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Para compreendermos porque essa data foi escolhida como símbolo da resistência das
mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais é necessário conhecer o
histórico de lutas protagonizadas por elas no passado.
Do evento surge a data que tem como objetivo dar visibilidade à luta das mulheres negras,
indígenas e de comunidades tradicionais contra a opressão de gênero, a exploração e o
racismo: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
O marco foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) no mesmo ano em
que o evento aconteceu, após a rede de mulheres, criada durante seu primeiro encontro,
pressionar a entidade a assumir a luta contra as opressões de raça e gênero.
A esperança no Quariterê
Apenas em 2 de junho de 2014 foi sancionado pela então presidenta do Brasil, Dilma
Rousseff, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra,
através da Lei nº 12.987. A data homenageia uma das principais mulheres, símbolo de
resistência e liderança na luta contra a escravidão.
Apesar da importância da data, poucos sabem da sua existência. Para o filósofo camaronês
Achille Mbembe em seu ensaio Necropolítica, o Estado utiliza de mecanismos para decidir
quem deve morrer, e quem deve viver através do uso da violência contra os mais
vulneráveis. Logo podemos concluir que o Estado também decide quem “merece” ter uma
história e quem deve ser invisibilizado.
Mas, quem foi Tereza? Mulher negra a qual o rei João I e toda a coroa portuguesa queriam
morta e sua cabeça exposta em praça pública?
Não se sabe ao certo sua origem, se nasceu no Brasil, ou se nasceu no porto de Benguela,
na Angola. Sabe-se apenas que era escrava fugida do capitão Timóteo Pereira Gomes.
Viveu no Quilombo do Quariterê, nas margens do rio Guaporé, próximo da cidade de Vila
Bela da Santíssima Trindade, a então capital do estado do Mato Grosso na época da
corrida do ouro. Não se sabe a localização exata do quilombo, pois era de difícil acesso
pelas grandes árvores que se encontravam na região. A floresta tinha uma passagem
estreita, que corroborou para que o Quariterê ficasse bem escondido e fosse um ambiente
seguro para as mais de 300 pessoas que viviam ali em comunidade formada por negros,
indígenas e mestiços.
Estrategista militar e dirigente política, Tereza governou o Quilombo Quariterê entre 1750 e
1770. Benguela liderou com mãos de ferro, desenvolvendo métodos e estratégias para não
sucumbir diante dos inimigos – os bandeirantes. A estrutura de organização social do
Quariterê era baseada na resistência, logo Tereza tinha que tomar decisões para manter o
quilombo seguro, por isso um dos métodos que ela utilizava era do enforcamento dos
desertores que pudessem a vir revelar a localização do Quariterê.
O quilombo era próspero, a produção agrícola era farta e complementada com a caça e a
pesca. O algodão era a principal fonte de renda, pois era matéria prima para a tecelagem,
uma das atividades do Quariterê. A venda dos excedentes na vila era convertida em outras
mercadorias, como armas para a manutenção da defesa do quilombo. Outra atividade do
assentamento era a forja, eles conseguiam transformar os mosquetes e outras armas em
panelas e itens para melhoria da qualidade de vida do Quariterê.
Em 1770 o quilombo foi atacado e destruído pelas forças dos bandeirantes, sob o comando
de Luís Pinto de Sousa Coutinho, o então governador da capitania do Mato Grosso. Após a
ação a população de 79 negros e 30 índios, morta ou aprisionada. De acordo com o
documento colonial os sobreviventes foram humilhados publicamente, e marcados em ferro
a brasa com a letra F, de fujão, e devolvidos aos seus antigos donos.
A história de Tereza, apesar de pouco conhecida, foi contada em livros, cordéis e até tema
de samba de enredo no Carnaval de 1994 do Rio de Janeiro, pela escola Unidos da
Viradouro: “Tereza de Benguela, uma rainha negra no Pantanal” - samba este que tomei a
liberdade poética de transformar alguns dos versos em título e subtítulos desta publicação.
Em 2020 a escola de samba de São Paulo Barroca Zona Sul homenageou Tereza em seu
samba: "Benguela… A Barroca Clama a Ti, Tereza".
O Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha não é uma data festiva, mas para reforçar a
importância da luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade que
é estruturalmente racista e machista. A data serve para a consolidação das organizações
voltadas às mulheres negras, buscando maior visibilidade para pressionar o poder público
sobre as demandas das mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais.
De acordo com os dados do IBGE, mais da metade da população brasileira é negra e está
nos piores indicadores sociais, principalmente a mulher negra, que corresponde a 63% das
chefes de família que vivem abaixo da linha da pobreza, com base na Síntese dos
Indicadores Sociais.
Até que os leões tenham seus próprios historiadores, a história da caça sempre glorificará o
caçador. – Provérbio africano.
Referências