Você está na página 1de 4

Educação

Um guia para o conhecimento e o desenvolvimento integral de nosso ser


De Mira Alfassa (“A Mãe”)
Revista “Ananda”, Caderno Especial VII, Novembro-Dezembro 1977

V
A educação mental
De todas as educações a educação mental é a mais conhecida e a mais praticada; no
entanto, afora umas poucas exceções, ela contém lacunas que fazem dela algo muito
incompleto e, decididamente, muito insuficiente.
De um modo geral, a instrução é considerada como a educação mental necessária. E
quando se submeteu uma criança durante anos a um treinamento metódico, que mais
parece um entupimento do cérebro do que uma verdadeira instrução, pensa-se ter feito o
necessário para seu desenvolvimento mental. Mas não é nada disso. Mesmo admitindo
que o treinamento seja feito com medida e discernimento, e que não deteriore para
sempre o cérebro, ele não é capaz de dar ao mental humano as faculdades requeridas
para ser um instrumento bom e útil. A instrução, como ela é dada usualmente, pode no
máximo servir como uma ginástica para aumentar a flexibilidade do cérebro. E desse
ponto de vista, cada ramo do saber humano representa um gênero especial de ginástica
mental, como cada formulação verbal dada a cada uma dessas ramificações constitui
uma linguagem especial e definida.
A verdadeira educação mental, aquela que vai preparar o homem para uma vida
superior, tem cinco fases principais. Normalmente estas fases se sucedem, mas em
indivíduos excepcionais elas podem vir alternadamente ou mesmo simultaneamente. Em
resumo, essas cinco fases são:
1. Desenvolvimento do poder de concentração, da capacidade de atenção.
2. Desenvolvimento das capacidades de expansão, alargamento, complexidade e riqueza.
3. Organização das idéias em torno de uma idéia central, um ideal superior ou uma idéia
soberanamente luminosa que servirá de guia à vida.
4. Controle dos pensamentos, rejeição dos pensamentos indesejáveis, para que se possa,
afinal, pensar apenas o que se quer e quando se quiser.
5. Desenvolvimento do silêncio mental, da calma perfeita e de uma receptividade cada
vez mais total às inspirações vindas das regiões superiores do ser.
Não é possível dar aqui todos os detalhes referentes aos métodos a serem empregados
na aplicação destas cinco fases de educação a diferentes indivíduos. No entanto, algumas
explicações de detalhe podem ser dadas.
Incontestavelmente o que mais impede o progresso mental nas crianças é a constante
dispersão do pensamento. Seu pensamento esvoaça de um lado para o outro como uma
borboleta, e para fixá-lo elas têm que fazer um esforço muito grande. No entanto, a
capacidade está latente nelas. Pois quando você consegue interessá-las, elas são capazes
de ter bastante atenção. É portanto a engenhosidade do educador que, pouco a pouco,
tornará a criança capaz de um esforço de atenção sustentado e de uma faculdade de
absorção cada vez mais total no trabalho, no momento em que ele é feito. Para
desenvolver esta faculdade de atenção todos os meios são bons, e podem ser utilizados
de acordo com a necessidade e as circunstâncias, desde jogos até recompensas. Mas a
ação psicológica é a mais importante, o meio supremo é despertar na criança interesse
por aquilo que se quer ensinar a ela, o gosto pelo trabalho, a vontade de progresso.
Amar aprender é o presente mais precioso que se pode fazer a uma criança; amar
aprender sempre e em todo lugar; que todas as circunstâncias, todos os acontecimentos
da vida sejam ocasiões, constantemente renovadas, de aprender mais e sempre mais.
Para isto, à atenção e à concentração devem ser acrescentadas a observação, a exatidão
de registro e a fidelidade de memória. Esta faculdade de observação pode ser
desenvolvida por exercícios variados e espontâneos, aproveitando todas as ocasiões que
se oferecem para manter o pensamento da criança em um estado desperto, alerta e
pronto. É preciso insistir muito mais no crescimento da compreensão do que no da
memória. Só se sabe bem o que se compreendeu. As coisas aprendidas de cor,
mecanicamente, desvanecem pouco a pouco e acabam se apagando. O que se
compreende não se esquece nunca. Além disso, não se deve em nenhum caso recusar-se
a explicar a uma criança o como e o porquê das coisas. Se nós mesmos não podemos
fazê-lo, devemos encaminhar a criança às pessoas qualificadas para responder ou
indicar-lhe livros que tratem da questão. É deste modo que será despertado
progressivamente na criança o gosto pelo estudo verdadeiro e o hábito do esforço
persistente para saber.
Isto levará bastante naturalmente à segunda fase do desenvolvimento, aquela em que o
mental deve alargar-se e enriquecer-se.
Progressivamente se mostrará à criança que tudo pode tornar-se um assunto de estudo
interessante, desde que a questão seja abordada da maneira certa. A vida de cada dia,
de cada momento, é a melhor das escolas, variada, complexa, rica em experiências
imprevistas, em problemas a resolver, em exemplos fortes e claros e em conseqüências
evidentes. É tão fácil despertar uma curiosidade boa nas crianças se se responde com
inteligência e clareza às inúmeras perguntas que elas fazem. Com uma resposta
interessante desperta-se facilmente outras, e assim a criança atenta aprende sem
esforço muito melhor do que ela o faz geralmente nos bancos da escola. Através de uma
escolha esclarecida e cuidadosa deve-se também dar a ela o gosto pela boa leitura,
aquela que é ao mesmo tempo instrutiva e atraente. Não se deve temer aquilo que
desperta e satisfaz sua imaginação; é pela imaginação que se desenvolve a faculdade
mental criadora, é por ela que os estudos se tornam vivos e o mental se desenvolve na
alegria.
Para aumentar a flexibilidade e a capacidade de compreensão do mental, não se deveria
somente considerar o grande número e a variedade de assuntos de estudo, mas
sobretudo a diversidade de aproximação ao mesmo assunto, para fazer compreender de
uma maneira prática à criança que há muitos modos de encarar o mesmo problema
intelectual, de considerá-lo e resolvê-lo. Isto irá retirar de seu cérebro toda rigidez, e ao
mesmo tempo enriquecerá seu pensamento, o tornará flexível e o preparará para uma
síntese mais complexa e mais abrangedora. Desta maneira também, se incutirá na
criança o sentido da extrema relatividade do saber mental, e pouco a pouco se
despertará nela a aspiração a uma fonte mais verdadeira de conhecimento.
Realmente, com o progresso nos estudos e o crescimento em idade, o mental da criança
amadurece e se torna cada vez mais capaz de idéias gerais; com elas vem quase sempre
uma necessidade de certeza, de um conhecimento suficientemente estável para que se
possa fazer dele a base de uma construção mental, o que permitirá que todas as noções
diversas e espalhadas, freqüentemente contraditórias, acumuladas no cérebro, sejam
organizadas e colocadas em ordem. Este ordenar é realmente muito necessário, se
quisermos evitar o caos em nossos pensamentos. Todas as contradições podem ser
transformadas em complementações, mas para isso é preciso descobrir a idéia mais alta
que terá o poder de uni-las harmoniosamente. É sempre bom considerar cada problema
de todos os pontos de vista possíveis, para não ser nem parcial nem exclusivo, mas se se
quer que o pensamento seja ativo e criador, é preciso que em cada caso ele seja a
síntese natural e lógica de todos os pontos de vista adotados. E se se quer fazer do
conjunto de seus pensamentos uma força dinâmica e construtiva, é preciso dar bastante
atenção à escolha da idéia central de sua síntese mental pois dela dependerá o valor
desta síntese; quanto mais alta e ampla a idéia central, e quanto mais universal ela é,
elevando-se acima do espaço e do tempo, maior e mais complexo será o número das
idéias, noções e pensamentos que ela será capaz de organizar e harmonizar.
Não é preciso dizer que este trabalho de organização não pode ser feito de uma vez por
todas. O mental, para manter seu vigor e sua juventude, deve progredir constantemente,
rever suas noções à luz de conhecimentos novos, alargar suas estruturas para adotar
noções novas e constantemente reclassificar e reorganizar seus pensamentos para que
cada um deles ocupe seu lugar certo em relação aos outros, para que o todo fique
harmonioso e ordenado.
Tudo o que foi dito agora refere-se ao mental especulativo, aquele que aprende. Mas
aprender é somente um aspecto da atividade mental; o outro, pelo menos tão
importante quanto este, é a faculdade construtiva, a capacidade de formar e assim de
preparar a ação. Esta parte da atividade mental, apesar de muito importante, raramente
é objeto de um estudo ou disciplina especial. Somente aqueles que querem, por alguma
razão, exercer um controle estrito sobre suas atividades mentais pensam em observar e
disciplinar sua faculdade de formação; e ainda assim, logo que o tentam, eles se
encontram diante de dificuldades tão grandes que parecem quase intransponíveis.
E no entanto, o controle desta atividade mental formativa é um dos aspectos mais
importantes da auto-educação, e pode-se dizer que nenhum domínio da mente é possível
sem ela. Quanto ao estudo, todas as idéias são aceitáveis e devem ser admitidas para
fazer parte de uma síntese que tem como função tornar-se cada vez mais rica e
complexa; mas quanto à ação, é bem o contrário. As idéias admitidas para se
manifestarem em ação devem ser estritamente controladas. E apenas aquelas que estão
em consonância com a tendência geral da idéia central que forma a base da síntese
mental devem ser autorizadas a se traduzir em ação. Isto significa que todo pensamento
que penetra a consciência mental deve ser colocado diante da idéia central; se ele
encontrar um lugar lógico entre os pensamentos já agrupados, será admitido na síntese;
se não, será rejeitado, para que não possa ter nenhuma influência sobre a ação. Este
trabalho de purificação mental deve ser feito muito regularmente para nos assegurar um
controle completo sobre nossas ações.
Para isto é bom reservar todos os dias um pouco de tempo livre e tranqüilo, durante o
qual se fará a revisão de seus pensamentos e se colocará ordem em sua síntese. Uma
vez o hábito adquirido, pode-se manter o controle sobre seus pensamentos mesmo
durante a ação, o trabalho, e só deixar vir à superfície aqueles que são úteis para aquilo
que no momento se faz. Sobretudo se se continuou a cultivar o poder de concentração e
atenção é possível deixar entrar na consciência exterior ativa apenas os pensamentos
que são necessários, os quais se tornam então muito mais dinâmicos e eficazes. E se, na
intensidade da concentração, tornar-se necessário não pensar de modo algum, pode-se
acalmar toda a vibração mental e obter um silêncio quase total. É neste silêncio que
pouco a pouco podemos abrir-nos a regiões superiores do mental e aprender a registrar
as inspirações que vêm de lá.
Mas mesmo antes de se chegar a esse ponto, o silêncio em si mesmo é uma coisa
extremamente útil, pois na maioria das pessoas que têm um mental um pouco
desenvolvido e ativo, seu mental nunca descansa; durante o dia sua atividade é
submetida a um certo controle, mas à noite, durante o sono do corpo, o controle do
estado de vigília estando quase completamente abolido, o mental se entrega a atividades
às vezes excessivas e freqüentemente incoerentes. Isto produz uma grande tensão que
termina em fadiga e na diminuição das faculdades intelectuais.
O fato é que, como todas as outras partes do ser humano, o mental precisa de repouso,
e este repouso ele não terá a menos que saibamos como dá-lo. A arte de repousar seu
mental é uma coisa a ser adquirida. Mudar de atividade mental é certamente um meio de
repousar, mas o maior repouso possível é o silêncio. E no que se refere às faculdades
mentais, alguns minutos passados na calma do silêncio são um repouso mais eficaz do
que horas de sono.
Quando se tiver aprendido a silenciar o mental à vontade e a concentrá-lo em um silêncio
receptivo, então não haverá mais problema que não se possa resolver, nenhuma
dificuldade mental para a qual não se possa encontrar uma solução. Na agitação, o
pensamento é confuso e impotente; em uma tranqüilidade atenta, a luz pode manifestar-
se, abrindo horizontes novos às capacidades humanas.

Você também pode gostar