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Formas Literárias e Processo Histórico – Prosa

Rafael Prudencio

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte


e política. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Walter Benjamin inicia Experiência e pobreza com a seguinte parábola: um


velho revela aos filhos na hora de sua morte a existência de um tesouro enterrado em
seus vinhedos. Os filhos, apesar de cavarem a procura do tesouro, acabam não
encontrando nada. No outono, no entanto, os filhos veem as vinhas produzindo mais
que qualquer uma região. A coisa mais importante, portanto, não era o ouro, mas sim o
trabalho. Por que os filhos trabalharam e a vinho deu fruto. Naquele momento, a
transmissão de uma experiência real do passado foi transmitida para a geração que
estava vivendo.

Benjamin aponta para o fato de não se conseguir mais filtrar o que é transmitido
pela geração anterior. Com essa parábola, ele mostra como o pai transmitiu a
experiência e como ela, de maneira benevolente ou ameaçadora, sempre foi comunicada
aos jovens através de falas como “ele é muito jovem, em breve irá compreender”, “um
dia ainda compreenderá”, de maneira concisa em provérbios ou de maneira prolixa em
histórias. Inserido em um contexto pós-guerra de publicação do texto, o autor faz uma
série de perguntas sobre como, afinal, lidar com a experiência.

O que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que
saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que
moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser
transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem
tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua
experiência? (BENJAMIN, 1994, p. 114)

Para Benjamin, lidar com a experiência está em baixa. Mesmo que a geração de
1914 a 1918 tenha vivido uma das experiências mais horríveis da história. “Talvez isso
não seja tão estranho quanto parece” (BENJAMIN, 1994, p. 114) Benjamin observa, no
retorno dos combatentes de guerra, o silencio ao voltar para casa. Esse silêncio, fazia
com que eles retornassem mais pobres em experiências, e não o contrário. A pergunta
que Benjamin não coloca explicitamente, mas que está colocada é o que se pode falar
depois da guerra. A atrocidade cala as vozes, torna os indivíduos incomunicáveis uns
com os outros. Graças a esse silêncio, a essas atrofias da linguagem, causadas pelo
trauma, os livros de guerra surgidos nos anos seguintes não continham experiências
transmissíveis de boca em boca. Experiências caracterizadas como desmoralizadoras.
Experiências econômicas pela inflação, experiências do corpo pela fome, experiência
moral pelos governantes. A guerra tornou, portanto, o indivíduo mais pobre em
experiências. Uma pobreza que não é privada, mas sim de toda uma humanidade,
caracterizando um novo quadro de barbárie. Essa pobreza de experiência impele o
bárbaro a começar de novo. Benjamin cita grandes criadores como Descartes e Einstein
para mostrar como eles sempre operaram a partir de uma tabula rasa. Benjamim mostra
que os artistas tinham a mesma preocupação de começar pelo princípio. “Algumas das
melhores cabeças já começaram a ajustar-se a essas coisas” (BENJAMIN, 1994, p.116)
Para Benjamin, artistas como Paul Klee estão em consonância com o exercício
bárbaro no sentido positivo por apresentar “uma desilusão radical com o século e ao
mesmo tempo uma total fidelidade a esse século (BENJAMIN, 1994, p.116) Entre
outros artistas, Benjamin menciona Bertold Brecht, no teatro, Adol Loos, na arquitetura
moderna e Paul Scheerbat com seus romances vitrais. Percebe-se, com eles, uma
rejeição ao homem tradicional, do passado. Dirigem-se “ao contemporâneo nu, deitado
como um recém-nascido nas fraldas sujas de nossa época” (BENJAMIN, 1994, p.116) E
é nesse último que Benjamin irá se concentrar ao mencionar que ele saudou “alegre e
risonhamente” esse contemporâneo nu.
Diante do empobrecimento da experiência, não se deve “imaginar que os
homens aspirem a novas experiências”. (BENJAMIN, 1994, p.116) Os homens devem
aspirar se libertar delas, assim podem ostentar a pobreza externa e interna. Benjamin
(1994, p. 118) mostra que “nem sempre eles são ignorantes ou inexperientes. Muitas
vezes, podemos afirmar o oposto: eles ‘devoraram’ tudo, a ‘cultura’ e os ‘homens’, e
ficaram saciados e exaustos”. Ao cansaço, segue-se o sonho. O sonho seria a
compensação da tristeza e do desânimo do cotidiano causadas pela indústria do
entretenimento. Para Benjamin, a figura do Mickey é um desses sonhos
contemporâneos. A existência do camundongo alia magia e técnica. Do corpo do
Mickey, dos seus aliados e perseguidores e de toda a matéria que o rodeia, saem
milagres extraordinários. Para o autor, a natureza e a técnica se unificam fazendo surgir
às pessoas, fatigadas com as complicações da vida e que veem o objetivo da vida como
um remoto ponto de fuga, uma existência que se basta por si mesma de modo mais
simples e cômodo. Benjamin termina seu texto falando que ficamos pobres e
abandonamos todas pecas do patrimônio cultural. Com a crise econômica, o autor vê a
sombra da próxima guerra. A tenacidade, um privilégio de um pequeno grupo de
poderosos. Os outros precisam instalar-se novamente com poucos meios. “São
solidários, dos homens que fizeram do novo uma coisa essencialmente sua, com lucidez
e capacidade de renúncia. Em seus edifícios, quadros e narrativas a humanidade se
prepara, se necessário, para sobreviver à cultura.” (BENJAMIN,1994, p.119)

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