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Rafael do Amaral Prudencio

Formas Literárias e Processo Histórico – Prosa


Resumo Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil

Em Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil, Luiz Mott traça o percurso de Rosa,
negra africana que aos 6 anos, junto a outros 5700 cativos, desembarca no Rio de Janeiro e, em
seguida, é levada aos mercados dos negros, “verdadeiras cocheiras de escravos”. Embora possa-se
supor algumas coisas, nada se sabe sobre ela e sua família. Rosa, em relato, dirá que é da Costa da
Mina. Segundo o historiador, talvez a negra tenha reconhecido sua possível origem com outros
negros. Talvez ela tenha sido presa e vendida após uma batalha entre etnias inimigas.
O que podemos perceber, a partir da tentativa de reconstituição da trajetória de Rosa,
apagado por tantos anos, é que ela é uma personagem em constante deslocamento. Da África para o
Brasil. Do Rio de Janeiro para Minas Gerais. De Minas Gerais para o Rio de Janeiro. De prostituta
para beata. De beata para Madre Rosa. De Madre Rosa para Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz.
Apesar das condições deploráveis das embarcações que traziam os negros, Rosa sobreviveu e
chegou ao Brasil. Foi comprada por homem chamado José de Souza de Azevedo que imediatamente
a mandou batizá-la na igreja da Candelária. Batizada, sua pobre alma estaria livre do Diabo.
É interessante refletir como, apesar de relato histórico, as ausências de dados concretos
autorizam o autor a supor situações. Supõe-se que a menina, após uma batalha inimiga, foi presa e
vendida e despachada com outros cativos para o Brasil. Supõe-se que como escrava urbana talvez
fizesse serviços pequenos, que talvez tivesse marcas tribais no rosto, cicatrizes decorativas no rosto
e na barriga, as orelhas furadas, que talvez tivesse sofrido mutilação clitoriana, que talvez tenha
descoberto sua origem courana por outros escravos. Autoriza também o autor interpretar algumas de
suas suposições, como se houve ou não relação entre Rosa e o Padre Xota-Diabos, e de inscrever na
história do Brasil uma personagem tão importante e que por muito tempo foi apagada.
Aos 14 anos, após ser abusada pelo seu senhor, ela foi vendida para Dona Ana Garcês de
Morais. Mais um deslocamento em sua vida. Agora parte para Minas Gerais, que estava em seu
apogeu e necessitava de mão-de-obra escrava. Relata Mott que quando Rosa chegou na região
existiam por volta de 96 mil cativos. 500 quilômetros a pé, aproximadamente 12 dias de viagem.
Rosa instala-se imediatamente na freguesia de Nossa Senhora do Inficcionado, um arraial de
mineiros. Rosa, naquele lugar, era preciosa. Preciosa porque era mulher. Preciosa por que mulheres
eram escassas. Preciosa por que homens poderiam abusar dela. E muitos foram os que assim
fizeram. A porcentagem de 95,25% de acusações sobre desvios na moral sexual e familiar mostra
bem a conduta dos homens com as mulheres.
Considerando Minas um risco à salvação de sua alma, Rosa, acompanhada de Padre Xota-
Diabos e alguns escravos, retorna ao Rio de Janeiro pelo mesmo caminho que fizera outrora. Pouco
a pouco ela vai construindo uma nova identidade. O abandono à vida libertina, à devoção a religião
católica, a escolha de um nome grandiloquente quanto a figura que ela vai representar. Sua história
de vida tem muitas semelhanças com Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, sua padroeira. Ambas
africanas, ambas perderam a virgindade entre 12 e 14 anos, ambas viveram como mulheres
públicas, ambas sentiram a força sobrenatural ao tentar entrar na igreja, ambas tiveram a visão de
Maria Virgem, ambas decidiram mudar seus destinos fazendo voto de castidade. Supõe-se que que
Rosa teve acesso à biografia da Santa ou com Padre Francisco Gonçalves Lopes ou através de Dom
Frei Manuel da Cruz ou através dos frades carmelitas.
No Rio de Janeiro, cada vez mais devota, a “zeladora dos templos” praticava com outras
beatas duas vezes por dia a oração mental. Fundou um Recolhimento para mulheres queriam trocar
o amor dos homens pelo amor divino. Ela foi também uma das maiores propagandistas de Santana.
Mott deixa a dúvida se o interesse pela família de Jesus se deu por que ela não conhecera a sua
própria família, e assim ela acabara considerando a família de Jesus a sua, ou se por que venerar
Santana e São Joaquim, a avó e o avô de Jesus, ajudava a igreja na luta contra as novas ideologias
que questionavam a tradição já estabelecida. É bom lembrar que a rigidez de Rosa agradava à
igreja, uma vez que sua postura causava temor e certo respeito daqueles que a escutavam. Outro
ponto importante que Mott irá tratar, é que considera-la uma santa era muito bom para igreja, uma
vez que aumentava o número de romarias, o número de devotos, de doações. Dessa maneira,
podemos colocar as seguintes questões: até que ponto Rosa era livre? Não estaria ela sob o controle
da igreja? A julgar que boa parte da população era feita de escravos, uma santa Negra poderia trazer
mais devotos para a igreja.
Há outro elemento que não pode ser deixado de ser mencionado: as visões, possessões e
influências africanas que a levaram Rosa a ser considerada uma feiticeira. Segundo relatos de Padre
Xota-Dias, Rosa era atacada por um anjo das trevas. A verdade é que, apesar do celibato, havia
rumores de uma relação entre Rosa e o padre. Mott lembra de um episódio, em que supostamente
Rosa estaria possuída, e foi vista em uma estalagem em cima do Padre, que acabou afastando-a de
perto e rezando para que o diabo se afastasse dela. O que nos interessa desse episódio é refletir que
era comum que houvesse relação entre o padre e a negra, uma vez que seduzir mulheres brancas era
mais arriscado. Outro ponto a ser considerado é que a sexofobia de Rosa pode ser vista como um
artifício ardiloso para negar essa relação e para exaltar ainda mais sua devoção.
Apesar do processo de Rosa só ter aparecido em 1983 e ser divulgado ao público dez anos
depois em livro. Apesar da história de Rosa ainda ter várias lacunas, trata-se, porém, de uma
personagem importante da história Brasil colônia. Primeiro, por que ela tinha o sangue impuro de
uma escrava. Segundo por que conseguiu causar temor, pena e compaixão de devotos, dentre eles
ex-senhoras e membros do clero. Nesse sentido, os sofrimentos de Rosa podem ser comparados aos
sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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