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MEMÓRIAS PÓS-
TUMAS DE BRÁS
CUBAS
MACHADO DE ASSIS
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Introdução e comentários
A miniaula de hoje será um pouco mais curta, e como já abordei dois assuntos
que julguei mais interessantes e urgentes para vocês, alunos, nas duas
primeiras aulas, resolvi mudar a ordem e adicionar, na última miniaula deste
mês, o que geralmente acontece na primeira: informações biográficas,
contextuais e históricas relevantes.
Quem me conhece sabe que não entrego informações meramente por entregar.
Tem gente que acha que qualquer informação, por ser um fato, já é relevante.
Não é.
O que você quer, leitor, é ler um bom livro do Machado de Assis e “pescar”
informações que sejam interessantes porque tenham alguma ligação com o
livro, ou porque o são para qualquer pessoa.
Interessantes no sentido de revelar alguma coisa sobre o autor, que por sua
vez vai revelar algo sobre a leitura.
Ínicio da aula
As informações que quero lhe entregar aqui hoje, leitor, são justamente aquelas
que irão ajudá-lo a criar uma imagem mais exata do sujeito que escreveu
aqueles livros, para que você o respeite, o admire e o ame ainda mais.
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No fim das contas, essas picuinhas não ajudam em porcaria nenhuma você a
entender tanto os livros quanto o autor.
Os primeiros anos
Machado de Assis nasceu em meados dos anos 1800, e era mulato — não estou
usando a palavra “mulato” com qualquer sentido pejorativo. Estou, obviamente,
usando-a no mesmo sentido em que todos a usam, e no sentido que o próprio
Machado a utilizava.
Se você der uma olhada no que o pessoal da esquerda diz, vai vê-los enfatizando
que Machado era favelado. Que ele seria quase o equivalente ao Mano Brown,
tendo surgido da mesma circunstância.
O Morro do Livramento, à época, não era uma favela, e sim uma chácara.
Essa chácara era parte de uma propriedade bem maior, salvo engano chamada
Chácara do Livramento.
A mãe de Machado, uma portuguesa dos Açores, veio para o Brasil com a família
em condições complicadas, fugindo da pobreza. Naquela sociedade, ser um
português açoriano pobre era algo que fazia com que você fosse desprezado
pelos seus próprios compatriotas portugueses.
Ademais, ela se casou com um negro, que era trabalhador manual — muitos
dizem que era pintor, mas não se sabe ao certo.
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Na época de Machado de Assis havia escravos andando pela rua. Isso era
normal. Quero que você se lembre disso, leitor.
O pai de Machado era um negro livre, alforriado, filho de pais negros livres. Ou
seja, os avós paternos de Machado eram livres. Já seus bisavós eram, com
certeza, escravos.
E, voltando à mãe de Machado, só para você ter uma ideia, muitas açorianas que
chegavam ao Brasil nas mesmas condições de penúria, muitas vezes viravam
prostitutas. Esse era o nível das portuguesas pobres que chegavam por aqui.
Essas eram as condições sociais de Machado. Se você acha que isso não tem
nenhum peso sobre a psicologia e a vida de Machado e sua família, então é
preciso que abra um pouco os olhos.
Agregados
Claro que sim, mas poucos. E era mais raro ainda ver um negro que houvesse
ascendido às maiores alturas na escala social. Machado e seus pais eram
agregados da dona da Chácara do Livramento, dona Maria José.
Agregado era alguém que vivia sob a asa de uma família mais rica, como José
Dias em Dom Casmurro, por exemplo.
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José Dias era um agregado de nível superior, pois morava junto da família, na
casa desta; Machado de Assis e seus pais, não. Estes moravam numa casa
separada, dentro das terras de dona Maria José.
É certo que dona Maria José nutria afeição por Machado, senão não teria virado
sua madrinha. Porém algumas pessoas exageram essa afeição, dizendo que
Machado era como um filho para ela, alguém que Maria José tinha em alta conta.
O que sabemos é que Maria José foi sua madrinha e que Machado sempre falou
dela, e da Chácara, com uma nostalgia feliz.
Dona Maria José, por sua vez, era muito influente. Viúva de um deputado
bastante respeitado em vida, estava no topo da elite carioca. Além de deputado,
seu falecido marido fora ministro de Dom Pedro I, ou seja, um sujeito de
relevância na sociedade.
Logo, dona Maria José tinha trânsito livre entre as principais figuras da época:
uma pessoa realmente rica e influente.
Machado, por sua vez, possuía certa liberdade na Chácara; muitas vezes tinha
acesso à casa principal e observava as obras de arte contidas ali; muito
provavelmente acessava também a biblioteca.
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E você tem consciência de que é muito mais parecido com os escravos do que
com as moças ricas. Porém você não é nem escravo nem rico. Você é um
meio-termo; está no limbo.
Então podemos ver que Machado, nesse ponto também, encontrava-se numa
situação meio atípica, pois seus pais sabiam ler e tinham certo interesse pela
cultura. A família vivia uma vida simples, porém estável. Machado nunca passou
fome, por exemplo.
Mudança
Quando Machado tinha cerca de 7 anos de idade, dona Maria José morre e a
família deixa de ser agregada daquela casa.
Agora os pais tinham de se locomover até o centro da cidade, que era longe, por
uma estrada que era uma porcaria. Só isso já é um baque.
Não bastasse toda essa sucessão de desgraças, com dez anos de idade
Machado perde também a mãe para uma febre tifóide. Na época o Rio de
Janeiro era um verdadeiro antro de epidemias.
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E, como o pai era pobre e precisava trabalhar fora, é bem provável que Machado
tenha começado a ficar sozinho em casa. Com dez anos de idade, mulato,
franzino, pobre, e agora sem uma madrinha influente, sem mãe e sem irmã.
Era esse o “Machadinho” daquele tempo. Machado era chamado assim por ser
muito afável com todos; o garoto tinha modos absurdamente cavalheirescos; era
educado, polido, fino.
Lá para seus quinze anos de idade, Machado escreve seu primeiro conto, e vai
escrever SEM PARAR até o último ano de sua vida.
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Repito: são 50 anos de produção quase ininterrupta, outra coisa que também é
praticamente um milagre.
Esquerda e direita
O resto nós meio que já sabemos: Machado ganha sucesso ainda em vida,
torna-se respeitadíssimo, funda a ABL — Academia Brasileira de Letras — e faz
amizade com as principais figuras literárias da época: José Veríssimo, Joaquim
Nabuco, entre outros.
E tem mais um detalhe que não mencionei quando estava falando da infância de
Machado: ele era epiléptico e gago.
Tanto que, na ocasião da fundação da ABL, Machado não discursa, por causa da
gagueira. E olha que quase metade de Memórias Póstumas foi escrito com
Machado ditando o livro do hospital — ditando uma parte, e escrevendo outra —
pois tivera um ataque fortíssimo de epilepsia.
Então, leitor, é esse sujeito, que obviamente não pode ser reduzido à cor de sua
pele, mas que ainda assim foi um mulato, que conquistou todas essas coisas.
Não podemos dizer, como alguns da esquerda, que Machado não teve acesso à
cultura: ele teve, e isso não diminui seu gênio. Seus pais sabiam ler e talvez o
encorajassem a fazê-lo.
E aí temos o outro lado, a direita, que diz que não tem nada a ver falar sobre a cor
da pele de Machado. Eu mesmo já caí nessa, leitor, mas quer saber?
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O sujeito era mulato numa sociedade de escravos. Pare para pensar nisso.
Pare para pensar numa sociedade em que a cor da sua pele praticamente deter-
minaria ou não se você seria escravo. Mas mesmo que não fosse um escravo,
você acha mesmo que as pessoas não o tratariam diferente só por ser livre?
Conclusão
Leitor, decidi lhe entregar essa brevíssima biografia porque não quero que nós
nos esqueçamos que esse homem, Machado de Assis, não é só um gênio: ele foi
se construindo com muito esforço.
Encerramento da aula
Com essa brevíssima história, espero que seu amor, respeito e admiração por
Machado tenham aumentado, como aconteceu comigo, leitor.
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Um homem que fez amizades com pessoas que pensavam diferente; um escri-
tor que escreveu obras magistrais, e conciliou tudo isso com sua carreira exem-
plar de funcionário público.
Um sujeito que morou até seus últimos dias numa casa simples — que foi,
pasme, demolida por algum idiota, e subiram um prédio no lugar. Esse é o
Brasil…
Portanto, o que podemos fazer aqui, leitor, é jamais deixar que essa gigantesca
alma seja esquecida.
Que leiamos suas obras, que as apresentemos para nossos filhos e que nós
mesmos sejamos mudados tanto pelos livros quanto pelo autor.
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