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RESENHA CRÍTICA DO LIVRO DE CACO BARCELLOS ‘O ABUSADO’

O livro-reportagem O Abusado é de autoria do jornalista Caco Barcellos, lançado


em 2003, traz uma investigação de quatro anos dos bastidores de uma formação de
quadrilha e suas histórias de guerra, morte, prisões, fugas e traições. O livro tem foco
no morro Dona Marta, na favela Santa Marta, no centro do Rio de Janeiro- na região
de Botafogo-, e no principal traficante daquela região na década de 80. Juliano VP-
pseudônimo do traficante Marcinho VP , nome fictício de Márcio Amaro de Oliveira –
conhecido como o dono do morro Dona Marta.
Em narrativa cativante , Caco Barcellos traz no primeiro capítulo do livro um dos
maiores desafios que a quadrilha de Juliano teve de superar - a morte de um parceiro,
Careca, do tráfico durante uma operação policial no Santa Marta. Na mesma ocasião
Juliano também fica ferido com um tiro na cabeça. O traficante não sofre nenhum
dano causado pela bala e com isso acaba se sentindo cada vez mais poderoso Nesse
mesmo capítulo, o autor apresenta a companheira de Juliano, Luana. Moça loira, alta,
criada em família rica do Rio de Janeiro, publicitária, Luana se envolveu com Juliano
VP há alguns meses e vive um relacionamento conturbado pelo fato do namorado ser
traficante.
Caco Barcellos afirma que alguns nome foram trocados e omitidos durante a
narrativa do livro, para que se evitassem perseguições e punições as pessoas que o
concederam informações e segredos. Tanto nomes de quem viva no morro, quanto
nomes de quem não vivia lá foram trocados -”gente honesta ou não”, afirma Caco.
Aqui se vê uma consideração ética que o autor teve que fazer. Expor quem lhe confiou
confissões ou preteje-los, mesmo que esses cometam crimes.
No morro a distribuição de agua e de eletricidade era feita pelos próprios
moradores, assim como os consertos. Durante a formação da favela, durante os anos
80, coma vitória de Leonel Brizola para o cargo de governador do Rio de Janeiro,
começou a chegar materiais de construção e recursos para reparos e desenvolvimento
do morro.
Nos próximos capítulos, Caco nos leva para a infância de Juliano e Careca e
como se considerou a amizade dos dois traficantes. VP é filho dos nordestinos Romeu
e Betinha que migraram para o sudeste em busca de uma vida melhor. Com uma
família, agressiva, desorganizada e com amigos que também eram parecidos com ele,
Juliano que precisava de dinheiro para se manter e sustentar um filho que teve as 16
anos, começou a servir como “avião” (pessoa que transporta drogas) para seu tio.
Em um dos relatos do livro quando assaltantes assumem o tráfico de drogas do
morro, é possível ver a clara distinção existente entre traficantes e assaltantes dentro
da favela. Os assaltantes não se adaptam ao tráfico. Os donos das bocas no morro
eram comerciantes, levavam uma vida sedentária, tediosa e burocrática. E por isso
precisavam saber sobre contabilidade, devido a grande quantidade e rotatividade de
dinheiro que tinham as bocas. Além de terem que administrar os vendedores e os
“aviões”.
Os traficantes tinham diversos papeis, além de comerciante de drogas, ele era
tratado pela comunidade como delegado, juiz, carrasco e até mesmo conselheiro.
Juliano era tido com todas essas funções pelos moradores de Santa Marta. É possível
ver ao longo da narrativa que os moradores da favela tem uma visão diferente do que
a visão dos não moradores. Se constitui quase como um reino dentro da comunidade,
onde o traficante da boca é o rei e os moradores são seus súditos, e o reconhecem
como autoridade suprema. O traficante é um misto de protetor e carrasco. Diferente
dos traficantes, os assaltantes gostava de uma vida mais agitada. Não gostam de ter
tanta “responsabilidade”. Eles preferem comandar quadrilhas, formar e desformá-las.
A maioria dos meninos que iniciam no tráfico é pela falta de estrutura familiar e
pela necessidade de conseguir dinheiro sem depender da família. O tráfico é o
caminho mais fácil e rápido para os meninos do Santa Marta conseguirem dinheiro
para satisfazer as suas vontades e os seus luxos.
Depois de se tornar “avião” para as entregas de seu tio, Juliano sobe de cargo nas
funções das bocas. Ele passa a ser “vapor”, são os homens responsáveis pela
segurança da favela e pela vigilância da mesma. Esse cargo era de maior
responsabilidade e demonstrava que o chefe da boca confiava em Juliano. VP
começou a ganhar cada vez mais dinheiro.
Na segunda vez em que juliano foi preso sua mãe, Betinha, teve certeza do
envolvimento do filho com o tráfico de drogas e com furtos. Quando VP foi preso, sua
mãe e a sua namorada da época foram até a delegacia tentar soltar o garoto. Após o
delegado ameaçar colocar Juliano em um cela na qual seria estuprado, ele separou as
duas mulheres em salas diferentes. As duas sofreram assédio sexual do delegado e do
chefe de investigações, quando começaram a gritar os homens desistiram do ato e
soltaram Juliano.
Em 1987 Santa Marta tinha aproximadamente 10 mil habitantes. Os caminhos
que era íngrimes, estreitos e curvosos a noite ficavam mais complicados ainda já que
a ilumunação das ruas eram precárias, havia apenas doze pontos de iluminação em
toda a favela. E não era só a iluminação que era precária, água, limpeza urbana e
saneamento básico também. O pouco que tinham era sem auxilio nenhum da
prefeitura (a qual ficava localizada ao lado do morro Dona Marta), tanto a iluminação
quanto ao resto foram conquista dos moradores que se reuniram e fizeram algo.
Durante mais de 53 anos os moradores viveram sem hospitais, nem escolas, sequer
tiveram uma das ruas dos 84 becos pavimentadas pela prefeitura. O descaso e a
marginalização das favelas pela prefeitura contribui para a ascensão do tráfico de
drogas dentro dos morros. Sem políticas públicas sociais e estruturais, os traficantes
ficam a cargo de comandar o desenvolvimento das favelas.
Nos capítulos denominados “Bonde sinistro” e “Guerra”, Caco Barcellos relata a
formação do grupo que Juliano faria parte que desencadearia uma das maiores guerras
nos morros nacionais. O grupo de Juliano, liderado por Cabeludo, queria conquistar a
dominação da favela Santa Marta e por isso teria que guerrear contra o grupo de Zaca,
o qual era o traficante mandante naquela época. A troca de tiros entre os dois grupos
virou notícia nos jornais brasileiros e internacionais.
“A favela que virou notícia no Brasil e no mundo nunca teve uma única
banca de jornal. Ninguém costumava gastar dinheiro para comprar
informação. As pessoas se informavam pelos meios de comunicação
gratuitos, o rádio, a TV, o alto-falante da Associação de Moradores pelo
sistema boca a boca das crianças mensageiras, como o menino Paranóia,
de sete anos de idade.” (BARCELLOS, 2003)
O menino citado por Caco, descia o morro até as bancas de jornais no asfalto da
Zona Sul do Rio de Janeiro, lia o que podia dos jornais sensacionalistas dobra a
violência do Santa Marta e subia para o morro contar tudo o que tinha lido. Muitas das
notícias que se sabia no morro, foram por meio de Paranóia.
Zaca, acabaria matando Cabeludo, ganhando a guerra e assumindo de vez o
controle do morro. As pessoas que foram contra a quadrilha de Zaca sofreram grande
repressão. O pai de Juliano, Romeu, mesmo que não estivesse envolvido diretamente
com a quadrilha de Juliano sofreu as consequências do poder de Zaca. A birosca de
sua propriedade foi saqueada e Romeu perdeu tudo o que tinha conquistado em 30
anos de trabalho duro. Além do pai de juliano, todos os participantes da quadrilha de
Cabeludo foram obrigados, por Zaca, a saírem do morro. Com isso, Juliano rompeu
definitivamente com o pai e se afastou de sua mão, irmãs, amigos e até sua namorada.
Ao mesmo tempo que estava em combate Juliano perdeu o nascimento do seu
primeiro filho com a namorada Marisa.
Com a saída do morro, Juliano encontrou abrigo na casa do casal: Paulista e
Maria Brava, o qual ele considerava como seus pais. A nova família de Juliano o
mostrou cada vez mais o caminho do crime como meio de sobreviver. Em meio a
assaltos, venda de drogas e interceptação, juliano entrou para o Exercito Brasileiro.
Durante o ano em que estava no exercito, VP não abandonou a carreira criminosa. Nas
horas vagas ele e os amigos continuavam vendendo drogas.
Além disso desenvolveu conhecimento sobre armas, aprendeu a usá-las melhor e
a gostar delas. Para pode conseguir ver o filho e a namorada, Juliano ia vestido de
militar até ruas próximas da Santa Marta, onde se encontrava com os dois e com a sua
mãe e irmãs.
Com o passar do tempo Juliano passou a assumir a função de “mula”.
Transportava cocaína para todos os lados do Rio de Janeiro. Um dia teve que
transportar cocaína para a Bahia. A cocaína prensada escondida dentro de livros foi
levada até a Bahia sem nenhuma desconfiança. Lá ele e um superior pretendiam criar
uma rede de compradores de grandes quantidades de cocaína, de no mínimo 500
gramas por encomenda.
Enquanto estava em Salvador, Juliano começou a formular uma vingança contra
Zaca. VP queria assumir o comando da Santa Marta, vingar a morte de Cabeludo e
vingar seu pai, que teve seu comércio destruído por Zaca. Assim que voltasse para o
Rio, Juliano formaria uma quadrilha e tomariam o morro. Enquanto estava a caminho
do Rio, VP descobriu que Zaca havia sido preso e assim tomar a favela seria mais
fácil. Em março de 1991, três anos e sete meses após ser expulso do morro, Juliano e
sua quadrilha estava preparado para tomar de volta o poder da Santa Marta.
Juliano reuniu antigos amigos, que fizeram parte da “Turma da Xuxa” (grupo de
garotos da Santa Marta, da infância e adolescência de Juliano, que cometiam
pequenos crimes), garotos vindos de outras favelas vizinhas, os quais faziam parte do
CV (Comando Vermelho - organização criminosa mais conhecida do Brasil na época,
dominou o tráfico do Rio de Janeiro, tinha até formulação burocrática, mesmo sendo
clandestina. Os fundadores o Comando Vermelho eram assaltantes experientes, que
roubavam bancos caminhões de transporte de valores e grande empresas, a partir de
1982 o CV assumiu o tráfico de drogas nos morros cariocas). A maioria dos meninos
que faziam parte da CV eram meninos que já haviam sido presos.Voluntários de seis
morros diferentes participaram do grupo que invadiria Santa Marta para tomar o
poder.
Os moradores do morro Dona Marta costumavam a chamar os informantes,
voluntários ou involuntários, que circulavam nos nas operações policiais e serviam
como delatores para a policia de X-9, Bate-bola, Coisa-Ruim, Cobra-cega.
Geralmente esse informante usava uma touca estilo “ninja” para não ser identificado,
em 1991 virou mora os delatores usarem uma mascará de monstro. Um dos meninos
da Turma da Xuxa, foi por algum tempo um dos delatores da policia.
Vê-se claramente durante a narração do livro, que a maioria dos meninos que
entravam para a carreira criminosa tinham outras pretensões, as quais não eram o
crime. Caco narra uma parte da história de um menino chamado Nein. Nein era
jogador de tênis e buscou por muito tempo o registro profissional na carteira de
trabalho, depois de inúmeras tentativas frustradas Nein voltaria para o tráfico de
drogas e nunca mais conseguiria deixar a situação.
Quem assume o comando da Santa Marta é Carlos da Praça, amigo e parceiro de
Juliano. VP assume a gerência do tráfico e da Santa Marta, durante seu primeiro ano
de gerência da boca ele se tornou uma espécie de fiador dos moradores. Um relógio de
Juliano que circulava na favela servia como a confiança de crédito que os moradores
podiam ter. Juliano sanava a divida quando credor ia até a boca e apresentava o
relógio para ele. Além de fiador VP se tornou uma espécie de diplomata. Ele
dialogava com os lideres do morro, ouvia as queixas dos moradores, além de costumar
contar histórias a idosos, brincar com crianças, visitar creches, rezar nas igrejas,
frequentar terreiros de umbanda e sempre estava disponível para atender os desejos
dos moradores da favela. Juliano se tornou um líder comunitário em quem os
moradores depositavam grande confiança e sempre que precisavam o acionavam para
pedir favores.
Com o passar do tempo Carlos da Praça foi afastando Juliano do controle da boce.
Juliano não percebeu o seu afastamento da boca e das decisões importantes pois
estava apaixonado por Débora. Moça que conhecera em uma viagem que fez a
Fernando de Noronha. Por influência da paixão dedicava seu tempo focado em estudo
de música.
No morro a policia militar era conhecida como ‘Rambo’. Durante uma festa de
dia das crianças promovida por Juliano, a policia militar inicia uma operação na Santa
Marta. Para não tem perda no faturamento, Juliano criou pontos de venda no asfalto,
para que os usuários de classe média não precisassem subir o morro para comprar,
isso era chamado de ‘estica’. Era um meio de driblar a policia e de não tem que
suborná-la para traficar. Isso despertou a inveja e a cobiça de outros traficantes da
Santa Marta. Durante essa época, Juliano corria muito perigo. E para se sentir
protegido ele procurava lugares escondidos no meio da mata do Dona Marta para
poder dormir. Ele considerava os esconderijos dele inacessível até para os cães
farejadores.
Passado alguns meses Juliano começou a perceber que Carlos da Praça e seus
alguns de seus subordinados estão contra ele. Depois da morte de um dos seus amigos
mais próximos, Raimundinho, Juliano começou a organizar uma guerra total para
tomar de vez o poder da Santa Marta, tirar do comando Carlos. VP estava fora do Rio
de Janeiro e combinou que logo mais subiria o morro para matar a saudades da
família.
Os telefones de Juliano estavam grampeados, com isso a policia invadiu o morro
no dia em que Juliano foi visitar a família. VP foi surpreendido pelo soldado Peninha -
o qual vendeu para ele um fuzil AK-47- que atirou em juliano, acertando seu peito na
parte esquerda superior. Em um segundo tiro, Peninha errou o alvo e Juliano
conseguiu fugir. Juliano foi levado pela mãe para o morro do Alemão, o qual tinha
uma estrutura clínica para cuidar de Juliano. Orlando Jogador, dono do morro dos
Alemão era grande amigo de Juliano desde a guerra de 1987, o qual foram aliados
contra Zaca.
Com parte da quadrilha de Carlos da Praça dizimada pela policia, Juliano decide
que reunirá um grupo e subirá o morro para a tomada de poder. A quadrilha que
Juliano busca formar tinha que ter o mesmo perfil da quadrilha de Jogador, quando
esse dominou o tráfico em uma área de 200 mil habitantes. Ele pretendia formar um
grupo que tivesse diferentes criminosos com diferentes especialidades, mas que
fossem de uma mesma família. Quando Carlos foi avisado que VP estava subindo na
Santa Marta para tomar a liderança da boca e que se não houvesse acordo começaria
uma guerra na manhã seguinte. Da Praça, que havia sido preso durante a operação,
abdicou do cargo de bom grado, para evitar que mais uma guerra acontecesse, já que
ele sairia perdendo, pois muitos de seus homens haviam sido mortos ou presos durante
a operação policial.
Em fevereiro de 1996, Santa Marta recebeu o cantou Michael Jackson. O cantor
pretendia gravar um clipe musical na favela carioca, o qual era intitulado  "They don’t
care about us" (Eles não se importam com a gente). Para recepcionar o astro
americano, Juliano usou de seus conhecimentos em desenho para produzir uma faixa
que dizia: “Welcome to the world... not the worderful worl... but humble world of the
poor people” - Bem-vindo ao mundo... não a um mondo maravilhoso... mas ao mundo
humilde dos pobres. Para a escolha da favela que receberia a gravação do clipe, Santa
Marta disputava com Rocinha. Por Juliano ter uma relação de proximidade com o
diretor da produtora brasileira que faria o clipe, pela localização central da Santa
Marta, pela favela ser menor que a Rocinha e pela vista que a favela tinha, ela foi
escolhida para sediar o clipe.
Tanto o governo municipal quando o governo federal tentaram barrar a produção
do clipe em uma favela brasileira. O então ministro dos esportes, Edson Arantes do
Nascimento - Pelé- afirmava que a gravação do clipe na favela iria expor a pobreza
dos morros brasileiros e isso era negativo para a imagem internacional do país.
Mesmo com toda a pressão govarnamental o clipe foi gravado na Santa Marta.
Nessa mesma época os negocios de Juliano ia muito bem. Convidou a sua
segunda mãe, Brava para assumir o “serviço secreto” junto com uma amiga de
Juliano, Luz. Brava sempre aconselhava Juliano a não entrar em vários
relacionamentos rômanticos , como ele costumava fazer. Pai de quatro filhos, com
quatro mulheres diferentes, ele não convivia com os filhos. Tinha medo que as
crianças fossem perseguidas pelas inimizades do tráfico.
Com as gravações previstas para domingo, dia 11 de fevereiro de 1996, Juliano
acordou no sábado antecedente com uma noticia trazida pelos jornais que afirmavam
que a segurança para as gravações havia sido negociada com os traficantes e que o
diretor do clipe, o cineasta Spike Lee, teria sido obrigado a pagar para os traficantes o
deixarem gravar o clipe no morro. O secretário de Segurança Pública do Rio de
Janeiro em medida imediata anunciou que havia assumido a segurança das gravações
e que colocaria 120 soldados para atuarem. Juliano teve que refazer seu plano de
segurança, evitando que os soldados subissem o morro.
A segurança dos homens de Julianos estava vulnerável quando três homens
estranhos conseguiram invadir a favela, vestidos como jovens que moravam na Santa
Marta. Os três homens eram três jornalistas brasileiros, Nelito Fernandes, de 25 anos
entrou na favela na sexta-feira acompanhado por um fotografo que escondia os
equipamentos em uma sacola, jornalistas do jornal ‘O Dia’. Um segundo jornalista,
Silvio Barsetti, chegou no sábado a noite junto com mais dois homens com
equipamentos fotográficos, jornalistas do jornal ‘O Globo’. O terceiro jornalista era
Marcelo Moreira, entrou na favela com apoio de uma família que morava na favela,
que recebeu cerca de 150 para a casa servir de esconderijo, Marcelo era jornalista do
‘Jornal do Brasil’. Os três haviam sido escalados para produzir reportagens sobre a
transformação da vida dos moradores da Santa Marta durante as gravações do clipe de
Michael Jackson. Disfarçados e infiltrados era a única maneira que os jornais
encontraram de conseguir imagens e entrevistas, já que a produtora americana queria
exclusividade.
Assim que Juliano ficou sabendo da invasão ele ordenou que os repórteres fossem
encontrados e trazidos até ele. Diante de Julianos, os jornalistas explicaram o motivo
de estarem na favela. VP ordenou que eles saíssem imediatamente da Santa Marta
para evitar exposições negativas. Depois de varias horas de conversas, Juliano cedeu e
afirmou que poderia conceder uma entrevista as jornalista, mas com algumas
condições. A entrevista não poderia ser gravada, nem fotografada, assim os repórteres
fotográficos teriam que sair imediatamente do morro. Além do mais não poderia ser
divulgado o nome de Juliano na matéria, nem o fato dele comandar a boca.
Aceita as condições, os três jornalistas começaram a entrevista com Juliano. A
entrevista foi publicada nos três jornais sem erros de português, por isso as falas de
Juliano foram alteradas para ser melhor entendidas.

“Não cheiro, não bebo. Eu só fumo o mato certo” - Essa frase causou diversos
maus entendidos pelos repórteres e foi publicada de diferentes maneiras.
Juliano tentou justificar a sua frase com algo incoerente: "Sou contra a liberação
das drogas. Nosso povo não está preparado. A droga não é boa, ilude e tira a
personalidade das pessoas, criando ilusão. A droga anestesia a revolução social.
Quem consome não consegue ver as coisas erradas do sistema porque está
escravizado."
Declarou que era contra a venda de crack. "O crack faz muito mal. Se eu quisesse
poderia ganhar muito dinheiro com isso. Mas não quero prejudicar ainda mais as
pessoas. Além disso, ia ser difícil controlar os meus homens doidôes de crack”. Além
disso falou que a venda de drogas não dá tanto dinheiro como se pensa.
Sobre a policia militar, Juliano falou que ela não está preparada para lidar com as
pessoas: "Já o policial brasileiro não está preparado para lidar com o povo humilde.
Um policial que usa farda e distintivo e ganha R$300 por mês acaba se corrompendo.
Quando alguém do morro é preso, é humilhado como um cachorro. Os policiais
sempre botam droga no bolso dos suspeitos para enquadrá-los. É assim que a PM faz.
Se eles não nos atacam, nós não atacamos. Se um de meus homens der um tiro de fuzil
num beco qualquer da favela, varre três caras de uma vez, como eles fazem. O tráfico
mata entre si. Mas a polícia mata antes para quebrar a nossa hierarquia. A guerra do
pó, no Rio, mata mais gente que a guerra da Bósnia."
Criticou as pessoas que vivem fora do morro, a começar pela imprensa: "Os
jornalistas são abutres. Não podem ver carniça. Se os que pudessem ajudar as
comunidades carentes dessem um minuto de suas vidas para isso, não existiria o
tráfico. Nós somos como uma doença dentro de um corpo. O tráfico é uma saída para
nós. Quem não tem dinheiro para comprar um tênis, uma roupa e tem sangue na veia
acaba entrando nessa vida. Quando os governantes se conscientizarem das
desigualdades sociais talvez não exista mais o tráfico. Mas os intelectuais continuam
só pensando, os políticos, roubando e a sociedade inteligente sempre em silêncio."
Por último, Juliano, ameaçou os três jornalistas se ousassem publicar seu nome.

Depois da entrevista, os jornalista redigiram as reportagens e ao serem


entregues aos seus editores, os três jornais pediram o nome do entrevistado.
Porque sem isso não seria publicada a matéria, devido a ética editorial dos jornais.
Descumprindo o acordo que fizeram com Juliano, os três jornalistas entregaram o
seu nome. A conduta dos jornalista pode ser eticamente questionável, já que eles
descumpriram o acordo firmado com o traficante e por isso ele concedeu a
entrevista.
Juliano VP foi retirado do anonimato e isso mudaria radicalmente a sua vida.
No mesmo dia em que foi publicada as reportagens, foi reaberto investigações
contra o tráfico de drogas no morro Dona Marta. As operações policiais foram
intensificadas, Juliano acabou sendo preso enquanto andava pela Santa Marta. Os
três repórteres também tiveram mudanças nas suas vidas, dois tiveram que mudar
de cidades e mudar seus telefones devido as diversas ameaças que vinham
sofrendo.
Tempos depois de ser preso, Juliano e mais alguns presos arquitetaram um
plano de Fuga. No dia da fuga, quando Juliano retornou ao morro, houve uma
queima de fogos de cinco minutos. Depois de voltar para o morro, Juliano ficou
muito tempo escondido. A maioria de suas saídas era para se encontrar com
outros traficantes e com intelectuais. O tema central das conversas era a violência
nos morros e como isso assustava a cidade. Ele esperava encontrar nessas
conversas algum modo de evitar a morte dele e de seus homens. Juliano, se
encontrava com o compositor Marcelo Yuca e com O Rappa, a fim de levar
projetos sociais para a Santa Marta.
Meses depois, Juliano decide deixar o comando do tráfico de drogas na Santa
Marta e mudar de país. Ele escreve uma carta para os membros do comando
vermelho explicando o porque está saindo. Com medo de morrer, Juliano deixa o
comando do tráfico e decide se mudar para o México. Depois de alguns dias de
viagem, antes mesmo de chegar ao país de destino, Juliano recebe a informação
que comandantes do morro do Vidigal queriam fazer uma parceria com a Santa
Marta e os novos comandantes da favela não queriam aceitar. Para firmar a
parceria ele decide cancelar a mudança para o México e volta para o Brasil
assumir novamente o tráfico. Uma queima de fogos anunciou a volta de Juliano a
Santa Marta.
Meses depois, Caco Barcellos foi chamado por Juliano para conversar. Os
dois já se conheciam de uma época em que para o jornalista fazer imagens na
favela precisava da autorização de Juliano. Dessa vez quem precisava de ajuda
era Juliano. O traficantes, inspirado pelo livro ‘Rota 66’ de Caco, queria que o
jornalista escrevesse sobre Santa Marta, sobre os abusos de poder dos policiais,
sobre a pobreza dos moradores, sobre a vida humilde e também sobre o tráfico.
Caco, inicialmente se recusou a escrever sobre Santa Marta pois tinha medo
de prejudicar cada mais a vida de Juliano. Caco afirma que o trabalho de
investigação teria que ser intenso e Juliano não tinha noção disso: “imaginei que
ele não tivesse muita noção da complexidade de um trabalho de apuração
jornalística com personagens fora-dalei, condenados e foragidos da justiça. Era
sem dúvida um desafio, cheio de implicações éticas, morais, legais.”
Quando Juliano decide largar o tráfico mais uma vez e vai viver na
Argentina, Caco decide escrever sobre o Morro Dona Marte. Ele vai ao encontro
de Juliano em um hotel em Buenos Aires e convive dia e noite com Juliano,
ouvindo as diversas histórias do traficante. O primeiro depoimento durou cerca de
10 horas. Sem que soubessem, os encontros dos dois foi monitorado pela policia.
Um dia quando Juliano voltava para a pensão em Buenos Aires deu de cara com a
policia e fugiu mais uma vez.
O cineasta João Moreira Salles produtor do documentário Notícias de uma
Guerra Particular, em 1995, em depoimento a polícia, afirmou que garantia uma
quantia mensal de dinheiro para que Juliano lhe desse informações e depoimentos
para a construção do documentário.
O Abusado, traz como protagonista Márcio Amaro de Oliveira, Marcinho VP
- que no livro recebe o pseudonimo de Juliano VP. Juliano considerado por
muitos como um herói é transformado em um símbolo de ousadia, de abuso. O
leitor desenvolve, durante a narrativa de Caco, certa empatia pelos “foras-da-lei”.
Apesar de Juliano ser um criminoso, comandante do tráfico de drogas,
surpreendentemente ele é preocupado com questões sociais e principalmente com
os moradores do Santa Marta. Mesmo sendo criado em um ambiente totalmente
hostil, ele consegue desenvolver preocupação pelos amigos, pelos familiares e
pelos moradores do morro.
O jornalista desconstrói a imagem formada que o leitor pode a vim a ter sobre
favelas, tráfico e traficantes. Apesar de ser um projeto de ficção, Juliano VP é um
exemplo das pré noções que os brasileiros tem sobre o tráfico. Caco durante a
narrativa escolhe um lado, mas nem por isso a sua narrativa deixa de ser real.
Com isso, o jornalista deixa de apresentar algumas das relações e
comportamentos mais torpes que existe entre os traficantes apresentados, nos
morros. Relações e comportamentos que Juliano tinha, mas que não são retratadas
no livro, devido ao posicionamento em que Caco escolheu seguir. Juliano não era
o total mocinho apresentado no livros, mas também não era o completo vilão que
a mídia apresentava.
Durante o processo de investigação jornalística e a elaboração do livro, o
jornalista enfrentou diversas questões éticas e morais. Além de enfrentar vários
empecilhos legais. O livro foi lançado em primeiro de janeiro de 2003, dois meses
depois, Márcio Amaro de Oliveira é assassinado por estrangulamento na cadeia
Bambu-III, onde estava preso. Os policiais afirmaram que Juliano deu muitas
declarações sobre o funcionamento de tráfico de drogas e isso despertou a ira de
muitos traficantes.

REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Caco. O Abusado: O Dono do Morro Dona Marta. Rio de
Janeiro: Record, 2003. 557 p.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE JORNALISMO
ÉTICA E LEGISLAÇÃO EM JORNALISMO
ACADÊMICA: SCARLET CRISTINE RODRIGUES

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO DE CACO BARCELLOS ‘O ABUSADO’


PONTA GROSSA
2016

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