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do Otics
Na física, a tensão (elétrica) é a diferença de potencial entre dois pontos, como, por exemplo, os polos positivos e negativos de uma
pilha. A partir daí, gera-se uma energia que necessita de um condutor até que possa se traduzir em um efeito, como a geração de luz,
por exemplo. A quantidade de luz produzida, ou seja, a potência decorrente é diretamente proporcional ao tamanho da tensão
(diferença de potencial) na origem. Esta potência é também influenciada, de forma inversamente proporcional, pelas resistências
encontradas no caminho. Na prática, uma pilha é só uma pilha até que possa ser conectada a um circuito, como em uma lanterna, por
exemplo, onde a tensão existente entre os seus polos (positivo e negativo) pode se traduzir em potência para acender a lâmpada e
iluminar o ambiente ao redor.
Você consegue se lembrar de alguma tensão vivida pela sua equipe de trabalho recentemente? Que tal descrever um pouco o
que aconteceu na entrada livres construções do diário cartográfico?
Fernando era o novo médico da equipe 2, recém-chegado na unidade após concluir sua residência em medicina de família.
Estava louco para colocar em prática tudo que aprendera. Era sua primeira semana na unidade e já estava no plantão do dia
para o atendimento da demanda espontânea dos usuários que chegassem após o horário do acolhimento, enquanto as outras
equipes faziam o atendimento dos casos agudos advindos do acolhimento e dos casos previamente agendados. Sua agenda
era mais espaçada nesse dia para que pudesse dar conta dos casos que surgissem.
Fernando estava atendendo dona Sara, uma paciente difícil, hipertensa com pouca adesão ao tratamento, segundo o que
haviam registrado no prontuário. Ele tentava explicar a dona Sara sobre o seu risco cardiovascular e sobre a importância de
mudar seus hábitos e tomar a medicação corretamente, quando, de repente, entra na sala afobada Viviane, a técnica de
enfermagem da equipe 1:
– Dr. Fernando, é o seu dia de plantão hoje, né? Chegou uma criança da minha área com muita febre. Já pedi para ela esperar
aqui na frente da sua sala, mas a mãe está agoniada e quer ser atendida logo. Está aqui o prontuário.
Fernando odiava ser interrompido no meio de suas consultas, ainda mais daquela forma, sem bater e sem pedir licença.
Viviane havia lançado o prontuário em sua mesa e já estava perto da porta para sair. Fernando, então, respirou fundo e disse:
– Calma, Viviane. Como assim? Quem é o paciente? Qual a idade, o peso, temperatura, frequência respiratória? Preciso desses
Situações de tensão, como esta, vivenciadas por Fernando e Viviane, são comuns entre os profissionais de saúde, mas nem sempre
possuem final feliz, com capacidade de produzir educação permanente para os envolvidos e para toda a equipe. Para entendermos
melhor por que isso nem sempre acontece, precisamos explorar melhor as diferenças entre o que aconteceu aqui e o que acontece
muitas vezes nos serviços de saúde.
Que semelhanças e diferenças você percebe entre essa cena e a história de tensão relatada em seu diário? Continue relatando
as suas afecções no diário cartográfico.
Quantas vezes não escutamos, no nosso cotidiano de trabalho, colegas dizerem que estão uma pilha (“de nervos”) com essa ou
aquela situação? Quantas vezes não escutamos que as coisas não mudam devido à resistência de um ou outro colega? E o que
podemos fazer com tudo isso? Que conexões no nosso trabalho nos permitem aproveitar essa energia das tensões em algo
produtivo? Que espaços/circuitos são potencializadores de conexões reais entre as pessoas? Quem são os condutores e como
são conduzidos os espaços para que essas tensões possam ser acolhidas e transformadas em educação permanente?
Você poderia discutir em grupo essas questões.
Mendonça (2008) considera que as tensões, ainda que desconfortáveis, podem ser potentes instrumentos analisadores dos processos
de trabalho instituídos, permitindo impulsionar a produção da novidade no trabalho da equipe. Entretanto, este novo só pode se dar se
nos permitirmos deixar o nosso território de proteção, em que nos isolamos e protegemos, e buscarmos um encontro real com o outro,
afetando e sendo afetado por este encontro.
Este encontro, entretanto, não pode se dar a partir dos saberes pré-estabelecidos, mas em um campo novo de diálogo em que operem
as tecnologias leves e as “não tecnologias”, potencializando a valorização do outro e de sua história, com respeito às diferenças e
desejos dos envolvidos. Para haver brecha para isso, é preciso produzir deslocamentos... que podem fabricar porosidade... em função
do inusitado, do desconforto, do espanto...
Partindo deste pressuposto da tensão como potência inovadora, podemos desarmar o conflito constituído e tentar desenvolver toda
esta potencialidade existente. Mas, como fazer isso? De muitos modos... Depende da cena, dos participantes, de sua história... Podia
ter dado errada a jogada do Fernando... deu sorte que a brincadeira fabricou deslocamento e porosidade...
A partir dessas reflexões, o que você acha que poderia ser diferente na situação que você escreveu a partir de sua vivência no
diário cartográfico?
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TEXTOS DE APOIO
CARVALHO, Luís Claudio. A disputa de planos de cuidado na atenção domiciliar. 269 f. 2009. Dissertação (Mestrado em Medicina)-
Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
MENDONÇA, Paulo Eduardo Xavier de. (Luta) Em defesa da vida: tensão e conflito, reconhecimento e desrespeito nas práticas de
gestão do Sistema Único de Saúde. 143 f. 2008. Dissertação (Mestrado em Medicina)-Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da
Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
MERHY, Emerson Elias. Como fatiar um usuário: atomédico + atoenfermagem + atoX + atoY. Conselhos regionais de saúde MG: jornal
unificado, 2003.
MERHY, Emerson Elias. Público e privado: entre aparelhos, rodas e praças. In: ACIOLE, Giovanni Gurgel. A Saúde no Brasil: Cartografias
do Público e do Privado. São Paulo: HUCITEC, 2006.
SILVA JUNIOR, Aluísio Gomes; MERHY, Emerson Elias; CARVALHO, Luís Claudio. Refletindo sobre o ato de cuidar da saúde. In:
PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Orgs.). Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS-UERJ,
2003. p.89-112.