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O que é a Filosofia?

A filosofia é uma atividade: é uma forma de pensar acerca de certas questões. A sua
característica mais marcante é o uso de argumentos lógicos. A atividade dos filósofos é,
tipicamente, argumentativa: ou inventam argumentos, ou criticam os argumentos de outras
pessoas ou fazem as duas coisas. Os filósofos também analisam e clarificam conceitos. (…)

Que tipo de coisas discutem os filósofos? Muitas vezes, examinam crenças que quase toda a
gente aceita acriticamente a maior parte do tempo. Ocupam-se de questões relacionadas com
o que podemos chamar vagamente «o sentido da vida»: questões acerca da religião, do bem e
do mal, da política, da natureza do mundo exterior, da mente, da ciência, da arte e de muitos
outros assuntos. Por exemplo, muitas pessoas vivem as suas vidas sem questionarem as suas
crenças fundamentais, tais como a crença de que não se deve matar. Mas por que razão não
se deve matar? Que justificação existe para dizer que não se deve matar? Não se deve matar
em nenhuma circunstância? E, afinal, que quer dizer a palavra «dever»? Estas são questões
filosóficas. Ao examinarmos as nossas crenças, muitas delas revelam fundamentos firmes; mas
algumas não. O estudo da filosofia não só nos ajuda a pensar claramente sobre os nossos
preconceitos, como ajuda a clarificar de forma precisa aquilo em que acreditamos. Ao longo
desse processo desenvolve-se uma capacidade para argumentar de forma coerente sobre um
vasto leque de temas — uma capacidade muito útil que pode ser aplicada em muitas áreas.

Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Gradiva


O valor da filosofia, em grande parte, deve ser buscado na sua mesma incerteza. Quem não
tem umas tintas de filosofia é homem que caminha pela vida fora sempre agrilhoado a
preconceitos que se derivaram do senso comum, das crenças habituais do seu tempo e do
seu país, das convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o
consentimento de uma razão deliberada. O  mundo tende, para tal homem, a tornar-se finito,
definido, óbvio; para ele, 0s objectos habituais não erguem problemas, e as possibilidades
infamiliares são desdenhosamente rejeitadas. Pelo contrário, quando começamos a filosofar,
imediatamente caímos na conta (…) de que até os objectos mais ordinários conduzem o
espírito a certas perguntas a que incompletissimamente se dá resposta. A filosofia, se bem que
incapaz de nos dizer ao certo qual venha a ser a verdadeira resposta às variadas dúvidas que
ela própria evoca, sugere numerosas possibilidades que nos conferem amplidão aos
pensamentos, descativando-nos da tirania do hábito. Embora diminua, por consequência, o
nosso sentimento de certeza no que diz respeito ao que as coisas são, aumenta em
muitíssimo o conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; varre o dogmatismo, um
tudo-nada arrogante dos que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida
libertadora; e vivifica o sentimento de admiração, porque nos mostra as coisas que nos são
costumadas num determinado aspecto que o não é.

Russell, Os Problemas da Filosofia, Coimbra, Arménio Amado, 1980, p. 236

Sete Cartas a um Jovem Filósofo, por Agostinho da Silva

Meu caro Amigo: do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe
disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os
erros, se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu, do que todos os acertos, se eles
forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez
dois corpos distintos ou duas cabeças distintas. Os meus conselhos devem servir para que
você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas
nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que
estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente
me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem. […]  Você tem a
liberdade para decidir: pode ser literato, ou retórico, ou simples homem vibrando, ou filósofo
[…]. Mas seja filósofo a sério.  Procure compreender os sistemas dos outros antes de criar um
seu: se acha errado um grande filósofo, pense sempre que o erro é seu: é fora de dúvida que
se não pôs e não venceu a fácil objeção que você lhe levanta (e talvez você até ao fim da vida
só possa levantar fáceis objeções), é porque ela não tem razão de ser e vem dum engano seu.
Estude ferozmente, com os dentes cerrados, empregue toda a sua força, estoire os músculos:
ou você domina a filosofia ou a filosofia o domina a você: só quem é forte se apaixona; mas se
você for ovelha ante os filósofos, só lhe resta um destino: o de balir. É preciso que haja no seu
combate e logo nas horas de princípio um tal ímpeto de ataque, uma tal segurança de passo,
que nenhuma fortaleza lhe possa resistir; empregue-se todo na sua faina, vá pelo simples à
variedade, pelo especialismo ao total; ganhe primeiro uma disciplina, só depois se poderá
lançar em aventuras.

Agostinho da Silva, Sete Cartas a Um Jovem Filósofo

Todos os Homens são Filósofos, por Karl Popper

Todos os homens são filósofos. Mesmo quando não têm consciência de terem problemas
filosóficos, têm, em todo o caso, preconceitos filosóficos. A maior parte destes preconceitos
são as teorias que aceitam como evidentes: receberam-nas do seu meio intelectual ou por
via da tradição.

Dado que só tomamos consciência de algumas dessas teorias, elas constituem preconceitos no
sentido de que são defendidas sem qualquer verificação crítica, ainda que sejam de extrema
importância para a ação prática e para a vida do homem. Compete ao filósofo profissional
investigar criticamente as coisas que muitos outros têm na conta de óbvias. Pois muitos
destes pontos de vista não passam de preconceitos que são acriticamente aceites como
óbvios, mas muitíssimas vezes são simplesmente falsos. E para denunciar isto precisa-se de
alguém como um filósofo profissional que dedica todo o seu tempo à reflexão crítica.

Uma justificação para a existência da filosofia profissional ou académica é a necessidade de


analisar e de testar criticamente estas teorias muito divulgadas e influentes. Tais teorias
constituem o ponto de partida de toda a ciência e de toda a filosofia. São pontos de partida
precários. Toda a filosofia deve partir das opiniões incertas e muitas vezes perniciosas do
senso comum acrítico. O objetivo é um senso comum esclarecido e crítico, a prossecução de
uma perspetiva mais próxima da verdade e uma influência menos funesta na vida do homem.

Karl Popper

Aquilo que  colocou Sócrates em destaque foi o seu método, e não tanto as suas doutrinas.
Sócrates baseava-se na argumentação, insistindo que só se descobre a verdade pelo uso da
razão. O seu legado reside sobretudo na sua convicção inabalável de que mesmo as questões
mais abstractas admitem uma análise racional. O que é a Justiça? Será que a alma é
imortal? Poderá alguma vez ser certo maltratar alguém? Será possível saber o que é certo
fazer e, ainda assim, proceder de outro modo? Sócrates pensava que estes problemas não
eram meras questões de opinião. Existem respostas verdadeiras para eles, que podemos
descobrir se pensarmos de uma forma suficientemente profunda.

James Rachels, Problemas de filosofia, tr. Pedro Galvão, Gradiva, pp. 17, 18.

Como definir a Filosofia? – J. Ferrater Mora

1: O termo: O significado etimológico de filosofia é “amor à  sabedoria”. Antes de se usar o


substantivo “filosofia” usaram-se o verbo “filosofar” e o nome “filósofo”. Heraclito afirmou
que convém que os homens filósofos sejam sabedores de muitas coisas. Atribui-se a Pitágoras
o ter-se chamado a si mesmo filósofo, mas não só se discute a autenticidade da afirmação
como, principalmente, se neste contexto filósofo significa o mesmo que para Sócrates e Platão.
Por aquele tempo considerava-se como filósofo todo o sábio, sofista ou historiador, físico e
fisiólogo. As diferenças entre eles obedeciam ao conteúdo das coisas que estudavam: os
historiadores estudavam factos (e não só factos históricos), os físicos e fisiólogos o elemento
ou os elementos últimos de que se supunha composta a natureza. Todos eram, contudo,
homens sapientes e, portanto, todos podiam ser considerados (como fizeram Platão e
Aristóteles) como filósofos. Esta tendência para o estudo teórico da realidade a fim de
conseguir um saber utilitário acerca dela, em conjungo com a tese da diferença entre a
aparência e a realidade (já em Platão é explícita), tornou-se cada vez mais acentuada no
pensamento grego. A concepção da filosofia como uma procura da filosofia por ela própria
conclui numa explicação do mundo que utiliza um método racional-especulativo, coincida ou
não com a mitologia. Desde então o termo filosofia tem valido com frequência como
expressão desse “procurar a sabedoria”.

2: A origem: Inicialmente, com efeito, a filosofia estava misturada com a mitologia e com a
cosmogonia; isto tem levado a perguntar-se se a filosofia grega carece de antecedentes ou
não. Alguns autores indicam que as condições históricas dentro das quais emergiu a filosofia
(fundação de cidades gregas nas costas da Ásia Menor e no sul da Itália, expansão comercial,
etc) são peculiares da Grécia e, portanto, a filosofia só podia surgir entre os gregos. Outros
assinalaram que há influências orientais, por exemplo egípcias. Outros, finalmente, indicam
que na China e especialmente na Índia houve especulações que merecem, sem restrições, o
nome de filosóficas. Qualquer que seja a posição que se adopte, é forçoso reconhecer que
os sentidos que o termo “filosofia” atingiu a sua maturidade apenas na Grécia. Por tal motivo,
nesta obra, limitar-nos-emos primordialmente à tradição ocidental, que se inicia na cultura
grega.

3: A significação: Assinalou-se acertadamente que, enquanto perguntar “o que é a física?” não


é formular uma pergunta pertencente à ciência física, mas sim anterior a ela, perguntar, em
contrapartida, “que é a filosofia?” é formular uma pergunta eminentemente filosófica. Assim,
cada sistema filosófico pode valer como uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e
também acerca do que representa a actividade filosófica para a vida humana. Segundo Platão
e Aristóteles, a filosofia nasce da admiração e da estranheza; mas enquanto para o primeiro é
o saber que, ao estranhar as contradições das aparências, chega à visão do que é
verdadeiramente, as ideias, para o segundo a função da filosofia é a investigação das causas
e princípios das coisas. O filósofo possui, na opinião de Aristóteles, “a totalidade do saber na
medida do possível, sem ter a consciência de cada objecto em particular”. A filosofia conhece
por conhecer; é a mais elevada e, simultaneamente, a mais inútil de todas as ciências, porque
se esforça por conhecer o cognoscível por excelência, quer dizer, os princípios e causas e, em
última instância, o princípio dos princípios, a causa última ou Deus. Por isso a filosofia é
chamada por Aristóteles, enquanto metafísica ou filosofia primeira, teologia; é a ciência do
ente enquanto ente, a ciência daquilo que pode chamar-se com toda a propriedade a Verdade.
Desde Platão e Aristóteles sucedem-se as definições da filosofia, que compreende também um
conteúdo religioso e uma norma para a acção, como no estoicismo e no neoplatonismo.
O cristianismo irrompe com uma negação da filosofia, mas já em Santo Agostinho se verifica
uma assimilação entre o antigo saber e a nova fé. A resposta que a idade média dá à pergunta
pela filosofia vem determinada por esta perspectiva, da qual o cristão contempla o saber
transmitido pela antiguidade e procura absorvê-lo. A filosofia é então aspiração ao
conhecimento dado que estabelece a fé. Mas este conhecimento não pode transcender os
limites impostos pelo racional e por isso a filosofia vai-se separando cada vez mais da teologia,
vai-se reduzindo à esfera onde se aplica a luz natural do homem em todo o seu esplendor, mas
ao mesmo tempo , em toda a sua limitação. A tensão entre o mundo da fé e o da razão
testemunha os direitos que se reconheceram a ambas as esferas do saber. Na filosofia
moderna multiplicam-se as definições da filosofia; recolheremos algumas. Para Bacon, a
filosofia é o conhecimento das coisas pelos seus princípios imutáveis, e não pelos
seus fenómenos transitórios; é a ciência das formas ou essências e compreende no seu seio a
investigação da natureza e das suas diversas causas. Para Descartes, a filosofia é um saber que
averigua os princípios de todas as ciências e, enquanto filosofia primeira ou metafísica, ocupa-
se da dilucidação das verdades últimas e, em particular, de Deus. A partir de Descartes, a
filosofia vai-se tornando pronunciadamente crítica. Locke, Berkeley e Hume consideram a
filosofia, em geral, como crítica das ideias abstractas e como reflexão sobre a experiência.
Quanto a Kant, concebe a filosofia como um conhecimento racional por princípios, mas isto
exige uma prévia delimitação das possibilidades da razão e, portanto, uma crítica à mesma
como prolegómenos ao sistema da filosofia transcendental. Nos filósofos do idealismo alemão,
a filosofia é o sistema do saber absoluto, desde Fichte, que a concebe como a ciência da
construção e dedução da realidade a partir do Eu puro como liberdade, até Hegel, que a define
como a consideração pensante das coisas e que a identifica como o Espírito absoluto no estado
do seu completo autodesenvolvimento. Schopenhauer sustentou que a filosofia é a ciência do
princípio de razão como fundamento de todos os restantes saberes, como a auto-reflexão da
vontade. Para o positivismo, é um compêndio geral dos resultados da ciência e um filósofo é
“um especialista em generalidades”. Segundo Husserl, a filosofia é, em si mesma, uma ciência
rigorosa que conduz à fenomenologia como disciplina filosófica fundamental. Para
Wittgenstein e muitos positivistas lógicos, em compensação, a filosofia não é um saber
com conteúdo, mas sim um conjunto de actos; não é conhecimento, mas actividade. A filosofia
seria uma “aclaração” e sobretudo uma “aclaração da linguagem”, para o descobrimento de
pseudoproblemas. Portanto, a missão da filosofia não consiste em solucionar problemas, mas
em desanuviar falsas obsessões: no fundo a filosofia seria uma purificação intelectual. Para
Bergson, em contrapartida, a filosofia possui um conteúdo: o que se dá à intuição, rasgado o
véu da mecanização que a espacialização do tempo impõe à realidade: a filosofia utilizaria
como instrumento a ciência, mas aproximar-se-ia melhor da arte. O importante é que a
reflexão sobre as diferentes atitudes ante o problema da filosofia permitiu que se vá tendo
uma crescente consciência do própria problema. Esta consciência manifestou-se
especialmente nas investigações de Dilthey, que se esforçou por dilucidar o
que chamou”filosofia da filosofia”. graças a estas e a outras tentativas, chegou-se a erigir,
embora ainda imperfeitamente, uma verdadeira teoria filosófica da filosofia, teoria que tem a
sua justificação no facto de a filosofia não ser nunca, por princípio, uma totalidade acabada,
mas uma totalidade possível.

4: As disciplinas filosóficas: A divisão da filosofia em diferentes disciplinas não é própria de


todos os sistemas. É difícil, por exemplo, expor a filosofia de Platão ou de Santo Agostinho
como se fosse constituída por diversas partes. Em compensação, a divisão é clara em
Aristóteles ou em Hegel; a divisão pelo facto de a encontrarmos com nitidez depende, em
grande parte, do filósofo em questão. De facto, só em Aristóteles apareceram as divisões que
tão influentes foram no curso da filosofia ocidental. O seu sistema filosófico é um marco de
enciclopédia do saber do seu tempo; é a partir dele que se constituem como disciplinas a
lógica, a ética, a estética (poética), a psicologia (doutrina da alma), a filosofia política e
a filosofia da natureza, todas elas dominadas pela filosofia primeira (metafísica. Em geral, pode
dizer-se que até finais do século dezanove e em particular para as finalidades do ensino se
consideraram como disciplinas filosóficas a lógica, a ética, a gnoseologia, a epistemologia ou
teoria do conhecimento, a ontologia a metafísica, a psicologia, com frequência a sociologia, e
além disso um conjunto de disciplinas como a filosofia da religião, do estado, do direito, da
História, da natureza, da arte, da linguagem, da sociedade, etc, bem como a história da
filosofia. Em breve várias partes se tornaram independentes. Muitos sustentam que, por
diversas razões, a psicologia, a sociologia, a metafísica, a lógica, etc, deveriam ser eliminadas.
De facto, as duas primeiras constituíram-se em grande parte como disciplinas especiais.

José Ferrater Mora, “Dicionário de Filosofia”, Publicações D. Quixote

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