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A filosofia é uma atividade: é uma forma de pensar acerca de certas questões. A sua
característica mais marcante é o uso de argumentos lógicos. A atividade dos filósofos é,
tipicamente, argumentativa: ou inventam argumentos, ou criticam os argumentos de outras
pessoas ou fazem as duas coisas. Os filósofos também analisam e clarificam conceitos. (…)
Que tipo de coisas discutem os filósofos? Muitas vezes, examinam crenças que quase toda a
gente aceita acriticamente a maior parte do tempo. Ocupam-se de questões relacionadas com
o que podemos chamar vagamente «o sentido da vida»: questões acerca da religião, do bem e
do mal, da política, da natureza do mundo exterior, da mente, da ciência, da arte e de muitos
outros assuntos. Por exemplo, muitas pessoas vivem as suas vidas sem questionarem as suas
crenças fundamentais, tais como a crença de que não se deve matar. Mas por que razão não
se deve matar? Que justificação existe para dizer que não se deve matar? Não se deve matar
em nenhuma circunstância? E, afinal, que quer dizer a palavra «dever»? Estas são questões
filosóficas. Ao examinarmos as nossas crenças, muitas delas revelam fundamentos firmes; mas
algumas não. O estudo da filosofia não só nos ajuda a pensar claramente sobre os nossos
preconceitos, como ajuda a clarificar de forma precisa aquilo em que acreditamos. Ao longo
desse processo desenvolve-se uma capacidade para argumentar de forma coerente sobre um
vasto leque de temas — uma capacidade muito útil que pode ser aplicada em muitas áreas.
Meu caro Amigo: do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe
disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os
erros, se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu, do que todos os acertos, se eles
forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez
dois corpos distintos ou duas cabeças distintas. Os meus conselhos devem servir para que
você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas
nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que
estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente
me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem. […] Você tem a
liberdade para decidir: pode ser literato, ou retórico, ou simples homem vibrando, ou filósofo
[…]. Mas seja filósofo a sério. Procure compreender os sistemas dos outros antes de criar um
seu: se acha errado um grande filósofo, pense sempre que o erro é seu: é fora de dúvida que
se não pôs e não venceu a fácil objeção que você lhe levanta (e talvez você até ao fim da vida
só possa levantar fáceis objeções), é porque ela não tem razão de ser e vem dum engano seu.
Estude ferozmente, com os dentes cerrados, empregue toda a sua força, estoire os músculos:
ou você domina a filosofia ou a filosofia o domina a você: só quem é forte se apaixona; mas se
você for ovelha ante os filósofos, só lhe resta um destino: o de balir. É preciso que haja no seu
combate e logo nas horas de princípio um tal ímpeto de ataque, uma tal segurança de passo,
que nenhuma fortaleza lhe possa resistir; empregue-se todo na sua faina, vá pelo simples à
variedade, pelo especialismo ao total; ganhe primeiro uma disciplina, só depois se poderá
lançar em aventuras.
Todos os homens são filósofos. Mesmo quando não têm consciência de terem problemas
filosóficos, têm, em todo o caso, preconceitos filosóficos. A maior parte destes preconceitos
são as teorias que aceitam como evidentes: receberam-nas do seu meio intelectual ou por
via da tradição.
Dado que só tomamos consciência de algumas dessas teorias, elas constituem preconceitos no
sentido de que são defendidas sem qualquer verificação crítica, ainda que sejam de extrema
importância para a ação prática e para a vida do homem. Compete ao filósofo profissional
investigar criticamente as coisas que muitos outros têm na conta de óbvias. Pois muitos
destes pontos de vista não passam de preconceitos que são acriticamente aceites como
óbvios, mas muitíssimas vezes são simplesmente falsos. E para denunciar isto precisa-se de
alguém como um filósofo profissional que dedica todo o seu tempo à reflexão crítica.
Karl Popper
Aquilo que colocou Sócrates em destaque foi o seu método, e não tanto as suas doutrinas.
Sócrates baseava-se na argumentação, insistindo que só se descobre a verdade pelo uso da
razão. O seu legado reside sobretudo na sua convicção inabalável de que mesmo as questões
mais abstractas admitem uma análise racional. O que é a Justiça? Será que a alma é
imortal? Poderá alguma vez ser certo maltratar alguém? Será possível saber o que é certo
fazer e, ainda assim, proceder de outro modo? Sócrates pensava que estes problemas não
eram meras questões de opinião. Existem respostas verdadeiras para eles, que podemos
descobrir se pensarmos de uma forma suficientemente profunda.
James Rachels, Problemas de filosofia, tr. Pedro Galvão, Gradiva, pp. 17, 18.
2: A origem: Inicialmente, com efeito, a filosofia estava misturada com a mitologia e com a
cosmogonia; isto tem levado a perguntar-se se a filosofia grega carece de antecedentes ou
não. Alguns autores indicam que as condições históricas dentro das quais emergiu a filosofia
(fundação de cidades gregas nas costas da Ásia Menor e no sul da Itália, expansão comercial,
etc) são peculiares da Grécia e, portanto, a filosofia só podia surgir entre os gregos. Outros
assinalaram que há influências orientais, por exemplo egípcias. Outros, finalmente, indicam
que na China e especialmente na Índia houve especulações que merecem, sem restrições, o
nome de filosóficas. Qualquer que seja a posição que se adopte, é forçoso reconhecer que
os sentidos que o termo “filosofia” atingiu a sua maturidade apenas na Grécia. Por tal motivo,
nesta obra, limitar-nos-emos primordialmente à tradição ocidental, que se inicia na cultura
grega.