (peça 50) e promulgado pelo
Decreto nº 353/1991 (peça 51);
g) para melhor compreensão desse arcabouço normativo, elaborou-se o seguinte diagrama:

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Elaborado pela SecexSaúde- TCU

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Dos acordos internacionais e da cooperação técnica internacional


a) tratado é o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades de dois ou
mais sujeitos de direito internacional. Em decorrência de sua forma, seu conteúdo, seu objeto ou seu
fim, os tratados assumem outras denominações, como convenção, declaração, protocolo, convênio,
acordo, ajuste, compromisso, modus vivendi, troca de notas, notas reversais etc. Note-se que a
denominação não possui importância jurídica ou só a terá de forma muito relativa;
b) uma das principais classificações dos acordos internacionais, que leva em consideração
a natureza do ato, admite duas categorias:
- tratados-contratos: destinam-se a regular interesses recíprocos, resultam de uma troca de
vontades, visam a fins diversos, possuem a aparência de contratos e seus efeitos são essencialmente
subjetivos; e
- tratados-leis ou tratados-normativos: visam fixar normas de direito internacional, podem
ser comparados a leis, resultam de acordos de vontades em um mesmo sentido e procuram estabelecer
regras objetivas;
c) outra classificação diz respeito ao número de partes envolvidas. Segundo ela, denomina-
se bilateral o tratado celebrado por duas partes e multilateral aquele que é firmado por três pactuantes.
No entanto, no nível da cooperação técnica internacional, o Ministério das Relações Exteriores define
como cooperação bilateral a realizada pelo Brasil e outros países e multilateral a que é implementada
com organismos internacionais;
d) no Brasil, como decorrência dos mandamentos constitucionais insculpidos nos arts. 49,
I, e 84, VIII, da Constituição Federal de 1988, os acordos internacionais firmados pelo Poder
Executivo devem ser submetidos à aprovação do Congresso Nacional, o qual concretizará essa
aprovação por meio de Decreto legislativo. Em seguida, o Executivo promulgará o referido acordo
mediante Decreto;
e) os acordos e tratados internacionais ratificados por Decreto Legislativo do Congresso
Nacional possuem status de lei ordinária. Contudo, caso versem sobre direitos humanos, eles estarão
situados acima das leis e abaixo das normas constitucionais. Por fim, se os tratados sobre esses direitos
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, eles serão equivalentes às emendas constitucionais, consoante disposto no § 3º
do art. 5º da Constituição Federal de 1988;
f) em que pese a exigência constitucional de que os acordos sejam submetidos à ratificação
pelo parlamento, no Brasil, comumente são promulgados os chamados acordos executivos, que
independem de aprovação pelo Congresso Nacional. Consigne-se, que tais acordos não possuem status
de lei. Geralmente, esses acordos executivos são utilizados para permitir a execução de um acordo
básico ou acordo-quadro anteriormente firmado pelo Governo Brasileiro e ratificado pelo Poder
Legislativo. Assim sendo, eles estão sob a égide de um acordo internacional em sentido estrito. Esses
acordos criam o arcabouço institucional que orientará a execução da cooperação e usualmente tomam
o nome de Ajuste ou Ajuste Complementar;
g) as Diretrizes para o Desenvolvimento de Cooperações Técnicas Internacionais
Multilaterais e Bilaterais, editadas pela Agência Brasileira de Cooperação ABC (peça 52, p. 17 a 18),
dispõem que os acordos executivos podem ser celebrados sem aprovação congressional tópica,
desde que nada acrescentem às obrigações previstas no Acordo Básico e sejam seu complemento, não
acarretando encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional . Assim, para que esses
acordos não afrontem a Constituição Federal de 1988, eles não devem dispor de forma diversa ao que
estabelecem os acordos básicos dos quais se originam, ou seja, eles não podem inovar no mundo
jurídico, sob pena de incorrerem em vício de consentimento expresso com agravo ao direito público
interno;
h) além dos acordos executivos, que geralmente são promulgados pelo Chefe do Poder
Executivo mediante decreto, no âmbito das cooperações técnicas internacionais são celebrados outros
instrumentos que têm por finalidade detalhar a operacionalização dessas avenças, os chamados
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projetos executivos de cooperação técnica . Esses projetos são firmados no nível ministerial, não
sendo objetos de promulgação pelo Presidente da República;
i) diante do acima exposto, constata-se que:
- o Convênio Básico celebrado pelo Brasil e pela OMS e o Acordo firmado pelo Brasil e
pela Repartição Sanitária Pan-Americana para Funcionamento do Escritório de Área são acordos
bilaterais. Já o Acordo Básico de Assistência Técnica é multilateral, pois foi assinado pelo Brasil, pela
Organização das Nações Unidas ONU e suas Agências Especializadas e pela Agência Internacional
de Energia Atômica. Todos eles são classificados como tratados-normativos;
- o Ajuste Complementar ao Convênio Básico, promulgado por meio do Decreto nº
3.594/2000, é um acordo executivo editado sob a égide dos mencionados acordos básicos. Ele dá
origem à cooperação técnica multilateral, que é realizada com um organismo internacional
(OPAS/OMS); e
- o 80º Termo de Cooperação Técnica e os seus 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste
consubstanciam projetos executivos de cooperação técnica internacional, firmados para
operacionalizar o ajuste complementar ao convênio básico, consistente na implementação do projeto
Ampliação do acesso da população brasileira à atenção básica em saúde ; e
i) cumpre salientar ainda que não se deve confundir o Projeto Mais Médicos para o Brasil
com o Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em Saúde. O primeiro
decorre da Lei nº 12.871/2013, é mais amplo e se refere a médicos brasileiros e estrangeiros. Já o
segundo decorre do 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Ministério da Saúde e pela OPAS,
com a finalidade de viabilizar a entrada no País de médicos cubanos para participarem do mencionado
projeto;
Das observações preliminares
a) as mais importantes fontes que serviram como parâmetros basilares para as análises
acerca da legalidade material dos Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica se
consubstanciam nos acordos internacionais firmados pelo Governo Brasileiro e devidamente
aprovados pelo Congresso Nacional, dado que são equiparados à lei pelo ordenamento jurídico
brasileiro;
b) após análise restrita ao artigo 17 da MP nº 621/2013, confirmado pelo art. 23 da Lei nº
12.871/2013, o Ministro Benjamin Zymler, Relator do Acórdão nº 3.614/2013 - Plenário, considerou
que a assinatura do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica teve respaldo legal
(parágrafos 28 a 30 do voto condutor desse decisum). Considerando que as análises aqui realizadas
transcendem o aspecto da conformidade dos Termos de Ajuste em relação à Lei nº 12.87/2013, as
conclusões ora apresentadas não confrontam a afirmação realizada pelo Ministro; e
c) não serão abordados todos os questionamentos realizados pelos representantes, mas
somente aqueles nos quais foram, por ora, identificadas ilegalidades. Assim, o que não for tratado aqui
o será na instrução com proposta de mérito.
19. Em seguida, o auditor realizou o exame técnico desta representação, tendo destacado que:
Da desconformidade do 3º, do 4º e do 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica em relação aos propósitos da cooperação técnica internacional
Argumentos dos autores desta representação
a) o 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica não é compatível com as
Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral (peça
1, p. 4 a 8), uma vez que os instrumentos de cooperação técnica internacional pressupõem a prestação
de consultorias com o objetivo de transferir know-how para a promoção de mudanças qualitativas na
área que se pretende desenvolver, o que não estaria ocorrendo em relação ao mencionado instrumento
de cooperação, visto que os médicos provenientes de Cuba estão entrando no País para receberem
conhecimento mediante especialização; e
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b) em que pese a representação indicar apenas o 3º Termo de Ajuste, dada a semelhança


entre os instrumentos, as análises a seguir referir-se-ão também aos posteriores 4º e 5º Termos de
Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica;
Análises dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste em relação aos propósitos que permeiam a
cooperação técnica internacional
a) o 80º Termo de Cooperação Técnica e os 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste foram editados
com lastro no:
- Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS, no dia 4/2/1954, que foi aprovado pelo
Decreto Legislativo nº 11/1956 (peça 45) e promulgado pelo Decreto nº 54.366/1964 (peça 46);
- Acordo Básico de Assistência Técnica firmado pelo Brasil, pela Organização das Nações
Unidas ONU e por suas agências especializadas e pela Agência Internacional de Energia Atômica, o
qual foi ratificado pelo Decreto Legislativo nº 11/1966 (peça 48) e promulgado pelo Decreto nº
59.308/1966 (peça 49); e
- Acordo entre o Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do
Escritório de Área, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 108/1983 (peça 50) e promulgado pelo
Decreto nº 353/1991 (peça 51);
b) esses instrumentos legais respaldam as atividades da Organização Pan-Americana de
Saúde - OPAS/OMS no território brasileiro e a celebração de acordos de cooperação técnica entre essa
organização e o Brasil;
c) tendo em vista a posição de lei que esses acordos internacionais detêm no ordenamento
jurídico brasileiro, uma que foram devidamente aprovados pelo Congresso Nacional, em conformidade
com o que preveem os arts. 49, I, e 84, VIII, da Constituição Federal de 1988, as cooperações técnicas
internacionais deles decorrentes devem ser efetivadas em seus estritos termos. Esse entendimento é
corroborado pelo art. I do Convênio Básico firmado entre o Brasil e a OMS, verbis:
Artigo I
Assistência técnica de caráter consultivo
1. A organização prestará assistência técnica de caráter consultivo ao Governo sobre as
questões e na forma que se convenham em acordos ou entendimentos suplementares concertados de
conformidade com o presente Convênio Básico.
d) já o art. V dessa avença prevê que o Governo Brasileiro poderá firmar ajustes por meio
de acordos ou entendimentos suplementares, verbis:
Artigo V
Facilidades, Privilégios, Imunidades
2. O presente convênio básico e todos os acordos ou entendimentos suplementares que se
celebrem em aplicação das duas disposições poderão ser modificados por acordo mútuo entre a
Organização e o Governo, devendo cada uma das partes considerar plena e favoravelmente qualquer
pedido de modificação encaminhado pela outra parte.
e) nesse sentido, em 2000, foi promulgado o Decreto nº 3.594/2000, com a finalidade de
dar efetividade às disposições trazidas pelo Ajuste Complementar (peça 47) aos mencionados
Convênio Básico e Acordo para Funcionamento de um Escritório de Área. Dessa forma, o art. IV do
mencionado ajuste autoriza a celebração de cooperações técnicas, nos seguintes termos:
Artigo IV
Cada projeto ou iniciativa adicional ao Programa Regular da OPAS, ao qual se atribuam
os recursos autorizados pelo Artigo IX do Adendo ao Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de
Área da Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil será objeto
de termo de cooperação específico, que conterá as condicionantes particulares para sua execução e
as bases técnicas e/ou científicas para seu desenvolvimento, incluindo objetivos, meios, formas de
participação, obrigações de cada lado, contribuições técnicas, financeiras, recursos humanos e
materiais, orçamento, plano de aplicação e cronograma de desembolso. Quando for o caso, os termos
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de cooperação deverão conter cláusulas sobre retorno econômico, direitos de propriedade intelectual,
sigilo de comércio e outros direitos que possam vir a ser gerados no âmbito da cooperação.
f) nesse contexto, no dia 25/4/2013, foi editado o 80º Termo de Cooperação Técnica,
firmado pela OPAS e pelo Poder Executivo Federal, por intermédio do Ministério da Saúde.
Consoante estabelecido na Cláusula Quarta e na Subcláusula Única da Cláusula Décima desse termo,
sua operacionalização, assim como as alterações que se fizerem necessárias, exceto quanto ao objeto,
serão processadas mediante a assinatura de Termos de Ajuste; e
g) cabe analisar a validade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica. Para tanto, serão abordados a seguir os principais acordos que fundamentaram as cooperações
entre o Governo Brasileiro e a OPAS. Além disso, cumpre avaliar o sentido do art. 23 da Lei nº
12.871/2013 no atual contexto jurídico internacional;
Do Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e do Ajuste Complementar ao
Convênio Básico
a) segundo consta da ementa do Decreto Legislativo nº 11/1956, que aprovou o Convênio
Básico celebrado entre o Brasil e a OMS, o objetivo dessa avença foi a importação de conhecimento
técnico, que seria fornecido por consultorias especializadas. Nesse sentido, o art. 1º dessa norma
estabeleceu que:
Art. 1º É aprovado o Convênio Básico entre o Brasil e a Organização Mundial de Saúde
para assistência técnica de caráter consultivo, firmado no Rio de Janeiro, a 4 de fevereiro de 1954.
b) em consonância com esse objetivo, todos os dispositivos do mencionado convênio
preveem a vinda para o Brasil, com base em instrumentos de cooperação técnica, de consultores com o
intuito de que internalizar know-how no desenvolvimento de técnicas, pessoas e estruturas, conforme
se observa nas passagens abaixo:
Desejando dar cumprimento às resoluções e decisões das Nações Unidas e da
Organização relativas à assistência técnica de caráter consultivo e chegar a um acordo mútuo quanto
ao propósito e alcance de cada projeto, às responsabilidades a serem assumidas e aos serviços a
serem prestados pelo Governo e pela Organização;
(...)
Artigo I
Assistência técnica de caráter consultivo
1. A Organização prestará assistência técnica e de caráter consultivo ao Governo sobre as
questões e na forma que se convenham em acordos ou entendimentos suplementares concertados de
conformidade com o presente Convênio Básico.
2. Tal assistência técnica de caráter consultivo será proporcionada e recebida de
conformidade com as observações e os princípios orientados estabelecidos no Anexo I da Resolução
222 (IX) do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 15 de agosto de 1949, e de
conformidade com as resoluções pertinentes da Assembleia Mundial de Saúde, do Conselho Executivo
e de outros órgãos da Organização.
3. Tal assistência técnica de caráter consultivo consistirá no seguinte:
a) Facilitar ao Brasil (doravante denominado "o país") os serviços de perito, para fins de
consulta e de assistência às autoridades competentes;
b) organizar e dirigir seminários, programas de adestramento, projetos de demonstração,
grupos de trabalho integrado por peritos, assim como atividades conexas nas localidades que se
convenham por acordo mútuo;
c) outorgar bolsas de estudos e de aperfeiçoamento ou tomar outras medidas em virtude
das quais os candidatos propostos pelo Governo e aprovados pela Organização possam fazer cursos e
receber adestramento fora do país;
d) preparar e executar projetos experimentais nas localidades que se convenham por
acordo mútuo;

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e) proporcionar qualquer outra forma de assistência técnica de caráter consultivo em que


convenham a Organização e o Governo.
4.a) Os peritos que deverão prestar serviços de consulta e assistência técnica ao Governo
serão selecionados pela organização em consulta com o Governo. Os peritos serão responsáveis
perante a Organização.
b) No desempenho de suas funções, os peritos atuarão em estrita cooperação, na forma de
consulta com o Governo e com as pessoas e órgão para esse fim autorizados pelo Governo, e darão
cumprimento às instruções do Governo expressas nos acordos e entendimentos suplementares.
c) No decurso de suas funções consultivas, os peritos farão todo o possível para elucidar
os funcionários técnicos que o Governo tenha designado junto a eles, quanto aos métodos
profissionais, técnicos e práticas de trabalho, assim como os princípios em que se baseiam, devendo o
Governo sempre que possível designar tais funcionários junto aos peritos para este fim.
c) o citado item 3 do Artigo I apresenta os objetos das assistências técnicas de caráter
consultivo. Em síntese, prevê-se que conhecimentos acerca de assunto de domínio do organismo
internacional e não do Governo Brasileiro sejam transferidos para o Brasil, visando:
- proporcionar prestação de consultas e assistência técnica;
- treinar o pessoal interno;
- organizar e dirigir seminários;
- organizar e dirigir grupos de trabalho de peritos e atividades correlatas; e
- realizar experimentos em parceria com o Governo Brasileiro;
d) observa-se que o mencionado convênio básico foi celebrado com o intuito de
internalizar conhecimentos não comumente disponíveis no País, que seriam transferidos por
consultores ou peritos, com vistas ao desenvolvimento do setor da saúde. Ademais, foi prevista a
prestação de qualquer outra forma de assistência técnica de caráter consultivo em que convenham a
organização e o governo brasileiro;
e) dessa forma, o governo de nosso país e a OMS poderão firmar outro acordo em sentido
estrito. Por conseguinte, o art. I do Ajuste Complementar ao Convênio Básico, que tem a natureza de
um acordo executivo e foi aprovado pelo Decreto 3.594/00), dispõe que:
ARTIGO I
O presente Ajuste Complementar tem como objeto o desenvolvimento da cooperação no
âmbito do Ministério da Saúde voltada para Programas e Projetos relacionados aos Sistemas de
Saúde do Brasil, entendida como ação solidária nos seguintes campos:
a) desenvolvimento de políticas de saúde que, a critério das Partes, venham a ser
definidas;
b) desenvolvimento de sistemas e serviços de saúde;
c) desenvolvimento da infra-estrutura de sistemas de saúde;
d) desenvolvimento de recursos humanos em saúde;
e) desenvolvimento científico e tecnológico em saúde;
f) promoção à saúde e prevenção e controle de doenças e outros agravos;
g) estimular o aumento do uso de insumos estratégicos de saúde pública pelo Governo; e
h) outros campos que venham a ser mutuamente acordados.
f) em uma leitura menos cuidadosa, poder-se-ia interpretar que a alínea h acima
autorizaria que o governo brasileiro firmasse termos de cooperação com objetivo diverso daquele
previsto no Convênio Básico celebrado pelo Brasil e pela OMS. No entanto, nessa hipótese, haveria
um desvio da finalidade para a qual foi firmada a mencionada avença. Afinal, o ajuste complementar
possui natureza de acordo executivo , portanto, não pode dispor de forma diversa do estabelecido no
Convênio Básico. Dessa forma, a alínea h se refere a outros campos de desenvolvimento, além dos
citados nas alíneas a a g ;

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g) no entanto, não parece ser esse o entendimento da Advocacia-Geral da União AGU,


consoante exposto no Parecer Conjur/MS nº 1.012/2013, relativo ao 3º Termo de Ajuste (peça 39, p.
60 a 78), verbis:
Do objeto de cooperação técnica e das metas do Termo de Ajuste:
10. Nos termos do artigo I do referido Ajuste, apenso por cópia ao Decreto º 3.594, de
2000, o Ajuste Complementar tem como objeto o desenvolvimento da cooperação no âmbito do
Ministério da Saúde voltada para programa e projetos relacionados aos Sistemas de Saúde no Brasil,
entendida como ação solidária nos seguintes campos: (...) e h) outros campos que venham a ser
mutuamente acordados.
11. Os mecanismos da cooperação encontram-se também delineados no mencionado
Ajuste Complementar, em seu artigo 11 (sublinhado nosso): "(...) além de outras formas que possam
vir a ser estabelecidas de comum acordo, consistentes com as missões e programas em
desenvolvimento por ambas as Partes."
h) o item d do artigo I do mencionado Ajuste Complementar ao Convênio Básico refere-
se ao desenvolvimento de recursos humanos em saúde no sentido do aperfeiçoamento de
capacidades internas;
i) corroborando o que foi até aqui exposto, as Diretrizes para o Desenvolvimento de
Cooperações Técnicas Internacionais Multilateral e Bilateral esclarecem que (peça 52, p. 9):
6. No caso de projetos voltados especificamente para o âmbito governamental, não se
deve confundir uma ação de cooperação técnica internacional com a implementação de políticas
públicas. A função de um projeto de cooperação técnica é a de capacitar e instrumentalizar órgãos
públicos para que estes possam implementar, por seus próprios meios e de forma mais eficiente e com
maior impacto e sustentabilidade, políticas e programas públicos. A execução destes últimos deve se
sustentar, portanto, nos instrumentos institucionais e administrativos disponíveis na administração
pública.
j) os parágrafos 3 e 5 dos parâmetros gerais dessas diretrizes frisam que (peça 52, p. 25):
3. Da mesma forma, a cooperação técnica não tem por objetivo atuar como instrumento
intermediário de prestação de serviços públicos ou de execução de programas em temas e práticas já
de domínio público.
(...)
5. Um projeto de cooperação técnica não tem a função de substituir a administração
pública na execução de programas governamentais. Quando se trata de um projeto executado por um
órgão governamental, a contribuição elegível da cooperação técnica internacional é a de promover o
desenvolvimento de capacidades da referida instituição, na intenção de torná-la apta a implementar
com maior eficiência e eficácia um programa público.
Do propósito do Convênio Básico quanto ao pagamento de bolsas de estudo
a) o item 3, alínea c , do Artigo I do Convênio Básico prevê o pagamento de bolsas de
estudo e aperfeiçoamento, verbis:
c) outorgar bolsas de estudos e de aperfeiçoamento, ou tomar outras medidas em virtude
das quais os candidatos propostos pelo Govêrno e aprovados pela Organização possam fazer cursos e
receber adestramento fora do país; e
b) conforme se observa, esse dispositivo claramente estabelece que as bolsas sejam
destinadas a pessoas internas pretendentes à qualificação no exterior. Dessa forma, não há previsão no
Convênio Básico para que as mencionadas bolsas sejam pagas para qualificação de estrangeiros no
Brasil;
Do Acordo Básico de Assistência Técnica firmado com a Organização das Nações Unidas
e suas Agências Especializadas e com a Agência Internacional de Energia Atômica

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a) o referido acordo também foi celebrado com o intuito de permitir que conhecimentos
não dominados internamente pudessem ser trazidos ao Brasil, de forma a promover o desenvolvimento
nacional em diversos campos, dentre eles, o da saúde (nesse caso, notadamente através da OMS);
b) o artigo I desse acordo estabelece que:
Os Organismos prestarão ao Governo assistência técnica, condicionada à existência dos
fundos necessários. O Governo e os Organismos, estes agindo conjunta ou separadamente, deverão
cooperar na elaboração, com base nos pedidos apresentados pelo Governo e aprovado pelos
Organismos, de programas de operações de mútua conveniência para a realização de atividades de
assistência técnica.
c) o item 3 desse mesmo artigo (peça 48, p. 2) apresenta os objetos em relação aos quais a
assistência técnica pode ser prestada, que são bastante parecidos com os do Convênio Básico. Em
síntese, podem ser internalizados conhecimentos acerca de assunto de domínio da organização
internacional, não dominados pelas instituições públicas brasileiras. Esses conhecimentos devem ser
transferidos para o Brasil por meio de peritos, assistentes técnicos e assessores, com a finalidade de:
- proporcionar prestação de assessoria técnica;
- treinar o pessoal interno;
- organizar e dirigir seminários;
- organizar e dirigir grupos de trabalho de peritos e atividades correlatas; e
- realizar experimentos em parceria com o Governo Brasileiro;
d) cabe frisar que todas essas ações devem orbitar em torno do termo assistência técnica .
Note-se que o Ministério das Relações Exteriores - MRE, por meio da Agência Brasileira de
Cooperação - ABC, informou que o termo em questão foi substituído pela expressão cooperação
técnica , que, no caso da cooperação multilateral, enseja a transferência de conhecimentos entre um
organismo internacional e um país, conforme disposto abaixo:
Em 1959, a Assembleia Geral da ONU decidiu rever o conceito de "assistência técnica ,
substituindo a expressão por "cooperação técnica , termo que era propício para definir uma relação
que, se por um lado pressupõe a existência de partes desiguais, por outro representa uma relação de
trocas, de interesses mútuos entre as partes.
No caso da cooperação técnica internacional (CTI), pela sua própria característica de
transferência de conhecimentos sem qualquer conotação comercial, foi dada ênfase à consultoria
especializada, ao treinamento/capacitação de pessoal e à complementação da infra-estrutura
disponível na instituição recipiendária.
Desta forma, a cooperação técnica internacional configura-se como um instrumento
auxiliar de promoção do desenvolvimento nacional e um importante mecanismo de estreitamento das
relações entre países. Para contribuir para o processo de desenvolvimento sócio econômico, a CTI
enseja a transferência de conhecimentos entre um organismo internacional e um país, ou entre países,
em bases não comerciais, com vistas a alcançar-se objetivos previamente definidos e acordados entre
as partes (consubstanciados em um Documento de Projeto), em um tema específico.
e) assim como estabelecido no Convênio Básico, a alínea e do item 3 do Artigo I
estabelece a possibilidade de se prestar outra forma de assistência técnica que venha a ser acordada
entre o Governo e os Organismos . Dessa alínea depreende-se que, além das ações de assistência
técnica, o Governo Brasileiro e o organismo internacional com o qual se pretende estabelecer a
cooperação poderão firmar outro acordo em sentido estrito;
f) o Ministro Relator José Jorge, no voto condutor do Acórdão nº 1.339/2009 - Plenário
expressou o seguinte entendimento acerca dos propósitos da cooperação técnica internacional:
os propósitos dos projetos de cooperação técnica estão restritos às hipóteses nas quais
haja transferência de conhecimentos ou exista assessoria técnica, a qual, por seu turno, deve
compreender atividades de treinamento, consultoria, bem como a aquisição de bens e contratação de
serviços, desde que estes estejam vinculados ao desenvolvimento das ações contidas no acordo básico

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de cooperação e que não possam executadas pelo próprio órgão pertencente à administração pública
federal.
g) observa-se no Acordo Básico de Assistência Técnica o mesmo propósito do Convênio
Básico firmado entre o Brasil e a OMS, qual seja, transferência para o Brasil de conhecimento externo,
visando internalizar o manejo de técnicas que ainda não estão sob o domínio das instituições públicas
brasileiras;
h) item 3, alínea c , do Artigo I do Acordo Básico de Assistência Técnica prevê a
concessão de bolsas de estudos e a adoção de outras providências para que pessoas internas estudem
ou recebam treinamento fora do País, verbis:
c) conceder bolsas de estudos e aperfeiçoamento ou adotar outras providências que
possibilitem a candidatos designados pelo Governo, e aprovados pelos Organismos interessados,
estudar ou receber treinamento, profissional fora do país;
i) constata-se que o Acordo Básico de Assistência Técnica também não prevê que as
mencionadas bolsas sejam pagas com o fito de qualificar estrangeiros no Brasil;

Do Acordo firmado pelo Brasil e pela Repartição Sanitária Pan-Americana para o


funcionamento do Escritório de Área

a) o referido acordo é o documento jurídico internacional no qual se estabelecem, além da


sede de funcionamento (Brasília - DF), as condições, facilidades e prerrogativas referentes ao
funcionamento do escritório da OPAS no Brasil. Considerando que ele contém normas regentes da
cooperação técnica entre nosso país e aquela organização, seu exame não é relevante para os
propósitos desta instrução;

A suficiência da Lei nº 12.871/2013 para embasar os projetos de cooperação técnica com a


OPAS

a) o art. 23 da Lei nº 12.871/2013 (peça 54) autoriza os Ministérios da Saúde e da


Educação a firmar acordos com organismos internacionais, verbis:
Art. 23. Para execução das ações previstas nesta Lei, os Ministérios da Educação e da
Saúde poderão firmar acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos internacionais,
instituições de educação superior nacionais e estrangeiras, órgãos e entidades da administração
pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, consórcios
públicos e entidades privadas, inclusive com transferência de recursos.
b) contudo, qualquer medida de cooperação internacional deve respeitar o disposto no
Convênio Básico e no Acordo Básico de Assistência Técnica. Afinal, um acordo internacional em
sentido estrito ratificado pelo Congresso Nacional é de observância obrigatória, uma vez que contém
regras jurídicas específicas. Caso contrário, haverá o desrespeito à competência exclusiva conferida ao
Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, disposta no art. 49, I, da
Constituição Federal de 1988;
c) a Lei do Programa Mais Médicos, por se tratar de um instrumento legal interno e, por
via de consequência, não afetar a relação bilateral estabelecida entre o Brasil e a OPAS, não é o
instrumento idôneo para regular os aspectos dessa relação de cooperação;
d) devido a essa ausência de relação bilateral na Lei nº 12.871/2013, não deve prosperar
eventual argumento no sentido de que ela seria uma norma específica em relação aos Convênio Básico
e Acordo Básico de Assistência Técnica. Ademais, acordos internacionais em sentido estrito que
tratam de matéria afeta à saúde são tratados internacionais de direitos humanos. Logo, adquirem um
status de supralegalidade e não podem ser suprimidos por uma lei ordinária, em conformidade com os
arts. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 6º, 194 e 196 da Constituição Federal de
1988 e com o entendimento exarado pelo STF quando do julgamento do RE nº 466.343-1/SP); e
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e) assim sendo, no que toca à relação com a OPAS, o art. 23 da Lei nº 12.871/2013
somente possui eficácia em relação às cooperações técnicas cujos propósitos se alinham com aqueles
previstos no Convênio Básico entre o Brasil e a OMS e no Acordo Básico de Assistência Técnica entre
o Brasil, a ONU e suas Agências Especializadas e a Agência Internacional de Energia Atômica;

Conclusão quanto à análise do Convênio Básico entre o Brasil e a OMS, do Acordo Básico
de Assistência Técnica entre o Brasil, a ONU e suas Agências Especializadas e a Agência
Internacional de Energia Atômica e da Lei nº 12.871/2013 em relação aos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste
ao 80 º Termo de Cooperação Técnica

a) com fundamento nas análises apresentadas, conclui-se que os 3º, 4º e 5º Termos de


Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Governo Brasileiro e pela OPAS não
possuem fulcro no Convênio Básico entre o Brasil e a OMS nem no Acordo Básico de Assistência
Técnica entre o Brasil, a ONU e suas Agências Especializadas e a Agência Internacional de Energia
Atômica;
b) afinal, os mencionados convênio e acordo tratam da cooperação estabelecida visando à
disponibilização para o Brasil de conhecimentos técnicos externos, como tecnologias, técnicas e
procedimentos não comumente verificáveis em nosso país;
c) esse entendimento é reforçado pelo seguinte trecho das Diretrizes para o
Desenvolvimento de Cooperação Técnica Internacional Bilateral e Multilateral (peça 52, p. 27):
1.1. O componente pessoal de um projeto envolve a possibilidade de contratação de
pessoas físicas, nacionais ou estrangeiras, para a prestação de consultorias com prazo determinado,
exclusivamente vinculados aos objetivos e resultados contemplados na ação de cooperação
internacional.
d) no âmbito do Acórdão nº 1.339/2009 - Plenário, relativamente à execução de projetos de
cooperação técnica internacional financiados exclusivamente com recursos orçamentários da União,
esta Corte firmou entendimento no sentido de que:
9.2.1. os acordos básicos de cooperação técnica internacional prestada ao Brasil não
autorizam que a contraparte externa efetue, no interesse da Administração demandante, o
desempenho de atribuições próprias dos órgãos públicos, nas quais não haverá transferência de
conhecimento por parte do organismo internacional executor ou em que a assessoria técnica de um
ente externo é dispensável, por se tratar de temas e práticas já de domínio público, demandados
rotineiramente pela Administração, a exemplo da contração de bens e serviços de natureza comum,
usualmente disponíveis no mercado;
e) no entanto, os mencionados 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste foram firmados para que
médicos cubanos adentrem às fronteiras brasileiras com a finalidade de receberem conhecimentos
mediante especialização, recebendo bolsas-formação financiadas com recursos do orçamento da União
(peça 39, p. 50 e 51; peça 41, p. 23 e 24; peça 42, p. 2 e 4). Saliento que o pagamento de bolsas
somente deveria ser realizado no caso de qualificação no exterior de profissionais internos;
f) essa situação está sintetizada no quadro abaixo:
Quadro 3- Resumo do cotejamento entre os Acordos Básicos e os Termos de Ajuste

CONVÊNIO BÁSICO E ACORDO BÁSICO


3º, 4º e 5º TERMOS DE AJUSTE
DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Transferência de Know-how, na forma de Especialização, com a integração


conhecimentos inovadores a serem internalizados, ensino-serviço, de médicos
AÇÕES
como técnicas, tecnologias e procedimentos ainda estrangeiros (cubanos) que
não comumente disponíveis no Brasil. permanecerão no Brasil por três anos.

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Pagamento de bolsas a profissionais internos que


forem se especializar fora do país (Artigo I, item Pagamento de bolsas de estudo a
PAGAMENTO DE BOLSAS
3, c , do Acordo Básico de Assistência Técnica e estrangeiros no Brasil (cubanos).
do Convênio Básico).
Fonte: Convênio Básico entre Brasil e OMS (peça 45); Acordo Básico de Assistência Técnica (peça 48); e 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste
(peça 39, p. 50; peça 41, p. 22; peça 42)

g) a partir das informações constantes do Plano de Trabalho do 3º Termo de Ajuste (peça


39, p. 57 e 58) e de Nota Técnica do Ministério da Saúde (peça 40, p. 45 e 46), foi possível levantar o
percentual dos recursos transferidos para a OPAS a título de bolsas-formação e de ajudas de custo em
relação aos desembolsos com pessoas físicas e total, consoante demonstrado no quadro a seguir:
Quadro 4- Percentual relativo do desembolso referente aos médicos cubanos no 3º Termo de Ajuste

3º TERMO DE AJUSTE

PERCENTUAL DAS
PERCENTUAL DAS BOLSAS-FORMAÇÃO E
VALOR PAGO A BOLSAS-FORMAÇÃO AJUDA DE CUSTO EM
DESEMBOLSO E AJUDAS DE CUSTO
PESSOAS FÍSICAS* RELAÇÃO AO
EM RELAÇÃO AOS DESEMBOLSO TOTAL
DESEMBOLSOS COM (R$ 510.957.307,00)
PESSOAS FÍSICAS
BOLSAS-FORMAÇÃO R$ 344.000.000,00
AJUDA DE CUSTO R$ 120.000.000,00
ASSESSORES INTERNACIONAIS R$ 3.500.000,00
99% 91%
CONSULTORIAS
ESPECIALIZADAS R$ 1.500.000,00
TOTAL PAGO A PESSOAS
FÍSICAS R$ 469.000.000,00
Fontes: Peça 40 e Plano de Trabalho do 3º Termo de Ajuste (peça 39, p. 57-58).
(*) Conforme consta no Plano de Trabalho do 3º Termo de Ajuste
Obs.: 1-A composição foi realizada com base na peça 40;
2-Os médicos participantes receberam, inicialmente, uma ajuda de custo no valor de R$ 30.000,00; e

h) verifica-se que os recursos relativos às bolsas-formação e ajudas de custo representam


quase a totalidade do montante previsto no 3º Termo de Ajuste, o que demonstra que a participação
dos médicos intercambistas cubanos não é meramente acessória, mas principal;
i) no quadro acima, verifica-se que, além dos médicos intercambistas, também está prevista
a participação de assessores e consultores no projeto em tela. Caso seja confirmado que esses
consultores e assessores executam atividades com o fito de internalizar conhecimentos, técnicas e
processos atinentes à saúde, não comumente disponíveis no Brasil, as respectivas contratações estarão
em conformidade com os propósitos da cooperação técnica internacional;
j) no Parecer nº 2.778/2014 COGEAJUR/CONJUR-MS/CGU/AGU (peça 44, p. 15), a
AGU expressou preocupação com um possível desvirtuamento do 5º Termo de Ajuste em relação aos
propósitos da cooperação técnica internacional, in verbis:
50. Ademais, sugere-se a leitura dos Acórdãos Plenário nº 1.256/2010 e nº 1.339/2009,
que trazem orientações importantes acerca da necessária justificação da utilização de instrumentos de
cooperação internacional, que não podem ser desvirtuados para a execução de projetos integralmente
custeados com recursos nacionais e da aquisição de bens e contratação de serviços de natureza
comum, os quais podem ser realizadas pela administração sem a intermediação desses organismos.
Destaque-se a seguinte passagem do Acórdão nº 1.256/2010:

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"Em suma, o caráter inovador da cooperação internacional é requisito indispensável da


regularidade do relacionamento da Administração com os organismos internacionais, à conta de
projetos financiados exclusivamente com recursos nacionais.
(...)
Além de contrariar as finalidades dos organismos internacionais, tal prática também
importa em violação à premissa de que a cooperação técnica internacional se justifica pelo objetivo
de propiciar ao país destinatário o acesso a conhecimentos ou bens de que ele necessita para seu
desenvolvimento econômico ou social e dos quais ele não poderia dispor por seus próprios meios.
(...)
Em consequência, os instrumentos que viabilizam tais contratações são inválidos, por
extrapolarem o escopo definido no tratado internacional a que deveriam se vincular. Nessas
condições, deixam de constituir um subproduto do acordo básico que o Congresso aprovou, para
converterem-se num vínculo autônomo, em verdadeira evasão do controle parlamentar sobre as
relações com organismos internacionais, o que a Constituição Federal não admite."
k) com fulcro nessas considerações, entende-se que, ao contrário do que é defendido pelo
Ministério da Saúde, os 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica não
possuem fundamento no Convênio Básico firmado entre o Brasil e a OMS nem no Acordo Básico de
Assistência Técnica entre o Governo Brasileiro, a ONU e suas Agências Especializadas e a Agência
Internacional de Energia Atômica. Assim sendo, os Termos de Ajuste sob análise estão inquinados de
ilegalidade e procede a alegação dos representantes no sentido de que o 3º Termo de Ajuste ao 80º
Termo de Cooperação Técnica desvirtua os propósitos da cooperação técnica internacional;
l) para a execução das ações previstas na Lei nº 12.871/2013, o art. 23 dessa norma
autoriza o Governo Brasileiro a realizar cooperação internacional com a OPAS/OMS. No entanto, não
existe um acordo de cooperação internacional vigente e aprovado pelo Congresso Nacional, na forma
do art. 49, I, da Constituição Federal de 1988, que proporcione o necessário suporte aos 3º, 4º e 5º
Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica;
m) a responsabilidade por essa desconformidade recai sobre os gestores do Ministério da
Saúde que subscreveram os termos de ajuste sob exame. Afinal, eles assinaram tais documentos que
não estavam em consonância com os normativos que versam sobre as cooperações técnicas
internacionais das quais o Brasil está autorizado a participar. Além disso, era possível identificar a
natureza ilícita dos mencionados termos, porquanto os acordos básicos que orientam o Ministério da
Saúde nas cooperações técnicas internacionais são claros e antigos. Ademais, o Acórdão nº 1.339/2009
- Plenário e as Diretrizes para a Cooperação Técnica Multilateral e Bilateral ajudam a compreensão
apropriada da matéria sob comento;
n) os termos de ajuste em tela estão acompanhados pelos seguintes pareceres da
Advocacia-Geral da União:
- 3º TA: Parecer CONJUR/MS nº 1.012/2013;
- 4º TA: Parecer CODELICI/COGEAJUR/CONJUR-MS/CGU/AGU/MVP nº 563/2014; e
- 5º TA: Parecer COGEAJUR/CONJUR-MS/CGU/AGU nº 2.778/2014;
o) nos pareceres relativos aos 3º e 4º Termos de Ajuste, a AGU não apontou a
irregularidade ora consignada pela unidade técnica. No entanto, tal omissão não é suficiente para
ensejar a responsabilização dos pareceristas, visto que, à época, eles não dispunham dos elementos
necessários para realizarem uma análise adequada. Anteriormente ao Projeto Mais Médicos para o
Brasil, os projetos de cooperação firmados com a organização internacional possuíam o fito de
disponibilizar conhecimentos ao Ministério da Saúde mediante o apoio de consultores e assessores.
Nesse contexto, os 3º e 4º Termos de Ajuste, apesar de terem inovado no que concerne aos respectivos
objetos, não expuseram de forma clara todas as informações relativas à finalidade da chegada dos
médicos cubanos. Nesse sentido, cabe salientar que o Ofício nº 91/2014 - TCU/SecexSaude, de
6/3/2014 (peça 13), contendo os elementos capazes de subsidiar uma análise aprofundada pela AGU
acerca da irregularidade apontada, foi recebido no Ministério da Saúde no dia 7/3/2014 (peça 17),

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quando já havia sido emitido o parecer referente ao 4º Termo de Ajuste (assinado no dia 25/2/2014).
Por outro lado, o parecer da AGU relativo ao 5º Termo de Ajuste expressa quanto a um possível
desvirtuamento desse instrumento em relação aos propósitos da cooperação técnica internacional.
Desse modo, consideram-se isentos de responsabilização os pareceristas da Advocacia Geral da União;
p) note-se o citado alerta realizado pela AGU em seu parecer agrava uma possível
apenação do gestor do Ministério da Saúde que subscreveu o 5º Termo de Ajuste; e
q) por fim, era razoável exigir conduta diversa por parte dos gestores, visto que, dadas as
circunstâncias, além da possibilidade de se abster das assinaturas, os mesmos poderiam ter proposto ao
Chefe do Poder Executivo que fosse firmado um acordo internacional em sentido estrito a ser
submetido à apreciação do Congresso Nacional, fazendo-se cumprir o mandamento insculpido no art.
49, inciso I, da CF/88. Nesse sentido, enfatize-se que ainda não há um acordo bilateral entre os
governos do Brasil e de Cuba para a execução de cooperação técnica nos moldes que vêm sendo
desenvolvidos os Termos de Ajuste sob análise (vide peça 59), ou, no mesmo sentido, um acordo
multilateral com a OPAS.
20. Nesse contexto, propôs realizar a audiência dos seguintes responsáveis:
a) Sr. Alexandre Rocha Santos Padilha, Ministro de Estado da Saúde, e Sra. Márcia
Aparecida do Amaral, Secretária Executiva do Ministério da Saúde, no período de 1º/1/2011 a
3/2/2014, por terem subscrito o 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica, firmado
pela OPAS/OMS e pelo Ministério da Saúde, sem respaldo no Convênio Básico celebrado pelo Brasil
e pela OMS nem no Acordo Básico de Assistência Técnica assinado pelo Brasil, pela ONU e suas
Agências Especializadas e pela Agência Internacional de Energia Atômica (Art. I, item 3),
contrariando o art. 49, I, da Constituição Federal de 1988; o item 9.2.1. do Acórdão nº 1.339/2009
Plenário e as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e
Bilateral da Agência Brasileira de Cooperação; e
b) Sr. Ademar Arthur Chioro dos Reis, Ministro de Estado da Saúde, entre 3/2/2014 e
5/10/2015, por ter subscrito o 4º e o 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica,
firmado pela OPAS/OMS e pelo Ministério da Saúde, sem respaldo no Convênio Básico celebrado
pelo Brasil e pela OMS nem no Acordo Básico de Assistência Técnica assinado pelo Brasil, pela ONU
e suas Agências Especializadas e pela Agência Internacional de Energia Atômica (Art. I, item 3),
contrariando o art. 49, I, da Constituição Federal de 1988; o item 9.2.1. do Acórdão nº 1.339/2009
Plenário e as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e
Bilateral da Agência Brasileira de Cooperação.
21. Em seguida, o auditor teceu novas considerações, das quais destaco os seguintes pontos:
Dos supostos descumprimento formal ao disposto no Ajuste Complementar ao Convênio
Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e no 80º Termo de Cooperação Técnica e desrespeito a
princípios constitucionais
a) questionam a participação da Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios
Médicos Cubanos S.A. CSMC no Projeto Mais Médicos (peça 1, p. 7 e 8), a qual consta como
empregadora no contrato de trabalho apresentado pela médica cubana Ramona Matos Rodrigues (peça
1, p. 11 a 16);
b) por meio da diligência realizada mediante o Ofício nº 91/2014 - SecexSaude (peça 13),
o Ministério da Saúde - MS foi instado a se posicionar acerca de seu conhecimento da participação da
CSMC, por intermédio da OPAS, na execução do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Em resposta,
aquele Ministério encaminhou ao TCU a Nota Técnica nº 174/2014 PREPS/SGTES/MS, de 7/4/2014
(peça 33, p. 11), da qual foi reproduzido o trecho a seguir:
No que se refere a este tema, é importante destacar que o Governo Brasileiro, por meio
da assinatura do Termo de Cooperação, estabeleceu relação com a OPAS/OMS, responsável direta
pela garantia da execução das atividades do Projeto "Acesso da População Brasileira à Atenção
Básica em saúde" no Brasil.

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Assim, conforme dito anteriormente trata-se de uma questão intrínseca à relação jurídica
entre a OPAS e a República de Cuba.
c) em relação à validade e à legitimidade do repasse de um percentual inferior a 10% dos
recursos públicos do Programa Mais Médicos executados por intermédio da OPAS para os médicos
cubanos participantes desse programa, o MS alegou que (peça 33, p. 10 e 11):
em conformidade com os termos do 80º Termo de Cooperação Técnica e com base na
notória experiência do referido organismo internacional, compete à OPAS a efetiva gestão dos
projetos naquilo que lhe cabe, sendo responsável portanto, pela execução das ações referentes ao
desenvolvimento do Programa de Cooperação Técnica da OPAS para a participação de médicos
cubanos e o desenvolvimento de ações de fortalecimento da atenção básica no Projeto Mais Médicos
para o Brasil.
Diante disso, não cabe ao Ministério da Saúde emitir posicionamento sob os aspectos
técnicos, legais e operacionais aos assuntos relacionados às cooperações firmadas entre a OPAS e o
República de Cuba.
d) cumpre analisar o que dispõe o artigo IV do Ajuste Complementar ao Convênio Básico
firmado pelo Brasil e pela OMS, que foi promulgado pelo Decreto nº 3.594, de 8/9/2000 (peça 47):
Cada projeto ou iniciativa adicional ao Programa Regular da OPAS, ao qual se
atribuam os recursos autorizados pelo Artigo IX do Adendo ao Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de
Área da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil será objeto
de termo de cooperação específico que conterá as condicionantes particulares para sua execução e as
bases técnicas e/ou científicas para seu desenvolvimento, incluindo-se objetivos, meios, formas de
participação, obrigações de cada lado, contribuições técnicas, financeiras, recursos humanos e
materiais, orçamento, plano de aplicação e cronograma de desembolso. Quando for o caso, os termos
de cooperação deverão conter cláusulas sobre retorno econômico, direitos de propriedade intelectual,
sigilo de comércio e outros direitos que possam vir a ser gerados no âmbito da cooperação.
e) no mesmo sentido, a Subcláusula Única da Cláusula Quarta do 80º Termo de
Cooperação Técnica dispôs que:
Cada Termo de Ajuste detalhará os objetivos, os meios, as formas de participação, as
obrigações das partes, as contribuições técnicas, financeiras, de recursos humanos, de orçamento e a
forma de desembolsos, destinados a assegurar o normal e adequado cumprimento de cada Termo.
f) assim, foi estabelecido que devem constar nos projetos/termos de ajuste firmados pelo
Brasil e pela OPAS os meios e as formas de participação dessa organização internacional, o que
decorre da transparência a ser dada na relação de cooperação. Dessa maneira, era dever da OPAS e do
Ministério da Saúde exporem nos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste que a execução do Projeto contaria com
a participação do Governo da República de Cuba, mediante a Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. CSMC;
g) cabe frisar que nenhum dispositivo dos termos de ajuste menciona a participação do
governo de Cuba, nem aborda a transferência para ele de uma parcela das bolsas-formação;
h) o inciso II, alínea h , da Cláusula Segunda do 3º Termo de Ajuste, a seguir transcrito,
ao dispor sobre as obrigações da OPAS, deixa transparecer que a seleção dos médicos não seria
realizada por esse organismo internacional, cabendo-lhe avaliar essa seleção. Acrescento que a
Cláusula Segunda, II, item 9, dos 4º e 5º Termos de ajuste dispõem de forma semelhante. Conclui-se
que o Ministério da Saúde tinha ciência de que a seleção dos médicos seria realizada por terceiros, não
pela OPAS:
CLÁUSULA SEGUNDA: DAS OBRIGAÇÕES DAS PARTES
Para o desenvolvimento das atividades do PROGRAMA:
(...)

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II - Compete à ORGANIZAÇÃO, em conformidade com suas políticas, normas e


regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente Termo
de Ajuste:
(...)
h) Avaliar a seleção dos médicos aptos à participação no PROGRAMA nos termos
definidos pela Coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil, devendo-se apresentar os
seguintes documentos acompanhados de tradução simples para a língua portuguesa:
i) assim sendo, apesar de o Ministério da Saúde saber, quando da assinatura do 3º Termo
de Ajuste, que haveria a participação de um terceiro na disponibilização dos médicos, essa participação
não foi mencionada nos instrumentos de cooperação. Registre-se que na Cláusula Terceira do 3º
Termo de Ajuste e na cláusula quarta dos 4º e 5º Termos de Ajuste, que dispõem acerca do montante
de recursos a serem aplicados, não há menção aos valores a serem transferidos para terceiros. Situação
semelhante é verificada nos Planos de Trabalho relacionados aos Termos de Ajuste (peça 39, p. 57 e
58; peça 41, p. 32 a 34; e peça 43, p. 1 a 3). Conclui-se que não foi conferida a efetiva transparência às
verbas da União que seriam aplicadas na cooperação sob exame;
j) vale transcrever o seguinte trecho de parecer da AGU, no qual se identificou a
superficialidade do 4º Termo de Ajuste e a ausência de transparência na aplicação dos recursos
(Parecer CODELICI/COGEAJUR/CONJUR-MS/CGU/AGU/MVP nº 563/2014 - peça 41, p. 8):
26. Não podemos nos furtar a identificar e registrar que a motivação, neste caso, não
contemplou de maneira clara a consonância entre os elementos técnicos juntados ao processo, com
especial atenção a esta Nota Técnica, e o valor previsto para repasse a integrar o Termo de Ajuste.
Senão vejamos.
27. A Nota Técnica (fls. 328 a 349) e a Análise Técnica (fls. 352 a 353) não estabelecem
de maneira clara a origem dos custos envolvidos no desenvolvimento do Projeto "Ampliação do
Acesso da População Brasileira a Atenção Básica em Saúde", por força da celebração do 4º Termo de
Ajuste, que, considerando toda a ação a ser implementada, remonta a um valor de R$ 973.946.600,00
(novecentos e setenta e três milhões, novecentos e quarenta e seis mil e seiscentos reais).
28. Em outras palavras, não há evidências no processo de quais foram os dados ou
elementos utilizados, para se estabelecer como valor total deste Termo de Ajuste o montante de R$
973.946.600,00. A Nota Técnica não identificou valores e indicativos para a sua formação, o que a
torna insubsistente para cumprir o papel de ser o ato que precede a subscrição do instrumento,
devendo ser complementada quanto aos subsídios para cumprir o princípio da motivação.
k) a despeito de ser relativo ao 4º Termo de Ajuste, o disposto no parecer se estende aos
demais Termos de Ajuste em virtude da semelhança dos instrumentos e da mesma constatação
realizada pela Secex Saúde;
l) no Plano de Trabalho relativo ao 3º Termo de Ajuste (peça 39, p. 57 e 58) e na Nota
Técnica do Ministério da Saúde (peça 40, p. 45 e 46), consta que as bolsas-formação teriam sido pagas
para pessoas físicas, como se observa no quadro abaixo:
Quadro 5- Montante a ser destinado a pessoas físicas relativo ao 3º Termo de Ajuste
3º TERMO DE AJUSTE
DESPESA VALOR EM R$ PERCENTUAL (%)
DIÁRIAS R$ 1.309.770,00 0,27%
PASSAGENS R$ 12.242.500,00 2,52%
SERVIÇOS DE TERCEIROS-PESSOA FÍSICA R$ 469.000.000,00 96,38%
SERVIÇOS DE TERCEIROS- PESSOA JURÍDICA R$ 4.073.736,00 0,84%
SUBTOTAL R$ 486.626.006,00 100,00%
CUSTOS INDIRETOS (5% do subtotal) R$ 24.331.301,00 5,00%
TOTAL R$ 510.957.307,00

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m) no entanto, a maior parte desses recursos foi repassada para o Governo de Cuba, que é
uma pessoa jurídica. Nesse contexto, foi ocultado o real destino desses valores relativos, o que vai de
encontro aos diversos princípios que norteiam a Administração Pública brasileira, notadamente os da
publicidade, transparência e indisponibilidade do patrimônio público;
n) portanto, considera-se ilegal a participação do governo de Cuba, por intermédio da
CSMC, na execução dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste, devido à infração ao artigo IV do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico entre o Brasil e a OMS e à Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do
80º Termo de Cooperação Técnica, além da violação aos princípios constitucionais da publicidade, da
transparência e da indisponibilidade do patrimônio público;
o) este Tribunal entende que constitui ato ilegítimo aquele praticado sem a observância de
requisitos essenciais, inclusive no que concerne à eventual violação de princípios constitucionais.
Assim sendo, no caso vertente, a execução dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação Técnica é ilegítima;
p) a responsabilidade pela irregularidade apontada deve ser atribuída aos gestores do
Ministério da Saúde que subscreveram os termos de ajuste sob exame, uma vez que esses documentos
e seus respectivos planos de trabalho não contêm a descrição detalhada da participação de terceiro no
projeto e do repasse de recursos para esse último. Note-se que esses gestores, quando assinaram os
termos em tela, sabiam da participação desse terceiro na execução dos instrumentos de cooperação. No
entanto, essa participação não foi nem sequer mencionada;
q) em relação ao 3º Termo de Ajuste, não há manifestação direta da AGU que possua
pertinência direta com a irregularidade neste momento apontada. No entanto, isso se deve ao fato de
que, à época da assinatura da peça jurídica, o parecerista não possuía informações acerca da
participação do governo de Cuba na execução do projeto de cooperação técnica, que não é mencionada
no Termo de Ajuste nem no seu Plano de Trabalho;
r) no parecer referente ao 4º Termo de Ajuste, o parecer da AGU aponta a superficialidade
do instrumento e a ausência de transparência na aplicação dos recursos. O mencionado parecer foi
assinado em 25/2/2014 e o termo citado foi subscrito no dia seguinte (26/2/2014). Observe-se que o
mencionado alerta da Advocacia-Geral da União estende-se ao 5º Termo de Ajuste, o qual contém a
mesma irregularidade ora indicada, constituindo um agravante a ser considerado em uma possível
apenação do gestor responsável pela subscrição dos instrumentos;
s) no momento da assinatura dos termos de ajuste sob comento era plenamente possível
conhecer sua natureza ilícita. Os dispositivos violados são claros ao estabelecerem que os projetos de
cooperação devem conter as formas de participação da OPAS, bem como os meios a serem utilizados
pela organização internacional, com vistas à consecução dos objetivos desses acordos. Ademais, dada
a posição ocupada pelos responsáveis, não se deve alegar o desconhecimento das normas e princípios
violados; e
t) por fim, era razoável exigir conduta diversa da adotada pelos responsáveis. Era
incumbência dos subscritores exigir da OPAS a consignação, nos termos de ajuste, da forma essa
organização atuaria, o que implica dizer que deveria ter sido evidenciada a participação do governo de
Cuba.
Do desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba
a) os autores desta representação apontaram discrepâncias significativas entre os valores
transferidos pelo governo brasileiro para a OPAS a título de bolsas-formação e os montantes
efetivamente repassados aos médicos cubanos. Além disso, foi alegado que essas diferenças estavam
sendo apropriadas pela Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos
S.A. - CSMC, o que tornaria irregulares os pagamentos efetuados pelo Ministério da Saúde;
b) além disso, os representantes afirmaram, com base nas Diretrizes para o
Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral, editadas pela Agência
Brasileira de Cooperação, que a participação da CSMC caracterizava um desvio de finalidade;
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c) na diligência efetuada mediante o Ofício nº 91/2014 - TCU/SecexSaude (peça 13), o


Ministério da Saúde foi instado a se manifestar acerca do assunto. Em resposta, por meio da Nota
Técnica nº 174/2014 PREPS/SGTES/MS, de 7/4/2014 (peça 33, p. 11 e 12), aquele ministério
asseverou que:
No que se refere a este tema é importante destacar que o Governo Brasileiro, por meio
da assinatura do Termo de Cooperação, estabeleceu relação com a OPAS/OMS, responsável direta
pela garantia da execução das atividades do Projeto "Acesso da População Brasileira à Atenção
Básica em saúde" no Brasil.
Assim, conforme dito anteriormente trata-se de uma questão intrínseca à relação jurídica
entre a OPAS e a República de Cuba.
d) é dever do Ministério da Saúde conhecer a forma como são aplicados os recursos
públicos federais transferidos para qualquer pessoa ou entidade que os utilize, guarde, gerencie ou
administre, com o fito de verificar se esses valores estão sendo utilizados em conformidade com o que
foi estabelecido nas respectivas avenças. Trata-se do atendimento ao princípio constitucional básico da
prestação de contas;
e) note-se que, no processo de acompanhamento do Projeto Mais Médicos (TC nº
027.492/2013-3, peça 90, p. 26), o Ministério da Saúde não demonstrou possuir controle sobre a
utilização dos valores repassados para a OPAS;
f) segundo consta das Diretrizes da Agência Brasileira de Cooperação:
considera-se como desvio de finalidade o uso de Subcontratos ou de Agências
Implementadoras para a contratação de profissionais destinados a desempenhar atividades que
possam vir a caracterizar vínculo empregatício com a instituição executora ;
g) a irregularidade decorreria da natureza de uma cooperação técnica estar relacionada com
a mútua cooperação e a existência de interesses convergentes. No caso de uma contratação que
configure vínculo empregatício com o governo, a finalidade de mútua cooperação não seria atingida e
haveria interesses diversos na relação;
h) na situação em tela, o desvio de finalidade somente se configuraria caso fosse observado
o vínculo empregatício dos médicos cubanos com o governo brasileiro. No entanto, em que pese
atualmente existirem discussões nesse sentido, esse vínculo até o momento não foi reconhecido a
nenhum médico participante, pela Justiça Trabalhista. Desta feita, até o presente momento, não se
observa a ocorrência do desvio de finalidade previsto nas Diretrizes da ABC. Logo, não assiste razão
aos representantes neste particular;
i) no entanto, adotando como critérios os arts. 19 da Lei nº 12.871/2013 (peça 54) e 22 da
Portaria Interministerial nº 1.369/2013 (peça 55), verifica-se que o desvio de finalidade ocorreu devido
à destinação da maior parte dos recursos transferidos para a OPAS, a título de bolsas-formação, para o
governo de Cuba, como se demonstrará a seguir;
j) o art. 2º, parágrafo único, alínea e , da Lei nº 4.717/1965 estabelece que se verifica o
desvio de finalidade quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita
ou implicitamente, na regra de competência . Sobre essa questão, José dos Santos Carvalho Filho
discorre que:
o desvio de poder é a modalidade de abuso em que o agente busca alcançar fim diverso
daquele que a lei lhe permitiu, como assinala LAUBADÈRE. A finalidade da lei está sempre voltada
para o interesse público. Se o agente atua em descompasso com esse fim, desvia-se de seu poder e
pratica, assim, conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também denominado de desvio de
finalidade.
k) o art. 19 da Lei nº 12.871/2013 autoriza o recebimento de bolsas-formação pelos
médicos integrantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Nesse sentido, o art. 22, I, da Portaria
Interministerial nº 1.369/2013 dispõe que:
Art. 22. Para a execução das ações de aperfeiçoamento no âmbito do Projeto, será
concedida aos médicos integrantes do Projeto bolsas nas seguintes modalidades:

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- bolsa-formação;
l) tanto a Lei do Mais Médicos quanto a Portaria Interministerial nº 1.369/2013 dispõem
que as bolsas-formação devem ser destinadas aos médicos participantes. Essa determinação deve ser
observada pelos gestores, em decorrência do princípio constitucional da legalidade estrita, segundo o
qual os administradores públicos somente podem atuar de acordo com os termos prescritos em lei;
m) cabe observar que os 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste preveem o pagamento de bolsas-
formação aos médicos provenientes de Cuba, sem mencionarem a destinação de parte dessas bolsas
para outra finalidade (peça 39, p. 51, 57 e 58; peça 41, p. 24 e 30 a 34; peça 42, p. 4; peça 43). Assim
sendo, a existência de qualquer parcela do valor pago a título de bolsa-formação para a OPAS que não
seja devidamente entregue aos médicos cubanos constituirá desvio de finalidade;
n) de acordo com o contrato de prestação de serviços apresentado pela médica cubana
Ramona Matos Rodrigues (peça 1, p. 11) e com a ata da audiência realizada com ela no âmbito do
Inquérito Civil nº 707/2013 da Coordenadoria da Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos,
Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (peça 1, p. 17), os médicos
cubanos fariam jus a US$ 1.000,00 (mil dólares americanos) mensais, conforme exposto abaixo:
Quadro 6 - Valor pago aos médicos cubanos a título de bolsa-formação
Composição dos US$ 1.000,00 mensais destinados aos médicos cubanos participantes
Pagos no Brasil Pagos pelo Governo Cubano (CSMC), em Cuba
U$ 600,00
Depositado em poupança com possibilidade de resgate Disponível para saque por
US$ 400,00 (convertidos em R$)
somente após o retorno a Cuba familiar
US$ 550,00 US$ 50,00
Fonte: Contrato firmado entre a Médica cubana Ramona Matos Rodríguez e a CSMC (peça 1, p. 11); e Inquérito Civil 707/2013, da
Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (peça 1, p. 17).

o) consoante exposto pelos representantes, o valor correspondente à diferença entre R$


10.000,00 (dez mil reais), que corresponde ao valor inicial da bolsa-formação, definido pelo Ministério
da Saúde na Portaria Interministerial nº 1.369/2013 (peça 55), e os US$ 1.000,00 (mil dólares norte-
americanos), seria paga ao governo cubano, representado pela entidade governamental CSMC;
p) assim sendo, restava confirmar a existência e a natureza da entidade por eles
mencionada, a participação dessa entidade no Projeto Mais Médicos e a apropriação por ela de valores
da União;
q) a CSMC possui finalidade lucrativa. A própria denominação dessa entidade, constante
do contrato de prestação de serviços firmado pela médica cubana Ramona Matos Rodrigues (peça 1, p.
11), evidencia essa finalidade, verbis:

r) note-se que a referida denominação está em consonância com o seguinte dispositivo do


Código de Comércio de Cuba (peça 65, p. 26):
Artículo 152. La denominación de la Compañía anónima será adecuada al objeto u
objetos de la especulación que hubiere elegido.

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s) assim, verifica-se que a CSMC é uma sociedade mercantil, estruturada sob a forma de
sociedade anônima (S.A.). Considerando-se que a palavra mercantil possui a mesma grafia e o
mesmo significado na língua portuguesa, Hoog (2008) esclarece que:
A categoria contábil mercantil tem o alcance moderno de sociedade empresária
conforme segue:
Sociedade Empresária - É um acordo de vontades que cria uma entidade, pessoa jurídica,
com fins econômicos. Incluem-se nessa categoria todas as sociedades anônimas, independentemente
do tipo de empresa.
t) cabe salientar que, sendo mercantil, há de ter finalidade lucrativa. Ademais, a realização
de lucros a serem distribuídos pelos acionistas é da essência das sociedades anônimas. Não se concebe,
assim que possam tomar a forma anônima associações de fins religiosos, morais, científicos, literários,
políticos ou de beneficência. Destarte, constata-se que a CSMC é uma entidade estatal com fins
lucrativos, que comercializa serviços médicos, sob a forma de Sociedade Anônima (S.A.), vinculada
ao Ministério da Saúde de Cuba, em nome de quem celebrou o contrato individual firmado com a
médica Ramona Matos Rodrigues (peça 1, p. 11). Nesse mesmo sentido, a OPAS afirmou que os
médicos cubanos firmam contratos individuais com entidades do Ministério da Saúde daquele país
(peça 38, p. 16);
u) a OPAS destacou não possuir relação com a CSMC e aduziu que a participação de
médicos cubanos no Projeto Mais Médicos foi viabilizada por meio de um convênio de cooperação
técnica firmado com o Ministério da Saúde de Cuba (peça 38, p. 13);
v) portanto, não há elementos apropriados e suficientes para afirmar que a diferença entre
os valores efetivamente recebidos pelos médicos cubanos e os repassados a título de bolsas-formação
para a OPAS está sendo entregue à CSMC, principalmente, porque não se tem a posse dos
demonstrativos contábeis dessa entidade. Contudo, pode-se asseverar que esses valores estão sendo
repassados pela OPAS ao Governo da República de Cuba, considerando-se principalmente:
- as seguintes afirmações da OPAS contidas na sua resposta à oitiva realizada pelo TCU
(peça 38, p. 16):
Esses profissionais [os médicos cubanos] participam do Programa de Cooperación
Internacional em Salud do Ministério da Saúde de Cuba, por meio de um contrato individual
celebrado entre entidades desse ministério e cada médico para a prestação de serviços profissionais e
técnicos no exterior, modalidade jurídica legalmente aceita nesse país, o qual foi levado ao público no
Brasil pela senhora Ramona Matos Rodríguez, no dia 5 de fevereiro de 2014.
- a informação prestada pelo Ministério da Saúde no sentido de que existe relação jurídica
entre a OPAS e a República de Cuba (peça 33, p. 11 e 12);
- o valor definido a título de bolsa-formação pela Portaria Interministerial nº 1.369/2013
(peça 55, p. 7), atualizado pelas Portarias Interministeriais nº 339/2014 (R$ 10.482,93, relativo a 2014)
e nº 46/2015 (R$ 10.513,01, relativo a 2015); e
- o CONTRATO INDIVIDUAL PARA LA PRESTACIÓN DE SERVICIOS
PROFESIONALES Y TECNICOS EN EL EXTERIOR , firmado pela CSMC e pela médica Ramona
Matos Rodríguez (peça 1, p.12).
x) por meio de anúncio oficial datado de 28/2/2014, o Ministro da Saúde brasileiro
noticiou o aumento do valor a ser pago aos médicos provenientes de cuba, que passaria de US$
1.000,00 (mil dólares) para US$ 1.245,00 (mil, duzentos e quarenta e cinco dólares) - peça 58, o que
confirmou que ele tinha ciência dessa discrepância;
z) os médicos cubanos recebem US$ 1.245,00, enquanto o valor da bolsa-formação atinge
R$ 10.513,01 (dez mil, quinhentos e treze reais e um centavo). Convertendo para reais, no dia
27/4/2015, a quantia auferida por esses profissionais obtêm-se os seguintes montantes:

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Quadro 7- Percentual da bolsa-formação não pago aos médicos de Cuba

Valor recebido Câmbio Valor recebido Valor da Bolsa- Valor pago à Percentual dos recursos da
em US$ Bacen em RS Formação CSMC bolsa-formação pago a Cuba

R$ 1.245,00 2,9229 R$ 3.639,01 R$ 10.513,01 R$ 6.874,00 65%


Fontes: Peça 58; Bacen; Portaria Interministerial 46/2015

aa) observa-se que, dos valores transferidos para a OPAS a título de bolsas-formação,
aproximadamente 65% estão sendo repassados para o governo de Cuba, ou seja, estão sendo alocados
em finalidade diversa da estabelecida na Lei nº 12.871/2013, na Portaria Interministerial nº 1.369/2013
e nos Termos de Ajuste em tela. Conclui-se que está ocorrendo um desvio de finalidade;
ab) não se tem notícia da participação de outras entidades estatais cubanas no Projeto.
Contudo, cabe frisar que, independentemente da entidade que fornece os médicos intercambistas, à luz
da Lei nº 12.871/2013 e da Portaria Interministerial nº 1.369/2013, os valores sob comento estão sendo
entregues de forma irregular ao governo daquele país;
ac) em conformidade com o disposto no Plano de Trabalho anexado ao 3º Termo de
Ajuste, a totalidade dos recursos relativos à bolsa-formação deveria ser entregue a pessoas físicas. No
entanto, a maior parte desses valores está sendo repassada para o governo cubano. Além disso,
considerando-se que a participação desse governo não foi divulgada, constata-se que está sendo
violado o princípio da publicidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988;
ad) o desvio de finalidade ora tratado também foi analisado no processo de do Projeto Mais
Médico (TC nº 027.492/2013-3, peça 90, p. 34 a 38). Naquela oportunidade, entendeu-se haver riscos
fiscais para o Governo Federal, o que ensejou a proposta de determinação aos Ministérios do
Planejamento, Orçamento e Gestão e da Saúde no sentido de que a diferença entre os valores
transferidos para a OPAS, a título de bolsas-formação, e os efetivamente recebidos pelos médicos
cubanos fosse incluída no Anexo de Riscos Fiscais da LDO de 2014 e no Projeto de LDO referente a
2015;
ae) a responsabilidade pela irregularidade apontada recai sobre o gestor do Ministério da
Saúde que subscreveu os 4º e 5º Termos de Ajuste, uma vez que ele assinou esses instrumentos sem
observar os ditames normativos pertinentes;
af) é razoável afirmar que o mencionado gestor, além de ter ciência da participação do
governo cubano na execução do Projeto, sabia que a maior parte dos recursos transferidos para a
OPAS, a título de bolsas-formação, não seria entregue aos médicos cubanos, mas transferida para o
Governo de Cuba, uma vez que:
- o Ministério da Saúde anunciou, no dia 28/2/2014, que os médicos cubanos teriam o
repasse da bolsa aumentada de US$ 1.000,00 para US$ 1.245,00 (peça 58). Logo, quando da
publicação do 4º Termo de Ajuste, ocorrida em 5/3/2014, aquele ministério tinha conhecimento de que
os recursos repassados para a OPAS não estavam sendo entregues de forma integral aos médicos
provenientes de Cuba; e
- no Ofício nº 91/2014 - TCU/SecexSaude, de 6/3/2014 (peça 13), recebido no Ministério
da Saúde no dia 7/3/2014 (peça 17), foram prestadas informações atinentes a esta representação, além
de ter sido enviada cópia do contrato firmado entre pela médica Ramona Matos Rodríguez e pela
Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. CSMC. Mesmo
de posse de todas essas informações, no dia 15/8/2014, o responsável assinou o 5º Termo de Ajuste;
ag) assim, no momento da assinatura dos 4º e 5º Termos de Ajuste, era possível antever
que sua execução dar-se-ia de forma ilícita, com desvio de finalidade. Até porque os arts. 19 da Lei nº
12.871/2013 e 22, da Portaria Interministerial nº 1.369/2013 estabelecem de forma clara que os
recursos relativos às bolsas-formação devem ser destinados aos médicos participantes do Projeto Mais
Médicos, não prevendo qualquer exceção;

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ah) era razoável exigir conduta diversa por parte do gestor, que poderia não ter assinado os
referidos termos de ajuste, inclusive porque ele já havia sido alertado pela AGU, no parecer jurídico
relativo ao 4º Termo de Ajuste, sobre a apontada irregularidade. Contudo, esse parecer não foi
devidamente considerado pelo responsável; e
ai) não se dispõe de evidências de que os gestores que firmaram o 3º Termo de Ajuste
tinham ciência da destinação irregular dos recursos relativos às bolsas-formação, visto que o processo
da médica cubana Ramona Matos Rodríguez somente foi autuado na Justiça do Trabalho em
14/2/2014, eles já haviam sido exonerados dos respectivos cargos. Por outro lado, sabe-se que esses
gestores tinham ciência da participação do governo cubano.
22. Com fulcro nessas considerações, o auditor propôs realizar a audiência dos responsáveis a
seguir indicados (peça 67):
a) Sr. Alexandre Rocha Santos Padilha, Ministro de Estado da Saúde, e Sra. Márcia
Aparecida do Amaral, Secretária Executiva do Ministério da Saúde, de 1º/1/2011 a 3/2/2014, por terem
subscrito o 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica, firmado pela OPAS/OMS e pelo
Ministério da Saúde:
a.1) sem respaldo no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e no Acordo Básico
de Assistência Técnica firmado pelo Brasil, pela ONU e suas Agências Especializadas e pela Agência
Internacional de Energia Atômica, os quais definem que a assistência técnica a ser prestada pela OMS
ao Governo Brasileiro deve possuir caráter consultivo e visar a transferência de conhecimentos acerca
de assuntos não dominados por este País;
a.2) contrariando o art. 49, I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a
competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou
atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
a.3) infringindo o disposto no item 9.2.1 do Acórdão nº 1.339/2009 - Plenário, que firmou
o entendimento no sentido de que os acordos básicos de cooperação técnica internacional prestada ao
Brasil não autorizam que a contraparte externa desempenhe, no interesse da Administração
demandante, atribuições próprias dos órgãos públicos, nas quais não haja transferência de
conhecimento por parte do organismo internacional executor ou em que a assessoria técnica de um
ente externo é dispensável, por se tratar de temas e práticas já de domínio público, demandados
rotineiramente pela Administração;
a.4) violando as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional
Multilateral e Bilateral da Agência Brasileira de Cooperação, segundo as quais as ações decorrentes de
um projeto de cooperação técnica não devem substituir a atuação da administração pública na
execução de programas governamentais. Por via de consequência, o referido projeto não pode ser
utilizado como instrumento para prestar serviços públicos ou executar programas em temas e práticas
já de domínio público, devendo ser realizado para capacitar órgãos públicos para que estes possam
implementar, por seus próprios meios e de forma mais eficiente e com maior impacto e
sustentabilidade, políticas e programas. Nesse sentido, tais projetos devem promover o
desenvolvimento de capacidades das instituições, por meio de consultorias; e
a.5) sem que, no instrumento de cooperação ou em seu Plano de Trabalho, tenham sido
evidenciadas a participação do Governo de Cuba ou de entidade a ele vinculada no projeto em tela e o
repasse de recursos para o mencionado governo, o que contrariou o Artigo IV do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e a Cláusula Quarta, Subcláusula
Única, do 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Ministério da Saúde e pela OPAS, os quais
estabelecem que os meios e as formas de participação da OPAS devem constar dos projetos e dos
termos de ajuste firmados por aquela organização e pelo Governo Brasileiro. Além disso, foram
contrariados os princípios da publicidade, da transparência e da indisponibilidade do patrimônio
público;
b) Sr. Ademar Arthur Chioro dos Reis, Ministro de Estado da Saúde, de 3/2/2014 a
5/10/2015, por ter subscrito os 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica:

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b.1) sem respaldo no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e no Acordo
Básico de Assistência Técnica assinado pelo Brasil, pela ONU e por suas Agências Especializadas e
pela Agência Internacional de Energia Atômica, os quais definem que a assistência técnica a ser
prestada pela OMS ao Governo Brasileiro deve possuir caráter consultivo e viabilizar a transferência
de conhecimentos acerca de assuntos não dominados por este país. Foram contrariados também:
- o disposto no art. 49, I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a competência
exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
- o item 9.2.1. do Acórdão nº 1.339/2009 - Plenário, que firmou o entendimento de que os
acordos básicos de cooperação técnica internacional prestada ao Brasil não autorizam que a
contraparte externa, no interesse da administração demandante, exerça atribuições próprias dos órgãos
públicos, sem que haja a transferência de conhecimento por parte do organismo internacional executor
ou no âmbito das quais a assessoria técnica de um ente externo seja dispensável, por se tratar de temas
e práticas já de domínio público, demandados rotineiramente pela Administração; e
- as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e
Bilateral da Agência Brasileira de Cooperação - ABC, segundo as quais as ações decorrentes de um
projeto de cooperação técnica não devem substituir a atuação da administração pública na execução de
programas governamentais. Por via de consequência, o referido projeto não pode ser utilizado como
instrumento para prestar serviços públicos ou executar programas em temas e práticas já de domínio
público, devendo ser realizado para capacitar órgãos públicos para que estes possam implementar, por
seus próprios meios e de forma mais eficiente e com maior impacto e sustentabilidade, políticas e
programas. Nesse sentido, tais projetos devem promover o desenvolvimento de capacidades das
instituições, por meio de consultorias;
b.2) sem que, no instrumento de cooperação ou em seu Plano de Trabalho, tenham sido
evidenciadas a participação do Governo de Cuba ou de entidade a ele vinculada no projeto em tela e o
repasse de recursos para o mencionado governo, o que contrariou o Artigo IV do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e a Cláusula Quarta, Subcláusula
Única, do 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Ministério da Saúde e pela OPAS, os quais
estabelecem que os meios e as formas de participação da OPAS devem constar dos projetos e dos
termos de ajuste firmados por aquela organização e pelo Governo Brasileiro. Além disso, foram
contrariados os princípios da publicidade, da transparência e da indisponibilidade do patrimônio
público; e
b.3) mesmo ciente de que parcelas de recursos desembolsados pela União seriam
repassados para o Governo Cubano, o que caracteriza desvio de finalidade em relação ao que foi
estabelecido nos arts. 19 da Lei nº 12.871/2013 e 22 da Portaria Interministerial nº 1.369/2013, que
prevê a concessão de bolsas-formação para os médicos participantes do projeto.
23. O Diretor da 1ª Diretoria da Secex Saúde e o titular daquela unidade técnica se
manifestaram favoravelmente ao acolhimento dessa proposta (peças 68 e 69).
24. Em seguida, proferi despacho com o seguinte teor:
Tendo em vista que, por meio do Acórdão nº 360/2017 Plenário, prolatado na sessão
do dia 8/3/2017, o TCU se manifestou sobre a questão da remuneração dos médicos cubanos,
determino a restituição deste processo à Secex Saúde, para que aquela unidade técnica avalie o
impacto desse acórdão sobre a proposta anteriormente apresentada ao meu Gabinete.
2. Solicito ainda que, após essa avaliação, a Secex Saúde apresente uma nova instrução
contendo a proposta de encaminhamento que entender mais conveniente.
À Secex Saúde, para a adoção das providências cabíveis.
25. Em cumprimento ao meu despacho acima transcrito, a Secex Saúde elaborou nova
instrução (peça 72). Inicialmente, o auditor esclareceu que a mencionada instrução se destinava a
avaliar o impacto do Acórdão nº 360/2017 - Plenário sobre a proposta de encaminhamento transcrita
no parágrafo 22 deste relatório. Com esse desiderato, ele salientou que:

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a) as irregularidades que embasaram a proposta de audiência formulada pela Secex Saúde


podem ser agrupadas em três tópicos, quais sejam:
a.1) desconformidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica, no que concerne aos propósitos da cooperação técnica internacional;
a.2) descumprimento formal pelo Ajuste Complementar ao disposto no Convênio Básico
firmado pelo Governo Brasileiro e pela OMS e no 80º Termo de Cooperação Técnica e desrespeito a
princípios constitucionais; e
a.3) desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba; e
b) foram analisadas em conjunto as irregularidades apontadas na instrução de audiência
(peça 67) e o Acórdão nº 360/2017 - Plenário, além do Relatório e dos Votos Condutor, Revisor e
Complementar que embasaram o referido decisum (TC nº 027.492/2013-3 - peças 112 a 117). Nessa
análise foram abordados os tópicos a.1 e a.3 acima.
26. Quanto aos impactos do Acórdão nº 360/2017 Plenário sobre as propostas de audiências,
o auditor salientou que:
Da desconformidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste com o 80º Termo de Cooperação
Técnica no que concerne aos propósitos da cooperação técnica internacional
a) ao contrário do que é defendido pelo Ministério da Saúde, esses termos de ajuste não
possuem fundamento no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS nem no Acordo Básico de
Assistência Técnica firmado pelo Governo Brasileiro, pela ONU e suas Agências Especializadas e pela
Agência Internacional de Energia Atômica. Nesse sentido, tais termos são materialmente ilegais;
b) o art. 23 da Lei nº 12.871/2013 autoriza o Governo Brasileiro a celebrar um acordo de
cooperação internacional com a OPAS/OMS, com o intuito de executar as atividades previstas no
referido diploma legal. Entretanto, não há no ordenamento jurídico pátrio um acordo dessa natureza,
em sentido estrito, ou seja, aprovado pelo Congresso Nacional, na forma do art. 49, I, da Constituição
Federal de 1988, que proporcione o necessário suporte aos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo
de Cooperação Técnica;
c) um acordo internacional ratificado pelo Congresso Nacional é necessário devido ao
vultoso montante de recursos que está sendo pago pela União para estrangeiros, na forma de bolsas-
formação, com o intuito de viabilizar sua participação em atividades de qualificação realizadas em
território brasileiro. Contudo, cabe reiterar que não há previsão nesse sentido nos acordos básicos
analisados;
d) cumpre acrescentar que a relação de cooperação deve estar descrita em todos os seus
aspectos, para possibilitar que efetivamente o parlamento federal brasileiro aprecie e ratifique ou não
os termos avençados pelas partes;
e) o Acórdão nº 360/2017 - Plenário não atestou a legalidade dos 3º, 4º e 5º Termos de
Ajuste considerando os arcabouços jurídicos internacional e constitucional. Porém, no respectivo
relatório, consta que:
67. O ilustre Subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado emitiu parecer, no qual
inicialmente destacou que (peça 98):
(...)
g) assim, o Convênio Básico entre o Governo da República Federativa do Brasil e a
Organização Mundial da Saúde, o Acordo Básico de Assistência Técnica entre o Governo da
República Federativa do Brasil e a Organização das Nações Unidas e suas Agências Especializadas,
incluída a Organização Mundial da Saúde, bem como o Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de
Área, constituem o quadro jurídico adequado para o estabelecimento de atividades de cooperação no
âmbito da saúde, nos moldes do acordo que foi celebrado pelas partes e promulgado pelo Decreto nº
3.594, de 8/9/2000;

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f) constata-se que o Subprocurador-Geral junto ao TCU fez referência à adequação do


quadro jurídico para a celebração de atividades de cooperação, nos moldes do disposto no Decreto nº
3.594/2000. Assim sendo, não se pronunciou sobre a legalidade dos termos de ajuste sob comento
quando avaliados em face dos acordos básicos aprovados pelo Congresso Nacional. Aduz-se que, por
se tratar de um acordo executivo, o Decreto nº 3.594/2000 não pode dispor nem ser interpretado em
sentido diverso do que foi estabelecido nos acordos básicos. Essa é uma lógica semelhante àquela
referente à relação entre os decretos regulamentares e as respectivas leis em sentido estrito;
g) em seguida, o citado relatório faz menção ao seguinte trecho do parecer do
Subprocurador-Geral do MPTCU:
k) essa contextualização foi corroborada pelo Plenário no Acórdão nº 3.614/2013, como
se observa no seguinte trecho do Voto da lavra do Ministro Relator Benjamin Zymler:
27. Com espeque no acima exposto, avalio que a celebração do referido Termo de
Cooperação encontra respaldo na Constituição da OMS.
28. Saliento ainda que o art. 17 da Medida Provisória nº 621, editada no dia 08/07/2013,
fornecia amparo legislativo à celebração de termos de cooperação com organismos internacionais, ao
prever que:
Para a execução das ações previstas nesta Medida Provisória, os Ministérios da
Educação e da Saúde poderão firmar acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos
internacionais, instituições de educação superior nacionais e estrangeiras, órgãos e entidades da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
consórcios públicos e entidades privadas, inclusive com transferência de recursos.
29. Assim sendo, a assinatura do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação,
ocorrida em 22/08/2013, teve respaldo legal.
30. Friso ainda que o art. 20 da Lei nº 12.871/2013, resultante da conversão da Medida
Provisória nº 621, confirmou essa autorização.
h) desta feita, foi afirmada a legalidade desses termos de cooperação, com fulcro na
Constituição da OMS, na Medida Provisória nº 621/2013 e na Lei nº 12.871/2013, resultante da
conversão dessa MP, o que não vai de encontro ao exposto na instrução em tela. Afinal, o art. 23 da
Lei nº 12.871/2013 só produz efeito se o tipo de cooperação sob análise tiver apoio em um acordo
internacional em sentido estrito;
i) diante do acima exposto, em relação ao tema ora sob exame, verifica-se a inexistência de
contradição entre o que foi afirmado na instrução das audiências e o que foi decidido pelo TCU por
meio do Acórdão nº 360/2017 Plenário;
Do desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba
a) foi apontado um desvio de finalidade na execução financeira dos 4º e 5º Termos de
Ajuste, relativo aos valores transferidos para a OPAS a título de bolsas-formação. Aproximadamente
65% desses valores estão sendo apropriados pelo Governo de Cuba, ou seja, estão sendo alocados de
forma diversa daquela estabelecida pelos arts. 19 da Lei nº 12.871/2013 e 22 da Portaria
Interministerial nº 1.369/2013. Afinal, essas quantias deveriam ser destinadas aos médicos
participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil;
b) embora seja sabido que os recursos relativos ao 3º Termo de Ajuste também foram
direcionados de forma irregular, não se pôde atribuir responsabilidade aos agentes do Ministério da
Saúde subscritores do instrumento sob exame;
c) sobre essa questão, foi exarada determinação no seguinte sentido (item 9.1.3 do Acórdão
nº 360/2017 Plenário):
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do
Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. com base no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal e no art. 250, II, do
Regimento Interno do TCU, determinar ao Ministro da Saúde que, no prazo de 90 (noventa) dias,
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adote, no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (80º TC) firmado com a Organização Pan-
Americana de Saúde - OPAS/OMS e dos respectivos Termos de Ajuste, com a devida cooperação do
Ministério das Relações Exteriores, providências no intuito de:
(...)
9.1.3. estipular a previsão expressa de que a auditoria independente de que trata o Artigo
VIII do Ajuste Complementar promulgado pelo Decreto nº 3.594/2000 investigue e avalie a
regularidade dos repasses efetuados pela OPAS para o Governo Cubano, em especial no que
concerne aos recursos transferidos a título de pagamento das bolsas para os médicos cubanos;
d) entende-se que, caso haja avaliação por parte de uma auditoria independente, ela se
refira a outros aspectos relacionados ao pagamento aos médicos intercambistas, não à diferença entre o
valor total da bolsa e as quantias efetivamente por eles recebidas, visto que essa situação se mostra
notória;
e) em seu voto complementar, o Ministro Benjamin Zymler afirmou que (peça 115, p. 1 e
9, do TC nº 027.492/2013-3):
4. No caso vertente, o ilustre revisor concordou com o meu posicionamento
anteriormente exarado exceto no que concerne à qual deve ser a atuação do TCU em relação à
remuneração diferenciada paga aos médicos cubanos. Por via de consequência, este voto
complementar se aterá à análise desse ponto, que apresenta singularidades e relevante complexidade.
(...)
51. Preliminarmente, saliento que o pagamento de remunerações diferenciadas para
profissionais que desempenham a mesma função ofende o senso comum de justiça.
52. Contudo, no caso vertente, entendo que a análise dessa situação adentra o campo do
Direito Internacional Público, no âmbito do qual tecerei algumas considerações que me levam a
divergir do ilustre revisor.
f) a instrução de audiência não adotou a ótica do Direito Internacional Público nem a dos
direitos constitucionais fundamentais, visto que não se está buscando a responsabilização de agentes
externos ou a declaração de isonomia aos médicos intercambistas, respectivamente. Buscou-se apurar
o descumprimento do princípio constitucional básico da legalidade estrita por agentes da
Administração Pública federal, tendo sido constatado:
- que existem normas dispondo a quem deverão ser destinados os recursos relativos à
bolsa-formação;
- qual é a situação encontrada; e
- existe uma grande discrepância entre o que determina a norma e a realidade, o que
configura irregularidades praticadas pelo agente subscritor dos 4º e 5º Termos de Ajuste;
g) o Ministro Augusto Sherman, em seu voto revisor (peça 113 do TC nº 027.492/2013-3),
demonstrou pleno alinhamento com a instrução de audiência, tendo asseverado a gravidade dos atos e
se manifestado a favor da audiência dos titulares da pasta ministerial, conforme se observa a seguir:
55. Retornando, então, ao ponto relacionado ao pagamento a menor da bolsa-formação
aos médicos intercambistas, entendo que estamos diante de grave caso de desvio de finalidade na
aplicação dos recursos públicos transferidos pelo Brasil à OPAS, conforme sugeriu a unidade técnica.
(...)
81. Repiso, estamos diante de claro e inegável desvio de finalidade na gestão de recursos
públicos brasileiros, uma vez que não está sendo respeitada a destinação fixada na legislação
orçamentária pátria, na Lei nº 12.871/2013 e no próprio bojo dos acordos internacionais firmados
com a OPAS.
82. Apenas para ressaltar a gravidade dessa conduta, registro que ela pode gerar até
mesmo responsabilidade penal (art. 315 do Código Penal e art. 52 da Lei nº 8.080/1990) e a
configuração de improbidade administrativa (arts. 10, incisos V e IX, e 11, inciso I, da Lei nº
8.429/1992).

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83. No âmbito deste Tribunal, também, a jurisprudência é firme no sentido de considerar


irregulares os gastos realizados com desvio de finalidade.
h) em seguida, o Ministro Revisor se manifestou a respeito da competência do TCU para
tratar da matéria em tela, verbis:
93. Em relação à competência do Tribunal para deliberar sobre a questão, entendo que
ela é plena. Cabe constitucionalmente ao Tribunal fiscalizar se os recursos públicos federais estão
sendo aplicados em conformidade com a finalidade legal e, na hipótese de encontrar desvios como no
presente caso, assinar prazo para adoção das medidas corretivas e o exato cumprimento da lei. É o
que dispõe o art. 71, IX, da Constituição Federal. A circunstância de o desvio de finalidade, no caso
concreto, estar sendo praticado por intermédio de um acordo internacional, não prejudica nem afasta
essa competência que, diferentemente do acordo, tem estatura constitucional. Além disso, no caso
concreto, o desvio de finalidade se realiza mediante a inobservância do próprio acordo, vez que este
não autoriza, ou mesmo, veda o pagamento a menor da bolsa-formação ao médico intercambista
cubano. Desse modo, no uso de sua competência, é dever do Tribunal atuar no sentido tanto de
impedir novos desvios quanto de corrigir os desvios já efetivados.
94. Diante de todo o exposto no presente tópico, defendo ser grave a irregularidade
atinente à retenção de valores públicos brasileiros destinados à bolsa-formação dos médicos cubanos.
(...)
98. Vislumbro que a ocorrência enseja, desde já, a realização de audiências nos presentes
autos, as quais, considerando tratar-se de procedimentos adotados por força de acordo internacional,
devem ser direcionadas aos Ministros de Estado da Saúde [...], para que apresentem razões de
justificativa para a não adoção de medidas de forma a impedir a retenção de valores referentes à
bolsa-formação dos médicos intercambistas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil e,
portanto, o desvio da finalidade pública desses valores.
i) ainda em seu voto complementar, o Ministro Revisor acrescentou que:
32. Portanto, não se trata de ingerência na execução do acordo (a esse respeito vide
também o item 90 do voto revisor). Verifica-se que tal acordo está, isto sim, sendo executado com
desvirtuamento de suas próprias cláusulas e respectivos Planos de Trabalho, os quais somente
possuem validade jurídica em conformidade com as normas brasileiras de regência, autorizativas da
participação de médicos estrangeiros no programa, e da concessão de bolsas, com recursos federais
provenientes do Orçamento Geral da União, cuja execução compete ao TCU acompanhar e fiscalizar,
tal como realizado por meio da autuação deste processo.
33. Repiso: considerando que parcela significativa (superior a 75%) dos recursos públicos
que, como visto no voto revisor que apresentei, são destinados por lei à saúde da família brasileira,
mediante o pagamento de bolsa-formação a médicos, está sendo direcionada para finalidade diversa,
isto é, ao Ministério da Saúde de Cuba, não há como afastar a ocorrência de uma grave ofensa aos
ditames legais.
34. Enfatizo: estamos diante de claro e inegável desvio de finalidade na gestão de recursos
públicos brasileiros, uma vez que não está sendo respeitada a destinação fixada na legislação
orçamentária pátria, na Lei 12.871/2013 e no Direito Internacional, ou seja, no próprio bojo dos
acordos internacionais firmados com a OPAS.
(...)
37. Claro está, a meu ver, o desvio de finalidade na aplicação dos recursos públicos
destinados ao pagamento das bolsas-formação aos médicos cubanos, eis que 100% dos valores nessa
rubrica são destinados unicamente aos médicos participantes. Quisera o Brasil remunerar Cuba pelo
fato de ceder tais médicos, haveria que se incluir remuneração específica, sujeita aos controles
externos do Parlamento Brasileiro, deste Tribunal e da Sociedade Brasileira, quanto a sua finalidade
específica, a exemplo do que ocorre com a taxa de administração que remunera o organismo
internacional pela intermediação no acordo de cooperação.

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38. Não havendo esse destaque de valores em rubrica própria, em texto de lei, ou no
acordo de cooperação, não há autorização alguma para a retenção de valores em prol do Governo
Cubano, em detrimento da finalidade específica para a qual foram destinados por Lei, normas
infralegais e principalmente nos próprios Termos de Ajuste do Termo de Cooperação. Não se pode
tolerar, portanto, que haja desvio de finalidade na aplicação de mais de 75% dos recursos
orçamentários destinados ao pagamento de bolsas-formação para, possivelmente, remunerar estado
estrangeiro, da forma como aqui descortinado.
j) por fim, o Ministro Augusto Sherman propôs a realização de audiência dos responsáveis,
verbis:
9.4. determinar a realização de audiência dos Ministros da Saúde titulares da pasta entre
2014 e 2016, para que apresentem razões de justificativa para a não adoção de medidas de forma a
impedir a retenção de valores referentes à bolsa-formação dos médicos intercambistas no âmbito do
Projeto Mais Médicos para o Brasil, considerando o desvio de finalidade na aplicação desses
recursos e a clara afronta aos princípios constitucionais na execução da despesa pública, à legislação
regente (arts. 13, § 2º, inciso I, e 19, inciso I e § § 1º e 3º, Lei 12.871/2013 e arts. 4º, inciso I, e 22,
inciso I e § § 1º e 3º, inciso I, da Portaria Interministerial 1.369/2013) e às cláusulas constantes dos
Termos de Ajustes firmados no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (a exemplo da Cláusula
Segunda, inciso I, alínea o , item ii, e inciso II, alínea n , do 3º Termo de Ajuste; da Cláusula
Segunda, inciso I, itens 22.ii e 22.iii, e inciso II, item 20, do 4º Termo de Ajuste; e da Cláusula
Segunda, inciso I, itens 22.b e 22.c, e inciso II, item 20, do 5º Termo de Ajuste);
k) no entanto, essa proposta do Ministro Revisor não foi acolhida pelo Plenário desta
Corte. Portanto, não se considera adequado levar uma sugestão no mesmo sentido para avaliação
daquele colegiado, em que pesem os argumentos acima dispostos e aqueles apresentados na instrução
de audiência serem considerados suficientes e adequados para a realização das audiências em tela; e
l) portanto, propõe-se suprimir a proposta de realização de audiência quanto à
irregularidade ora sob exame.
27. Em seguida, o auditor analisou o impacto sobre o Programa Mais Médicos de uma possível
declaração pelo TCU da ilegalidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica, tendo destacado que:
a) o Ministério da Saúde, conforme sinaliza a página eletrônica do Programa (peça 71),
vem demonstrando a intenção de substituir, de forma paulatina, os médicos cubanos por brasileiros,
em linha com o que foi proposto no Acórdão nº 331/2015 - Plenário (item 9.4.6.), que tratou da
auditoria de natureza operacional realizada no Programa Mais Médicos Para o Brasil;
b) a referida intenção também já foi registrada no voto complementar do Ministro
Benjamin Zymler, como se observa a seguir:
14. O Governo Federal anunciou que, a partir de 2017, haverá uma substituição
progressiva desses médicos por profissionais brasileiros ou oriundos de outros países. Nos próximos
três anos, deverão ser admitidos 4.000 médicos brasileiros, o que permitirá a não renovação do
contrato de 35% dos médicos cubanos que vencerem no referido período.
15. Visando alcançar essa meta, o Ministério da Saúde lançou, no dia 22/11/2016, um
edital visando obter a adesão dos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras
e estrangeiras ao Projeto Mais Médicos para o Brasil - 3º e 4º ciclos. Saliento que, embora o prazo
para adesão tenha sido prorrogado e ainda esteja fluindo, 1.398 médicos, sendo 99% brasileiros, já
foram selecionados. Quando esses profissionais estiverem atuando, haverá a substituição de 900
médicos cubanos.
16. Percebe-se que, neste momento, a presença dos médicos cubanos é determinante para
o sucesso do programa em tela, o qual deverá ter continuidade segundo informou o Ministério da
Saúde. Além disso, caso os planos daquele Ministério sejam implementados na forma prevista, a
importância relativa desses profissionais diminuirá ao longo dos três próximos anos, mas ainda será
muito relevante no médio prazo.

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c) assim sendo, visando à gestão do risco de que uma parcela da população brasileira fique
desassistida dos serviços de atenção básica atualmente prestados pelos médicos cubanos, uma futura
proposta de encaminhamento, a ser realizada quando da avaliação do mérito deste processo, deverá ter
em mente que não se deve interromper a participação desses profissionais de forma repentina e que
deve ser dada continuidade ao que já vem sendo executado pelo Ministério da Saúde; e
d) nesse sentido, enfatiza-se que uma declaração de irregularidade sobre aspectos tratados
na instrução de audiência por esta Corte, possivelmente, não chegaria a impactar o Programa Mais
Médicos de forma a interromper seu andamento ou de trazer maiores prejuízos aos usuários da atenção
básica.
28. A título de conclusão, o auditor salientou que, considerando que não era possível emitir
uma manifestação acerca do mérito das questões suscitadas pelos representantes sem levar em
consideração as razões de justificativa acerca das irregularidades, foram propostas as audiências.
Ademais, entende-se não haver motivos para alterar a mencionada proposta, exceto quanto à terceira
irregularidade apontada (desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-
formação dos médicos provenientes de Cuba).
29. O Diretor da 1ª Diretoria Técnica da Secex Saúde manifestou sua concordância com o
entendimento esposado pelo auditor (peça 73).
30. O Secretário da Secex Saúde emitiu parecer do qual destaco os seguintes pontos (peça 74):
a) o Ministro-Relator Benjamin Zymler, por meio de despacho de peça 70, determinou a
esta Secretaria que avaliasse o impacto do Acórdão nº 360/2017 - Plenário sobre a proposta de
encaminhamento contida na instrução de peça 67, de realização de audiências de gestores do
Ministério da Saúde (MS), pelas seguintes irregularidades apontadas:
- desconformidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica,
firmado pelo Governo Brasileiro e pela Organização Pan-Americana de Saúde, em relação aos
propósitos da cooperação técnica internacional;
- descumprimento formal do disposto no Ajuste Complementar ao Convênio Básico
firmado pelo Governo Brasileiro e pela OMS e no 80º Termo de Cooperação Técnica e desrespeito a
princípios constitucionais; e
- desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba;
b) o referido acórdão foi exarado no âmbito do TC nº 027.492/2013-3, também relatado
pelo Ministro Benjamin Zymler, em que se realiza o acompanhamento da execução do Programa Mais
Médicos. Nessa deliberação, o Tribunal se manifestou sobre a questão da remuneração dos médicos
cubanos e não acolheu proposta do Ministro-Revisor Augusto Sherman Cavalcanti no sentido de
realizar audiências dos titulares da Pasta da Saúde, entre 2014 e 2016, pela não adoção de medidas
para impedir a retenção de valores referentes à bolsa-formação dos médicos intercambistas no âmbito
do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Segundo o Revisor, teria havido desvio de finalidade na
aplicação desses recursos e clara afronta aos princípios constitucionais, à legislação regente e às
cláusulas constantes dos Termos de Ajustes firmados no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica;
c) naquela oportunidade, o Tribunal acolheu o entendimento de que a relação jurídica
estabelecida entre Cuba e a OPAS envolve um estado soberano (Cuba) e uma organização que goza
de status similar ao de um estado. Por via de consequência, tal relação se encontra sob a égide do
Direito Internacional Público, o que implica dizer que ela está fora do âmbito de competência do
TCU ;
d) em razão disso, foi determinada ao Ministério da Saúde a adoção de providências no
intuito de estipular a previsão expressa de que a auditoria independente de que trata o Artigo VIII do
Ajuste Complementar promulgado pelo Decreto nº 3.594/2000 investigue e avalie a regularidade dos
repasses efetuados pela OPAS para o Governo Cubano, em especial no que concerne aos recursos
transferidos a título de pagamento das bolsas para os médicos cubanos (item 9.1.3 do Acórdão nº
360/2017 - Plenário);

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e) assim sendo, manifesto-me de acordo com a instrução anterior (peça 72), quanto à
supressão da proposta de audiência contida na alínea b.3 do parágrafo 189 da instrução de peça 67,
fundamentada na ocorrência de desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-
formação dos médicos provenientes de Cuba;
f) pelos motivos a seguir expostos, considero não mais persistirem as razões para
realização das audiências propostas anteriormente relativas às irregularidades remanescentes.
Anteriormente, esta Secretaria concluiu que os referidos termos de ajuste não possuíam amparo no
Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS, aprovado por meio do Decreto Legislativo nº
11/1956, nem no Acordo Básico de Assistência Técnica assinado pelo Governo Brasileiro, pela ONU e
suas Agências Especializadas e pela Agência Internacional de Energia Atômica, ratificado pelo
Decreto Legislativo nº 11/1966, instrumentos nos quais o Ministério da Saúde fundamentou o citado
80º Termo de Cooperação Técnica (peça 67, parágrafos 52 a 117);
g) esse entendimento decorreu do fato de o Convênio Básico Brasil - OMS e o Acordo
Básico de Assistência Técnica Brasil - ONU tratarem da cooperação para assistência técnica de caráter
consultivo, voltada para o desenvolvimento institucional, científico e tecnológico. Assim, esses
acordos não amparariam o pagamento de bolsas-formação e ajudas de custo para médicos cubanos no
Brasil, conforme previsto nos termos de ajuste questionados;
h) além disso, ainda que o art. 17 da MP nº 621/2013, cuja redação foi reproduzida no art.
23 da Lei nº 12.871/2013, autorizasse o Ministério da Saúde a celebrar acordo com organismos
internacionais para a execução das ações ali previstas, inclusive com transferência de recursos , esta
unidade técnica observou que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, acordo de cooperação
internacional específico em vigor, aprovado na forma do art. 49, I, da Constituição Federal, que diz ser
competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou
atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional ;
i) o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento de 30/11/2017, apreciou as Ações
Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.037 e nº 5.035, ambas relatadas pelo Ministro Marco Aurélio, as
quais haviam sido apresentadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários
Regulamentados (CNTU) e pela Associação Médica Brasileira (AMBR), respectivamente, contra
dispositivos da MP nº 621/2013;
j) na ADI nº 5.037, foi solicitada a declaração de inconstitucionalidade da referida MP, em
especial, dos seus arts. 3º a 11, 13 e 14. Por sua vez, na ADI nº 5.035, foi questionada a
constitucionalidade dos arts. 7º, I e II, §§ 1º, 2º, I e II, e 3º; 9º, I e II e § 1º; 10, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, e 11
dessa medida provisória;
k) a seguir, relaciono os artigos da MP nº 621/2013 que foram objeto da ADI nº 5.035 e os
correspondentes dispositivos da Lei nº 12.871/2013:
MP nº 621/2013
Art. 7º Fica instituído, no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto Mais Médicos
para o Brasil, que será oferecido:
I - aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no País; e
II - aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de
intercâmbio médico internacional.
§ 1º A seleção e ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o
Brasil observará a seguinte ordem de prioridade:
I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no País;
II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para
exercício da medicina no exterior; e
III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício de medicina no exterior.
§ 2º Para os fins do Projeto Mais Médicos para o Brasil, considera-se:
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I - médico participante - médico intercambista ou médico formado em instituição de


educação superior brasileira ou com diploma revalidado; e
II - médico intercambista - médico formado em instituição de educação superior
estrangeira com habilitação para exercício da medicina no exterior.
§ 3º A coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil ficará a cargo dos Ministérios
da Educação e da Saúde, que disciplinarão, por meio de ato conjunto dos Ministros de Estado da
Educação e da Saúde, a forma de participação das instituições públicas de educação superior e as
regras de funcionamento do Projeto, incluindo a carga horária, as hipóteses de afastamentos e os
recessos.
(...)
Art. 9º Integram o Projeto Mais Médicos para o Brasil:
I - o médico participante, que será submetido ao aperfeiçoamento profissional
supervisionado;
II - o supervisor, profissional médico responsável pela supervisão profissional contínua e
permanente do médico; e
(...)
§ 1º São condições para a participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos
para o Brasil, conforme disciplinado em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da
Saúde:
I - apresentar diploma expedido por instituição de educação superior estrangeira;
II - apresentar habilitação para o exercício da medicina no país de sua formação; e
III - possuir conhecimentos de língua portuguesa.
Art. 10. O médico intercambista exercerá a medicina exclusivamente no âmbito das
atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para o Brasil, dispensada, para tal
fim, a revalidação de seu diploma nos termos do § 2º do art. 48 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996.
§ 1º Fica vedado ao médico intercambista o exercício da medicina fora das atividades do
Projeto Mais Médicos para o Brasil.
§ 2º Para exercício da medicina pelo médico intercambista no âmbito do Projeto Mais
Médicos para o Brasil será expedido registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina.
§ 3º A declaração de participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para
o Brasil, fornecida pela coordenação do programa, é condição necessária e suficiente para a
expedição de registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina, não sendo aplicável o art.
99 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, e o art. 17 da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957.
§ 4º O registro provisório será expedido pelo Conselho Regional de Medicina no prazo de
quinze dias, contado da apresentação do requerimento pela coordenação do programa de
aperfeiçoamento, e terá validade restrita à permanência do médico intercambista no Projeto Mais
Médicos para o Brasil, nos termos do regulamento.
Art. 11. As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil
não criam vínculo empregatício de qualquer natureza.
Lei nº 12.871/2013
Art. 13. É instituído, no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto Mais Médicos
para o Brasil, que será oferecido:
I - aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no País; e
II - aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de
intercâmbio médico internacional.
§ 1º A seleção e a ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para
o Brasil observarão a seguinte ordem de prioridade:

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I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma


revalidado no País, inclusive os aposentados;
II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para
exercício da Medicina no exterior; e
III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício da Medicina no exterior.
§ 2º Para fins do Projeto Mais Médicos para o Brasil, considera-se:
I - médico participante: médico intercambista ou médico formado em instituição de
educação superior brasileira ou com diploma revalidado; e
II - médico intercambista: médico formado em instituição de educação superior
estrangeira com habilitação para exercício da Medicina no exterior.
§ 3º A coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil ficará a cargo dos Ministérios
da Educação e da Saúde, que disciplinarão, por meio de ato conjunto dos Ministros de Estado da
Educação e da Saúde, a forma de participação das instituições públicas de educação superior e as
regras de funcionamento do Projeto, incluindo a carga horária, as hipóteses de afastamento e os
recessos.
(...)
Art. 15. Integram o Projeto Mais Médicos para o Brasil:
I - o médico participante, que será submetido ao aperfeiçoamento profissional
supervisionado;
II - o supervisor, profissional médico responsável pela supervisão profissional contínua e
permanente do médico; e
(...)
§ 1º São condições para a participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos
para o Brasil, conforme disciplinado em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da
Saúde:
I - apresentar diploma expedido por instituição de educação superior estrangeira;
II - apresentar habilitação para o exercício da Medicina no país de sua formação; e
III - possuir conhecimento em língua portuguesa, regras de organização do SUS e
protocolos e diretrizes clínicas no âmbito da Atenção Básica.
Art. 16. O médico intercambista exercerá a Medicina exclusivamente no âmbito das
atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para o Brasil, dispensada, para tal
fim, nos 3 (três) primeiros anos de participação, a revalidação de seu diploma nos termos do § 2º do
art. 48 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (Vide Decreto nº 8.126, de 2013) (Vide Lei nº
13.333, de 2016)
§ 1º (VETADO)
§ 2º A participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para o Brasil,
atestada pela coordenação do Projeto, é condição necessária e suficiente para o exercício da
Medicina no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil, não sendo aplicável o art. 17 da Lei nº
3.268, de 30 de setembro de 1957.
§ 3º O Ministério da Saúde emitirá número de registro único para cada médico
intercambista participante do Projeto Mais Médicos para o Brasil e a respectiva carteira de
identificação, que o habilitará para o exercício da Medicina nos termos do § 2º.
§ 4º A coordenação do Projeto comunicará ao Conselho Regional de Medicina (CRM) que
jurisdicionar na área de atuação a relação de médicos intercambistas participantes do Projeto Mais
Médicos para o Brasil e os respectivos números de registro único.
§ 5º O médico intercambista estará sujeito à fiscalização pelo CRM.
Art. 17. As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil
não criam vínculo empregatício de qualquer natureza.
l) no julgamento das mencionadas ações, prevaleceu o entendimento adotado pelo Ministro
Alexandre de Moraes, que votou pela extinção da ADI nº 5.037, devido à ilegitimidade da parte, e

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afastou os argumentos principais apresentados pela AMBR, relacionados ao atendimento ao direito à


saúde, à necessidade de validação do diploma do médico estrangeiro e à quebra de isonomia nas
relações de trabalho;
m) saliento que não foi objeto de impugnação o art. 17 da MP nº 621/2013, posteriormente
convertido no art. 23 da Lei nº 12.871/2013. Assim sendo, permaneceu hígida a autorização para que o
Ministério da Saúde celebrasse acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos
internacionais, inclusive com a realização de despesas;
n) transcrevo a seguir trechos da fala do Ministro Alexandre de Moraes na referida sessão:
A lei [nº 12.871/2013], se linda ou perfeita, seria constitucional. Na aplicação, podem
estar ocorrendo problemas, exatamente, como salientado pelo Ministro Marco Aurélio e como
salientado no acórdão do Tribunal de Contas da União, problemas na execução da lei, problemas de
verificação, problemas de repasse, mas problemas que a meu ver não afetam a constitucionalidade do
modelo.
Pode não ter sido o melhor modelo, mas foi, a meu ver, uma opção legítima, primeiro da
Presidência da República à época, por medida provisória, depois, com algumas alterações, pelo
Congresso Nacional, uma opção legítima para a maior preocupação da sociedade, do povo brasileiro.
Hoje, a primeira preocupação do povo brasileiro é saúde, a segunda, segurança, e a terceira,
educação, em todas as pesquisas, seja nos municípios, estados.
(...)
A norma atacada pode não ter sido a melhor opção do ponto de vista técnico, para alguns,
mas me parece que foi uma opção de política pública válida para tentar solucionar esse problema, ou
pelo menos, eu não diria solucionar, tentar minimizar esse grave problema [falta de atendimento
médico nos municípios mais distantes].
(...)
Eventuais ilicitudes ou falhas na execução dessas políticas públicas devem ser, como o
TCU está fazendo, como o Ministério Público do Trabalho está fazendo, o Ministério Público Federal
está fazendo, devem ser investigadas, corrigidas.
(...)
O segundo ponto em que divirjo do Ministro Marco Aurélio é a questão da existência da
relação de trabalho, que se configuraria aqui relação de trabalho, porque disso decorre também a
minha divergência com o ministro relator da quebra do princípio da igualdade em relação à questão
de Cuba com os demais países.
O que se pretendeu, a meu ver, com todo respeito às posições em contrário, a prioridade
estabelecida dentro do Sistema Único de Saúde com o Programa Mais Médicos foi o binômio ensino-
serviço.
(...)
Não me parece que haja aqui relação trabalhista.
(...)
Dentro desse contexto, é uma relação que se faz com entidades, com países, de bolsas
oferecidas, em que não é feita diretamente Ministério da Saúde-Brasil - médico específico. Em relação
a Cuba, nós podemos concordar ou não, mas foi feito primeiro com a Organização de Saúde; a
Organização de Saúde com Cuba; Cuba abre um chamamento; aqueles médicos que se inscrevem,
eles já sabem as condições da bolsa.
o) registro também a fala do Ministro Marco Aurélio acerca dos limites da manifestação do
STF:
No controle concentrado, embora a causa de pedir seja aberta, a atuação do Tribunal
deve ficar adstrita aos limites do pedido, excetuadas as hipóteses de interdependência com os
dispositivos impugnados ou de inconstitucionalidade consequente, descabe proclamar, de ofício, a
nulidade de normas não impugnadas de maneira específica pelo requerente.

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p) verifica-se que não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade
da autorização concedida ao Ministério da Saúde para a celebração de acordo internacional. No
entanto, foi reconhecida a constitucionalidade do Projeto Mais Médicos para o Brasil, inclusive no que
se refere à participação de médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por
meio de intercâmbio médico internacional, conforme previsto no art. 7º, II, da MP nº 621/2013 um
dos dispositivos impugnados na ADI nº 5035 e mantido no art. 13, II, da Lei nº 12.871/2013;
q) a proposta de audiências efetuada por esta Secretaria apontava como critérios:
- a falta de previsão no Convênio Básico Brasil - OMS e no Acordo Básico de Assistência
Técnica Brasil ONU do pagamento de bolsas para qualificação de estrangeiros no Brasil; e
- a inexistência de acordo internacional em sentido estrito, devidamente ratificado pelo
Congresso Nacional e capaz de suportar o tipo de cooperação em análise, que estabelecesse as regras
jurídicas específicas entre o Brasil e a OPAS para realizar as ações e as despesas previstas no Projeto
Mais Médicos para o Brasil;
r) defendeu-se a tese de que a autorização concedida no art. 23 da Lei nº 12.871/2013 não
geraria efeitos sem a existência de tal acordo específico, tendo em vista que:
- o 80º Termo de Cooperação Técnica e seus 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste foram celebrados
com fundamento no Convênio Básico Brasil - OMS e no Acordo Básico de Assistência Técnica Brasil
- ONU;
- as Diretrizes para o Desenvolvimento de Cooperações Técnicas Internacional,
Multilateral e Bilateral, editadas pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), estabelecem que os
acordos executivos podem ser celebrados sem aprovação congressional tópica, desde que nada
acrescentem às obrigações previstas no Acordo Básico e sejam seu complemento, não acarretando
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional ; e
- o Convênio e o Acordo Básico não amparam os objetivos do Projeto Mais Médicos para
o Brasil e, por via de consequência, não autorizam a realização das correspondentes despesas;
s) cabe registrar que a Lei nº 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal, estabelece que:
Art. 28 (...)
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade,
inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade
sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
t) dessa forma e considerando o resultado do julgamento pelo STF da ADI nº 5.035, no
qual se concluiu pela constitucionalidade dos referidos dispositivos da MP nº 621/2013, que instituiu o
Projeto Mais Médicos para o Brasil, independentemente da existência prévia de acordo de cooperação
técnica internacional específico que amparasse a participação de médicos formados em instituições de
educação superior estrangeiras, o referido projeto é legalmente válido;
u) os questionados 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica
Brasil - OPAS foram celebrados, respectivamente, em 22/8/2013, 26/2/2014 e 15/8/2014, portanto,
após a edição da MP nº 621, que ocorreu no dia 8/7/2013. Conforme registrado anteriormente, essa
norma autorizou o Ministério da Saúde a celebrar acordo com organismos internacionais para a
execução das ações ali previstas, inclusive com transferência de recursos . Assim, não se pode
sustentar que os dispositivos legais que instituem o Projeto Mais Médicos para o Brasil sejam
considerados constitucionais, mas a correspondente autorização de financiamento, não;
v) nesse contexto, considero que os esforços do Tribunal de Contas da União devem ser
orientados para as ações de acompanhamento da execução do Programa Mais Médicos e do Projeto
Mais Médicos para o Brasil, que já se encontra em curso no âmbito do TC nº 027.492/2013-3.
31. Com fulcro nessas considerações, o titular da Secex Saúde concluiu que:

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a) na presente representação, subscrita pelos Deputados Federais José Mendonça Bezerra


Filho e Luiz Henrique Mandetta e pelo hoje Senador Ronaldo Ramos Caiado, foi solicitado ao TCU
que declarasse a irregularidade da execução do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica, com base nas seguintes alegações:
- não caracterização da relação de ensino-pesquisa-extensão do Programa Mais Médicos;
- desconformidade do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica com as
Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral,
editadas pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC);
- discrepância entre os dispêndios do governo brasileiro e a remuneração paga a título de
bolsa para os profissionais de origem cubana; e
- participação de empresa cubana na intermediação da contratação dos profissionais
oriundos daquele país, o que teria desvirtuado os objetivos fixados para os projetos de cooperação
técnica internacional;
b) análises anteriores da Secex Saúde apontaram para a existência de indícios de
irregularidades relativos a:
- desconformidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica
em relação aos propósitos da cooperação técnica internacional;
- descumprimento formal do Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado pelo
Governo Brasileiro e pela OMS e do 80º Termo de Cooperação Técnica e desrespeito a princípios
constitucionais; e
- desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba;
c) o Tribunal, por meio do Acórdão nº 360/2017 - Plenário, acolheu o entendimento de que
a questão do suposto desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação
dos médicos cubanos adentrava o campo do Direito Internacional Público e refugia à competência do
TCU; e
d) o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI nº 5.035, ocorrido em
30/11/2017, reconheceu a constitucionalidade dos artigos 7º, I e II, §§ 1º, 2º, I e II, e 3º; 9º, I e II e § 1º;
10, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, e 11 da MP nº 621/2013, posteriormente convertida na Lei nº 12.871/2013,
desconstituiu as demais irregularidades apontadas acima.
32. Diante do acima exposto e considerando que não há outros indícios de irregularidade que
justifiquem a continuidade do presente processo, o titular da Secex Saúde manifestou concordância
parcial com a instrução de peça 72 e propôs:
a) conhecer da presente representação, uma vez que foram satisfeitos os requisitos de
admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, III, do Regimento Interno deste Tribunal e 103, § 1º, da
Resolução TCU nº 259/2014, para, no mérito, considerá-la improcedente;
b) comunicar aos representantes a decisão que vier a ser adotada nestes autos;
c) arquivar os presentes autos, nos termos dos arts. 237, parágrafo único, e 250, I, do
Regimento Interno do TCU.
É o Relatório.

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VOTO

I - Introdução

Cuidam estes autos de representação formulada pelos então Deputados Federais José
Mendonça Bezerra Filho, Luiz Henrique Mandetta e Ronaldo Ramos Caiado, com pedido de medida
cautelar, para que o governo brasileiro se abstivesse de realizar novos desembolsos para a OPAS por
intermédio do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação. Ademais, no mérito, os representantes
solicitaram que a execução do citado termo fosse considerada irregular.
2. Para fundamentar seus pedidos, os parlamentares alegaram a existência de possíveis
irregularidades relacionadas ao objeto da Medida Provisória nº 621/2013, de 8/7/2013, posteriormente
convertida na Lei nº 12.871, de 23/10/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos . Em especial,
foi questionada a execução do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo
Governo Brasileiro e pela Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS, visando à
implementação do Projeto Ampliação do acesso da população brasileira à atenção básica em saúde .
3. As seguintes supostas irregularidades foram relatadas pelos representantes:
a) não caracterização do programa em comento como uma atividade de ensino, pesquisa e
extensão, uma vez que estaria ocorrendo a oferta de serviços médicos estrangeiros para resolver a
carência de médicos brasileiros, a despeito de a Lei nº 12.871/2013 estabelecer que o objeto do Projeto
Mais Médicos é a oferta de curso de especialização na modalidade de ensino, pesquisa e extensão. Por
via de consequência, estaria havendo a arregimentação de força de trabalho, o que pode caracterizar
vínculo empregatício;
b) tratamento desigual indevido dos profissionais cubanos em relação aos naturais de
outros países;
c) discrepância entre os dispêndios do governo brasileiro e a remuneração paga a título de
bolsa para os profissionais de origem cubana;
d) existência de restrição às liberdades individuais dos profissionais cubanos integrantes
do programa em foco;
e) participação de empresa cubana na intermediação da contratação dos profissionais
daquele país, o que alegadamente desvirtua os objetivos dos projetos de cooperação técnica
internacional e viola as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional
Multilateral e Bilateral, da Agência Brasileira de Cooperação - ABC. Afinal, a atuação da Sociedad
Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. - CSMC caracterizaria um
desvio de finalidade e uma subcontratação irregular, pois os instrumentos de cooperação internacional
pressupõem a prestação de consultorias com o objetivo de transferência de know-how para a
promoção de mudanças qualitativas na área que se pretende desenvolver.
4. Os representantes apresentaram os seguintes documentos:
a) Contrato individual para la prestación de servicios profesionales y tecnicos en el
exterior , firmado pela Sociedad mercantil cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos
S.A. (CSMC) e pela Sra. Ramona Matos Rodrigues, médica cubana participante do programa em tela;
b) Inquérito Civil nº 707/2013, instaurado pela Coordenadoria da Defesa dos Interesses
Individuais Homogêneos, Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região.
5. A representação sob exame foi também fundamentada em fatos relatados pela médica
cubana Ramona Matos Rodrigues, que desistiu de participar do Projeto Mais Médicos e afirmou que:
a) não teria sido informada pelo governo cubano sobre as bolsas e a ajuda de custo
concedidas pelo governo brasileiro com base no art. 19 da Lei nº 12.871/2013; e
b) sua liberdade de ir e vir, prevista no art. 5º, XV, da Constituição Federal, teria sido
restringida de forma indevida.
6. Quanto ao pedido de cautelar, a unidade técnica salientou que:

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a) os representantes solicitaram a concessão de medida cautelar para que o governo


brasileiro se abstivesse de realizar novos desembolsos para a Organização Pan-Americana de Saúde
por intermédio do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação, com vistas a evitar prejuízos para
o erário;
b) consoante disposto no art. 276 do Regimento Interno do TCU, o Relator poderá, em
caso de urgência, fundado receio de grave lesão ao erário ou ao interesse público ou risco de ineficácia
da decisão de mérito, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, determinando a
suspensão do procedimento impugnado até que o Tribunal julgue o mérito da questão. Tal providência
deverá ser adotada quando presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora;
c) o fumus boni iuris é uma expressão latina que significa sinal ou aparência de bom
direito. Dito de outra forma, suposição de verossimilhança de direito que um julgador tem ao analisar
uma alegação que lhe foi submetida. Essa suposição tem fulcro na presunção de que a alegação possui
suficiente base perante o sistema legal vigente;
d) o periculum in mora significa o perigo da demora, a existência de risco relativo à
possibilidade de a decisão ser intempestiva. É mencionado quando o pedido deve ser julgado
procedente com urgência ou, alternativamente, deve ser imediatamente suspenso o efeito de
determinado ato, visando evitar a ocorrência de danos graves e de difícil reparação;
e) no caso vertente, por meio de leitura preliminar desta representação, foi possível
identificar elementos que indicam a existência do fumus boni iuris, tais como a falta de transparência
na execução de recursos relativos ao Programa Mais Médicos, a presença de elementos nesse
programa que podem desconfigurar sua natureza de ensino, pesquisa e extensão, a falta de isonomia no
tratamento conferido aos profissionais participantes do mencionado programa e a presença de regras
pactuadas que impõem ao Ministério da Saúde a responsabilidade por atos de terceiros;
f) quanto ao periculum in mora, cabe registrar que o programa sob exame está em
andamento. Assim, a possível concessão de cautelar está claramente relacionada a uma série de riscos
potenciais e efetivos;
g) o atendimento ao pleito dos representantes provocaria impactos extremos no programa
em foco, em especial no que concerne à situação dos profissionais estrangeiros que atuam no Brasil.
Afinal, na hipótese de suspensão ou extinção desse programa, restará comprometida a justificativa para
sua permanência no país;
h) também seriam negativamente afetados os serviços de saúde dos municípios, que estão
estruturados em função do reforço do quadro decorrente do programa em tela. Assim sendo, maiores
prejuízos seriam verificados caso seja atendido o pleito formulado pelos representantes, o que
caracteriza o periculum in mora reverso, que sempre deve ser sopesado pelo TCU; e
i) além disso, não foi dada oportunidade para o Ministério da Saúde e a OPAS
apresentarem elementos que possam afastar os indícios de irregularidades apontados.
7. Com espeque no acima exposto, a Secex Saúde propôs o indeferimento do pedido de
cautelar, sem prejuízo do prosseguimento da análise por este Tribunal dos fatos e documentos
apresentados pelos representantes, com vistas a firmar um juízo de mérito.
8. Após analisar estes autos, proferi um despacho do qual destaco os seguintes tópicos:
9. Concordo com o entendimento esposado pela unidade técnica pelos motivos que passo
a expor. Em primeiro lugar, considero que restaram atendidos os requisitos para o conhecimento
desta representação, que constam do art. 235 do Regimento Interno do TCU. Afinal, ela versa sobre
matéria de competência do Tribunal, refere-se a responsável sujeito à sua jurisdição, está redigida em
linguagem clara e objetiva, contém os nomes dos representantes, além das respectivas qualificações e
endereços e está acompanhada de supostos indícios concernente a alegadas irregularidades. Aduzo
que os Deputados Federais possuem legitimidade para representar a esta Corte, segundo dispõe o art.
237, III, do Regimento Interno deste Tribunal.
10. Em segundo lugar, entendo que a medida cautelar ora solicitada deve ser negada, uma
vez que não restou caracterizado um dos requisitos para sua concessão, qual seja o perigo na demora.

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11. Com espeque nessas considerações:


a) conheço desta representação e nego a concessão da medida cautelar solicitada pelos
representantes;
b) determino a realização das oitivas na forma proposta pela unidade técnica. Friso que,
no caso da Organização Pan-Americana de Saúde, o ofício a ser encaminhado deverá explicitar que a
oitiva significa uma oportunidade para apresentar esclarecimentos, não havendo obrigatoriedade de
fazê-lo;
c) determino, ainda, o encaminhamento de cópia deste despacho e da instrução da
unidade técnica para os Deputados Federais representantes.
À Secex Saúde, para a adoção das providências cabíveis.

II Informações básicas sobre o Programa Mais Médicos para o Brasil

9. Antes de iniciar a análise desta representação, julgo oportuno traçar um retrato do


programa em tela, o que passo a fazer.
10. No dia 22/10/2013, a Medida Provisória nº 621 foi convertida na Lei nº 12.871/2013,
publicada no Diário Oficial da União do dia seguinte. Segundo consta do art. 1º dessa lei, os objetivos
do Programa Mais Médicos para o Brasil são os seguintes:
I - diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as
desigualdades regionais na área da saúde;
II - fortalecer a prestação de serviços na atenção básica em saúde no país;
III - aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior experiência no campo da
prática médica durante o processo de formação;
IV - ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS,
desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira;
V - fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por
meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades
desempenhadas pelos médicos;
VI - promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde
brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras;
VII - aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do país e na
organização e funcionamento do SUS; e
VIII - estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.
11. Aduzo que, segundo o disposto no art. 2º, III, da Lei nº 12.871/2013:
Art. 2º Para a consecução dos objetivos do Programa Mais Médicos, serão adotadas,
entre outras, as seguintes ações:
I - reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica,
priorizando regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de
serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os alunos;
II - estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no país; e
III - promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área
de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio
internacional.
12. Saliento que a presente representação versou sobre as ações empreendidas em
conformidade com o disposto no inciso III do art. 2º da Lei nº 12.871/2013, acima transcrito. Assim
sendo, esse será o meu foco nesta introdução.
13. O art. 13 da Lei nº 12.871/2013 instituiu, no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto
Mais Médicos para o Brasil, por meio do qual se pretende concretizar as ações previstas no
mencionado inciso III do art. 2º dessa norma legal.
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14. Consoante disposto no art. 2º da Portaria Interministerial dos Ministérios da Saúde e da


Educação nº 1.369, de 8/7/2013, esse Projeto visa aperfeiçoar médicos na atenção básica em saúde em
regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde (SUS). Com esse desiderato, está havendo a oferta
de curso de especialização por instituição pública de educação superior e atividades de ensino,
pesquisa e extensão, que terá componente assistencial mediante integração ensino-serviço.
15. Cabe destacar que o art. 3º dessa Portaria Interministerial fixou os seguintes objetivos
específicos para o Projeto Mais Médicos para o Brasil:
I - aprimorar a formação médica no Brasil, assegurando maior experiência no campo de
prática durante o processo de formação;
II - ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS,
aperfeiçoando o seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira;
III - fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por
meio da atuação das instituições públicas de educação superior na supervisão acadêmica das atividades
desenvolvidas pelos médicos;
IV - promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde
brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; e
V - aperfeiçoar médicos nas políticas públicas de saúde do Brasil e na organização e
funcionamento do SUS.
16. Segundo o art. 13 da Lei nº 12.871/2013, poderão participar do Projeto Mais Médicos para
o Brasil:
I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no país; e
II - médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de
intercâmbio médico internacional.
17. Acrescento que, em consonância com o estabelecido no § 1º desse artigo, a seleção e a
ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil observarão a seguinte
ordem de prioridade:
I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no país, inclusive os aposentados;
II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para
exercício da medicina no exterior; e
III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício da medicina no exterior.
18. Em seguida, o § 2º do art. 13 da norma legal em questão esclarece que, para os fins do
Projeto Mais Médicos para o Brasil, considera-se:
I - médico participante: médico intercambista ou médico formado em instituição de
educação superior brasileira ou com diploma revalidado; e
II - médico intercambista: médico formado em instituição de educação superior estrangeira
com habilitação para o exercício da medicina no exterior.
19. O art. 14 da lei sob exame prevê que o aperfeiçoamento dos médicos participantes ocorrerá
mediante a oferta por instituição pública de educação superior de curso de especialização. Serão
executadas atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terão componente assistencial mediante a
integração ensino-serviço, com prazo de até três anos, prorrogável por igual período caso sejam
ofertadas outras modalidades de formação.
20. Já o art. 17 da Lei nº 12.871/2013 estabelece que as atividades desempenhadas no âmbito
do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza.
21. Em seguida, o art. 19 dessa norma determina que os médicos integrantes do Projeto
receberão bolsa-formação, bolsa-supervisão ou bolsa-tutoria, além de ajuda de custo destinada a
compensar as despesas de instalação do médico participante, que não poderá exceder a importância
correspondente ao valor de três bolsas-formação. Finalmente, a União foi autorizada a custear despesas
com deslocamento dos médicos participantes e seus dependentes legais.

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III Manifestação da Secex Saúde sobre o conhecimento e o mérito desta representação


22. Preliminarmente, a unidade técnica entendeu que:
a) a presente representação preenche os requisitos de admissibilidade constantes do art.
235 do Regimento Interno do TCU, haja vista que determinados aspectos da matéria em foco são de
competência do Tribunal;
b) existem aspectos dessa matéria que, ainda que não estejam no âmbito da competência
constitucional e legal atribuída ao TCU, acarretam evidentes riscos à continuidade do Programa Mais
Médicos e aos respectivos recursos públicos; e
c) esta representação refere-se a responsável sujeito à jurisdição desta Corte de Contas, está
redigida em linguagem clara e objetiva, contém nome e qualificação dos representantes e apresenta
indício concernente à irregularidade ou ilegalidade. Além disso, os deputados federais possuem
legitimidade para representar ao Tribunal, consoante disposto no art. 237, III, do Regimento Interno do
TCU.
23. Com fulcro nessas considerações, a Secex propôs que a presente representação seja
conhecida, nos termos do art. 234, § 2º, segunda parte, do Regimento Interno do TCU.
24. Quanto ao mérito, houve uma divergência de entendimento entre os servidores desta Corte
que se manifestaram nos presentes autos. Numa primeira instrução, o auditor que elaborou as
instruções e o diretor da 1ª Diretoria Técnica defenderam a realização das audiências:
a) do Sr. Alexandre Rocha Santos Padilha, Ministro de Estado da Saúde, e da Sra. Márcia
Aparecida do Amaral, Secretária Executiva do Ministério da Saúde, de 1º/1/2011 a 3/2/2014, por terem
subscrito o 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica, firmado pela OPAS/OMS e pelo
Ministério da Saúde:
a.1) sem respaldo no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e no Acordo Básico
de Assistência Técnica firmado pelo Brasil, pela ONU e suas Agências Especializadas e pela Agência
Internacional de Energia Atômica, os quais definem que a assistência técnica a ser prestada pela OMS
ao Governo Brasileiro deve possuir caráter consultivo e visar à transferência de conhecimentos acerca
de assuntos não dominados por este País;
a.2) contrariando o art. 49, I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a
competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou
atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
a.3) infringindo o disposto no item 9.2.1 do Acórdão nº 1.339/2009 - Plenário, que firmou
o entendimento no sentido de que os acordos básicos de cooperação técnica internacional prestada ao
Brasil não autorizam que a contraparte externa desempenhe, no interesse da administração
demandante, atribuições próprias dos órgãos públicos, nas quais não haja transferência de
conhecimento por parte do organismo internacional executor ou em que a assessoria técnica de um
ente externo é dispensável, por se tratar de temas e práticas já de domínio público, demandados
rotineiramente pela Administração;
a.4) violando as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional
Multilateral e Bilateral da Agência Brasileira de Cooperação, segundo as quais as ações decorrentes de
um projeto de cooperação técnica não devem substituir a atuação da Administração Pública na
execução de programas governamentais. Por via de consequência, o referido projeto não pode ser
utilizado como instrumento para prestar serviços públicos ou executar programas em temas e práticas
já de domínio público, devendo ser realizado para capacitar órgãos públicos para que estes possam
implementar, por seus próprios meios e de forma mais eficiente e com maior impacto e
sustentabilidade, políticas e programas. Nesse sentido, tais projetos devem promover o
desenvolvimento de capacidades das instituições, por meio de consultorias; e
a.5) sem que, no instrumento de cooperação ou em seu Plano de Trabalho, tenham sido
evidenciados a participação do Governo de Cuba ou de entidade a ele vinculada no projeto em tela e o
repasse de recursos para o mencionado governo, o que contrariou o Artigo IV do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e a Cláusula Quarta, Subcláusula
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Única, do 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Ministério da Saúde e pela OPAS, os quais
estabelecem que os meios e as formas de participação da OPAS devem constar dos projetos e dos
termos de ajuste firmados por aquela organização e pelo Governo Brasileiro. Além disso, foram
contrariados os princípios da publicidade, da transparência e da indisponibilidade do patrimônio
público;
b) do Sr. Ademar Arthur Chioro dos Reis, Ministro de Estado da Saúde, de 3/2/2014 a
5/10/2015, por ter subscrito os 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica:
b.1) sem respaldo no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e no Acordo
Básico de Assistência Técnica assinado pelo Brasil, pela ONU e por suas Agências Especializadas e
pela Agência Internacional de Energia Atômica, os quais definem que a assistência técnica a ser
prestada pela OMS ao Governo Brasileiro deve possuir caráter consultivo e viabilizar a transferência
de conhecimentos acerca de assuntos não dominados por este País. Foram contrariados também:
- o disposto no art. 49, I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a competência
exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
- o item 9.2.1. do Acórdão nº 1.339/2009 - Plenário, que firmou o entendimento de que os
acordos básicos de cooperação técnica internacional prestada ao Brasil não autorizam que a
contraparte externa, no interesse da administração demandante, exerça atribuições próprias dos órgãos
públicos, sem que haja a transferência de conhecimento por parte do organismo internacional executor
ou no âmbito das quais a assessoria técnica de um ente externo seja dispensável, por se tratar de temas
e práticas já de domínio público, demandados rotineiramente pela administração; e
- as Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e
Bilateral da Agência Brasileira de Cooperação - ABC, segundo as quais as ações decorrentes de um
projeto de cooperação técnica não devem substituir a atuação da Administração Pública na execução
de programas governamentais. Por via de consequência, o referido projeto não pode ser utilizado como
instrumento para prestar serviços públicos ou executar programas em temas e práticas já de domínio
público, devendo ser realizado para capacitar órgãos públicos para que estes possam implementar, por
seus próprios meios e de forma mais eficiente e com maior impacto e sustentabilidade, políticas e
programas. Nesse sentido, tais projetos devem promover o desenvolvimento de capacidades das
instituições, por meio de consultorias;
b.2) sem que, no instrumento de cooperação ou em seu plano de trabalho, tenham sido
evidenciados a participação do Governo de Cuba ou de entidade a ele vinculada no projeto em tela e o
repasse de recursos para o mencionado governo, o que contrariou o Artigo IV do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS e a Cláusula Quarta, Subcláusula
Única, do 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Ministério da Saúde e pela OPAS, os quais
estabelecem que os meios e as formas de participação da OPAS devem constar dos projetos e dos
termos de ajuste firmados por aquela organização e pelo Governo Brasileiro. Além disso, foram
contrariados os princípios da publicidade, da transparência e da indisponibilidade do patrimônio
público; e
b.3) mesmo ciente de que parcelas de recursos desembolsados pela União seriam
repassados para o Governo Cubano, o que caracteriza desvio de finalidade em relação ao que foi
estabelecido nos arts. 19 da Lei nº 12.871/2013 e 22 da Portaria Interministerial nº 1.369/2013, que
prevê a concessão de bolsas-formação para os médicos participantes do projeto.
25. Num segundo momento, em nova instrução, o auditor e o Diretor se manifestaram pela
manutenção dessa proposta, com exceção da parte das audiências relativa ao suposto desvio de
finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos médicos provenientes de
Cuba.
26. Já o titular da Secex Saúde, embora no primeiro momento tenha concordado com a
proposta formulada pelas instâncias que o precederam, defendeu, em parecer emitido após a segunda
instrução acima citada, a improcedência desta representação e seu consequente arquivamento.

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27. Apesar de saber que a posição oficial da unidade técnica é a de seu titular, abordarei a
seguir essas duas posições visando oferecer a meus pares uma visão mais ampla das questões tratadas
nestes autos.
28. O auditor fundamentou sua proposta de audiências em supostas irregularidades que podem
ser agrupadas em três temas, a saber:
a) desconformidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica,
no que concerne aos propósitos da cooperação técnica internacional;
b) descumprimento formal pelo Ajuste Complementar ao disposto no Convênio Básico
firmado pelo Governo Brasileiro e pela OMS e no 80º Termo de Cooperação Técnica e desrespeito a
princípios constitucionais; e
c) desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba.
29. No que concerne ao pretenso descumprimento formal pelo Ajuste Complementar ao
disposto no Convênio Básico firmado pelo Governo Brasileiro e pela OMS e no 80º Termo de
Cooperação Técnica e ao suposto desrespeito a princípios constitucionais, o auditor frisou que:
a) o artigo IV do Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela
OMS, que foi promulgado pelo Decreto nº 3.594, de 8/9/2000, dispõe que:
Cada projeto ou iniciativa adicional ao Programa Regular da OPAS, ao qual se
atribuam os recursos autorizados pelo Artigo IX do Adendo ao Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de
Área da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil será objeto
de termo de cooperação específico que conterá as condicionantes particulares para sua execução e as
bases técnicas e/ou científicas para seu desenvolvimento, incluindo-se objetivos, meios, formas de
participação, obrigações de cada lado, contribuições técnicas, financeiras, recursos humanos e
materiais, orçamento, plano de aplicação e cronograma de desembolso. Quando for o caso, os termos
de cooperação deverão conter cláusulas sobre retorno econômico, direitos de propriedade intelectual,
sigilo de comércio e outros direitos que possam vir a ser gerados no âmbito da cooperação.
b) nesse mesmo sentido, a Subcláusula Única da Cláusula Quarta do 80º Termo de
Cooperação Técnica dispôs que:
Cada Termo de Ajuste detalhará os objetivos, os meios, as formas de participação, as
obrigações das partes, as contribuições técnicas, financeiras, de recursos humanos, de orçamento e a
forma de desembolsos, destinados a assegurar o normal e adequado cumprimento de cada Termo.
c) assim, foi estabelecido que devem constar nos projetos/termos de ajuste firmados pelo
Brasil e pela OPAS os meios e as formas de participação dessa organização internacional, o que
decorre da transparência a ser dada na relação de cooperação. Dessa maneira, era dever da OPAS e do
Ministério da Saúde exporem nos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste que a execução do projeto contaria com
a participação do Governo da República de Cuba, mediante a Sociedad Mercantil Cubana
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. CSMC;
d) nenhum dispositivo dos termos de ajuste menciona a participação do governo de Cuba,
nem aborda a transferência para ele de uma parcela das bolsas-formação;
e) apesar de o Ministério da Saúde saber, quando da assinatura do 3º Termo de Ajuste, que
haveria a participação de um terceiro na disponibilização dos médicos, essa participação não foi
mencionada nos instrumentos de cooperação. Registre-se que na Cláusula Terceira do 3º Termo de
Ajuste e na cláusula quarta dos 4º e 5º Termos de Ajuste, que dispõem acerca do montante de recursos
a serem aplicados, não há menção aos valores a serem transferidos para terceiros. Situação semelhante
é verificada nos planos de trabalho relacionados aos Termos de Ajuste. Conclui-se que não foi
conferida a efetiva transparência às verbas da União que seriam aplicadas na cooperação sob exame;
f) no plano de trabalho relativo ao 3º Termo de Ajuste e na Nota Técnica do Ministério da
Saúde, consta que as bolsas-formação teriam sido pagas para pessoas físicas. No entanto, a maior parte
desses recursos foi repassada para o Governo de Cuba, que é uma pessoa jurídica. Nesse contexto, foi

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ocultado o real destino desses valores relativos, o que vai de encontro aos diversos princípios que
norteiam a Administração Pública brasileira, notadamente os da publicidade, transparência e
indisponibilidade do patrimônio público;
g) portanto, considera-se ilegal a participação do governo de Cuba, por intermédio da
CSMC, na execução dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste, devido à infração ao artigo IV do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico entre o Brasil e a OMS e à Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do
80º Termo de Cooperação Técnica, além da violação aos princípios constitucionais da publicidade, da
transparência e da indisponibilidade do patrimônio público.
30. Sobre a alegada desconformidade dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste com o 80º Termo de
Cooperação Técnica, no que concerne aos propósitos da cooperação técnica internacional, o auditor
salientou que:
a) ao contrário do que é defendido pelo Ministério da Saúde, esses termos de ajuste não
possuem fundamento no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS nem no Acordo Básico de
Assistência Técnica firmado pelo Governo Brasileiro, pela ONU e suas Agências Especializadas e pela
Agência Internacional de Energia Atômica. Nesse sentido, tais termos são materialmente ilegais;
b) o art. 23 da Lei nº 12.871/2013 autoriza o Governo Brasileiro a celebrar um acordo de
cooperação internacional com a OPAS/OMS, com o intuito de executar as atividades previstas no
referido diploma legal. Entretanto, não há no ordenamento jurídico pátrio um acordo dessa natureza,
em sentido estrito, ou seja, aprovado pelo Congresso Nacional, na forma do art. 49, I, da Constituição
Federal de 1988, que proporcione o necessário suporte aos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo
de Cooperação Técnica;
c) um acordo internacional ratificado pelo Congresso Nacional é necessário devido ao
vultoso montante de recursos que está sendo pago pela União para estrangeiros, na forma de bolsas-
formação, com o intuito de viabilizar sua participação em atividades de qualificação realizadas em
território brasileiro. Contudo, cabe reiterar que não há previsão nesse sentido nos acordos básicos
analisados;
d) a relação de cooperação deve estar descrita em todos os seus aspectos, para possibilitar
que efetivamente o parlamento federal brasileiro aprecie e ratifique ou não os termos avençados pelas
partes;
e) o Acórdão nº 360/2017 - Plenário não atestou a legalidade dos 3º, 4º e 5º Termos de
Ajuste considerando os arcabouços jurídicos internacional e constitucional. Porém, no respectivo
relatório, consta que:
67. O ilustre Subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado emitiu parecer, no qual
inicialmente destacou que (peça 98):
(...)
g) assim, o Convênio Básico entre o Governo da República Federativa do Brasil e a
Organização Mundial da Saúde, o Acordo Básico de Assistência Técnica entre o Governo da
República Federativa do Brasil e a Organização das Nações Unidas e suas Agências Especializadas,
incluída a Organização Mundial da Saúde, bem como o Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de
Área, constituem o quadro jurídico adequado para o estabelecimento de atividades de cooperação no
âmbito da saúde, nos moldes do acordo que foi celebrado pelas partes e promulgado pelo Decreto nº
3.594, de 8/9/2000;
f) constata-se que o Subprocurador-Geral junto ao TCU fez referência à adequação do
quadro jurídico para a celebração de atividades de cooperação, nos moldes do disposto no Decreto nº
3.594/2000. Assim sendo, não se pronunciou sobre a legalidade dos termos de ajuste sob comento
quando avaliados em face dos acordos básicos aprovados pelo Congresso Nacional. Aduz-se que, por
se tratar de um acordo executivo, o Decreto nº 3.594/2000 não pode dispor nem ser interpretado em
sentido diverso do que foi estabelecido nos acordos básicos. Essa é uma lógica semelhante àquela
referente à relação entre os decretos regulamentares e as respectivas leis em sentido estrito;

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g) no seu voto, o Ministro Benjamin Zymler afirmou a legalidade desses termos de


cooperação, com fulcro na Constituição da OMS, na Medida Provisória nº 621/2013 e na Lei nº
12.871/2013, resultante da conversão dessa MP, o que não vai de encontro aos fundamentos da
proposta de audiências. Afinal, o art. 23 da Lei nº 12.871/2013 só produz efeito se o tipo de
cooperação sob análise tiver apoio em um acordo internacional em sentido estrito.
31. No que concerne ao alegado desvio de finalidade na execução financeira das despesas com
bolsas-formação dos médicos provenientes de Cuba, o auditor destacou que:
a) foi apontado um desvio de finalidade na execução financeira dos 4º e 5º Termos de
Ajuste, relativo aos valores transferidos para a OPAS a título de bolsas-formação. Aproximadamente
65% desses valores estão sendo apropriados pelo Governo de Cuba, ou seja, estão sendo alocados de
forma diversa daquela estabelecida pelos arts. 19 da Lei nº 12.871/2013 e 22 da Portaria
Interministerial nº 1.369/2013. Afinal, essas quantias deveriam ser destinadas para os médicos
participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil;
b) sobre essa questão, foi exarada determinação no seguinte sentido (item 9.1.3 do Acórdão
nº 360/2017 Plenário):
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do
Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. com base no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal e no art. 250, II, do
Regimento Interno do TCU, determinar ao Ministro da Saúde que, no prazo de 90 (noventa) dias,
adote, no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (80º TC) firmado com a Organização Pan-
Americana de Saúde - OPAS/OMS e dos respectivos Termos de Ajuste, com a devida cooperação do
Ministério das Relações Exteriores, providências no intuito de:
(...)
9.1.3. estipular a previsão expressa de que a auditoria independente de que trata o Artigo
VIII do Ajuste Complementar promulgado pelo Decreto nº 3.594/2000 investigue e avalie a
regularidade dos repasses efetuados pela OPAS para o Governo Cubano, em especial no que
concerne aos recursos transferidos a título de pagamento das bolsas para os médicos cubanos;
c) caso seja realizada essa avaliação por parte de uma auditoria independente, ela se
referirá a outros aspectos relacionados ao pagamento dos médicos intercambistas, não à diferença entre
o valor total da bolsa e as quantias efetivamente por eles recebidas, visto que essa situação se mostra
notória;
d) em seu voto complementar, o Ministro Benjamin Zymler afirmou que (peça 115, p. 1 e
9, do TC nº 027.492/2013-3):
4. No caso vertente, o ilustre revisor concordou com o meu posicionamento
anteriormente exarado exceto no que concerne à qual deve ser a atuação do TCU em relação à
remuneração diferenciada paga aos médicos cubanos. Por via de consequência, este voto
complementar se aterá à análise desse ponto, que apresenta singularidades e relevante complexidade.
(...)
51. Preliminarmente, saliento que o pagamento de remunerações diferenciadas para
profissionais que desempenham a mesma função ofende o senso comum de justiça.
52. Contudo, no caso vertente, entendo que a análise dessa situação adentra o campo do
Direito Internacional Público, no âmbito do qual tecerei algumas considerações que me levam a
divergir do ilustre revisor.
e) na instrução que fundamentou a proposta de audiências, buscou-se apurar o
descumprimento do princípio constitucional básico da legalidade estrita por agentes da Administração
Pública Federal, tendo sido constatado que existem normas dispondo a quem deverão ser destinados os
recursos relativos à bolsa-formação e existe uma grande discrepância entre o que determinam essas
normas e a realidade, o que configura irregularidades praticadas pelo agente subscritor dos 4º e 5º
Termos de Ajuste;

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f) o Ministro Augusto Sherman, em seu voto revisor (peça 113 do TC nº 027.492/2013-3),


demonstrou pleno alinhamento com a instrução de audiência, tendo asseverado a gravidade dos atos e
se manifestado a favor da audiência dos titulares da pasta ministerial. Assim sendo, ele propôs a
realização de audiência dos responsáveis; e
g) no entanto, essa proposta do Ministro Revisor não foi acolhida pelo Plenário desta
Corte. Portanto, não se considera adequado levar uma sugestão no mesmo sentido para avaliação
daquele colegiado, em que pesem os argumentos acima expostos serem considerados suficientes e
adequados para a realização das audiências em tela.
32. Com espeque nessas considerações, o auditor, com a concordância do Diretor, propôs que
fossem realizadas as audiências anteriormente transcritas neste voto, com exceção da parte que diz
respeito ao suposto desvio de finalidade.
33. O titular da Secex Saúde propôs que a presente representação seja julgada improcedente e,
por via de consequência, seja arquivada, tendo em vista que não mais persistem as razões que
ensejaram a proposta de realização das audiências em tela. Em apoio a essa conclusão, o Secretário
salientou que:
a) anteriormente, a unidade técnica concluiu que os referidos termos de ajuste não
possuíam amparo no Convênio Básico firmado pelo Brasil e pela OMS, aprovado por meio do Decreto
Legislativo nº 11/1956, nem no Acordo Básico de Assistência Técnica assinado pelo Governo
Brasileiro, pela ONU e suas Agências Especializadas e pela Agência Internacional de Energia
Atômica, ratificado pelo Decreto Legislativo nº 11/1966, instrumentos nos quais o Ministério da Saúde
fundamentou o citado 80º Termo de Cooperação Técnica;
b) esse entendimento decorreu do fato de o Convênio Básico Brasil - OMS e o Acordo
Básico de Assistência Técnica Brasil - ONU tratarem da cooperação para assistência técnica de caráter
consultivo, voltada para o desenvolvimento institucional, científico e tecnológico. Assim, esses
acordos não amparariam o pagamento de bolsas-formação e ajudas de custo para médicos cubanos no
Brasil, conforme previsto nos termos de ajuste questionados;
c) além disso, ainda que o art. 17 da MP nº 621/2013, cuja redação foi reproduzida no art.
23 da Lei nº 12.871/2013, autorizasse o Ministério da Saúde a celebrar acordo com organismos
internacionais para a execução das ações ali previstas, inclusive com transferência de recursos , a
unidade técnica observou que não havia, no ordenamento jurídico brasileiro, acordo de cooperação
internacional específico em vigor, aprovado na forma do art. 49, I, da Constituição Federal, que
estabeleceu ser competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre
tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional ;
d) ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 5.037 e nº 5.035, ocorrido no dia 30/11/2017, decidiu pela constitucionalidade
da Medida Provisória nº 621/2013, posteriormente convertida na Lei nº 12.871/2013. Assim sendo,
permaneceu hígida a autorização para que o Ministério da Saúde celebrasse acordos e outros
instrumentos de cooperação com organismos internacionais, inclusive com a realização de despesas;
e) assim sendo, foi reconhecida a constitucionalidade do Projeto Mais Médicos para o
Brasil, inclusive no que se refere à participação de médicos formados em instituições de educação
superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional, conforme previsto no art. 7º, II,
da MP nº 621/2013 um dos dispositivos impugnados na ADI nº 5035 e mantido no art. 13, II, da
Lei nº 12.871/2013;
f) cabe registrar que a Lei nº 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal, estabelece que:
Art. 28 (...)
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade,
inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade

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sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
g) dessa forma e considerando o resultado do julgamento pelo STF da ADI nº 5.035, no
qual se concluiu pela constitucionalidade dos referidos dispositivos da MP nº 621/2013, que instituiu o
Projeto Mais Médicos para o Brasil, independentemente da existência prévia de acordo de cooperação
técnica internacional específico que amparasse a participação de médicos formados em instituições de
educação superior estrangeiras, avalia-se que o referido Projeto é legalmente válido;
h) também importa salientar que os questionados 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste ao 80º
Termo de Cooperação Técnica Brasil - OPAS foram celebrados, respectivamente, em 22/8/2013,
26/2/2014 e 15/8/2014, portanto, após a edição da MP nº 621, que ocorreu no dia 8/7/2013. Conforme
registrado anteriormente, essa norma autorizou o Ministério da Saúde a celebrar acordo com
organismos internacionais para a execução das ações ali previstas, inclusive com transferência de
recursos . Assim, não se pode sustentar que os dispositivos legais que instituem o Projeto Mais
Médicos para o Brasil sejam considerados constitucionais, mas a correspondente autorização de
financiamento não seja avaliada de forma similar; e
i) o Tribunal, por meio do Acórdão nº 360/2017 - Plenário, acolheu o entendimento de que
a questão do suposto desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação
dos médicos cubanos adentrava o campo do Direito Internacional Público e refugia à competência do
TCU.
34. Com fulcro nessas considerações, o titular da Secex Saúde propôs:
a) conhecer da presente representação, uma vez que foram satisfeitos os requisitos de
admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, III, do Regimento Interno deste Tribunal e 103, § 1º, da
Resolução TCU nº 259/2014, para, no mérito, considerá-la improcedente;
b) comunicar aos representantes a decisão que vier a ser adotada nestes autos;
c) arquivar os presentes autos, nos termos dos arts. 237, parágrafo único, e 250, I, do
Regimento Interno do TCU.

IV Análise desta representação

35. Em linha de sintonia com o entendimento esposado pela unidade técnica, considero que
esta representação deve ser conhecida, uma vez que foram preenchidos os requisitos aplicáveis à
espécie.
36. Quanto ao mérito, julgo que assiste razão ao titular da Secex Saúde, cuja análise das
questões ora postas, constante de seu parecer, incorporo desde já às minhas razões de decidir. Contudo,
entendo necessário tecer algumas considerações, o que passo a fazer.
37. Em primeiro lugar, tratarei dos fundamentos da participação dos médicos cubanos no
Projeto Mais Médicos para o Brasil.
38. A Organização Pan-Americana da Saúde OPAS é um organismo internacional de saúde
pública, criado em 1902, com a finalidade de melhorar as condições de saúde dos países das Américas.
Ela foi o primeiro organismo internacional voltado para a cooperação na área de saúde. Ressalto que o
Brasil se tornou membro da OPAS no dia 29/10/1929.
39. Visando cumprir sua finalidade, a OPAS busca orientar os esforços estratégicos de
colaboração entre os Estados membros e outros parceiros, no sentido de promover a equidade na
saúde, combater doenças, melhorar a qualidade de vida e elevar a expectativa de vida dos povos das
Américas.
40. Ela pode atuar de forma isolada ou integrada à Organização das Nações Unidas ONU.
Nessa última hipótese, a OPAS age na condição de Escritório Regional para as Américas da
Organização Mundial da Saúde - OMS. A OPAS/OMS integra os sistemas da Organização dos
Estados Americanos - OEA e da Organização das Nações Unidas.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 003.771/2014-8

41. A Organização Mundial da Saúde é uma agência especializada, fundada em 7/4/1948 e


subordinada à Organização das Nações Unidas. O Brasil teve participação fundamental na história
dessa Organização, uma vez que os delegados do nosso país foram os autores da proposta de criação
da OMS.
42. Segundo disposto em sua constituição, o objetivo da OMS é desenvolver ao máximo o
nível de saúde de todos os povos. Nesse sentido, o documento de fundação da Organização prevê que
ela poderá:
a) estabelecer e manter colaboração efetiva com a administração governamental da área de
saúde;
b) auxiliar os governos, a seu pedido, a melhorar os serviços de saúde;
c) fornecer a assistência técnica apropriada; e
d) estabelecer e manter os serviços administrativos e técnicos julgados necessários,
43. No dia 25/4/2013, o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde
OPAS/OMS celebraram o 80º Termo de Cooperação Técnica para o desenvolvimento de ações
vinculadas ao Projeto de Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em Saúde.
44. Segundo disposto na cláusula terceira desse termo, sua finalidade precípua é promover a
qualificação e valorização dos profissionais da Atenção Básica, por meio da capacitação técnica, em
localidades prioritárias para o Sistema Único de Saúde SUS.
45. Por seu turno, a cláusula quarta do referido Termo estabelece que a cooperação técnica se
dará a partir da assinatura de termos de ajustes, firmados pelo Ministério da Saúde e pela OPAS. Cada
termo detalhará os objetivos, meios, formas de participação, obrigação das partes, contribuições
técnicas, financeiras, de recursos humanos, de orçamento e forma de desembolsos, destinados a
assegurar o normal e adequado cumprimento de cada termo.
46. No dia 22/8/2013, foi firmado o 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação, com
vistas a inserir metas e recursos para garantir a Cooperação Técnica entre o Ministério da Saúde e a
OPAS/OMS, com a finalidade de desenvolver o Projeto de Ampliação do Acesso da População
Brasileira à Atenção Básica em Saúde. Segundo consta desse termo, sua celebração decorreu do
mandato conferido aos Estados Membros da OPAS/OMS para promover a Cooperação Técnica
Internacional entre países, a denominada Cooperação Sul-Sul (aquela estabelecida entre países
localizados no hemisfério sul). Dessa forma, foi viabilizado o Programa de Cooperação Técnica da
Organização Pan-Americana da Saúde para a Participação de Médicos Cubanos no Projeto Mais
Médicos para o Brasil.
47. Com espeque no acima exposto, verifica-se que a celebração do referido Termo de
Cooperação encontra respaldo na Constituição da OMS.
48. Saliento ainda que o art. 17 da Medida Provisória nº 621, editada no dia 8/7/2013, forneceu
amparo legislativo à celebração de termos de cooperação com organismos internacionais, ao prever
que:
Para a execução das ações previstas nesta Medida Provisória, os Ministérios da
Educação e da Saúde poderão firmar acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos
internacionais, instituições de educação superior nacionais e estrangeiras, órgãos e entidades da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
consórcios públicos e entidades privadas, inclusive com transferência de recursos .
49. Assim sendo, constata-se que a assinatura do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação, ocorrida em 22/8/2013, teve respaldo legal.
50. Friso ainda que o art. 20 da Lei nº 12.871/2013, resultante da conversão da Medida
Provisória nº 621, confirmou essa autorização.
51. Aduzo que a participação de médicos cubanos no Projeto Mais Médicos para o Brasil
encontra amparo no art. 13, II, da Lei nº 12.871/2013. Afinal, consoante exposto anteriormente neste
voto, a referida norma legal permite o oferecimento de curso de especialização em Atenção Básica,

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mediante a Educação pelo Trabalho, para médicos formados em instituições de educação superior
estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional.
52. Diante disso, julgo que a participação dos médicos cubanos no Projeto Mais Médicos para
o Brasil, com a intermediação da OPAS, possui amparo normativo.
53. Cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 30/11/2017, julgou as
Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.037 e nº 5.035, ambas relatadas pelo Ministro Marco
Aurélio, as quais haviam sido apresentadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais
Universitários Regulamentados (CNTU) e pela Associação Médica Brasileira (AMBR),
respectivamente, contra dispositivos da MP nº 621/2013.
54. Na ADI nº 5.037, foi solicitada a declaração de inconstitucionalidade da referida MP, em
especial, dos seus arts. 3º a 11, 13 e 14. Por sua vez, na ADI nº 5.035, foi questionada a
constitucionalidade dos arts. 7º, I e II, §§ 1º, 2º, I e II, e 3º; 9º, I e II e § 1º; 10, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, e 11
dessa medida provisória, a seguir transcritos:
MP nº 621/2013
Art. 7º Fica instituído, no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto Mais Médicos
para o Brasil, que será oferecido:
I - aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no País; e
II - aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de
intercâmbio médico internacional.
§ 1º A seleção e ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o
Brasil observará a seguinte ordem de prioridade:
I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no País;
II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para
exercício da medicina no exterior; e
III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício de medicina no exterior.
§ 2º Para os fins do Projeto Mais Médicos para o Brasil, considera-se:
I - médico participante - médico intercambista ou médico formado em instituição de
educação superior brasileira ou com diploma revalidado; e
II - médico intercambista - médico formado em instituição de educação superior
estrangeira com habilitação para exercício da medicina no exterior.
§ 3º A coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil ficará a cargo dos Ministérios
da Educação e da Saúde, que disciplinarão, por meio de ato conjunto dos Ministros de Estado da
Educação e da Saúde, a forma de participação das instituições públicas de educação superior e as
regras de funcionamento do Projeto, incluindo a carga horária, as hipóteses de afastamentos e os
recessos.
(...)
Art. 9º Integram o Projeto Mais Médicos para o Brasil:
I - o médico participante, que será submetido ao aperfeiçoamento profissional
supervisionado;
II - o supervisor, profissional médico responsável pela supervisão profissional contínua e
permanente do médico; e
(...)
§ 1º São condições para a participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos
para o Brasil, conforme disciplinado em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da
Saúde:
I - apresentar diploma expedido por instituição de educação superior estrangeira;
II - apresentar habilitação para o exercício da medicina no país de sua formação; e
III - possuir conhecimentos de língua portuguesa.
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Art. 10. O médico intercambista exercerá a medicina exclusivamente no âmbito das


atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para o Brasil, dispensada, para tal
fim, a revalidação de seu diploma nos termos do § 2º do art. 48 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996.
§ 1º Fica vedado ao médico intercambista o exercício da medicina fora das atividades do
Projeto Mais Médicos para o Brasil.
§ 2º Para exercício da medicina pelo médico intercambista no âmbito do Projeto Mais
Médicos para o Brasil será expedido registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina.
§ 3º A declaração de participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para
o Brasil, fornecida pela coordenação do programa, é condição necessária e suficiente para a
expedição de registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina, não sendo aplicável o art.
99 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, e o art. 17 da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957.
§ 4º O registro provisório será expedido pelo Conselho Regional de Medicina no prazo de
quinze dias, contado da apresentação do requerimento pela coordenação do programa de
aperfeiçoamento, e terá validade restrita à permanência do médico intercambista no Projeto Mais
Médicos para o Brasil, nos termos do regulamento.
Art. 11. As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil
não criam vínculo empregatício de qualquer natureza.
55. No julgamento das mencionadas ações, prevaleceu o entendimento do Ministro Alexandre
de Moraes, que votou pela extinção da ADI nº 5.037, devido à ilegitimidade da parte, e afastou os
argumentos principais apresentados pela AMBR, relacionados ao atendimento ao direito à saúde, à
necessidade de validação do diploma do médico estrangeiro e à quebra de isonomia nas relações de
trabalho.
56. Saliento que não foi objeto de impugnação o art. 17 da MP nº 621/2013, posteriormente
convertido no art. 23 da Lei nº 12.871/2013. Assim sendo, permaneceu hígida a autorização para que o
Ministério da Saúde celebrasse acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos
internacionais, inclusive com a realização de despesas.
57. Por ser elucidativa, transcrevo a seguir trechos da manifestação do Ministro Alexandre de
Moraes na referida sessão de julgamento:
A lei [nº 12.871/2013], se linda ou perfeita, seria constitucional. Na aplicação, podem
estar ocorrendo problemas, exatamente, como salientado pelo Ministro Marco Aurélio e como
salientado no acórdão do Tribunal de Contas da União, problemas na execução da lei, problemas de
verificação, problemas de repasse, mas problemas que a meu ver não afetam a constitucionalidade do
modelo.
Pode não ter sido o melhor modelo, mas foi, a meu ver, uma opção legítima, primeiro da
Presidência da República à época, por medida provisória, depois, com algumas alterações, pelo
Congresso Nacional, uma opção legítima para a maior preocupação da sociedade, do povo brasileiro.
Hoje, a primeira preocupação do povo brasileiro é saúde, a segunda, segurança, e a terceira,
educação, em todas as pesquisas, seja nos municípios, estados.
(...)
A norma atacada pode não ter sido a melhor opção do ponto de vista técnico, para alguns,
mas me parece que foi uma opção de política pública válida para tentar solucionar esse problema, ou
pelo menos, eu não diria solucionar, tentar minimizar esse grave problema [falta de atendimento
médico nos municípios mais distantes].
(...)
Eventuais ilicitudes ou falhas na execução dessas políticas públicas devem ser, como o
TCU está fazendo, como o Ministério Público do Trabalho está fazendo, o Ministério Público Federal
está fazendo, devem ser investigadas, corrigidas.
(...)

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O segundo ponto em que divirjo do Ministro Marco Aurélio é a questão da existência da


relação de trabalho, que se configuraria aqui relação de trabalho, porque disso decorre também a
minha divergência com o ministro relator da quebra do princípio da igualdade em relação à questão
de Cuba com os demais países.
O que se pretendeu, a meu ver, com todo respeito às posições em contrário, a prioridade
estabelecida dentro do Sistema Único de Saúde com o Programa Mais Médicos foi o binômio ensino-
serviço.
(...)
Não me parece que haja aqui relação trabalhista.
(...)
Dentro desse contexto, é uma relação que se faz com entidades, com países, de bolsas
oferecidas, que não é feita diretamente Ministério da Saúde-Brasil - médico específico. Em relação a
Cuba, nós podemos concordar ou não, mas foi feito primeiro com a Organização de Saúde; a
Organização de Saúde com Cuba; Cuba abre um chamamento; aqueles médicos que se inscrevem,
eles já sabem as condições da bolsa.
58. Em síntese, o Supremo Tribunal Federal não apreciou a constitucionalidade da autorização
concedida ao Ministério da Saúde para celebrar acordos internacionais. No entanto, foi reconhecida a
constitucionalidade do Projeto Mais Médicos para o Brasil, inclusive no que se refere à participação de
médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico
internacional, conforme previsto no art. 7º, II, da MP nº 621/2013 um dos dispositivos impugnados
na ADI nº 5035 e mantido no art. 13, II, da Lei nº 12.871/2013.
59. Esclarecido esse ponto, passo a tratar da remuneração dos médicos cubanos. Foi apontado
na representação em tela que a forma de pagamento dos médicos intercambistas poderia violar a
Constituição Federal e as normas da OMS. Em primeiro lugar, destaco que a cláusula segunda do 3º
Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica para o desenvolvimento de ações vinculadas ao
Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em Saúde, celebrado com a
Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial de Saúde, prevê a forma de pagamento
dos médicos intercambistas. Em consonância com esse dispositivo, compete ao Ministério da Saúde
realizar, com base nos Planos de Ação do Programa, o repasse semestral antecipado à OPAS/OMS dos
recursos referentes às bolsas, às ajudas de custo de instalação, ao transporte internacional e ao seguro
de vida dos médicos participantes.
60. Em segundo lugar, friso que os pagamentos aos médicos cubanos são realizados por uma
entidade do governo daquele país, denominada Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de
Servicios Médicos Cubanos S.A. - CSMC S.A. Essa informação consta do Contrato Individual
para la Prestación de Servicios Profissionales y Tecnicos en el Exterior , firmado por esses
profissionais e pela citada empresa, como se observa no documento que foi entregue à Procuradoria
Regional do Trabalho da 10ª Região pela médica cubana Dra. Ramona Matos Rodrigues.
61. Destaco ainda que o contrato em tela estabelece que as divergências eventualmente
existentes entre os médicos e a CSMC S.A. serão resolvidas com base na Resolução nº 168 do
Ministério do Comércio Exterior e Inversão Estrangeira da República de Cuba, denominada
Reglamento Disciplinario para los trabajadores civiles cubanos que prestan servicios en el
exterior como colaboradores . Também deverá ser observada a legislação trabalhista e civil cubana
aplicável ao caso em questão.
62. Por outro lado, os valores correspondentes à bolsa e à ajuda de custo dos médicos
formados em instituições de educação superior brasileiras ou daqueles com diplomas revalidados no
Brasil são creditados diretamente e no valor integral nas respectivas contas correntes.
63. Em tese, esse tratamento diferenciado conferido aos médicos intercambistas poderia
afrontar o disposto no caput do art. 5º da Constituição Federal, verbis:

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade.
64. Ademais, essa diferença de tratamento poderia contrariar o disposto no Código Global de
Práticas para Recrutamento Internacional de Profissionais da Saúde da Organização Mundial da Saúde
- OMS, segundo o qual o pessoal de saúde imigrante deve ser contratado, promovido e remunerado
com base em critérios objetivos, tais como níveis de qualificação, anos de experiência e grau de
responsabilidade, tendo por base a igualdade de tratamento com o pessoal de saúde do país onde irão
trabalhar.
65. Apesar de considerar que o pagamento de remunerações diferenciadas para profissionais
que desempenham a mesma função ofende o senso comum de justiça, julgo que, no caso vertente, a
análise dessa situação adentra o campo do Direito Internacional Público, no âmbito do qual tecerei
algumas considerações.
66. Em primeiro lugar, entendo que a modalidade de execução direta rege o acordo de
cooperação entre o Brasil e a OPAS/OMS. Assim sendo, àquela organização compete gerenciar e
aplicar os recursos a ela repassados por nosso país em conformidade com o disposto no Termo de
Cooperação e nos respectivos Termos de Ajuste.
67. Aduzo que a mencionada entidade, no seu relacionamento com os diversos países, possui
status, a ela conferido pelo Direito Internacional Público, de um estado internacional, que não está
submetido à jurisdição de outro.
68. Essa última tese encontra respaldo na decisão do STF, prolatada quando do julgamento do
RE nº 578.543, relatado pelo Ministro Teori Zavascki, quando o Pretório Excelso confirmou que o
PNUD, órgão da ONU tal qual a OMS, possui imunidade de jurisdição.
69. Para melhor entendimento da questão reproduzo, a seguir, as ementas desse acórdão:
Ementa: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (ONU/PNUD). RECLAMAÇÃO TRABALHISTA.
CONVENÇÃO SOBRE PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DAS NAÇÕES UNIDAS (DECRETO
27.784/1950). APLICAÇÃO.
1. Segundo estabelece a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas ,
promulgada no Brasil pelo Decreto nº 27.784, de 16 de fevereiro de 1950, A Organização das
Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja seu detentor, gozarão de imunidade de
jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica,
todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas .
2. Esse preceito normativo, que no direito interno tem natureza equivalente à das leis
ordinárias, aplica-se também às demandas de natureza trabalhista.
3. Recurso extraordinário provido.
70. Nesse mesmo sentido, o Ministro Ives Gandra do Tribunal Superior do Trabalho afirmou
que:
Na realidade específica da ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA
SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OPAS/OMS, diversos diplomas internacionais,
devidamente incorporados ao ordenamento positivo brasileiro, mediante aprovação pelo Congresso
Nacional e pelo Poder Executivo, asseguram total e expressa imunidade de jurisdição (ver fls.
49/127), razão pela qual esta é de conteúdo absoluto, e não relativo, porque assim ajustado pelos
Poderes constituídos da Republica Federativa do Brasil (fl. 196). Aliás, neste sentido já se posicionou
a egr. 1ª Turma, em questão idêntica, envolvendo, inclusive, o mesmo organismo internacional
reclamado, cujos fundamentos peço venia para adotar como razões de decidir: Inegável a
flexibilização experimentada na aplicação do instituto da imunidade de jurisdição concedida ao
Estado Estrangeiro, notadamente no âmbito trabalhista. Ocorre que, no presente caso, trata-se de um
organismo internacional, com prerrogativas de imunidade previstas não só no Direito

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Consuetudinário, mas também por tratados internacionais específicos, ratificados pela vontade
soberana dos Estados.
71. Assim sendo, o TST uniformizou o entendimento no sentido de que os organismos
internacionais gozam de imunidade absoluta. Diferentemente do que ocorre em relação aos Estados
estrangeiros, a imunidade de jurisdição desses organismos não encontra amparo na praxe internacional.
Ela decorre de expressa previsão em norma internacional, de sorte que sua não observância
representaria a quebra de um pacto internacional.
72. Importa destacar também que a cláusula décima terceira do 80º Termo de Cooperação
Técnica, firmado pela OPAS e pelo Ministério da Saúde, prevê expressamente a imunidade de
jurisdição daquela organização.
73. Nesse contexto, o Governo Brasileiro pode apenas exigir que aquela organização atue com
fiel observância do disposto no 80º Termo de Cooperação Técnica e nos Termos de Ajuste. Nada além
disso poderá ser validamente exigido da OPAS.
74. Acrescento que, caso o Governo Brasileiro entenda que existem vícios insanáveis na ação
da OPAS, ele poderá rescindir (de comum acordo) ou denunciar os referidos acordos internacionais.
Alternativamente, as eventuais divergências entre as partes poderão ser submetidas a uma arbitragem,
cuja decisão, em conformidade com a cláusula décima-quinta do mencionado Termo de Cooperação
Técnica, será final e inapelável, ou seja, não haverá homologação judicial.
75. Diante disso, avalio que o TCU pode validamente demandar da OPAS que cumpra
plenamente as obrigações assumidas no Termo de Compromisso e nos Termos de Ajustes por ela
firmados. Assim, por exemplo, esta Corte determinou à OPAS que apresentasse as prestações de
contas dos valores repassados e que observe as regras relativas à fixação do valor da taxa de
administração. Tais determinações são perfeitamente factíveis porque estão direcionadas para o
adimplemento das obrigações contraídas por aquela organização, ou seja, visam à verificação da
compatibilidade da atuação da Organização Pan-Americana de Saúde com as regras pactuadas nos
termos acima citados.
76. Situação muito diferente ocorre quando se cogita exigir da OPAS que pratique um ato não
previsto nos acordos por ela celebrados. Nessa hipótese, ocorrerá na prática uma violação à imunidade
acima descrita.
77. Saliento que a relação jurídica estabelecida entre Cuba e a OPAS envolve um estado
soberano (Cuba) e uma organização que goza de status similar ao de um estado. Por via de
consequência, tal relação se encontra sob a égide do Direito Internacional Público, o que implica dizer
que ela está fora do âmbito de competência do TCU.
78. Diante do acima exposto, acrescento não ver como atribuir competência ao TCU para
intervir nas relações estabelecidas entre o Governo cubano e a Organização Pan-Americana de Saúde,
uma vez que tais relações se assemelham àquelas constituídas por dois estados estrangeiros, já que,
como visto acima, a OPAS possui tal estatura.
79. Ademais, saliento que a OPAS transfere para Cuba o valor pago pelo Brasil, descontadas a
taxa de administração e as demais despesas acessórias. Assim sendo, em tese, eventual retenção de
valores relativos à remuneração dos médicos cubanos é praticada pelo governo daquele país, o que
implica dizer que qualquer ilícito que supostamente esteja ocorrendo neste particular deve ser
imputado ao mencionado governo, não à OPAS.
80. Dessa constatação se depreende que uma eventual determinação corretiva, em princípio,
deveria ser direcionada ao Governo cubano, não à OPAS. Contudo, pelo acima exposto, entendo que
tal determinação não pode ser exarada pelo TCU, pois violaria a imunidade desfrutada por aquele país
e extrapolaria a competência desta Corte de Contas.
81. Passo agora à análise de quem poderia ser arrolado no polo passivo de uma eventual ação
judicial proposta por médicos cubanos. Com base nos documentos acostados a estes autos, avalia-se
que o pagamento aos médicos cubanos é realizado pelo Governo Cubano, por meio da Sociedad
Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. CSMC S.A.

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82. Saliento que essa afirmação se baseia no que foi estabelecido no contrato apresentado pela
Dra. Ramona Matos Rodrigues. Assim sendo, adotei neste voto a hipótese de que o pagamento é feito
diretamente por aquele governo, o que é plausível.
83. Para esse fim, são utilizados recursos repassados para Cuba pela OPAS, em observância ao
disposto na cláusula segunda, II, 20, "b", do Quinto Termo de Ajuste ao 80º Termo de Compromisso.
Para tanto, aquela organização utiliza os recursos financeiros aportados pelo Brasil.
84. Assim sendo, caso alguma irregularidade seja praticada no que concerne a tais pagamentos,
o interesse jurídico eminentemente subjetivo e pessoal dos eventuais prejudicados deve, em tese, ser
pleiteado em face do Governo Cubano, como aliás consta dos contratos de prestação de serviços
assinados por eles. Esse fato também afasta a competência do Tribunal de Contas da União para
determinar a adoção de medidas corretivas quanto à diferença de tratamento entre os médicos cubanos
e os brasileiros.
85. Aduzo que, caso seja admitida a possibilidade de o TCU determinar à OPAS a adoção de
providências julgadas cabíveis por esta Corte, tais medidas tenderiam a ser inócuas. Afinal, existe a
presunção relativa de que o Governo Cubano recebe a totalidade dos valores repassados pelo Brasil
para a OPAS (descontadas a taxa de administração e eventuais despesas acessórias) e repassa um valor
menor para os médicos, que friso foram contratados por aquele governo, por meio da estatal CSMC
S.A.
86. Cumpre lembrar que a cláusula segunda do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação Técnica para o desenvolvimento de ações vinculadas ao Projeto Ampliação do Acesso da
População Brasileira à Atenção Básica em Saúde, celebrado com a Organização Pan-Americana da
Saúde/Organização Mundial de Saúde, prevê que compete ao Ministério da Saúde realizar o repasse
semestral antecipado à OPAS/OMS dos recursos referentes às bolsas, às ajudas de custo de instalação,
ao transporte internacional e ao seguro de vida dos médicos participantes. Em seguida, aquela
organização deve transferir tais valores para o governo cubano, que fará os pagamentos aos médicos
oriundos daquele país.
87. Saliento, por oportuno, que o 80º Termo de Cooperação Técnica para o desenvolvimento
de ações vinculadas ao Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em
Saúde e os respectivos termos de ajuste não contêm nenhuma regra que atribua à OPAS a realização
do pagamento aos médicos cubanos.
88. Acrescento que existem atribuições da OPAS, como a prevista no subitem II.20 da cláusula
segunda do 5º Termo de Ajuste, relativas ao fornecimento tempestivo dos recursos para que o Governo
Cubano providencie o pagamento aos profissionais que atuam no Projeto Mais Médicos. Contudo,
reitero que não encontrei nos documentos acostados aos presentes autos nenhuma menção ao
pagamento direto da OPAS para os profissionais cubanos.
89. Outra questão relevante diz respeito à possibilidade de o TCU tutelar interesses privados
disponíveis, como é o caso da remuneração dos médicos cubanos. Afinal, consoante ressaltado pelo
Ministro Bruno Dantas, no Acórdão nº 671/2017 - Plenário:
resta consolidado o entendimento de que não se insere nas competências desta Corte de
Contas o patrocínio de interesses privados, como evidencia a alteração regimental do art. 276, com
vistas a substituir a expressão direito alheio por interesse público , apto a ensejar a atuação do
TCU, cuja tutela deverá ser pleiteada nas instâncias ordinárias do poder judiciário.
90. No presente caso, entendo que se aplica esse entendimento, o que acarreta a ausência de
competência do TCU para atuar em defesa dos interesses desses médicos, os quais, diga-se de
passagem, não solicitaram a intervenção deste Tribunal.
91. Nesse contexto e tendo em vista a relevância da questão ora sob comento, destaquei no
meu voto condutor do Acórdão nº 360/2017 Plenário que:
94. (...) A questão em destaque deve ser investigada no âmbito dos procedimentos
definidos pela cláusula 11ª do 80º Termo de Cooperação, in verbis:
Cláusula Décima-Primeira: Da Auditoria

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Um auditor externo independente, nomeado pelo corpo da Direção da ORGANIZAÇÃO,


realizará a auditoria sobre os recursos administrados pela ORGANIZAÇÃO, compreendidos por este
Termo, de acordo com as regulamentações, regras e diretrizes da ORGANIZAÇÃO, na qualidade de
Agência Especializada das Nações Unidas. Cópias das auditorias da ORGANIZAÇÃO serão
entregues ao MINISTÉRIO, quando solicitadas.
95. Ademais, lembro que o art. VIII do Decreto nº 3.594/2000 prevê que:
auditor externo independente, nomeado pelos Estados Membros da OPAS/OMS, realizará
auditoria sobre os recursos administrados pela OPAS/OMS, ao abrigo deste Ajuste Complementar, de
acordo com as regulamentações, regras e diretrizes da OPAS/OMS na qualidade de Agência
Especializada das Nações Unidas.
96. Por outro lado, devo esclarecer que a mencionada auditoria servirá para afastar
qualquer dúvida porventura existente sobre a correção dos atos praticados pela OPAS, uma vez que
essa fiscalização aferirá se o repasse feito por essa organização para o Governo Cubano observa os
parâmetros fixados nos acordos celebrados com o Brasil. Contudo, avalio que ela não terá um
impacto efetivo sobre o valor dos pagamentos efetuados pela CSMC S.A. para os médicos cubanos.
97. Com fulcro nessas considerações, proponho que seja determinado ao Ministério da
Saúde que promova as adequações necessárias nos Termos de Ajuste, se necessário com a cooperação
do Ministério das Relações Exteriores, para prever expressamente que a auditoria independente
avalie a regularidade dos repasses feitos pela OPAS para o Governo Cubano, em especial no que
concerne aos recursos transferidos a título de pagamento das bolsas para os médicos cubanos. A
partir dos resultados dessa auditoria, conforme o caso, poderá a Corte de Contas adotar,
ulteriormente, as providências que entender cabíveis, inclusive com a eventual responsabilização dos
agentes públicos nacionais que porventura tenham contribuído para uma possível irregularidade.
92. Essa proposta foi acolhida por este Colegiado, de forma que o item 9.1.3 do mencionado
Acórdão nº 360/2017 Plenário apresenta a seguinte redação:
9.1. com base no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal e no art. 250, II, do
Regimento Interno do TCU, determinar ao Ministro da Saúde que, no prazo de 90 (noventa) dias,
adote, no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (80º TC) firmado com a Organização Pan-
Americana de Saúde - OPAS/OMS e dos respectivos Termos de Ajuste, com a devida cooperação do
Ministério das Relações Exteriores, providências no intuito de:
(...)
9.1.3. estipular a previsão expressa de que a auditoria independente de que trata o Artigo
VIII do Ajuste Complementar promulgado pelo Decreto nº 3.594/2000 investigue e avalie a
regularidade dos repasses efetuados pela OPAS para o Governo Cubano, em especial no que
concerne aos recursos transferidos a título de pagamento das bolsas para os médicos cubanos;
93. Com fulcro nessas considerações, em linha de concordância com a manifestação da
unidade técnica, julgo que a presente representação deve ser conhecida, para, no mérito, ser julgada
improcedente.
Diante do acima exposto, voto por que o Tribunal adote o acórdão que ora submeto à
apreciação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 4 de abril de 2018.

BENJAMIN ZYMLER
Relator

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VOTO REVISOR

SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. PROGRAMA


MAIS MÉDICOS. PEDIDO DE MEDIDA
CAUTELAR. CAUTELAR INDEFERIDA.
CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO.
SUPERVENIÊNCIA DE JULGAMENTO DE
QUESTÕES TRATADAS NESTA
REPRESENTAÇÃO PELO TCU. IMPACTO NESTE
PROCESSO. JULGAMENTO DE ADIs PELO STF.
LEI DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS JULGADA
CONSTITUCIONAL. DESVIO DE FINALIDADE DE
PARCELA DOS RECURSOS DESTINADOS AO
PAGAMENTO DE BOLSAS AOS PROFISSIONAIS
CUBANOS. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS AO
GOVERNO CUBANO. NÃO CUMPRIMENTO DOS
TERMOS DA COOPERAÇÃO E LEGISLAÇÃO
INTERNA INSTITUIDORA DO PROGRAMA.
PROCEDÊNCIA PARCIAL. DETERMINAÇÕES.
AUDIÊNCIA.

Na sessão plenária do dia 4 de abril de 2018, solicitei vista destes autos, com fundamento
no art. 119 do RI/TCU, em virtude da matéria aqui apresentada, relacionada ao Programa Mais
Médicos, em face do posicionamento por mim defendido anteriormente, por ocasião da prolação do
Acórdão 360/2017 Plenário.
2. Em que pese a deliberação anterior desta Corte sobre a matéria, adotada por voto da
maioria, continuo com a convicção acerca da ocorrência de irregularidades na gestão dos recursos
públicos destinados ao Programa Mais Médicos, bem assim, na operacionalização do programa,
notadamente, quando se refere aos médicos cubanos. Penso, ainda, que este é processo oportuno para a
revisão do posicionamento deste Tribunal, externado por meio daquele acórdão proferido em processo
de acompanhamento, vez que a matéria é aqui rediscutida, à luz também de outros apontamentos pelas
autoridades públicas representantes.
3. Como visto do relatório antecedente, versa a presente representação sobre possíveis
irregularidades na aplicação dos recursos do Programa, na qual os então Deputados Federais José
Mendonça Bezerra Filho, Luiz Henrique Mandetta e Ronaldo Caiado requerem medidas com vistas a
que se determine a abstenção do repasse de novos desembolsos para a OPAS, por intermédio do 3º
Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação.
4. Em síntese, são aduzidas irregularidades relativas à:
4.1 - não caracterização do programa como uma atividade de ensino, pesquisa e extensão,
uma vez que estaria ocorrendo a oferta de serviços médicos estrangeiros para resolver a carência de
médicos brasileiros, a despeito de a Lei nº 12.871/2013 estabelecer que o objeto do Projeto Mais
Médicos é a oferta de curso de especialização na modalidade de ensino, pesquisa e extensão;
4.2 tratamento desigual indevido dos profissionais cubanos em relação aos naturais de
outros países;
4.3 discrepância entre os dispêndios do governo brasileiro e a remuneração paga a título
de bolsa para os profissionais de origem cubana;
4.4 existência de restrição às liberdades individuais dos profissionais cubanos integrantes
do programa em foco;

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4.5 participação de empresa cubana na intermediação da contratação dos profissionais


daquele país, o que desvirtua os objetivos dos projetos de cooperação técnica internacional e viola as
Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral, da
Agência Brasileira de Cooperação ABC;
4.6 - a atuação da Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos
Cubanos S.A. - CSMC caracterizaria um desvio de finalidade e uma subcontratação irregular, pois os
instrumentos de cooperação internacional pressupõem a prestação de consultorias com o objetivo de
transferência de know-how para a promoção de mudanças qualitativas na área que se pretende
desenvolver.
5. De início, reafirmo e reconheço, a exemplo do que fiz por ocasião do Acórdão 360/2017
Plenário, a importância do Programa Mais Médicos para este país. E tal importância restou clara no
referido acórdão, bem como no Acórdão 331/2015 Plenário, no qual foram apresentados os
significativos números alcançados com o referido programa, relativos aos atendimentos básicos
prestados à população, revelando, na auditoria então apreciada, que a participação expressiva dos
médicos cubanos no projeto Mais Médicos é determinante para o sucesso do programa.
6. Por ocasião do Acórdão 360/2017 Plenário, reconheci a presunção juris tantum de
conformidade do programa ao arcabouço constitucional e legal que lhe dera suporte, ao menos
enquanto não fosse a constitucionalidade da legislação de regência afastada pelo Supremo Tribunal
Federal em sede de exame de constitucionalidade:
VOTO REVISOR COMPLEMENTAR
(...)
17. Ora, conforme aduzido por Sua Excelência, a participação dos médicos cubanos
possui amparo na legislação de regência, notadamente, nos acordos celebrados entre o Brasil e
a organização internacional, bem assim na Lei 12.871/2013, ao menos enquanto suas
disposições não são refutadas pelas ADIs 5.035 e 5.037 em tramitação no STF, disso não
havendo, portanto, qualquer divergência apontada. O que não encontra amparo na legislação e
mesmo nesses acordos, é a retenção de parcela referente à bolsa-formação, como já demonstrei no
voto revisor, e reforçarei aqui. (destaquei)

7. E, consoante bem demonstrado nestes autos pelo titular da SecexSaúde e pelo eminente
Relator, o Supremo Tribunal Federal, no dia 30/11/2017, julgou as referidas ADIs 5.035 e 5.037,
prevalecendo o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes pela extinção da ADI 5.037, devido à
ilegitimidade da parte postulante. No tocante à outra ação de controle concentrado, e no conjunto das
deliberações, depreende-se que o Pretório Excelso decidiu pela constitucionalidade da Medida
Provisória nº 621/2013, posteriormente convertida na Lei nº 12.871/2013, de modo que foi
reconhecida a constitucionalidade do Projeto Mais Médicos para o Brasil, inclusive no que se refere à
participação de médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de
intercâmbio médico internacional, conforme previsto no art. 7º, II, da MP nº 621/2013, um dos
dispositivos impugnados na ADI nº 5035, reproduzido no art. 13, II, da Lei nº 12.871/2013. Ademais,
como bem salientado pelo titular da secretaria, a Lei nº 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e
julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal, estabelece que as deliberações tomadas em processos dessa
natureza têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal.
8. Também como bem salientado, o art. 17 da MP nº 621/2013, cuja redação foi reproduzida
no art. 23 da Lei nº 12.871/2013, e que autorizou o Ministério da Saúde a celebrar acordo com
organismos internacionais para a execução das ações ali previstas, inclusive com transferência de
recursos, não foi objeto de questionamento, mantendo-se portanto a presunção de constitucionalidade
da disposição de lei.

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9. Logo, do ponto de vista jurídico-normativo, não há, de fato, que se questionar a legalidade
do programa. Todavia, entendo que há irregularidades nos aspectos da execução operacional e
financeira, e quanto ao cumprimento dos normativos reputados constitucionais, inclusive os termos do
próprio acordo de cooperação firmado.
10. Nesse sentido, apesar de o auditor, o diretor e o secretário não terem persistido na questão
do desvio de finalidade na aplicação dos recursos, por entender superada a questão em razão da
prolação do Acórdão 360/2017 Plenário, insisto que o programa vem sendo, desde sua
operacionalização, realizado em desvio de finalidade e com prejuízos aos princípios da transparência e
da legalidade dos gastos públicos, demandando a intervenção deste Tribunal e o alcance dos agentes
públicos responsáveis por permitirem a ocorrência dessas irregularidades.
11. A meu ver, não há impedimento nem há de se ter receios de ordem a impedir que o
Tribunal adote deliberação consentânea com as normas de Direito Financeiro, Direito Internacional,
Administrativo e Constitucional, às quais estão atrelados os deveres também positivados
constitucionalmente de se fiscalizar o cumprimento, porquanto a eventual cessação dos pagamentos
via OPAS, e a assunção direta pela União, desse compromisso de pagamento das bolsas-formação, é
juridicamente possível em face do quadro de desvio de finalidade de considerável parcela dos recursos
transferidas a título de bolsa formação para o Governo Cubano, conforme defendi naquele Acórdão
360/2017 - Plenário. E isso, a meu ver, não implicaria no imediato retorno dos profissionais a Cuba, os
quais poderiam aqui permanecer, seja mantendo o vínculo com a OPAS, seja na condição de
intercambistas individuais como defendi àquela ocasião.
12. Como consta do relatório elaborado por sua Excelência, diversas falhas na
operacionalização do programa redundam na constatação de que, do montante dos recursos
transferidos a título de bolsas formação, somente se conheça efetivamente do destino de 30% dos
recursos transferidos pela União, montante esse entregue ao profissional cubano participante. Há
indícios de que os outros 70% podem estar sendo desviados para outros fins não previstos no desenho
jurídico-normativo para sua execução, ou simplesmente retidos pelo governo cubano:

9. No que concerne aos riscos relativos à discrepância entre os valores pagos pelo
governo brasileiro e a remuneração recebida pelos médicos participantes, o auditor destacou que:
a) uma das grandes polêmicas que envolvem o Programa Mais Médicos está relacionada à
falta de transparência na destinação dos recursos financeiros. A partir da apresentação do contrato
celebrado com a empresa comercializadora de serviços médicos, foi possível identificar uma
enorme diferença entre os recursos públicos brasileiros alocados para custear a remuneração dos
médicos e os valores recebidos pelos profissionais cubanos;
b) no âmbito do TC nº 027.492/2013-3, foi constatado que o valor individual das bolsas foi
fixado em dez mil reais, como se observa no seguinte trecho do voto condutor do Acórdão nº
3.614/2013 - Plenário:
67. Cabe destacar que o Ministério da Saúde, em resposta à diligência realizada por esta
Corte de Contas, enviou Nota Técnica contendo a memória de cálculo referente aos valores a
serem desembolsados até novembro deste ano. A partir da análise dessas informações, constatou-
se que serão pagos, até novembro de 2013, bolsas, no valor individual de R$ 10.000,00 (dez mil
reais), a 4.000 (quatro mil) médicos cubanos pelo período de 8,6 meses;
c) já o contrato firmado pela sociedad mercantil cubana Comercializadora de Servicios
Médicos Cubanos S.A (CSMC) e pela médica cubana Ramona Matos Rodrigues estabeleceu:
j) Pagar mensualmente al PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO por concepto de
estipendio una cantidad equivalente a Mil/00 dólares estadounidenses (1000.00 USD), de la forma
siguiente: se le depositará en una cuenta de ahorro en Cuba que habilitará el PROFESIONAL DE
LA SALUD CUBANO, facilitada por CSMC, Seiscientos/00 CUC (600.00 CUC) al cambio 1 USD
= 1 CUC (Quinhentos cincuenta/00 CUC (550.00 CUC) si designó un tarjetahabiente) y se te
pagará en territorio brasileño, en reales brasileños el equivalente a Cuatrocientos/00 dólares

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estadounidenses (400.00 USD), a través de la cuenta bancaria habilitada a ese fin, a una tasa de
cambio de referencia del Real Brasileño contra el Dólar Estadunidense publicado por el Banco
Central de Brasil, que será fijada periódicamente según se decida, lo cual será comunicado
oportunamente al início de cada período.
d) as informações colhidas até o momento permitem elaborar a seguinte memória de
cálculo (utilizando como cotação o dólar americano, que, conforme consulta ao sítio do Banco
Central do Brasil, correspondia a R$ 2,3385 no dia 24/2/2014):
Tabela 1 Destinação dos valores no Programa Mais Médicos
% do
Linha Descrição Reais Dólar
Total
(a) Valor pago pelo governo brasileiro 10.000,00 4.276,25 100%
Valor depositado em Cuba em nome do profissional
(b) 1.403,10 600,00 14,03%
participante do programa
Valor entregue diretamente ao profissional participante do
(c) 935,40 400,00 9,35%
programa no Brasil
Valor pago à OPAS a título de taxa de administração (5%,
(d) conforme Subcláusula Única da Cláusula Terceira do 3º 500,00 213,81 5,00%
Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação)
Valores pagos pelo governo brasileiro cuja destinação é
(e) 7.161,50 3.062,44 71,62%
desconhecida (e) = (a) - (b) - (c) - (d)

e) pode-se supor que a diferença constante na linha (e) da tabela acima esteja sendo retida
pela empresa cubana CSMC. Porém, não se sabe a que título essa empresa está recebendo a maior
parcela dos recursos do programa por intermédio da OPAS;
f) só se conhece a destinação de 30% dos recursos públicos destinados ao Programa Mais
Médicos executados por intermédio da OPAS. Ao mesmo tempo, apenas 9% desses recursos são
colocados à disposição dos médicos que atuam no Brasil;
g) os seiscentos dólares que, de acordo com o contrato, serão depositados em conta de
poupança em nome dos médicos cubanos podem sofrer descontos de tributos, o que reduz ainda
mais a retribuição total paga a esses profissionais;
h) persiste a dúvida sobre quais são os serviços de fato prestados pela empresa cubana
CSMC. Aliás, cabe registrar que o item 2.1, n , do contrato sob comento, a seguir transcrito, veda
que informações consideradas no públicas (não públicas) sejam divulgadas pelos profissionais
cubanos:
n) Advertir al PROFESIONAL DE LA SALUD CUBANO através del personal actuante,
cuando así corresponda, sobre la estricta confidencialidad que deberá guardar sobre
informaciones no públicas que le sean dadas en tal condición o a las que tenga acceso por
cualquier via, en cumplimiento del labor que realizará o realiza en virtud de este Contrato, en
Cuba y en el Brasil, durante la vigencia de este Contrato y hasta un año después de su terminación
por cualquier causa.
i) além da falta de transparência na execução dos recursos, cumpre analisar a situação
pelos aspectos da economicidade e do interesse público. Se o governo brasileiro entende ser
possível a adesão de estrangeiros ao Programa Mais Médicos por meio de seleção direta (forma
adotada para profissionais de outras nacionalidades que não a cubana), resta a seguinte pergunta:
por que não se adotou a seleção direta de médicos daquela ilha caribenha, repassando-lhes
diretamente os mil dólares que eles recebem efetivamente?
(...)
21. Em seguida, o auditor teceu novas considerações, das quais destaco os seguintes
pontos:
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(...)
Do desvio de finalidade na execução financeira das despesas com bolsas-formação dos
médicos provenientes de Cuba
a) os autores desta representação apontaram discrepâncias significativas entre os valores
transferidos pelo governo brasileiro para a OPAS a título de bolsas-formação e os montantes
efetivamente repassados aos médicos cubanos. Além disso, foi alegado que essas diferenças
estavam sendo apropriadas pela Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios
Médicos Cubanos S.A. - CSMC, o que tornaria irregulares os pagamentos efetuados pelo Ministério
da Saúde;
b) além disso, os representantes afirmaram, com base nas Diretrizes para o
Desenvolvimento da Cooperação Técnica Internacional Multilateral e Bilateral, editadas pela
Agência Brasileira de Cooperação, que a participação da CSMC caracterizava um desvio de
finalidade;
c) na diligência efetuada mediante o Ofício nº 91/2014 - TCU/SecexSaude (peça 13), o
Ministério da Saúde foi instado a se manifestar acerca do assunto. Em resposta, por meio da Nota
Técnica nº 174/2014 PREPS/SGTES/MS, de 7/4/2014 (peça 33, p. 11 e 12), aquele ministério
asseverou que:
No que se refere a este tema é importante destacar que o Governo Brasileiro, por meio da
assinatura do Termo de Cooperação, estabeleceu relação com a OPAS/OMS, responsável direta
pela garantia da execução das atividades do Projeto Acesso da População Brasileira à Atenção
Básica em saúde no Brasil.
Assim, conforme dito anteriormente trata-se de uma questão intrínseca à relação jurídica
entre a OPAS e a República de Cuba.
d) é dever do Ministério da Saúde conhecer a forma como são aplicados os recursos
públicos federais transferidos para qualquer pessoa ou entidade que os utilize, guarde, gerencie ou
administre, com o fito de verificar se esses valores estão sendo utilizados em conformidade com o
que foi estabelecido nas respectivas avenças. Trata-se do atendimento ao princípio constitucional
básico da prestação de contas;
e) note-se que, no processo de acompanhamento do Projeto Mais Médicos (TC nº
027.492/2013-3, peça 90, p. 26), o Ministério da Saúde não demonstrou possuir controle sobre a
utilização dos valores repassados para a OPAS;
f) segundo consta das Diretrizes da Agência Brasileira de Cooperação:
considera-se como desvio de finalidade o uso de Subcontratos ou de Agências
Implementadoras para a contratação de profissionais destinados a desempenhar atividades que
possam vir a caracterizar vínculo empregatício com a instituição executora ;
g) a irregularidade decorreria da natureza de uma cooperação técnica estar relacionada
com a mútua cooperação e a existência de interesses convergentes. No caso de uma contratação que
configure vínculo empregatício com o governo, a finalidade de mútua cooperação não seria atingida
e haveria interesses diversos na relação;
h) na situação em tela, o desvio de finalidade somente se configuraria caso fosse
observado o vínculo empregatício dos médicos cubanos com o governo brasileiro. No entanto, em
que pese atualmente existirem discussões nesse sentido, esse vínculo até o momento não foi
reconhecido a nenhum médico participante, pela Justiça Trabalhista. Desta feita, até o presente
momento, não se observa a ocorrência do desvio de finalidade previsto nas Diretrizes da ABC.
Logo, não assiste razão aos representantes neste particular;
i) no entanto, adotando como critérios os arts. 19 da Lei nº 12.871/2013 (peça 54) e 22
da Portaria Interministerial nº 1.369/2013 (peça 55), verifica-se que o desvio de finalidade ocorreu
devido à destinação da maior parte dos recursos transferidos para a OPAS, a título de bolsas-
formação, para o governo de Cuba, como se demonstrará a seguir;

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j) o art. 2º, parágrafo único, alínea e , da Lei nº 4.717/1965 estabelece que se verifica o
desvio de finalidade quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto,
explícita ou implicitamente, na regra de competência . Sobre essa questão, José dos Santos
Carvalho Filho discorre que:
o desvio de poder é a modalidade de abuso em que o agente busca alcançar fim diverso
daquele que a lei lhe permitiu, como assinala LAUBADÈRE. A finalidade da lei está sempre
voltada para o interesse público. Se o agente atua em descompasso com esse fim, desvia-se de seu
poder e pratica, assim, conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também denominado de desvio
de finalidade.
k) o art. 19 da Lei nº 12.871/2013 autoriza o recebimento de bolsas-formação pelos
médicos integrantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Nesse sentido, o art. 22, I, da Portaria
Interministerial nº 1.369/2013 dispõe que:
Art. 22. Para a execução das ações de aperfeiçoamento no âmbito do Projeto, será
concedida aos médicos integrantes do Projeto bolsas nas seguintes modalidades:
- bolsa-formação;
l) tanto a Lei do Mais Médicos quanto a Portaria Interministerial nº 1.369/2013 dispõem
que as bolsas-formação devem ser destinadas aos médicos participantes. Essa determinação deve
ser observada pelos gestores, em decorrência do princípio constitucional da legalidade estrita,
segundo o qual os administradores públicos somente podem atuar de acordo com os termos
prescritos em lei;
m) cabe observar que os 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste preveem o pagamento de bolsas-
formação aos médicos provenientes de Cuba, sem mencionarem a destinação de parte dessas bolsas
para outra finalidade (peça 39, p. 51, 57 e 58; peça 41, p. 24 e 30 a 34; peça 42, p. 4; peça 43).
Assim sendo, a existência de qualquer parcela do valor pago a título de bolsa-formação para a
OPAS que não seja devidamente entregue aos médicos cubanos constituirá desvio de finalidade;
n) de acordo com o contrato de prestação de serviços apresentado pela médica cubana
Ramona Matos Rodrigues (peça 1, p. 11) e com a ata da audiência realizada com ela no âmbito do
Inquérito Civil nº 707/2013 da Coordenadoria da Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos,
Coletivos e Difusos da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (peça 1, p. 17), os
médicos cubanos fariam jus a US$ 1.000,00 (mil dólares americanos) mensais, conforme exposto
abaixo:
Quadro 6 - Valor pago aos médicos cubanos a título de bolsa-formação
Composição dos US$ 1.000,00 mensais destinados aos médicos cubanos participantes
Pagos no Brasil Pagos pelo Governo Cubano (CSMC), em Cuba
U$ 600,00
Depositado em poupança com possibilidade de resgate Disponível para saque por
US$ 400,00 (convertidos em R$)
somente após o retorno a Cuba familiar
US$ 550,00 US$ 50,00
Fonte: Contrato firmado entre a Médica cubana Ramona Matos Rodríguez e a CSMC (peça 1, p. 11); e Inquérito Civil 707/2013, da
Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (peça 1, p. 17).

o) consoante exposto pelos representantes, o valor correspondente à diferença entre


R$ 10.000,00 (dez mil reais), que corresponde ao valor inicial da bolsa-formação, definido pelo
Ministério da Saúde na Portaria Interministerial nº 1.369/2013 (peça 55), e os US$ 1.000,00 (mil
dólares norte-americanos), seria paga ao governo cubano, representado pela entidade governamental
CSMC;
p) assim sendo, restava confirmar a existência e a natureza da entidade por eles
mencionada, a participação dessa entidade no Projeto Mais Médicos e a apropriação por ela de
valores da União;

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q) a CSMC possui finalidade lucrativa. A própria denominação dessa entidade, constante


do contrato de prestação de serviços firmado pela médica cubana Ramona Matos Rodrigues (peça 1,
p. 11), evidencia essa finalidade, verbis:

r) note-se que a referida denominação está em consonância com o seguinte dispositivo do


Código de Comércio de Cuba (peça 65, p. 26):
Artículo 152. La denominación de la Compañía anónima será adecuada al objeto u
objetos de la especulación que hubiere elegido.
s) assim, verifica-se que a CSMC é uma sociedade mercantil, estruturada sob a forma de
sociedade anônima (S.A.). Considerando-se que a palavra mercantil possui a mesma grafia e o
mesmo significado na língua portuguesa, Hoog (2008) esclarece que:
A categoria contábil mercantil tem o alcance moderno de sociedade empresária
conforme segue:
Sociedade Empresária - É um acordo de vontades que cria uma entidade, pessoa jurídica,
com fins econômicos. Incluem-se nessa categoria todas as sociedades anônimas,
independentemente do tipo de empresa.
t) cabe salientar que, sendo mercantil, há de ter finalidade lucrativa. Ademais, a realização
de lucros a serem distribuídos pelos acionistas é da essência das sociedades anônimas. Não se
concebe, assim, que possam tomar a forma anônima associações de fins religiosos, morais,
científicos, literários, políticos ou de beneficência. Destarte, constata-se que a CSMC é uma
entidade estatal com fins lucrativos, que comercializa serviços médicos, sob a forma de Sociedade
Anônima (S.A.), vinculada ao Ministério da Saúde de Cuba, em nome de quem celebrou o contrato
individual firmado com a médica Ramona Matos Rodrigues (peça 1, p. 11). Nesse mesmo sentido, a
OPAS afirmou que os médicos cubanos firmam contratos individuais com entidades do Ministério
da Saúde daquele país (peça 38, p. 16);
u) a OPAS destacou não possuir relação com a CSMC e aduziu que a participação de
médicos cubanos no Projeto Mais Médicos foi viabilizada por meio de um convênio de cooperação
técnica firmado com o Ministério da Saúde de Cuba (peça 38, p. 13);
v) portanto, não há elementos apropriados e suficientes para afirmar que a diferença entre
os valores efetivamente recebidos pelos médicos cubanos e os repassados a título de bolsas-
formação para a OPAS está sendo entregue à CSMC, principalmente, porque não se tem a posse
dos demonstrativos contábeis dessa entidade. Contudo, pode-se asseverar que esses valores estão
sendo repassados pela OPAS ao Governo da República de Cuba, considerando-se principalmente:
- as seguintes afirmações da OPAS contidas na sua resposta à oitiva realizada pelo TCU
(peça 38, p. 16):
Esses profissionais [os médicos cubanos] participam do Programa de Cooperación
Internacional em Salud do Ministério da Saúde de Cuba, por meio de um contrato individual
celebrado entre entidades desse ministério e cada médico para a prestação de serviços
profissionais e técnicos no exterior, modalidade jurídica legalmente aceita nesse país, o qual foi
levado ao público no Brasil pela senhora Ramona Matos Rodríguez, no dia 5 de fevereiro de 2014.
- a informação prestada pelo Ministério da Saúde no sentido de que existe relação jurídica
entre a OPAS e a República de Cuba (peça 33, p. 11 e 12);

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- o valor definido a título de bolsa-formação pela Portaria Interministerial nº 1.369/2013


(peça 55, p. 7), atualizado pelas Portarias Interministeriais nº 339/2014 (R$ 10.482,93, relativo a
2014) e nº 46/2015 (R$ 10.513,01, relativo a 2015); e
- o CONTRATO INDIVIDUAL PARA LA PRESTACIÓN DE SERVICIOS
PROFESIONALES Y TECNICOS EN EL EXTERIOR , firmado pela CSMC e pela médica
Ramona Matos Rodríguez (peça 1, p.12).
x) por meio de anúncio oficial datado de 28/2/2014, o Ministro da Saúde brasileiro
noticiou o aumento do valor a ser pago aos médicos provenientes de cuba, que passaria de
US$ 1.000,00 (mil dólares) para US$ 1.245,00 (mil, duzentos e quarenta e cinco dólares) - peça 58,
o que confirmou que ele tinha ciência dessa discrepância;
z) os médicos cubanos recebem US$ 1.245,00, enquanto o valor da bolsa-formação atinge
R$ 10.513,01 (dez mil, quinhentos e treze reais e um centavo). Convertendo para reais, no dia
27/4/2015, a quantia auferida por esses profissionais obtêm-se os seguintes montantes:
Quadro 7- Percentual da bolsa-formação não pago aos médicos de Cuba

Valor recebido Câmbio Valor recebido Valor da Bolsa- Valor pago à Percentual dos recursos da
em US$ Bacen em RS Formação CSMC bolsa-formação pago a Cuba

R$ 1.245,00 2,9229 R$ 3.639,01 R$ 10.513,01 R$ 6.874,00 65%


Fontes: Peça 58; Bacen; Portaria Interministerial 46/2015

aa) observa-se que, dos valores transferidos para a OPAS a título de bolsas-formação,
aproximadamente 65% estão sendo repassados para o governo de Cuba, ou seja, estão sendo
alocados em finalidade diversa da estabelecida na Lei nº 12.871/2013, na Portaria Interministerial
nº 1.369/2013 e nos Termos de Ajuste em tela. Conclui-se que está ocorrendo um desvio de
finalidade;
ab) não se tem notícia da participação de outras entidades estatais cubanas no Projeto.
Contudo, cabe frisar que, independentemente da entidade que fornece os médicos intercambistas,
à luz da Lei nº 12.871/2013 e da Portaria Interministerial nº 1.369/2013, os valores sob comento
estão sendo entregues de forma irregular ao governo daquele país;
ac) em conformidade com o disposto no Plano de Trabalho anexado ao 3º Termo de
Ajuste, a totalidade dos recursos relativos à bolsa-formação deveria ser entregue a pessoas físicas.
No entanto, a maior parte desses valores está sendo repassada para o governo cubano. Além disso,
considerando-se que a participação desse governo não foi divulgada, constata-se que está sendo
violado o princípio da publicidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988;
ad) o desvio de finalidade ora tratado também foi analisado no processo do Projeto Mais
Médico (TC nº 027.492/2013-3, peça 90, p. 34 a 38). Naquela oportunidade, entendeu-se haver
riscos fiscais para o Governo Federal, o que ensejou a proposta de determinação aos Ministérios
do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Saúde no sentido de que a diferença entre os valores
transferidos para a OPAS, a título de bolsas-formação, e os efetivamente recebidos pelos médicos
cubanos fosse incluída no Anexo de Riscos Fiscais da LDO de 2014 e no Projeto de LDO
referente a 2015;
ae) a responsabilidade pela irregularidade apontada recai sobre o gestor do Ministério da
Saúde que subscreveu os 4º e 5º Termos de Ajuste, uma vez que ele assinou esses instrumentos
sem observar os ditames normativos pertinentes;
af) é razoável afirmar que o mencionado gestor, além de ter ciência da participação do
governo cubano na execução do Projeto, sabia que a maior parte dos recursos transferidos para a
OPAS, a título de bolsas-formação, não seria entregue aos médicos cubanos, mas transferida para
o Governo de Cuba, uma vez que:

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- o Ministério da Saúde anunciou, no dia 28/2/2014, que os médicos cubanos teriam o


repasse da bolsa aumentada de US$ 1.000,00 para US$ 1.245,00 (peça 58). Logo, quando da
publicação do 4º Termo de Ajuste, ocorrida em 5/3/2014, aquele ministério tinha conhecimento de
que os recursos repassados para a OPAS não estavam sendo entregues de forma integral aos
médicos provenientes de Cuba; e
- no Ofício nº 91/2014 - TCU/SecexSaude, de 6/3/2014 (peça 13), recebido no Ministério
da Saúde no dia 7/3/2014 (peça 17), foram prestadas informações atinentes a esta representação,
além de ter sido enviada cópia do contrato firmado pela médica Ramona Matos Rodríguez e pela
Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. CSMC.
Mesmo de posse de todas essas informações, no dia 15/8/2014, o responsável assinou o 5º Termo
de Ajuste;
ag) assim, no momento da assinatura dos 4º e 5º Termos de Ajuste, era possível antever
que sua execução dar-se-ia de forma ilícita, com desvio de finalidade. Até porque os arts. 19 da
Lei nº 12.871/2013 e 22, da Portaria Interministerial nº 1.369/2013 estabelecem de forma clara
que os recursos relativos às bolsas-formação devem ser destinados aos médicos participantes do
Projeto Mais Médicos, não prevendo qualquer exceção;
ah) era razoável exigir conduta diversa por parte do gestor, que poderia não ter assinado os
referidos termos de ajuste, inclusive porque ele já havia sido alertado pela AGU, no parecer
jurídico relativo ao 4º Termo de Ajuste, sobre a apontada irregularidade. Contudo, esse parecer
não foi devidamente considerado pelo responsável; e
ai) não se dispõe de evidências de que os gestores que firmaram o 3º Termo de Ajuste
tinham ciência da destinação irregular dos recursos relativos às bolsas-formação, visto que o
processo da médica cubana Ramona Matos Rodríguez somente foi autuado na Justiça do Trabalho
em 14/2/2014, eles já haviam sido exonerados dos respectivos cargos. Por outro lado, sabe-se que
esses gestores tinham ciência da participação do governo cubano.
(...)

13. Defendo, na linha do que foi inicialmente apresentado pelo auditor instrutor, que não há na
legislação e normas regentes do Projeto Mais Médicos para o Brasil regra que determine ou que
autorize que os recursos destinados à bolsa-formação, ainda que em parte, sejam retidos por quem quer
que seja, sendo integralmente destinados aos médicos participantes. Pelo contrário, a legislação e as
normas regentes vedam tal procedimento, porquanto e por óbvio, trata-se de bolsa, forma de auxílio
pecuniário concedido a pessoa física para fins de despesas necessárias ao cumprimento de seu
programa de formação, como usualmente ocorre com qualquer outro médico integrante do Mais
Médicos, em território nacional, nela entendidos os recursos necessários à sobrevivência, como
alimentação, cuidados pessoais, transporte, e necessidades humanas diversas, estipuladas, em razão do
programa, ao valor de R$ 10.000,00, iniciais, nos termos da Portaria Interministerial inauguradora, a
toda a categoria de médicos participantes do Projeto.
14. A Lei 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, disciplinou o pagamento de
bolsa-formação aos médicos participantes (art. 19, inciso I e § 3º) e, expressamente, consignou que os
médicos integrantes do Programa, e só os médicos, devem receber os recursos destinados à bolsa-
formação, estando vedada, portanto, a utilização do recurso em outra finalidade:

Art. 19. Os médicos integrantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil poderão perceber
bolsas nas seguintes modalidades:
I - bolsa-formação;
(...)
§ 3º Os valores das bolsas e da ajuda de custo a serem concedidas e suas condições de
pagamento serão definidos em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da Saúde
(sublinhei).

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15. A Portaria Interministerial 1.369/2013, além de fixar o valor da bolsa-formação, explicitou,


mais uma vez, que ela seria destinada tão somente aos médicos participantes do Programa (art. 22,
caput e § 1º), confirmando a impossibilidade jurídica de destinação de recursos de bolsa-formação a
outra finalidade:
Art. 22. Para a execução das ações de aperfeiçoamento no âmbito do Projeto, será
concedida aos médicos integrantes do Projeto bolsas nas seguintes modalidades:
I - bolsa-formação;
(...)
§ 1º Ao médico participante será concedida bolsa-formação com valor mensal de
R$ 10.000,00 (dez mil reais), que poderá ser paga pelo prazo máximo de 36 (trinta e seis) meses,
prorrogáveis apenas na hipótese prevista no § 1º do art. 8º da Medida Provisória 621, de 2013
(sublinhei).
(Obs.: o valor atual da bolsa é de R$ 11.520, conforme Portaria Interministerial 1.708, de
23 de setembro de 2016)

16. Tanto a Lei 12.871/2013 (art. 13, § 2º, inciso I), quanto a própria Portaria 1.369/2013 (art.
4º, inciso I), dispõem, claramente, que essa regra se aplica a todos os médicos do Projeto, inclusive ao
médico intercambista, quando o inclui expressamente na categoria de médico participante :

Lei 12.871/2013
Art. 13 (...)
(...)
§ 2º Para fins do Projeto Mais Médicos para o Brasil, considera-se:
I - médico participante: médico intercambista ou médico formado em instituição de
educação superior brasileira ou com diploma revalidado

Portaria Interministerial 1.369/2013


Art. 4º. Para fins do disposto nesta Portaria, considera-se:
I - médico participante: médico intercambista ou médico formado em instituição de
educação superior brasileira ou com diploma revalidado no Brasil

17. O desenho normativo para a execução do programa não se difere, tratando-se da lei ou do
acordo internacional firmado com a OPAS para a implementação do Projeto Mais Médicos para o
Brasil, uma vez que a celebração do acordo está necessariamente vinculada às disposições específicas
da Lei 12.871/2013 e, portanto, sua validade jurídica depende da estrita observância dessas
disposições.
18. Nele, conforme cláusulas dos Termos de Ajuste subsequentes, estão previstos os repasses
de valores a título de bolsa-formação dos médicos participantes, restando também expresso que se
destinam exclusivamente aos médicos.
19. Segundo as referidas cláusulas, a OPAS assume a obrigação de adotar providências para
que o pagamento da bolsa-formação aos médicos intercambistas ocorra até o quinto dia útil do mês,
estando evidente que se trata do pagamento da integralidade do valor da bolsa, e não de apenas parte
dela:

3º TERMO DE AJUSTE
Cláusula Segunda: Das Obrigações das Partes
Para o desenvolvimento das atividades do Programa:
I Compete ao Ministério, em conformidade com suas políticas, normas e regulamentos:
(...)
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o) Realizar, com base nos Planos de Ação do Programa, o repasse semestral antecipado à
OPAS/OMS dos recursos referentes:
(...)
ii) ao financiamento das bolsas dos Médicos Participantes, incluídas as ajudas de custo de
instalação, segundo definidos pela Coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil, assim
como o transporte internacional dos Médicos Participantes (incluído o transporte por recesso) e o
seguro de vida com repatriação por morte.
(...)
II Compete à Organização [OPAS], em conformidade com suas políticas, normas e
regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente
Termo de Ajuste:
(...)
n) Processar as ações administrativas necessárias para a execução dos Planos de Ação
Semestrais (sublinhei)

4º TERMO DE AJUSTE
Cláusula Segunda: Das Obrigações das Partes
Para o desenvolvimento das atividades do Programa:
I Compete ao Ministério, em conformidade com suas políticas, normas e regulamentos:
(...)
22) Realizar, com base nos Planos de Ação a cada dois meses (bimestrais) do Programa, o
repasse antecipado à OPAS/OMS, até o quinto dia útil do primeiro mês do bimestre, dos recursos
provenientes do presente Termo de Ajuste, notadamente, para o financiamento referente:
(...)
ii) à concessão da bolsa-formação dos Médicos Participantes do Programa, a qual poderá
ser paga pelo prazo de 36 meses prorrogáveis na hipótese prevista a partir de autorização específica
na lei que instituiu o Projeto Mais Médicos para o Brasil;
(...)
II Compete à Organização [OPAS], em conformidade com suas políticas, normas e
regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente
Termo de Ajuste:
(...)
20) Adotar os procedimentos necessários para que o pagamento aos Médicos Participantes
seja efetivado conforme segue:
(...)
b) Quanto aos recursos referentes à concessão da bolsa-formação dos Médicos
Participantes do Programa: até o quinto dia útil de cada mês subsequente ao de participação do
médico do Programa (sublinhei)

5º TERMO DE AJUSTE
Cláusula Segunda: Das Obrigações das Partes
Para o desenvolvimento das atividades do Programa:
I Compete ao Ministério, em conformidade com suas políticas, normas e regulamentos:
(...)
22) Realizar, com base nos Planos de Ação a cada dois meses (bimestrais) do Programa, o
repasse antecipado à OPAS/OMS, até o vigésimo dia útil do segundo mês do bimestre anterior, dos
recursos provenientes do presente Termo de Ajuste, notadamente, para o financiamento referente:
(...)

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b) à concessão da bolsa-formação dos Médicos Participantes do Programa, a qual poderá


ser paga pelo prazo de 36 meses prorrogáveis na hipótese prevista a partir de autorização específica
na lei que instituiu o Projeto Mais Médicos para o Brasil;

(...)
II Compete à Organização [OPAS], em conformidade com suas políticas, normas e
regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente
Termo de Ajuste:
(...)
20) Adotar os procedimentos necessários para que o pagamento aos Médicos Participantes
seja efetivado conforme segue:
(...)
b) quanto aos recursos referentes à concessão da bolsa-formação dos Médicos Participantes
do Programa: até o quinto dia útil de cada mês subsequente ao de participação do médico do
Programa (sublinhei)

20. Esses valores transferidos à OPAS a título de bolsa-formação para os médicos, acordados
nos Termos de Ajustes, seguem os ditames da legislação do Projeto, que, como visto, não faz, nem
poderia fazer, distinção entre os médicos brasileiros e os médicos intercambistas, conforme pode ser
visto no art. 19, inciso I, da Lei 12.871/2013 e no art. 22, inciso I e § 1º, da Portaria Interministerial
1369/2013.
21. Portanto, ainda que se aleguem questões relativas ao Direito Internacional, e aludidas a
imunidades dos órgãos envolvidos direta ou indiretamente na operacionalização do programa (OPAS e
Governo de Cuba), não se trata de interferir na execução do acordo internacional, mas apenas exigir do
Ministério da Saúde o seu efetivo cumprimento, bem assim, cobrar das autoridades a responsabilidade
pela execução em desacordo com as disposições de lei e do próprio acordo, em desvio de finalidade,
pois tal acordo está, isto sim, sendo executado com desvirtuamento de suas próprias cláusulas e
respectivos Planos de Trabalho, o qual somente possui validade jurídica em conformidade com as
normas brasileiras de regência, autorizativas da participação de médicos estrangeiros no programa, e
da concessão de bolsas, com recursos federais provenientes do Orçamento Geral da União, cuja
execução compete ao TCU acompanhar e fiscalizar, tal como realizado por meio da autuação deste
processo.
22. Considerando que parcela significativa (superior a 70%) dos recursos públicos que são
destinados por lei à saúde da família brasileira, mediante o pagamento de bolsa-formação a médicos,
está sendo direcionada para finalidade diversa, isto é, ao Ministério da Saúde de Cuba, não há como
afastar a ocorrência de uma grave ofensa aos ditames legais. Considerando que tal desvio infringe
cláusulas do próprio acordo internacional, também não há como afastar a ofensa ao Direito
Internacional.
23. Dessarte, enfatizo novamente que estamos diante de claro e inegável desvio de finalidade
na gestão de recursos públicos brasileiros, uma vez que não está sendo respeitada a destinação fixada
na legislação orçamentária pátria, na Lei 12.871/2013 e no Direito Internacional, ou seja, no próprio
bojo dos acordos internacionais firmados com a OPAS.
24. Também não descaracteriza o referido desvio de finalidade o fato de o Brasil estar
enviando os recursos à OPAS com base em acordos internacionais indicando que os valores são
destinados à bolsa-formação dos médicos. A comprovação da regular execução da despesa pública não
se encerra com o repasse dos valores à OPAS. É imperioso que seja feita a comprovação de que, até o
seu destino último, os recursos estão sendo geridos em consonância com a finalidade pública
estipulada em lei. E o fato incontestável é que o valor integral das bolsas não chega ao médico cubano.
25. Se no âmbito deste Tribunal a jurisprudência é firme no sentido de considerar irregulares
os gastos realizados com desvio de finalidade, é porque a finalidade na aplicação dos recursos é de

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observância curial na execução das despesas e no ato de prestar as contas, por dever constitucional (art.
70, parágrafo único, da Constituição Federal). E como é cediço, nenhum acordo internacional pode se
sobrepor, e no caso não está, ao princípio constitucional da prestação de contas estatuído no art. 70,
parágrafo único, da Constituição Federal. Não é o acordo do Brasil com a OPAS que possui
inconformidades, é a sua execução, sua operacionalização é que está sendo desvirtuada irregularmente.
26. Claro está, a meu ver, o desvio de finalidade na aplicação dos recursos públicos destinados
ao pagamento das bolsas-formação aos médicos cubanos, eis que 100% dos valores nessa rubrica são
destinados unicamente aos médicos participantes e os médicos cubanos não a recebem integralmente.
Quisera o Brasil remunerar Cuba pelo fato de ceder tais médicos, haveria que se incluir remuneração
específica, sujeita aos controles externos do Parlamento Brasileiro, deste Tribunal e da Sociedade
Brasileira, quanto a sua finalidade específica, a exemplo do que ocorre com a taxa de administração
que remunera o organismo internacional pela intermediação no acordo de cooperação. Não se pode
aceitar que tal remuneração se faça por meio da desvirtuação do acordo internacional no momento de
sua operacionalização, infringindo normas do Direito Nacional e do Direito Internacional.
27. Não havendo esse destaque de valores em rubrica própria, em texto de lei, ou no acordo de
cooperação, não há autorização alguma para a retenção de valores em prol do Governo Cubano, em
detrimento da finalidade específica para a qual foram destinados por Lei, normas infralegais e
principalmente nos próprios Termos de Ajuste do Termo de Cooperação. Não se pode tolerar,
portanto, que haja desvio de finalidade na aplicação de mais de 70% dos recursos orçamentários
destinados ao pagamento de bolsas-formação para, possivelmente, remunerar estado estrangeiro, da
forma como aqui descortinado.
28. Dessarte, em que pese o auditor e o diretor técnico não terem mantido, em suas derradeiras
análises, proposições de audiência relativas ao desvio de finalidade, e tão somente assim o fizeram em
razão do não acolhimento de minha proposição acerca dessa matéria, por este Plenário, por ocasião do
Acórdão 360/2017 Plenário, entendo que deva ser mantida a proposição anteriormente alvitrada pela
SecexSaúde à peça 67 destes autos e, por isso, farei proposta no sentido de ser realizada audiência do
Sr. Ademar Arthur Chioro dos Reis, então Ministro de Estado da Saúde, por ter subscrito o 4º e o 5º
Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica, mesmo ciente de que parcelas de recursos da
União desembolsados para suas execuções seriam destinadas ao Governo Cubano e, assim, a uma
finalidade diversa da estabelecida no art. 19, da Lei 12.871/2013, no art. 22, da Portaria
Interministerial 1.369/2013, e na cláusula segunda do 3º, do 4º, e do 5º Termo de Ajuste ao Termo de
Cooperação, portanto, configurando-se desvio de finalidade.
29. E, também, na linha do que propus por ocasião da apreciação do Acórdão 360/2017
Plenário, entendo que, caracterizado o desvio de finalidade, confirmando-se assim parcialmente o teor
da representação, e sem embargo das audiências alvitradas nesta ocasião, este Tribunal deva desde
logo considerá-la parcialmente procedente, fazendo-se ainda determinação ao Ministério da Saúde com
vistas a que, no prazo de noventa dias, adote, no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (80º
TC) firmado com a Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS e dos respectivos Termos de
Ajuste, com a devida cooperação do Ministério das Relações Exteriores, providências no intuito de:
29.1 exigir da OPAS, em cumprimento à legislação brasileira atinente ao Projeto Mais
Médicos para o Brasil (arts. 13, § 2º, inciso I, e 19, inciso I e § § 1º e 3º, Lei 12.871/2013 e arts. 4º,
inciso I, e 22, inciso I e § § 1º e 3º, inciso I, da Portaria Interministerial 1.369/2013) e às cláusulas
constantes dos Termos de Ajustes firmados no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (a
exemplo da Cláusula Segunda, inciso I, alínea o , item ii, e inciso II, alínea n , do 3º Termo de
Ajuste; da Cláusula Segunda, inciso I, item 22.ii, e inciso II, item 20, do 4º Termo de Ajuste; e da
Cláusula Segunda, inciso I, itens 22.b, e inciso II, item 20, do 5º Termo de Ajuste), que os recursos
destinados a bolsa-formação sejam integralmente pagos aos médicos intercambistas cubanos, sem
nenhuma retenção e sem nenhum desvio;
29.2 exigir da OPAS, em cumprimento à legislação brasileira atinente ao Projeto Mais
Médicos para o Brasil (arts. 13, § 2º, inciso I, e 19, inciso I e § § 1º e 3º, Lei 12.871/2013 e arts. 4º,
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inciso I, e 22, inciso I e § § 1º e 3º, inciso I, da Portaria Interministerial 1.369/2013) e às cláusulas


constantes dos Termos de Ajustes firmados no âmbito do 80º Termo de Cooperação Técnica (a
exemplo da Cláusula Segunda, inciso I, alínea o , item ii, e inciso II, alínea n , do 3º Termo de
Ajuste; da Cláusula Segunda, inciso I, item 22.iii, e inciso II, item 20, do 4º Termo de Ajuste; e da
Cláusula Segunda, inciso I, item 22.c, e inciso II, item 20, do 5º Termo de Ajuste), que os recursos
destinados a ajuda de custo sejam integralmente pagos aos médicos intercambistas cubanos, sem
nenhuma retenção e sem nenhum desvio;
29.3 exigir da OPAS a inclusão, nas Prestações de Contas Parciais, referentes aos
recursos públicos repassados pelo Brasil por força dos sucessivos Termos de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação Técnica, de documentação comprobatória de que os valores referidos estão sendo pagos
integralmente aos médicos intercambistas;
29.4. na hipótese de não concordância da OPAS, transferir para o Brasil a responsabilidade
de promover, diretamente, o pagamento aos médicos intercambistas de todos os valores previstos a
título de bolsa-formação e de ajudas de custo, à semelhança do procedimento já adotado em relação
aos demais profissionais participantes do Projeto.
30. Outro ponto que entendo deva ser considerado por este Tribunal, para fins de audiência,
refere-se à forma de participação do Governo Cubano, de forma indireta e sem especificação no termo
de acordo, inclusive quanto à transferência de valores, que parece denotar consciência dos gestores do
Ministério da Saúde quanto à forma como se pretendia operacionalizar o programa no que se refere aos
profissionais cubanos, questão esta imbrincada com o próprio desvio de finalidade dos recursos em
questão. Para perfeito entendimento, reproduzo o seguinte trecho da instrução de peça 67, elaborada no
âmbito da SecexSaúde, e cuja proposição foi, ao final, mantida na derradeira instrução do auditor,
resumida no relatório produzido por Sua Excelência. Eis o trecho daquela instrução anterior:

Do descumprimento formal ao Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado


entre o Governo Brasileiro e a OMS, e ao 80º Termo de Cooperação Técnica, e do desrespeito
a princípios constitucionais
Do questionamento dos autores da Representação e argumento do Ministério da Saúde em
diligência
118. Os autores da Representação questionam acerca da participação da entidade intitulada
Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A- CSMC- no
Projeto Mais Médicos (peça 1, p.7-8), a qual consta como empregadora no contrato de trabalho
firmado entre esta entidade e a médica cubana, a Sra. Ramona Matos Rodríguez (peça 1, p. 11-16).
119. Em diligência realizada por esta Especializada mediante o Ofício 0091/2014-
TCU/SecexSaude (peça 13), o Ministério da Saúde-MS foi instado a apresentar posicionamento
acerca do conhecimento da pasta sobre a participação da CSMC, por intermédio da OPAS, na
execução do Projeto Mais Médicos (assunto relacionado à análise apresentada nos parágrafos 4.56-
4.83 da instrução inicial- Peça 5).
120. Desta feita, o MS se manifestou mediante a Nota Técnica 174/2014
PREPS/SGTES/MS, de 7/4/2014 (peça 33, p. 11), conforme segue:
No que se refere a este tema é importante destacar que o Governo Brasileiro, por meio da
assinatura do Termo de Cooperação, estabeleceu relação com a OPAS/OMS, responsável direta
pela garantia da execução das atividades do Projeto Acesso da População Brasileira à Atenção
Básica em saúde no Brasil.
Assim, conforme dito anteriormente trata-se de uma questão intrínseca à relação jurídica
entre a OPAS e a República de Cuba. (grifou-se)
121. Ademais, quando chamado a se manifestar, sob os aspectos técnicos, legais e
operacionais, acerca da validade e legitimidade para que apenas percentual inferior a 10% dos
recursos públicos do Programa Mais Médicos executados por intermédio da OPAS estivessem
sendo repassados aos profissionais cubanos participantes do programa (assunto relacionado à
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análise apresentada nos parágrafos 4.42-4.54 da instrução inicial- peça 5), o MS alegou o seguinte
(peça 33, p. 10-11):
(...) em conformidade com os termos do 80º Termo de Cooperação Técnica e com base na
notória experiência do referido organismo internacional, compete à OPAS a efetiva gestão dos
projetos naquilo que lhe cabe, sendo responsável portanto, pela execução das ações referentes ao
desenvolvimento do Programa de Cooperação Técnica da OPAS para a participação de médicos
cubanos e o desenvolvimento de ações de fortalecimento da atenção básica no Projeto Mais
Médicos para o Brasil.
Diante disso, não cabe ao Ministério da Saúde emitir posicionamento sob os aspectos
técnicos, legais e operacionais aos assuntos relacionados às cooperações firmadas entre a OPAS e o
República de Cuba. (grifou-se)
Análise
122. Não obstante o posicionamento levado a efeito pelo MS, é de alta importância trazer
para esta análise a transcrição do que dispõe o artigo IV, do Ajuste Complementar ao Convênio
Básico firmado entre o Brasil e a OMS, promulgado pelo Decreto 3.594, de 8 de setembro de 2000
(peça 47):
Cada projeto ou iniciativa adicional ao Programa Regular da OPAS, ao qual se atribuam os
recursos autorizados pelo Artigo IX do Adendo ao Acordo entre o Governo da República Federativa
do Brasil e a Repartição Sanitárias Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de Área da
Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil será objeto de
termo de cooperação específico que conterá as condicionantes particulares para sua execução
e as bases técnicas e/ou científicas para seu desenvolvimento, incluindo-se objetivos, meios,
formas de participação, obrigações de cada lado, contribuições técnicas, financeiras, recursos
humanos e materiais, orçamento, plano de aplicação e cronograma de desembolso. Quando for o
caso, os termos de cooperação deverão conter cláusulas sobre retorno econômico, direitos de
propriedade intelectual, sigilo de comércio e outros direitos que possam vir a ser gerados no âmbito
da cooperação. (grifou-se)
123. No mesmo sentido, o 80º Termo de Cooperação Técnica dispôs, em sua Cláusula
Quarta, Subcláusula Única, (Da operacionalização):
Cada Termo de Ajuste detalhará os objetivos, meios, formas de participação, obrigações
das partes, contribuições técnicas, financeiras, de recursos humanos, de orçamento e forma de
desembolsos, destinados a assegurar o normal e adequado cumprimento de cada Termo. (grifou-se)
124. Assim, ficou estabelecido que devem constar nos projetos/termos de ajuste firmados
entre o Governo Brasileiro e a OPAS os meios e as formas de participação dessa organização
internacional, o que decorre da transparência a ser dada na relação de cooperação.
125. Dessa maneira, nos termos do supramencionado artigo IV, do Ajuste Complementar
ao Convênio Básico entre o Brasil e OMS, bem como da Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do
80º Termo de Cooperação Técnica, de modo a se demonstrarem as formas e meios de sua atuação
no projeto Mais Médicos, era dever da OPAS e do MS expor nos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste que a
execução do Projeto contaria com a participação do Governo da República de Cuba, mediante a
Sociedad Mercantil Cubana Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A- CSMC.
126. Interessa mencionar que em nenhum dispositivo dos Termos de Ajuste há a exposição
acerca da participação do Governo Cubano, tampouco acerca de qual parcela dos recursos a título
de bolsa- formação caberia ao mesmo.
127. A Cláusula Segunda do 3º Termo de Ajuste, ao dispor das obrigações da OPAS, em
seu inciso II, alínea h, deixa transparecer que a seleção dos médicos não seria realizada inicialmente
pelo organismo internacional, porquanto foi definido como sua atribuição a de avaliar a seleção dos
médicos aptos a participarem do Projeto (a cláusula segunda, II, item 9, dos 4º e 5º Termos de ajuste
dispõem de forma semelhante). Ou seja, já se sabia que a seleção dos médicos seria realizada por
terceiros, e não pela OPAS, conforme segue:

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CLÁUSULA SEGUNDA: DAS OBRIGAÇÕES DAS PARTES


Para o desenvolvimento das atividades do PROGRAMA:
(...)
II- Compete à ORGANIZAÇÃO, em conformidade com suas políticas, normas e
regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente
Termo de Ajuste:
(...)
h) Avaliar a seleção dos médicos aptos à participação no PROGRAMA nos termos
definidos pela Coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil, devendo-se apresentar os
seguintes documentos acompanhados de tradução simples para a língua portuguesa: (...) (grifou-se)

128. Assim, em que pese já se saber, quando da assinatura do 3º Termo de Ajuste, que
haveria a participação de um terceiro na disponibilização dos médicos, essa participação não foi
mencionada nos instrumentos de cooperação. Registre-se que na Cláusula Terceira do 3º Termo de
Ajuste e na cláusula quarta do 4º e 5º Termos de Ajuste, as quais dispõem do montante de recursos
a serem aplicados, também não há qualquer exposição acerca dos valores a serem transferidos a
terceiros. Situação semelhante é verificada nos Planos de Trabalho relacionados aos Termos de
Ajuste (peça 39, p. 57-58; peça 41, p. 32-34; e peça 43, p. 1-3). Tal exposição se mostra crucial para
que fosse dada a efetiva transparência sobre as verbas da União que seriam aplicadas na
cooperação.
129. Nesse sentido, vale trazer a transcrição do parecer da Advocacia-Geral da União-
AGU-, no qual se identificou a superficialidade do 4º Termo de Ajuste, bem como a ausência de
transparência na aplicação dos recursos (PARECER/CODELICI/COGEAJUR/CONJUR-
MS/CGU/AGU/MVP Nº 563/2014; PROCESSO/SIPAR Nº 25000.223376/2012-63; peça 41, p. 8):
26 (...) não podemos nos furtar a identificar e registrar que a motivação, neste caso, não
contemplou de maneira clara, a consonância entre os elementos técnicos juntados ao processo, com
especial atenção a esta Nota Técnica e o valor previsto para repasse a integrar o Termo de Ajuste.
Senão vejamos.
27 A Nota Técnica (fls. 328/349) e a Análise Técnica (fls. 352/353) não estabelecem de
maneira clara a origem dos custos envolvidos no desenvolvimento do Projeto Ampliação do
Acesso da População Brasileira a Atenção Básica em Saúde por força da celebração do 4º Termo
de Ajuste, que, considerando toda a ação a ser implementada, remonta a um valor de
R$ 973.946.600,00 (novecentos e setenta e três milhões, novecentos e quarenta e seis mil e
seiscentos reais).
28 Em outras palavras, não há evidências no processo de quais foram os dados ou
elementos utilizados, para se estabelecer como valor total deste Termo de Ajuste o montante de
R$ 973.946.600,00. A Nota Técnica não identificou valores e indicativos para a sua formação, o
que a torna insubsistente para cumprir o papel de ser o ato que precede a subscrição do instrumento,
devendo ser complementada quanto aos subsídios para cumprir o princípio da motivação. (grifaram-
se)
130. Frise-se que, a despeito de ser relativo ao 4º Termo de Ajuste, o disposto no parecer
se estende aos demais Termos de Ajuste em virtude da semelhança dos instrumentos e da mesma
constatação realizada por parte desta Especializada.
131. Ademais, interessa mencionar que, da análise do Plano de Trabalho do 3º Termo de
Ajuste (peça 39, p. 57-58), bem como da Nota Técnica do MS constante da peça 40 (p. 45-46),
observa-se que os valores a título de bolsa-formação foram evidenciados como a serem pagos a
pessoa física, conforme apurado no quadro abaixo:

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Quadro 5- Montante a ser destinado a pessoas físicas relativo ao 3º Termo de Ajuste


3º TERMO DE AJUSTE
DESPESA VALOR EM R$ PERCENTUAL (%)
DIÁRIAS R$ 1.309.770,00 0,27%
PASSAGENS R$ 12.242.500,00 2,52%
SERVIÇOS DE TERCEIROS-PESSOA FÍSICA R$ 469.000.000,00 96,38%
SERVIÇOS DE TERCEIROS- PESSOA JURÍDICA R$ 4.073.736,00 0,84%
SUBTOTAL R$ 486.626.006,00 100,00%
CUSTOS INDIRETOS- (5% do subtotal) R$ 24.331.301,00 5,00%
TOTAL R$ 510.957.307,00
Fonte: Plano de Trabalho do 3º Termo de Ajuste
132. No entanto, sabe-se que a maior parte desses recursos é repassada ao Governo de
Cuba (vide parágrafos 144-186), portanto, pessoa jurídica. Tal situação acaba por ocultar o real
destino da maior parte dos valores relativos às bolsas-formação, o que, certamente, vai de encontro
com diversos princípios que norteiam a Administração Pública brasileira, notadamente com os
relativos à publicidade, à transparência e à indisponibilidade do patrimônio público.
133. Portanto, abstraindo-se da análise de outros aspectos sobre a regularidade dos Termos
de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica entre Brasil e OPAS, considera-se ilegal a execução
dos 3º, 4º e 5º Termos de Ajuste quanto à participação do Governo da República de Cuba no Projeto
(por intermédio da CSMC), por infração ao Artigo IV, do Ajuste Complementar ao Convênio
Básico entre o Brasil e OMS, à Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do 80º Termo de Cooperação
Técnica, ao art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 (princípio da publicidade), bem como
desrespeito aos princípios da transparência (corolário do princípio da publicidade) e da
indisponibilidade do patrimônio público.
134. No que se refere à legitimidade, este Tribunal consolidou em seu Glossário de Termos
do Controle Externo (2012) que constitui ato ilegítimo o ato praticado sem a observância de
requisitos essenciais, como aqueles que dizem respeito à forma, ou com violação de princípios
constitucionais.
135. Desta feita, tem-se que a ilegalidade verificada, bem como o desrespeito a princípios
constitucionais, como o princípio explicito da publicidade, e os implícitos da transparência e da
indisponibilidade do patrimônio público, também levam a execução dos 3º, 4º e 5º Termos de
Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica a uma situação de ilegitimidade.
136. A responsabilidade pela irregularidade apontada recai sobre os gestores do Ministério
da Saúde que subscreveram os Termos de Ajuste sob exame. Os gestores do Ministério da Saúde
assinaram o 3º, o 4º e o 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica sem que nos
instrumentos, ou em seus respectivos planos de trabalho, fosse feita a descrição detalhada da
participação de terceiro no projeto, bem como os recursos a serem repassados a este, quando isso
lhes era exigido pelos supracitados normativos.
137. É razoável afirmar que os gestores do MS, subscritores dos Termos de Ajuste, sabiam
da participação de terceiro na execução dos instrumentos de cooperação. Há dispositivos dos
Termos de Ajuste que colocam como responsabilidade da OPAS avaliar a seleção dos médicos,
evidenciando que os gestores já sabiam da participação de um terceiro, cuja incumbência seria a de
selecionar os participantes. No entanto, essa participação não foi mencionada, tampouco foi
detalhada (parágrafos 127-128 desta instrução).
138. Conforme já mencionado em linhas anteriores, a Advocacia-Geral da União emitiu
parecer para cada Termo de Ajuste sob análise nesta instrução.
139. Em relação ao 3º Termo de Ajuste, não há manifestação direta da AGU que possua
pertinência direta com a irregularidade neste momento apontada. No entanto, constata-se que isso se
deve ao fato de que, à época da assinatura da peça jurídica, o parecerista não possuía informações
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acerca da participação de terceiro (Governo de Cuba) na execução do projeto de cooperação


técnica, visto que o Termo de Ajuste e seu Plano de Trabalho não fazem menção de forma a se
evidenciar essa previsão.
140. No que toca ao 4º Termo de Ajuste, consoante já supramencionado, em seu parecer, a
AGU aponta a superficialidade do instrumento, bem como a ausência de transparência na aplicação
a ser feita, dos recursos previstos no mencionado Termo de Ajuste. A peça jurídica da AGU fora
assinada em 25/2/2014 e o 4º Termo de Ajuste em 26/2/2014 (no dia seguinte). Observe-se que esse
parecer é da mesma autoria do parecer relativo ao 5º Termo de Ajuste, que foi assinado pelo mesmo
agente que subscreveu o 4º Termo de Ajuste, ou seja, o mencionado alerta da AGU em relação ao
4º Termo de Ajuste estende-se ao 5º Termo de Ajuste, o qual contém a mesma irregularidade ora
indicada, constituindo-se em um agravante de uma possível penalização do gestor responsável pela
subscrição dos instrumentos.
141. No momento da assinatura dos Termos de Ajuste era plenamente possível conhecer
sua natureza ilícita. Os dispositivos violados são claros ao estabelecerem que os projetos de
cooperação devem conter as formas de participação da OPAS, bem como os meios a serem
utilizados pela organização internacional, com vistas à consecução dos objetivos dos Termos de
Ajuste. Isso é decorrência do princípio da publicidade insculpido na Carta Magna, bem como dos
princípios da transparência e da indisponibilidade do patrimônio público, os quais também devem
ser observados nas relações de cooperação entre o Brasil e os organismos internacionais. Ademais,
dada a posição ocupada pelos responsáveis, não se deve alegar o desconhecimento das normas e
princípios violados.
142. Por fim, era razoável exigir conduta diversa da adotada pelos responsáveis. Era
incumbência dos subscritores exigir da OPAS a consignação, nos Termos de ajuste, das formas e
dos meios de sua participação no projeto, oportunidade em que seria evidenciada a participação do
Governo da República de Cuba, incluindo-se a demonstração do montante de recursos que seriam
transferidos aos cofres desse país. Frise-se que essa exigência somente traria mais transparência ao
projeto de cooperação, não tendo, contudo, o condão de sanar as demais irregularidades apontadas
nesta instrução de audiência.
143. Isso posto, propõe-se realizar, com fundamento no art. 250, inciso IV, c/c o art. 237,
parágrafo único, do RI/TCU, a audiência dos responsáveis a seguir indicados, para que, no prazo de
quinze dias, apresentem razões de justificativa pelas irregularidades indicadas:
a) Sr. Alexandre Rocha Santos Padilha, CPF nº 131.926.798-08, Ministro de Estado
da Saúde, e a Sra. Márcia Aparecida do Amaral, CPF nº 007.980.138-26, Secretária Executiva
do Ministério da Saúde, ambos titulares dos respectivos cargos de 1/1/2011 até 3/2/2014
(conforme Seção 2 do DOU de 1/1/2011 e Seção 2 do DOU de 3/2/2014), por terem subscrito o 3º
Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica sem que neste, ou em seu Plano de
Trabalho, houvesse a evidenciação da participação do Governo da República de Cuba no Projeto,
ou de entidade vinculada ao mesmo, bem como dos recursos a serem repassados a esse Governo,
contrariando o Artigo IV, do Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado entre o Brasil e a
OMS, promulgado pelo Decreto 3.594/2000; a Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do 80º Termo
de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério da Saúde e a OPAS (Da operacionalização); e os
princípios da publicidade (estabelecido no art. 37, caput, da CF/88), da transparência nos atos da
Administração Pública e da indisponibilidade do patrimônio público;
b) Sr. Ademar Arthur Chioro dos Reis, CPF nº 738.678.377-91, Ministro de Estado da
Saúde, titular do cargo a partir de 3/2/2014 até 5/10/2015 (conforme Seção 2 do DOU de 3/2/2014
e Seção 2 do DOU de 5/10/2015), por ter subscrito o 4º e o 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação Técnica sem que nestes, ou em seus respectivos Planos de Trabalho, houvesse a
evidenciação da participação do Governo da República de Cuba no Projeto, ou de entidade
vinculada ao mesmo, bem como dos recursos a serem repassados a esse Governo, contrariando o
Artigo IV, do Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado entre o Brasil e a OMS,
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promulgado pelo Decreto 3.594/2000; a Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do 80º Termo de
Cooperação Técnica firmado entre o Ministério da Saúde e a OPAS (Da operacionalização); e os
princípios da publicidade (estabelecido no art. 37, caput, da CF/88), da transparência nos atos da
Administração Pública e da indisponibilidade do patrimônio público.

31. Assim, acompanho a proposição do auditor, encampada pelo diretor técnico neste processo
de fiscalização, quanto à realização também das audiências supra referidas.
32. Por fim, concluindo minha manifestação nestes autos, registro novamente minhas críticas
ao desenho conferido à política pública, e à forma como foi implementada, a começar pela opção
jurídica adotada pelo Poder Público que culmina por tirar o foco da real natureza das relações
instituídas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil.
33. Como já me referi por ocasião do Acórdão 360/2017 Plenário, o Projeto Mais Médicos
para o Brasil consiste no aperfeiçoamento dos médicos participantes (pelo período de 3 anos,
prorrogáveis por igual período), mediante oferta de curso de especialização por instituição pública de
educação superior, envolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terão componente
assistencial mediante integração ensino-serviço (art. 14 da Lei 12.871/2013).
34. Referida lei estabelece que o médico intercambista exercerá a Medicina exclusivamente
no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto (art. 16), e que suas atividades
não criam vínculo empregatício de qualquer natureza (art. 17). Dispõe, ainda, que os médicos
integrantes do Projeto poderão perceber bolsa-formação (art. 19, I), à qual foi atribuído originalmente
o valor mensal de R$ 10.000,00, nos termos do art. 22, § 1º, da Portaria Interministerial nº 1.369/2013.
35. Assim, considerando apenas os estritos termos da norma brasileira e dos acordos
internacionais firmados pelo País, o Projeto Mais Médicos para o Brasil trata da seleção de médicos
para curso de especialização, com componente assistencial mediante integração ensino-serviço, onde
os médicos participantes percebem bolsa-formação, sem a caracterização de vínculo empregatício.
36. Ocorre que os instrumentos firmados pelos médicos cubanos com a Comercializadora de
Servicios Médicos Cubanos S.A., para fins de seu envio ao Brasil, no âmbito do projeto, dispõem
claramente que se constituem Contrato Individual para la Prestación de Servicios Profesionales y
Tecnicos en el Exterior mediante relación de trabajo , conforme dispõe o contrato da médica
Ramona Matos Rodrigues, de maneira que seu objeto é a relação de trabalho com o profissional de
saúde cubano, em virtude dos serviços que esses realizariam em território brasileiro.
37. A despeito da previsão de que o médico cubano receberá capacitação, resta claro que o
contrato firmado com a Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A trata de relação de
trabalho para a prestação de serviços médicos no exterior, de modo que, apesar de o Brasil,
considerando apenas os estritos termos da Lei 12.871/2013 e dos acordos internacionais firmados com
a OPAS, estar selecionando médicos para curso de especialização, está em verdade contratando a
prestação de serviços dos médicos cubanos, com intermediação do organismo internacional.
38. O curso de especialização, no âmbito do Projeto, é em verdade objeto acessório,
justificável no caso da capacitação de médicos brasileiros, mas de pouca utilidade no caso dos médicos
intercambistas que, ao final do prazo de 3 anos, prorrogável por igual período, retornarão a seus países.
O curso de especialização, no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil, foi utilizado como um
subterfúgio para o atingimento da real necessidade do Poder Público, qual seja, a disponibilização de
mais médicos para a população.
39. Essa distorção, embora resultasse em benefícios imediatos, implica prejuízos mediatos ao
país, a exemplo de questão tratada no Acórdão 331/2015 Plenário, em que se evidencia que para
esses profissionais, à exceção do módulo de acolhimento, não há interesse público a justificar o
oferecimento de curso de especialização pelo Brasil, haja vista que uma das questões tratadas na
deliberação referida foi justamente o elevado aporte de recursos (da ordem de R$ 5,7 bilhões, até o ano
passado cf. AC 360/2017-P) para capacitar profissionais que não permanecerão no país, o que gerou
recomendação deste Tribunal, dirigida ao Ministério da Saúde, no sentido de que 9.4.6. reavalie a
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necessidade e os benefícios de oferecer cursos de especialização para os médicos estrangeiros, que,


em princípio, não permanecerão no Brasil após o término do Projeto Mais Médicos para o Brasil .
40. E se em torno de 70% ou mais dos vultosos volumes de recursos transferidos para a
OPAS/OMS, antecipadamente e destinados ao pagamento das bolsas-formação aos profissionais
cubanos, é desviada para o Ministério da Saúde de Cuba, é de se concluir que o foco principal dessas é
a transferência de recursos a estado estrangeiro, de modo que o foco secundário, acessório, é
capacitação ou a prestação de serviços médicos no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil.
41. Ora, essa engenharia criativa permite alocar recursos da ordem 3,67 bilhões (de 2013-
2015, segundo relatório de auditoria de gestão de 20151) ao Projeto Mais Médicos, cuja essência
baseia-se na contratação dos serviços profissionais de médicos cubanos, por prazo determinado de 3 ou
6 anos, que representam mais de 80% dos médicos participantes, para os quais se tem o desvio da
maior parcela dos recursos destinados às bolsas-formação ao Ministério da Saúde de Cuba, sem contar
outras despesas com os cursos de especialização, ajudas de custo, consultorias, intermediação, etc., a
médicos estrangeiros que, em princípio, não permanecerão no Brasil.
42. Reafirmo, por fim, algumas considerações adicionais que fiz por ocasião do voto que
proferi quando se discutia a matéria aprovada pelo Acórdão 360/2017-Plenário, no qual assim
consignei ao encerrar meu pronunciamento:

64. Em razão do crescimento expressivo do volume de recursos empregados no Projeto,


em termos cumulativos, solicitei informações à SecexSaúde acerca do montante repassado à OPAS
desde o início da execução do acordo internacional. As informações foram, então, requeridas pela
secretaria diretamente ao Ministério da Saúde, por mensagem eletrônica, no que me foi apresentada
a seguinte tabela com os valores transferidos do segundo ao oitavo Termo de Ajuste ao 80º TC:
Tabela 1 Valores despendidos no Projeto Mais Médicos para o Brasil Transferência à OPAS
TA TOTAL POR TA TOTAL GASTO - BOLSA-FORMAÇÃO
2º TA 11.539.264,00 0
3º TA 510.957.307,00 198.044.659,07
4º TA 973.946.600,00 794.081.190,00
5º TA 1.175.973.740,00 949.908.479,94
6º TA 1.443.407.325,00 1.296.933.252,60
8º TA 1.624.281.035,00 1.124.752.355,21
TOTAL GERAL 5.740.105.271,00 4.363.719.936,82
Fonte: Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Sgtes

65. Para se ter ideia de quão vultosos são esses recursos, e qual o custo de oportunidade da
opção política adotada no Brasil, basta utilizarmos a informação do custo de formação por aluno de
medicina de uma IFES, como, por exemplo da UFMG (R$ 18.252,77/ano com Hospital
Universitário e R$ 16.922,88, sem), consoante indicador de desempenho calculado por aquela
Instituição Federal de Ensino Superior em seu relatório de gestão de 2015 2, para se ter a noção de
que, com tal volume de recursos, seria possível, considerando o tempo de curso de 6 anos, formar
52.413 novos médicos (aproximadamente cinco vezes o número de médicos cubanos
disponibilizados pelo Programa) nas instituições federais públicas de nosso país, os quais se poriam
a serviço dos brasileiros em caráter não temporário, diferentemente do caso dos profissionais
cubanos que hão de retornar a seu país.
66. Ou, se, empregado na formação de médicos nas redes particulares, em que as
mensalidades superam os R$ 6 mil e R$ 72 mil anuais, cujo investimento em seis anos se daria em

1
http://portalarquivos.saude.gov.br/images/mais-medicos/Relatorio-de-Auditoria-Anual-de-Contas-n201600675-SGTES-
Exercicio-2015.pdf
2
https://www.ufmg.br/proplan/wp-content/uploads/Relat%C3%B3rio-de-Gest%C3%A3o-2015_retificado-1.pdf
103

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torno de R$ 432 mil/aluno, seria possível a formação de 13.287 novos médicos na rede particular de
ensino, caso os recursos fossem empregados integralmente nessa outra política.
67. Esse mesmo volume de recursos despendido no Mais Médicos poderia, em outro
cálculo expedito, converter-se em novas 14.068 Unidades Básicas de Saúde em municípios menores
pelo país, se levarmos em consideração os valores de R$ 408.000,00/Construção/UBS constantes
das Portarias MS 340, de 4 de março de 2013, e 199, de 15 de fevereiro de 2016, para uma UBS de
Porte I.
68. Esses números permitem ainda avaliar o custo de oportunidade levando-se em
consideração tanto a construção de novas UBS quanto de entrega de novos profissionais médicos
aos municípios. Assim, levando-se em consideração que o país tem 5.5613 municípios, instalando
uma UBS de Porte I em cada um deles, em vez de 14.068 UBS totais (haveria um excesso de 8.507
UBS nesse cálculo), restariam recursos suficientes ainda (R$ 3,47 bi), para se formar,
aproximadamente, 5 médicos por município brasileiro contemplado com uma UBS. Veja-se: com
os R$ 5,74 bilhões até o momento empregado nos Termos de Ajustes, daria para construir uma
UBS para cada município e ainda formar 31.692 médicos nas Instituições Federais de Ensino
Superior, equivalentes a 5 para cada município contemplado com uma UBS.
69. Não se pode desconsiderar a eventual situação de emergência que levou o governo
brasileiro a implementar o Programa Mais Médicos, mas o que se observa, sem dúvida, é que em
termos financeiros o Programa é objetivo acessório, e o custo de oportunidade de sua adoção é
altíssimo em termos de formação de novos médicos no Brasil, pois abriu-se mão de formar
aproximadamente mais 52 mil médicos em instituições de ensino federais, ou de se construir
expressiva quantidade de Unidades Básicas de Saúde, uma vez que, com os mesmos recursos,
poderiam ter sido construídas aproximadamente 14 mil novas unidades.
70. No voto revisor destaquei, por fim, o dever ético e moral de o Brasil proporcionar
tratamento digno e igualitário a esses profissionais cubanos. Mas, a questão é mais ampla.
71. Ocorre que esses médicos cubanos têm vindo ao Brasil e, na prática, prestam serviços
sem a proteção do Direito e da Justiça do Trabalho. Segundo se noticia, sofrem restrições à
liberdade4 de se expressar e de se locomover em território brasileiro56. Recebem remuneração 75%
inferior a de outro médico de outro país ou brasileiro na mesma função, no mesmo Programa. Por
fim, segundo também noticiado, após o período de intercâmbio previsto no Projeto Mais
Médicos, para o qual é concedido visto temporário de aperfeiçoamento médico (art. 18 da Lei
12.871/2013), não teriam a liberdade de permanecer no Brasil7, no âmbito do Programa, ainda que
isso fosse desejado pelo Estado brasileiro.
72. É com preocupação, desconforto e certa tristeza que observo a anuência do Governo do
Brasil a essa situação, que entendo indigna. Tenho receio de aqui, sim, estarmos infringindo normas
e costumes do Direito Internacional, a exemplo de disposições contidas na Declaração Universal
dos Direitos Humanos (ONU, 1948) acerca das liberdades de expressão, locomoção/circulação em
território no qual se encontre em caráter regular, relações de trabalho e de igualdade de
remuneração por igual trabalho, bem assim, de disposições semelhantes encontradas no Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto 592/1992 8, e no Pacto
Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado pelo Decreto 591/19929,
a exemplo das seguintes disposições, para citar apenas algumas:

3
Com base na estatística do IBGE, ano 2000.
4
http://oglobo.globo.com/brasil/mais-medicos-cubanos-vivem-sob-vigilancia-em-sao-paulo-12086566
5
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24102:cfm-denuncia-governo-federal-por-
restricao-de-liberdade-de-medicos-cubanos&catid=3
6
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/relacoes-internacionais-em-perspectiva/a-saida-do-mais-medicos/
7
http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/pais/2016/11/05/CUBANOS-DO-PROGRAMA-MAIS-MEDICOS-
RECORREM-A-JUSTICA-PARA-PERMANECER-NO-BRASIL.htm
8
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm
9
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm
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72.1 - Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado


pelo Decreto 591/1992:
ARTIGO 7º
Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de
condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:
a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores:
i) Um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor,
sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho
não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles por trabalho igual;
(...) (destaquei)
72.2 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto
592/1992:
ARTIGO 12
1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado terá o direito de
nele livremente circular e escolher sua residência.
(...). (destaquei)
73. Diante disso, também receio de, no futuro, nós, brasileiros, nos vermos ou sentirmos
obrigados à reparação moral perante o povo cubano.

43. Em síntese, meu entendimento é no seguinte sentido:


43.1 A execução do Programa Mais Médicos, em relação aos médicos cubanos, é irregular pois
infringe a Lei 12.871/2013 e os acordos internacionais celebrados pelo Brasil com a Organização
Panamericana de Saúde-OPAS, uma vez que, mediante desvio de finalidade, parte majoritária (cerca
de 70%) da parcela de Bolsa-Formação destinada exclusivamente aos médicos, sem autorização da Lei
ou dos acordos, está sendo diretamente entregue pela OPAS ao governo cubano, em detrimento dos
médicos cubanos;
43.2 O Programa Mais Médicos tem sido, na verdade, um programa transferência ilegal de
recursos públicos ao governo cubano, em razão do desvio de grandes volumes de recursos, de
aproximadamente de R$ 3 bilhões até o 8º Termo Aditivo (considerando o desvio de 70% da Bolsa-
Formação, ou seja, 70% de R$ 4,363 bilhões);
43.3 O Programa Mais Médicos tem sido um programa de exploração de trabalho dos médicos
cubanos, uma vez que tais médicos, em situação de desigualdade com os outros participantes do
programa, recebem apenas 30% do valor da Bolsa-Formação que lhes é devida, além de outras
restrições que lhes são impostas, segundo as matérias jornalísticas supramencionadas, como as de
liberdade de expressão e locomoção, em inobservância aos princípios que regem os Direitos Humanos
e a normas expressas de Direito Internacional;
43.4 Os exmos. Ministros da Saúde que operacionalizam o Programa Mais Médicos tem plena
ciência desse grave desvio de finalidade e dessas distorções;
44. Assim, com essas considerações, respeitando, mas pedindo vênias ao conhecido
posicionamento do eminente Relator, o Ministro Benjamin Zymler, tanto neste processo, quanto
naquele referido pelo Acórdão 360/2017 Plenário, convencido que estou acerca do posicionamento
que ora defendo, em que pese vencido anteriormente naquele acórdão, manifesto-me no sentido de que
o Tribunal aprove o acórdão que ora submeto à deliberação deste Colegiado:
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação, com pedido de
medida cautelar, a respeito de possíveis irregularidades relacionadas ao objeto da Medida
Provisória nº 621/2013, de 8/7/2013, posteriormente convertida na Lei nº 12.871, de
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23/10/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos , quanto à execução do 3º Termo de


Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica firmado pelo Governo Brasileiro e pela
Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS, visando à implementação do Projeto
Ampliação do acesso da população brasileira à atenção básica em saúde ,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do
Plenário, diante das razões expostas pelo Revisor, em:
9.1. conhecer da presente representação, uma vez que foram satisfeitos os
requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, III, do Regimento Interno deste
Tribunal e 103, § 1º, da Resolução TCU nº 259/2014, para, no mérito, considerá-la
parcialmente procedente;
9.2. com fundamento no art. 70, parágrafo único, e art. 71, inciso IX, da
Constituição Federal e no art. 250, II, do Regimento Interno do TCU, determinar ao Ministro
da Saúde que, no prazo de noventa dias, adote, no âmbito do 80º Termo de Cooperação
Técnica (80º TC) firmado com a Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS e dos
respectivos Termos de Ajuste, com a devida cooperação do Ministério das Relações Exteriores,
providências no intuito de:
9.2.1. exigir da OPAS, em cumprimento à legislação brasileira atinente ao Projeto
Mais Médicos para o Brasil (arts. 13, § 2º, inciso I, e 19, inciso I e § § 1º e 3º, Lei 12.871/2013
e arts. 4º, inciso I, e 22, inciso I e § § 1º e 3º, inciso I, da Portaria Interministerial 1.369/2013)
e às cláusulas constantes dos Termos de Ajustes firmados no âmbito do 80º Termo de
Cooperação Técnica (a exemplo da Cláusula Segunda, inciso I, alínea o , item ii, e inciso II,
alínea n , do 3º Termo de Ajuste; da Cláusula Segunda, inciso I, item 22.ii, e inciso II, item
20, do 4º Termo de Ajuste; e da Cláusula Segunda, inciso I, itens 22.b, e inciso II, item 20, do
5º Termo de Ajuste), que os recursos destinados a bolsa-formação sejam integralmente pagos
aos médicos intercambistas cubanos, sem nenhuma retenção e sem nenhum desvio;
9.2.2. exigir da OPAS, em cumprimento à legislação brasileira atinente ao Projeto
Mais Médicos para o Brasil (arts. 13, § 2º, inciso I, e 19, inciso I e § § 1º e 3º, Lei 12.871/2013
e arts. 4º, inciso I, e 22, inciso I e § § 1º e 3º, inciso I, da Portaria Interministerial 1.369/2013)
e às cláusulas constantes dos Termos de Ajustes firmados no âmbito do 80º Termo de
Cooperação Técnica (a exemplo da Cláusula Segunda, inciso I, alínea o , item ii, e inciso II,
alínea n , do 3º Termo de Ajuste; da Cláusula Segunda, inciso I, item 22.iii, e inciso II, item
20, do 4º Termo de Ajuste; e da Cláusula Segunda, inciso I, item 22.c, e inciso II, item 20, do 5º
Termo de Ajuste), que os recursos destinados a ajuda de custo sejam integralmente pagos aos
médicos intercambistas cubanos, sem nenhuma retenção e sem nenhum desvio;
9.2.3. exigir da OPAS a inclusão, nas Prestações de Contas Parciais de que tratou
o subitem 9.1.5 do Acórdão 360/2017 - Plenário, referentes aos recursos públicos repassados
pelo Brasil por força dos sucessivos Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica,
de documentação comprobatória de que os valores referidos nos itens 9.2.1 e 9.2.2 retro estão
sendo pagos integralmente aos médicos intercambistas;
9.2.4. na hipótese de não concordância da OPAS às alterações constantes dos itens
9.2.1 a 9.2.3 retro, transferir para o Brasil a responsabilidade de promover, diretamente, o
pagamento aos médicos intercambistas de todos os valores previstos a título de bolsa-
formação e de ajudas de custo, à semelhança do procedimento já adotado em relação aos
demais profissionais participantes do Projeto;
9.3. determinar ao Ministério da Saúde que, findo o prazo fixado no subitem
antecedente, informe a este Tribunal as ações implementadas e os resultados obtidos no
sentido de dar cumprimento às determinações, encaminhando à Corte de Contas toda a
documentação pertinente;
9.4. determinar, com fundamento no art. 43, inciso II, da Lei 8.443/1992 c/c o art.
250 do Regimento Interno/TCU, a realização das seguintes audiências:

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9.4.1. do Sr. Ademar Arthur Chioro dos Reis, então Ministro de Estado da Saúde,
para que, no prazo de quinze dias, contado da ciência deste acórdão, apresente razões de
justificativa:
9.4.1.1. em razão da subscrição do 4º e do 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação Técnica, mesmo ciente de que parcelas de recursos da União desembolsados para
suas execuções seriam destinadas ao Governo Cubano e, assim, a uma finalidade diversa da
estabelecida no art. 19, da Lei 12.871/2013 e no art. 22, da Portaria Interministerial
1.369/2013, portanto, configurando-se desvio de finalidade;
9.4.1.2. em razão da subscrição do 4º e do 5º Termos de Ajuste ao 80º Termo de
Cooperação Técnica sem que nestes, ou em seus respectivos Planos de Trabalho, houvesse a
evidenciação da participação do Governo da República de Cuba no Projeto, ou de entidade
vinculada ao mesmo, bem como dos recursos a serem repassados a esse Governo,
contrariando o Artigo IV, do Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado entre o Brasil
e a OMS, promulgado pelo Decreto 3.594/2000; a Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do 80º
Termo de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério da Saúde e a OPAS (Da
operacionalização); e os princípios da publicidade (estabelecido no art. 37, caput, da CF/88),
da transparência nos atos da Administração Pública e da indisponibilidade do patrimônio
público;
9.4.2. do Sr. Alexandre Rocha Santos Padilha, então Ministro de Estado da Saúde,
e da Sra. Márcia Aparecida do Amaral, então Secretária Executiva do Ministério da Saúde,
ambos titulares dos respectivos cargos de 1/1/2011 até 3/2/2014 (conforme Seção 2 do DOU
de 1/1/2011 e Seção 2 do DOU de 3/2/2014), para que, no prazo de quinze dias, contado da
ciência deste acórdão, apresentem razões de justificativa por terem subscrito o 3º Termo de
Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica sem que neste, ou em seu Plano de Trabalho,
houvesse a evidenciação da participação do Governo da República de Cuba no Projeto, ou de
entidade vinculada ao mesmo, bem como dos recursos a serem repassados a esse Governo,
contrariando o Artigo IV, do Ajuste Complementar ao Convênio Básico firmado entre o Brasil
e a OMS, promulgado pelo Decreto 3.594/2000; a Cláusula Quarta, Subcláusula Única, do 80º
Termo de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério da Saúde e a OPAS (Da
operacionalização); e os princípios da publicidade (estabelecido no art. 37, caput, da CF/88),
da transparência nos atos da Administração Pública e da indisponibilidade do patrimônio
público;
9.5. dar ciência deste acórdão aos representantes, ao Ministério da Saúde e aos
responsáveis aqui arrolados.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 30 de maio de 2018.

AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI


Revisor

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VOTO COMPLEMENTAR

I - Introdução

Preliminarmente, agradeço ao Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, cujo


pedido de vistas e observações muito pertinentes permitiram o necessário aprofundamento da análise
efetuada nestes autos. Friso que, em um órgão colegiado, como é o caso deste Plenário, a qualidade
das decisões adotadas melhora de forma significativa quando há a colaboração efetiva dos seus
membros no debate e na avaliação das questões sob exame.
2. Para delimitar precisamente o objeto da controvérsia ainda remanescente, esclareço ter o
ilustre revisor asseverado que:
o Supremo Tribunal Federal, no dia 30/11/2017, julgou as ADls 5.035 e 5.037,
prevalecendo o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes pela extinção da ADI 5.037, devido à
ilegitimidade da parte postulante. No tocante à outra ação de controle concentrado, e no conjunto das
deliberações, depreende-se que o Pretório Excelso decidiu pela constitucionalidade da Medida
Provisória n° 621/2013, posteriormente convertida na Lei n° 12.87112013, de modo que foi
reconhecida a constitucionalidade do Projeto Mais Médicos para o Brasil, inclusive no que se refere à
participação de médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de
intercâmbio médico internacional, conforme previsto no art. 7°, II, da MP nº 621/2013, um dos
dispositivos impugnados na ADI nº 5.035, reproduzido no art. 13, II, da Lei nº 12.871/2013.
Ademais, como bem salientado pelo titular da secretaria, a Lei nº 9.868/l999, que dispõe
sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, estabelece que as deliberações tomadas em
processos dessa natureza têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do
Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Também como bem salientado, o art. 17 da MP n° 621/2013, cuja redação foi reproduzida
no art. 23 da Lei nº 12.871/2013, e que autorizou o Ministério da Saúde a celebrar acordo com
organismos internacionais para a execução das ações ali previstas, inclusive com transferência de
recursos, não foi objeto de questionamento, mantendo-se por tanto a presunção de constitucionalidade
da disposição de lei.
Logo, do ponto de vista jurídico-normativo, não há, de fato, que se questionar a legalidade
do programa. Todavia, entendo que há irregularidades nos aspectos da execução operacional e
financeira, e quanto ao cumprimento dos normativos reputados constitucionais, inclusive os termos do
próprio acordo de cooperação firmado.
Nesse sentido, apesar de o auditor, o diretor e o secretário não terem persistido na
questão do desvio de finalidade na aplicação dos recursos, por entender superada a questão em razão
da prolação do Acórdão nº 360/2017 - Plenário, insisto que o programa vem sendo, desde sua
operacionalização, realizado em desvio de finalidade e com prejuízos aos princípios da transparência
e da legalidade dos gastos públicos, demandando a intervenção deste Tribunal e o alcance dos
agentes públicos responsáveis por permitirem a ocorrência dessas irregularidades.
3. Em outro trecho do seu voto, o Ministro Augusto Sherman explicitou que somente se
conhece efetivamente o destino de 30% dos recursos transferidos pela União, montante esse entregue
ao profissional cubano participante. Há indicias de que os outros 70% podem estar sendo desviados
para outros fins não previstos no desenho juridico-normativo para sua execução ou simplesmente
retidos pelo governo cubano .
4. Esse seria, no entender do revisor, o desvio de finalidade que torna irregular a execução do
Programa Mais Médicos. Assim sendo, este voto complementar se aterá à análise da licitude da
remuneração paga aos médicos cubanos.

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II A questão da remuneração dos médicos cubanos

5. Em primeiro lugar, foi apontado que a forma de pagamento dos médicos intercambistas
poderia violar a Constituição Federal e as normas da OMS. Quanto a esse ponto, destaco que a
cláusula segunda do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica para o desenvolvimento
de ações vinculadas ao Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em
Saúde, celebrado com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial de Saúde, prevê
a forma de pagamento dos médicos intercambistas. Em consonância com esse dispositivo, compete ao
Ministério da Saúde realizar, com base nos Planos de Ação do Programa, o repasse semestral
antecipado à OPAS/OMS dos recursos referentes às bolsas, às ajudas de custo de instalação, ao
transporte internacional e ao seguro de vida dos médicos participantes. Em seguida, essas organizações
repassarão tais valores ao governo cubano, que fará os pagamentos aos médicos oriundos daquele país
e reterá uma parcela não informada oficialmente.
6. Por outro lado, os valores correspondentes à bolsa e à ajuda de custo dos médicos
formados em instituições de educação superior brasileiras ou daqueles com diplomas revalidados no
país serão creditados diretamente em sua conta corrente.
7. Acrescento que o ilustre revisor entendeu que esse tratamento diferenciado conferido aos
médicos intercambistas poderia afrontar o disposto no caput do art. 5º da Constituição Federal, verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade.
8. Ademais, essa diferença de tratamento também poderia contrariar o disposto no Código
Global de Práticas para Recrutamento Internacional de Profissionais da Saúde da Organização Mundial
da Saúde - OMS, segundo o qual o pessoal de saúde imigrante deve ser contratado, promovido e
remunerado com base em critérios objetivos, tais como níveis de qualificação, anos de experiência e
grau de responsabilidade, tendo por base a igualdade de tratamento com o pessoal de saúde do país
onde irão trabalhar.
9. Cumpre salientar que, no parágrafo 35 da Exposição de Motivos da Medida Provisória nº
621/2013, foi informado que, na seleção de médicos formados em instituições de educação superior
estrangeiras para participarem do Projeto Mais Médicos para o Brasil, serão respeitadas as
diretrizes estabelecidas no citado Código. Aduzo que, na Nota de Cooperação Técnica Internacional,
emitida pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, o
respeito às mencionadas diretrizes foi reiterado.
10. Esclareço que o parágrafo 3.5 do Código Global de Práticas da OMS estabelece que:
O recrutamento internacional de pessoal de saúde deve ser conduzido de acordo com os
princípios da transparência, justiça e promoção da sustentabilidade dos sistemas de saúde de países
em desenvolvimento. Estados-Membros, em conformidade com a legislação nacional e instrumentos
legais internacionais aplicáveis, devem promover e respeitar práticas trabalhistas justas para todo o
pessoal de saúde. Todos os aspectos do trabalho e do tratamento do pessoal de saúde imigrante devem
ser tratados sem nenhuma distinção ilegal de qualquer tipo.
11. Já seu parágrafo 4.4 estatui que:
Os Estados-Membros devem, na extensão possível das leis aplicáveis, garantir que os
recrutadores e empregadores observem práticas justas de recrutamento e contrato no emprego de
pessoal de saúde imigrante e que este não sejam objeto de condutas ilegais ou fraudulentas. O pessoal
de saúde imigrante deve ser contratado, promovido e remunerado com base em critérios objetivos,
tais como níveis de qualificação, anos de experiência e grau de responsabilidade baseados na
igualdade de tratamento com o pessoal de saúde do país. Recrutadores e empregadores devem prover
o pessoal de saúde imigrante de informações relevantes e precisas sobre todas as posições
oferecidas.

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12. Por fim, o parágrafo 4.5 do mencionado Código afirma que:


Os Estados-Membros devem garantir que, sujeitos às leis aplicáveis, incluindo instrumentos legais
internacionais, o pessoal de saúde imigrante deve possuir os mesmos direitos legais e
responsabilidades que o pessoal de saúde do país no que concerne a todos os termos de contratação e
às condições de trabalho.
13. Nesse contexto, o Ministro Revisor sugere que seja determinado ao Ministério da Saúde
que adote as providências necessárias junto à OPAS para que os médicos cubanos passem a receber
sua remuneração integral, nos mesmos valores pagos aos médicos brasileiros.
14. Apesar de reconhecer a relevância das preocupações do Ministro Augusto Sherman,
solicito as vênias de estilo para dele divergir.
15. Em primeiro lugar, porque entendo que a modalidade de execução direta que rege o acordo
de cooperação entre o Brasil e a OPAS/OMS afasta a possibilidade de ingerência do Estado brasileiro
na forma como aquele organismo internacional executa o acordo, sob pena de inobservância das regras
do Direito Internacional Público, aplicáveis à consecução do 80º Termo de Cooperação Técnica
firmado entre os seus celebrantes plenipotenciários.
16. Note-se que o relacionamento da República Federativa do Brasil com a OPAS, para fins
dos normativos aplicáveis ao presente caso, deriva do Convênio Básico celebrado com a Organização
Mundial de Saúde, no dia 4/2/1953, e aprovado pelo Decreto Legislativo nº 11, de 23/2/1956. O item 1
do Artigo I desse acordo básico prevê a realização de acordos e entendimentos suplementares, para a
prática de atividades específicas de apoio técnico e consultivo da OMS ao Brasil.
17. Posteriormente, em 20/1/1983, foi celebrado um Acordo entre o Governo brasileiro e a
Repartição Sanitária Pan-Americana (órgão executivo da OPAS), visando permitir o funcionamento do
Escritório de Área do organismo no Brasil. Esse tratado foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 108,
de 5/12/1983.
18. Cumpre mencionar, ainda, o Acordo Básico de Assistência Técnica entre o Governo da
República Federativa do Brasil e a Organização das Nações Unidas e suas Agência Especializadas
(entre elas a Organização Mundial de Saúde), aprovado pelo Decreto Legislativo nº 11, de 1966, que
prevê a prestação de assistência técnica dessas organizações ao Governo brasileiro, condicionada à
existência dos fundos necessários.
19. Por fim, cito o Decreto nº 3.594, de 8/9/2000, que dispõe sobre a execução do Ajuste
Complementar ao Convênio Básico entre o Governo da República Federativa do Brasil e a
Organização Mundial de Saúde e ao Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a
Repartição Sanitária Pan-Americana para o Funcionamento do Escritório de Área da Organização Pan-
americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil, assinado pelos plenipotenciários do
Brasil e da Organização Pan-Americana de Saúde, no dia 16/3/2000.
20. As normas acima citadas formam uma cadeia de acordos internacionais que fornecem a
sustentação jurídica para o 80º Termo de Cooperação Técnica, firmado pelo Ministério da Saúde e pela
OPAS/OMS, para o desenvolvimento de ações vinculadas ao projeto de ampliação do acesso da
população brasileira à atenção básica em saúde. Por meio dos termos de ajuste ao citado termo de
cooperação é operacionalizado o Programa Mais Médicos, no que se refere aos chamados Médicos
Participantes, conceito que inclui os intercambistas, categoria representada essencialmente pelos
médicos cubanos.
21. Do acima exposto, depreende-se que a questão ora posta deve ser vista, em primeiro lugar,
sob o ponto de vista do Direito Internacional Público, uma vez que diz respeito precipuamente ao
relacionamento entre o Brasil e uma entidade internacional.
22. Sob a égide do Direito Internacional Público, o objeto avençado pode ser executado de
duas formas: direta e indireta. A forma adotada no caso vertente define se a apreciação dessa matéria
deve ser feita à luz do Decreto nº 3.594/2000 ou do Decreto nº 5.151/2004.
23. O primeiro é uma norma que efetiva, no âmbito interno, um acordo internacional firmado
pela República Federativa do Brasil e pela OPAS/OMS, no caso, o Ajuste Complementar ao Convênio

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Básico entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Organização Mundial de Saúde. Por sua
vez, o segundo é um decreto stricto sensu, ou seja, um ato regulamentar que estipula como o Poder
Executivo deve executar os tratados que houver celebrado.
24. Caso se opte por um ou por outro desses Decretos, os regimes de execução das ações a
cargo do Brasil e da OPAS variarão em sua natureza, o que acarretará inevitáveis consequências
jurídicas.
25. Dito de outra forma, trata-se da distinção entre execução direta (ou internacional), que é
concretizada pelo próprio Organismo Internacional, e execução nacional, que é aquela em que a
condução e a direção das atividades previstas nos projetos de cooperação técnica com um organismo
internacional ficam a cargo das instituições brasileiras.
26. No presente caso, avalio que os termos do ajuste internalizado pelo Decreto nº 3.594/2000
fazem com que as parcerias firmadas com a OPAS/OMS sigam o modelo da execução direta pela
própria Organização. Nesse sentido, o Artigo V do acordo internacional em questão dispõe que:
2. Os recursos financeiros alocados para a implementação dos projetos e atividades
aprovadas serão liberados conforme os planos de aplicação e o cronograma de desembolso
correspondentes a cada termo de cooperação específico. O início da execução de qualquer iniciativa
a ser desenvolvida ao abrigo deste Ajuste Complementar dependerá, além da aprovação prévia, da
liberação dos recursos mencionados.
3. Na eventualidade de recursos serem transferidos, no âmbito deste Ajuste
Complementar, pelo Governo, pelo Órgão Coordenador brasileiro, por executor nacional ou qualquer
outra fonte à OPAS/OMS para administração, relativos ao financiamento de ações no âmbito de
projetos ou atividades específicos previamente aprovados, nos termos do Artigo IX do Adendo ao
Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana
para o Funcionamento do Escritório de Área da Organização Pan-Americana de Saúde/Organização
Mundial da Saúde no Brasil, a OPAS/OMS compromete-se a emitir informes financeiros oficiais,
segundo suas normas e regulamentos e, ao final da execução de cada termo de cooperação, devolver o
saldo não utilizado ou remanejá-lo, a pedido do Governo.
27. Por oportuno, saliento que o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº
2.899/2009 - Plenário, ao apreciar pedido de reexame formulado pelo Ministério da Saúde contra o
Acórdão nº 1.018/2007 - Plenário, esposou entendimento no sentido de que os termos de cooperação
firmados com a OPAS se enquadram no modelo de execução direta e são regrados pelos termos do
ajuste promulgado pelo Decreto nº 3.594/2000.
28. O acórdão recorrido e modificado após a apreciação do recurso em tela tinha adotado o
entendimento, posteriormente superado, de que os termos de cooperação firmados com a OPAS
deveriam se enquadrar na modalidade de execução nacional, nos termos do Decreto nº 5.151/2004.
Importa transcrever os seguintes elucidativos trechos do Voto condutor do citado Acórdão nº
2.899/2009 - Plenário:
"Todavia, à luz dos elementos acostados aos autos, há duas modalidades de execução de
projeto distintas, quais sejam, a execução nacional e a execução internacional (ou direta).
A execução nacional, nos termos do art. 2º, § 1º, do Decreto nº 5.151/2004, define-se como
a modalidade de gestão de projetos na qual a condução e a direção de suas atividades estão a cargo
de instituições brasileiras.
Na execução direta, compete ao organismo internacional a efetiva gestão dos projetos,
bem como a identificação, seleção e aprovação dos bens e serviços adquiridos ou contratados. Sua
adoção, a critério do Ministério das Relações Exteriores, é possível graças à exceção prevista no art.
2º, § 3º, do próprio Decreto nº 5.151/2004.
Assiste razão à recorrente no tocante à inaplicabilidade do Decreto nº 5.151/2004 aos
termos de cooperação firmados com a OPAS, os quais se enquadram em modalidade de execução
diversa da regulada pelo referido normativo.
29. Diante do acima exposto, avalio que o Programa Mais Médicos adotou a modalidade de

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execução direta pela OPAS/OMS. Afinal, não vislumbro razões para aplicar ao programa em questão
entendimento diverso daquele que foi definido pelo Acórdão nº 2.899/2009 Plenário.
30. Nesse contexto, considero juridicamente inviável que o TCU expeça determinações direta
ou indiretamente (via Ministério da Saúde) à OPAS/OMS. A uma, porque, consoante exposto acima,
estamos diante de uma execução direta, o que significa dizer que o gerenciamento e a aplicação dos
recursos repassados pelo Brasil estão a cargos da OPAS/OMS; A duas, porque essa entidade, no seu
relacionamento com os diversos países, possui status, a ela conferido pelo Direito Internacional
Público, de um estado internacional, que não está submetido à jurisdição de outro.
31. Essa última tese encontra respaldo na decisão do STF, prolatada quando do julgamento do
RE nº 578.543, relatado pelo Ministro Teori Zavascki, quando o Pretório Excelso confirmou que o
PNUD, órgão da ONU tal qual a OMS, possui imunidade de jurisdição.
32. Para melhor entendimento da questão reproduzo, a seguir, as ementas desse acórdão:
Ementa: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (ONU/PNUD). RECLAMAÇÃO TRABALHISTA.
CONVENÇÃO SOBRE PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DAS NAÇÕES UNIDAS (DECRETO
27.784/1950). APLICAÇÃO.
1. Segundo estabelece a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas ,
promulgada no Brasil pelo Decreto nº 27.784, de 16 de fevereiro de 1950, A Organização das
Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja seu detentor, gozarão de imunidade de
jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica,
todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas .
2. Esse preceito normativo, que no direito interno tem natureza equivalente à das leis
ordinárias, aplica-se também às demandas de natureza trabalhista.
3. Recurso extraordinário provido.
33. Nesse mesmo sentido, o Ministro Ives Gandra do Tribunal Superior do Trabalho afirmou
que:
Na realidade específica da ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA
SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OPAS/OMS, diversos diplomas internacionais,
devidamente incorporados ao ordenamento positivo brasileiro, mediante aprovação pelo Congresso
Nacional e pelo Poder Executivo, asseguram total e expressa imunidade de jurisdição (ver fls.
49/127), razão pela qual esta é de conteúdo absoluto, e não relativo, porque assim ajustado pelos
Poderes constituídos da Republica Federativa do Brasil (fl. 196). Aliás, neste sentido já se posicionou
a egr. 1ª Turma, em questão idêntica, envolvendo, inclusive, o mesmo organismo internacional
reclamado, cujos fundamentos peço venia para adotar como razões de decidir: Inegável a
flexibilização experimentada na aplicação do instituto da imunidade de jurisdição concedida ao
Estado Estrangeiro, notadamente no âmbito trabalhista. Ocorre que, no presente caso, trata-se de um
organismo internacional, com prerrogativas de imunidade previstas não só no Direito
Consuetudinário, mas também por tratados internacionais específicos, ratificados pela vontade
soberana dos Estados.
34. Assim sendo, o TST uniformizou o entendimento no sentido de que os organismos
internacionais gozam de imunidade absoluta. Diferentemente do que ocorre em relação aos Estados
estrangeiros, a imunidade de jurisdição desses organismos não encontra amparo na praxe internacional.
Ela decorre de expressa previsão em norma internacional, de sorte que sua não observância
representaria a quebra de um pacto internacional. Além disso, aquela Corte consignou ser inviável a
relativização da imunidade dos organismos internacionais com base no critério adotado em relação aos
países, pautado na distinção entre atos de império e de gestão, pois esses entes, por não serem
detentores de soberania, elemento típico dos Estados, nem sequer são capazes de praticar atos de
império.
35. Importa destacar que a cláusula décima terceira do 80º Termo de Cooperação Técnica,

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firmado pela OPAS e pelo Ministério da Saúde, prevê expressamente a imunidade de jurisdição
daquela organização.
36. Outra questão relevante diz respeito à possibilidade de o TCU tutelar interesses privados
disponíveis, como é o caso da remuneração dos médicos cubanos. Afinal, consoante ressaltado pelo
Ministro Bruno Dantas, no Acórdão nº 671/2017:
resta consolidado o entendimento de que não se insere nas competências desta Corte de
Contas o patrocínio de interesses privados, como evidencia a alteração regimental do art. 276, com
vistas a substituir a expressão direito alheio por interesse público , apto a ensejar a atuação do
TCU, cuja tutela deverá ser pleiteada nas instâncias ordinárias do poder judiciário.
37. No presente caso, entendo que se aplica esse entendimento, o que acarreta a ausência de
competência do TCU para atuar em defesa dos interesses dos médicos cubanos, os quais, diga-se de
passagem não solicitaram a intervenção deste Tribunal.
38. Por oportuno, esclareço que a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região,
no âmbito do RO nº 00382-2014-013-10-00-7, julgado na Sessão Ordinária do dia 24/9/2014, ao
apreciar, em sede recursal, ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, versando
sobre a remuneração efetivamente recebida pelos médicos cubanos, confirmou sentença de primeira
instância que considerou incompetente a Justiça do Trabalho para apreciar a questão, "diante da
natureza jurídica da relação debatida nos autos", remetendo o feito para a Justiça Federal.
39. Em decorrência dessa decisão, foram ajuizadas quatro ações na Justiça Federal, das quais
duas foram arquivadas sem julgamento de mérito, uma foi julgada improcedente na 1ª instância e
aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região da apelação do seu autor, enquanto a
quarta (ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal) aguarda o primeiro julgamento.
40. Acrescento não ver como atribuir competência ao TCU para intervir nas relações
estabelecidas entre o Governo cubano e a Organização Pan-Americana de Saúde, uma vez que tais
relações se assemelham àquelas constituídas por dois Estados estrangeiros, já que, como visto acima, a
OPAS possui tal estatura. Ora, se o Tribunal determinar que a forma de remuneração dos médicos
cubanos, que foi estabelecida de comum acordo por Cuba e pela OPAS, seja alterada, esta Corte estará
determinando a modificando de regras desse acordo, sem ter a necessária competência para tanto.
41. Por fim, considerando que não restou demonstrada a prática de um ato considerado ilícito
pelo direito internacional público, entendo que o TCU não pode restringir a atuação discricionária do
gestor público que celebrou o pacto com a OPAS, inclusive no que concerne à fixação da remuneração
dos médicos cubanos.

III A manifestação do STF sobre o pagamento aos médicos cubanos

42. Em seu voto revisor, que foi acolhido pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal
Federal, quando do julgamento da ADI 5.035, o Ministro Alexandre de Moraes analisou essa questão
específica, tendo frisado que:
O segundo ponto em que divirjo do Ministro Marco Aurélio é sobre a inexistência da
relação de trabalho. Disso decorre também a minha divergência com o Ministro-Relator, da
inexistência de quebra do princípio da igualdade em relação à questão de Cuba com os demais países.
O que se pretendeu, a meu ver, com todo o respeito às posições em contrário, como prioridade
estabelecida dentro do Sistema Único de Saúde, com o Programa Mais Médicos, foi o binômio
ensino/serviço: Ah, mas como se investir nesse médico estrangeiro durante anos, uma especialização,
para que ele, depois, leve esse conhecimento para o seu país e não retribua ao Brasil .
Essa é uma das argumentações da ação e foi uma das argumentações colocadas também
pelo eminente Ministro Marco Aurélio. Por isso que a construção do Programa Mais Médicos parte
do binômio ensino/serviço. Ao longo da especialização, há a obrigatoriedade da prestação de serviços
supervisionada por médicos brasileiros, com a necessidade de irem até os locais mais carentes onde
não há o serviço médico e supram, ou, pelo menos, reduzam, a ausência desse serviço. Em verdade,

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ao invés de se investir na especialização para, depois, auferir o retorno, o Programa pensou em já


resolver isso fazendo a questão do ensino/serviço ao mesmo tempo, ou seja, concomitantemente.
Em virtude disso - e aqui é que há a divergência -, não se trata de vínculo empregatício,
não se trata de serviço, de vinculação, é uma forma utilizada também em outros países, acadêmico-
profissional de especialização junto com prestação de serviço, muito semelhante, por sinal, e que não
cria vínculo empregatício, ao que se faz ao conscrito.
O médico ou o dentista que adiou o serviço as Forças Armadas quando completou dezoito
anos, porque já estava na faculdade de medicina ou de odontologia; quando se forma, ficará durante
um ano, podendo estender até dois anos, recebendo uma bolsa pelos serviços de saúde realizados
durante o serviço militar. Não se considera aqui relação de emprego.
Consequentemente, também afasto a alegação de violação a obrigatoriedade de concurso
público para acesso ao serviço público, pois a regra estabelecida é de chamamento . E volto a dizer,
prioriza o médico brasileiro; só na ausência, faz toda a sequência. Então, não me parece nem que
haja a relação trabalhista, nem a necessidade de concurso público.
E, dentro desse contexto, é uma relação que se faz com entidades, com países de bolsas
oferecidas, em que nada é feito diretamente, entre o Ministério da Saúde e o médico específico.Em
relação à Cuba - nós podemos concordar ou não -, mas foi feito primeiro com a organização de
saúde com Cuba; que abriu o chamamento. Aqueles médicos que se inscreveram sabem as
condições da bolsa. O Brasil não trata desigualmente a bolsa que oferece dentro do programa Mais
Médicos, pois foi feito o chamamento geral.
Agora, em relação à Cuba, poderemos chamar assim, há um intermediário que faz uma
escolha de médicos, ou faz a implantação, mas não é uma diferenciação feita pelo Brasil. Não é
uma questão de pagamento diferente de bolsa que é oferecida a determinadas entidades, e, no caso
de Cuba, a entidade supervisora, que é ligada ao governo, pela estrutura estatizante cubana, é quem
controla e fica com uma parcela. Mas nada obriga o médico cubano a aceitar essa bolsa.
Então, não há um tratamento diferenciado para o médico intercambista. O que há é que,
dentro dos pactos tratados com Brasil ou aqui das bolsas oferecidas, cada país se estrutura de uma
determinada maneira. (destaque meu)
43. Com fulcro nessas considerações, o Ministro Alexandre de Moraes se manifestou pela
regularidade da sistemática de pagamento dos médicos cubanos no âmbito do Programa Mais Médicos,
no que foi acompanhado pela maioria do Pleno do STF.
44. Considero que, nesta assentada, esta Corte de Contas deve sopesar com especial atenção esse
entendimento do Supremo Tribunal Federal.

IV A decisão do STJ sobre a inexistência de vínculo contratual da União com os profissionais


intercambistas cubanos

45. Trinta e três médicos intercambistas cubanos entraram com ação ordinária contra a União
para obter uma declaração de inexistência de relação jurídica que os submeta ao acordo firmado entre a
União e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).
46. O juiz da 14ª Vara Federal do Distrito Federal negou o pedido de tutela de urgência. Diante
disso, os profissionais cubanos ingressaram no Superior Tribunal de Justiça (Ag. 1.433.756), visando
assegurar a permanência no Programa Mais Médicos, em igualdade de condições com os demais
participantes, inclusive no que concerne ao recebimento integral da bolsa-formação, e sem a
necessidade de firmar nenhum instrumento aditivo.
47. Instada a se manifestar nos autos, a União sustentou não haver vínculo contratual com os
intercambistas cubanos e negou afronta ao princípio da isonomia. Argumentou ainda que, se o
Judiciário examinasse o mérito da questão, seria uma ofensa à tripartição dos poderes.
48. O relator do recurso, Ministro Og Fernandes, destacou que o perfil temporário da
contratação está expressamente definido na legislação, verbis:

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A Lei 12.871/2013 dispensou a revalidação do diploma e previu a concessão de visto


temporário ao médico intercambista durante os três primeiros anos de participação no programa, e a
Lei 13.333/2016 prorrogou por três anos o prazo de dispensa da revalidação do diploma e do visto
temporário, mas nada dispôs sobre a renovação automática dos contratos individuais.
49. O Relator aduziu que os critérios estabelecidos na legislação referente ao programa são
claros e objetivos . Além disso, esclareceu que cabe à coordenadoria do programa deliberar sobre a
continuidade ou não das atividades desses profissionais no Brasil.
50. Ainda segundo o Ministro Og Fernandes, no caso em exame sequer está clara nos autos a
razão pela qual não fora oportunizada aos médicos cubanos a possibilidade de renovação do vínculo
ao programa Mais Médicos . Dessa forma, não seria possível presumir que houve ofensa ao princípio
da isonomia ou que a administração pública teria agido com motivação discriminatória , não
havendo, portanto, substrato para que o Judiciário controle a legitimidade do ato .
51. Com fulcro nessas considerações o relator negou provimento ao agravo de instrumento
interposto contra a decisão do juiz que havia indeferido a antecipação de tutela recursal, tendo sido
acompanhado de forma unanime pelos demais integrantes da 2ª Turma do STJ.

V - Considerações finais

52. Com espeque nessas considerações, reitero que, caso a remuneração dos médicos cubanos
esteja sendo paga com alguma irregularidade, falece ao TCU competência para determinar ao
Ministério da Saúde que adote as providências necessárias junto à OPAS para eliminar as diferenças
verificadas entre a citada remuneração e aquela paga aos médicos brasileiros.
53. Aduzo que os acordos firmados com a OPAS não preveem o pagamento direto aos
médicos cubanos, mas ao governo daquele país. Dessa forma, não faz sentido determinar que aquela
organização adote providências que não encontram amparo nos referidos acordos.
54. Por outro lado, persisto no meu posicionamento anteriormente exarado no sentido de que a
questão ora posta em destaque deve ser investigada no âmbito dos procedimentos definidos pelo
próprio Ajuste Complementar celebrado pelo Brasil e pela OPAS. Lembro que o art. VIII do Decreto
nº 3.594/2000 prevê que:
"auditor externo independente, nomeado pelos Estados Membros da OPAS/OMS, realizará
auditoria sobre os recursos administrados pela OPAS/OMS, ao abrigo deste Ajuste Complementar, de
acordo com as regulamentações, regras e diretrizes da OPAS/OMS na qualidade de Agência
Especializada das Nações Unidas."
55. Nesse sentido, no item 9.1.3 do Acórdão nº 360/2017 Plenário, foi determinado ao
Ministério da Saúde que promovesse as adequações necessárias nos Termos de Ajuste, se necessário
com a cooperação do Ministério das Relações Exteriores, para prever expressamente que a auditoria
independente avaliasse a regularidade do pagamento das bolsas aos médicos cubanos. A partir dos
resultados dessa auditoria, conforme o caso, poderá a Corte de Contas adotar, ulteriormente, as
providências que entender cabíveis, inclusive com a eventual responsabilização dos agentes públicos
nacionais que porventura tenham contribuído para uma possível irregularidade.
56. Lembro ainda que, caso esta Corte entenda que deve expedir determinações no sentido de
obrigar a OPAS a pagar a remuneração integral aos médicos cubanos, além de enfrentar todos os
óbices jurídicos já mencionados, o Tribunal de Contas da União poderá estar determinando o fim do
projeto em tela. Afinal, o governo cubano não teria, em princípio, qualquer interesse em fornecer
médicos para trabalhar no Brasil sem receber uma remuneração por isso. Hoje, essa remuneração
decorre do desconto que é realizado por aquele governo quando do pagamento dos médicos
provenientes daquela ilha.
57. De forma similar, caso o TCU determine que o governo brasileiro passe a pagar
diretamente os valores cheios aos médicos cubanos haverá o fim do Programa Mais Médicos na sua
forma atual. Essa, entretanto, é uma opção discricionária do governo e não compete ao TCU adentrar

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esse terreno, uma vez que não foi detectada nenhuma ilegalidade no modelo vigente que possa ser
tratada no âmbito da jurisdição de contas.
58. A propósito, acrescento que, em março de 2018, o então Ministro da Saúde Ricardo Barros
declarou que a intenção do governo federal era reduzir o número de médicos cubanos de 8.500 para
7.400 até o final deste ano. Contudo, ele entendia que não era possível abrir mãos desses profissionais,
que ocupavam 62% dos postos de trabalhos situados em locais mais distantes e com condições mais
precárias.
59. Por fim, cumpre destacar que esse modelo tem resistido a uma série de demandas judiciais
em todos os graus do Poder Judiciário, como se verificou no julgamento da ADI 5.035 pelo STF,
mencionado nos parágrafos 42 a 44 deste voto complementar, e do Agravo 1.433.756 pelo STJ, citado
nos parágrafos 45 a 50 acima.
Diante do acima exposto, voto por que o Tribunal aprove a minuta de Acórdão que submeti
à apreciação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 25 de julho de
2018.

BENJAMIN ZYMLER
Relator

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VOTO COMPLEMENTAR

A meu sentir, a divergência central não se encontra na modalidade de execução direta ou


indireta do acordo de cooperação celebrado entre o Brasil e a OPAS. Também não se encontra na
imunidade absoluta da OPAS, que não proponho seja afrontada. Também não se encontra na
inobservância de normas de Direito Internacional Público, uma vez que, ao contrário, proponho seja
observado.
2. O foco da divergência está na interpretação dada às regras constantes dos Termos de
Ajuste celebrados entre o Brasil e a OPAS, que, na minha opinião, vêm sendo sistematicamente
descumpridas pela OPAS.
3. Embora respeitando as posições contrárias do eminente ministro Benjamin Zymler, por
quem nutro imensa admiração, entendo que os Termos de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
celebrados entre o Brasil e a OPAS não autorizam o repasse de recursos da bolsa-formação, destinada
aos médicos, ao Governo Cubano, de modo que tal repasse infringe frontalmente a regra de Direito
Internacional Público que rege o pagamento aos médicos cubanos.
4. Transcrevo as mencionadas regras, para maior transparência:

4º TERMO DE AJUSTE
Cláusula Segunda: Das Obrigações das Partes
Para o desenvolvimento das atividades do Programa:
I Compete ao Ministério, em conformidade com suas políticas, normas e regulamentos:
(...)
22) Realizar, com base nos Planos de Ação a cada dois meses (bimestrais) do Programa, o
repasse antecipado à OPAS/OMS, até o quinto dia útil do primeiro mês do bimestre, dos recursos
provenientes do presente Termo de Ajuste, notadamente, para o financiamento referente:
(...)
ii) à concessão da bolsa-formação dos Médicos Participantes do Programa, a qual poderá
ser paga pelo prazo de 36 meses prorrogáveis na hipótese prevista a partir de autorização específica
na lei que instituiu o Projeto Mais Médicos para o Brasil;
(...)
II Compete à Organização [OPAS], em conformidade com suas políticas, normas e
regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente
Termo de Ajuste:
(...)
20) Adotar os procedimentos necessários para que o pagamento aos Médicos
Participantes seja efetivado conforme segue:
(...)
b) Quanto aos recursos referentes à concessão da bolsa-formação dos Médicos
Participantes do Programa: até o quinto dia útil de cada mês subsequente ao de participação do
médico do Programa (destaquei)

5º TERMO DE AJUSTE
Cláusula Segunda: Das Obrigações das Partes
Para o desenvolvimento das atividades do Programa:
I Compete ao Ministério, em conformidade com suas políticas, normas e regulamentos:
(...)
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22) Realizar, com base nos Planos de Ação a cada dois meses (bimestrais) do Programa, o
repasse antecipado à OPAS/OMS, até o vigésimo dia útil do segundo mês do bimestre anterior, dos
recursos provenientes do presente Termo de Ajuste, notadamente, para o financiamento referente:
(...)
b) à concessão da bolsa-formação dos Médicos Participantes do Programa, a qual poderá
ser paga pelo prazo de 36 meses prorrogáveis na hipótese prevista a partir de autorização específica
na lei que instituiu o Projeto Mais Médicos para o Brasil;
(...)
II Compete à Organização [OPAS], em conformidade com suas políticas, normas e
regulamentos, sujeita à disponibilidade de recursos a serem transferidos por meio do presente
Termo de Ajuste:
(...)
20) Adotar os procedimentos necessários para que o pagamento aos Médicos
Participantes seja efetivado conforme segue:
(...)
b) quanto aos recursos referentes à concessão da bolsa-formação dos Médicos Participantes
do Programa: até o quinto dia útil de cada mês subsequente ao de participação do médico do
Programa (destaquei)

5. Como se nota na parte destacada do texto, cabe à OPAS o pagamento diretamente aos
médicos Cubanos do valor integral da bolsa-formação, até o quinto dia útil de cada mês.
6. Assim, entendo que o repasse, ao Governo de Cuba, de quase 70% dos valores referentes a
bolsa-formação, que correspondem a aproximadamente R$ 3 bilhões até o 8º Termo de Ajuste,
configura grave desvio de finalidade, infringindo as regras do acordo internacional celebrado com o
governo brasileiro.
7. Considero, ainda, que os Termos de Ajuste mencionados não poderiam dispor de forma
diversa sobre o pagamento aos médicos cubanos, uma vez que o art. 19 da Lei 12.871/2013 prevê
expressamente que a integralidade da bolsa-formação deve ser paga ao médico participante do
programa, não autorizando assim qualquer desvio de finalidade, de maneira que o Brasil estaria
legalmente impedido de celebrar acordo internacional em que conste tal desvio.
Com essas considerações complementares, mantenho a proposta de acórdão já apresentada.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 25 de julho de
2018.

AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI


Relator

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ACÓRDÃO Nº 1672/2018 TCU Plenário

1. Processo TC nº 003.771/2014-8.
2. Grupo I Classe de Assunto: VII Representação.
3. Representantes: Representantes: Deputados Federais José Mendonça Bezerra Filho, Luiz Henrique
Mandetta e Ronaldo Ramos Caiado.
4. Órgão: Ministério da Saúde.
5. Relator: Ministro Benjamin Zymler.
5.1. Revisor: Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti.
6. Representante do Ministério Público: não atuou.
7. Unidade Técnica: Secretaria de Controle Externo da Saúde (SecexSaude).
8. Representação legal: não há.

9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação, com pedido de medida
cautelar, a respeito de possíveis irregularidades relacionadas ao objeto da Medida Provisória nº
621/2013, de 8/7/2013, posteriormente convertida na Lei nº 12.871, de 23/10/2013, que instituiu o
Programa Mais Médicos , quanto à execução do 3º Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação
Técnica firmado pelo Governo Brasileiro e pela Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS,
visando à implementação do Projeto Ampliação do acesso da população brasileira à atenção básica
em saúde ,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do
Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da presente representação, uma vez que foram satisfeitos os requisitos de
admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, III, do Regimento Interno deste Tribunal e 103, § 1º, da
Resolução TCU nº 259/2014, para, no mérito, considerá-la improcedente;
9.2. dar ciência aos representantes deste acórdão;
9.3. arquivar os presentes autos, nos termos dos arts. 237, parágrafo único, e 250, I, do
Regimento Interno do TCU.

10. Ata n° 28/2018 Plenário.


11. Data da Sessão: 25/7/2018 Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1672-28/18-P.

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13. Especificação do quorum:


13.1. Ministros presentes: Raimundo Carreiro (Presidente), Walton Alencar Rodrigues, Benjamin
Zymler (Relator), Augusto Nardes, José Múcio Monteiro, Ana Arraes e Vital do Rêgo.
13.2. Ministros com voto vencido: Walton Alencar Rodrigues e Augusto Nardes.
13.3. Ministro que não participou da votação: José Múcio Monteiro.
13.4. Ministros-Substitutos convocados: Augusto Sherman Cavalcanti (Revisor) e Marcos Bemquerer
Costa.
13.5. Ministro-Substituto convocado com voto vencido: Augusto Sherman Cavalcanti (Revisor).
13.6. Ministro-Substituto presente: Weder de Oliveira.

(Assinado Eletronicamente) (Assinado Eletronicamente)


RAIMUNDO CARREIRO BENJAMIN ZYMLER
Presidente Relator

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente)
CRISTINA MACHADO DA COSTA E SILVA
Procuradora-Geral

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