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VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E ECONOMIA


SOLIDÁRIA

GT 01 - Educação, Liberdade, Abordagens Étnicas


Indígenas e Relações Étnico-raciais.

Coordenação: PhD Juarez Melgaço Valadares – Coordenação do Mestrado


Profissional Indígena (PROMESTRE) - UFMG
Coordenação: Dr. Edson Silva, Indígena e Coordenador da CAp - UFPE.
Dr. Carlos Roberto Horta – UFMG

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Sumário

O POVO POTIGUARA DA PARAÍBA E A DUCAÇÃO DIFERENCIADA ...................... 27


A ASSESSORIA ABERTA NAS PRÁTICAS METODOLÓGICAS DE EXTENSÃO-
PESQUISA PARA CONSTRUÇÃO DE INVENTÁRIO PARTICIPATIVO: O CASO DA
ALDEIA TRAMATAIA – PB. ............................................................................................ 38
VIVÊNCIAS PEDAGÓGICAS EM UMA ESCOLA INDÍGENA DURANTE O PERÍODO
DE ESTÁGIO ...................................................................................................................... 54
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA: UM CONTRIBUTO PARA O ENSINO NAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS ............................................................................................................. 61
O RACISMO NO FACEBOOK E SEUS DESDOBRAMENTOS NO AMBIENTE ESCOLAR
............................................................................................................................................ 73
A (RE) DEFINIÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA NO CONTEXTO ESCOLAR: OLHARES
PARA A EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE ............................................. 86
TERRA, ÁGUA, AR, FOGO NO RITUAL POTIGUARA: UM DIÁLOGO ENTRE
ESPIRITUALIDADE E VIVENCIA NA BIODANÇA. ....................................................... 99
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA NO ENSINO INFANTIL ........................................................................... 108
EDUCAÇÃO DO CAMPO, MÍSTICA, IMAGINÁRIO INDÍGENA NO RITUAL TORÉ 125
INTERFACES RELIGIOSAS E CULTURAIS NO ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA NA
POPULAÇÃO INDÍGENA POTIGUARA DA PARAÍBA ................................................ 132
SABERES, ARTE E TRADIÇÕES CULTURAIS DE MULHERES TENTEHAR ............ 139
INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: NOVOS CAMINHOS PARA A
PRÁTICA DOCENTE ....................................................................................................... 147
EU NO MUNDO: Educação Indígena e Sustentabilidade conversando com os povos indígenas
.......................................................................................................................................... 161

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O POVO POTIGUARA DA PARAÍBA E A DUCAÇÃO DIFERENCIADA

Autor 1:Leonardo Cinésio Gomes


Graduando em Licenciatura em Matemática – DCX - UFPB
E-mail: leocinesio@gmail.com
Autor 2:Fabiana Soares Gomes
Especialização em Docência dos anos Iniciais do Ensino Fundamental – DE- UFPB
E-mail:fabianasg.potiguara@hotmail.com
Autor 3:Egraciele dos Santos Ananias
Graduanda em Licenciatura em Matemática – DCX – UFPB
E-mail: egracieliapolinario@gmail.com
Orientadora: Msª. Iranilza Cinésio Gomes- UFPB
E-mail: iranilzacinesio@gmail.com

RESUMO
Esta pesquisa tem como finalidade socializar para a comunidade acadêmica a importância da
educação diferenciada para o povo Potiguara da Paraíba, localizado no Litoral Norte do estado.
Este estudo apresenta um debate sobre a luta dos Potiguara por uma educação indígenas, a
atuação das escolas indígenas no território Potiguara, entre outros pontos relevantes destacados
por teóricos da área. A pesquisa foi realizada através de método bibliográfico com caráter
qualitativo. Um dos resultados da pesquisa foi a identificação do papel das escolas diferenciadas
na continuidade da cultura Potiguara. Esta pesquisa contribuirá para futuros trabalhos
acadêmicos, e também para dialogar com professores da educação indígena.

PALAVRAS-CHAVE: Educação diferenciada; cultura; povo Potiguara.

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como finalidade debater sobre a importância da educação


diferenciada para o povo Potiguara da Paraíba, localizado no Litoral Norte do estado.
De acordo com o site da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a educação infantil é
optativa, pois neste período o indivíduo se constitui enquanto parte de um corpo social, falante
de uma língua, compartilhando uma visão de mundo com o grupo social a que pertence. Os
indígenas entendem que não há melhor situação para uma criança na sua primeira infância do
que o convívio com os seus familiares.
Desta forma entendemos que depois do convívio com a família e na comunidade, o
terceiro ambiente que a criança deve conviver é na escola, por isso a importância da escola
diferenciada no território indígena.
Este estudo surgiu com o anseio de contribuir com os desafios da educação indígena e
de mostrar para o meio acadêmico, assim como para sociedade em geral a importância dessa

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educação para o povo Potiguara e o papel do professor indígena atuante na educação


diferenciada.
Este trabalho traz uma contribuição de grande relevância para a comunidade
acadêmica, pois servirá de base teórica para consulta de outros trabalhos com foco nesta área
de pesquisa.

2 DESENVOLVIMENTO
Há décadas, o povo Potiguara da Paraíba luta por uma educação escolar indígena em
seu território. Este direito passou a ser assegurado no estatuto dos povos indígenas, no “Art. 2º
- Aos povos indígenas, às comunidades e aos índios se estende a proteção das leis do País, em
condições de igualdade com os demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições
indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta lei.” (ESTATUTO DOS
POVOS INDÍGENAS, 1992, s/p).
Além deste Estatuto que assegura aos povos indígenas o direito à educação escolar que
valorize seus costumes, a II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (II CONEEI)
em suas propostas, também defende e luta para que os povos indígenas acessem este direito.
Propostas do eixo 3 da conferência que teve como tema: Ação Saberes Indígenas;

Que o MEC assegure e amplie a Ação Saberes Indígenas na Escola como


política pública nacional estruturante e permanente de formação continuada,
com pesquisa para todas as etapas e modalidades da Educação Escolar
Indígena, assegurando a elaboração, produção e publicação de material
didático específico, na língua materna, garantindo recursos financeiros para
sua execução (BRASIL, 2018, p. 2).

A proposta defende o acesso à educação diferenciada e propõe que o estado ofereça


condições aos povos indígenas de acessar este direito.
Entre o povo Potiguara da Paraíba, a escola indígena diferenciada nasceu em 2003
“Foram inauguradas duas Escolas Estaduais Indígenas Diferenciadas e Especificas: uma, na
Aldeia Tramataia – Escola Cacique Iniguaçu, e a outra, na Aldeia São Francisco – Escola Pedro
Poti [...]” (BARCELLOS, 2014, p. 94). Atualmente existem oito escolas estaduais indígenas:
duas ofertando o ensino infantil e seis ofertando o ensino fundamental e médio.

POVO INDÍGENA POTIGUARA DA PARAÍBA

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Para debater sobre a educação e a cultura indígena, é preciso nos remeter a alguns fatos
históricos, pois esta educação inicia ainda no período de intervenção dos jesuítas em meados
do século XVI.

Antes da formulação de leis que tratam oficialmente da educação escolar


indígena, em meados do século XVI, a mesma era oferecida pelos jesuítas,
pautada na catequização, civilização e integração forçada dos índios à
sociedade nacional. Este sistema educacional negava a identidade indígena e
tentava transformar os índios em seres diferentes do que eram. (FAUSTINO,
2001).

Desta forma observasse que os indígenas foram obrigados a receber uma educação
escolar por meio dos jesuítas, onde não foram levados em consideração seus preceitos
particulares de um povo originário, dessa forma os indígenas foram integrados à sociedade
nacional, e obrigados a viver de forma distinta da que estavam acostumados. Freire (2004)
defende que:

A escola entrou na comunidade indígena como um corpo estranho, que


ninguém conhecia. Quem a estava colocando sabia o que queria, mas os índios
não sabiam, hoje os índios ainda não sabem para que serve a escola. E esse é
o problema. A escola entra na comunidade, e se apossa dela, tornando- se dona
da comunidade, e não a comunidade dona da escola. Agora, nós índios,
estamos começando a discutir a questão (KAINGANG apud FREIRE, 2004,
p. 28).

Aos poucos os indígenas vêm se empoderando da escola e da importância dela para o


seu povo. Posteriormente, com a criação da constituição Federal, já sem a intervenção da igreja
católica por meio dos jesuítas e suas influencias religiosa, é criado o artigo referente a educação
englobando toda a sociedade civil do Brasil.
De acordo (BRASIL, 1988) o Art. 205 da Constituição Federal de 1988 “a educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho.
Até os dias atuais os Povos Indígenas do Brasil, em especial os povos Indígenas
Potiguara da Paraíba, possuem costumes com características diferentes da sociedade não
indígenas. De forma análoga, a educação escolar indígena deste povo possui suas
particularidades.

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Figura 01: Encontro de professores organizado pelo Coletivo de pesquisa: Pela valorização dos
Saberes Potiguara, realizada na Escola da Aldeia Brejinho, Marcação-PB, 2017.

Fonte: Acervo do Autor

O encontro foi realizado em agosto de 2017, na Escola Estadual de Ensino Fundamental


e Médio Índio Antônio Cinésio, localizada na Aldeia Brejinho, Marcação-PB, contou a
presença de professores indígenas dos três municípios, Rio Tinto Marcação e Baia da Traição.
De acordo com Gonçalves & Mello, (2009), a educação indígena se caracteriza pelos
procedimentos tradicionais de aprendizagem de saberes, costumes e ritos característicos de cada
povo, de cada etnia. Estes conhecimentos são ensinados de forma oral no dia-a-dia, nos rituais
e nos mitos passados de geração em geração.
Entretanto, várias etnias indígenas têm buscado a educação escolar como um
instrumento de redução da desigualdade, como é o caso do povo Potiguara da Paraíba para a
firmação de direitos e conquistas e de promoção do diálogo intercultural entre diferentes
agentes sociais. Desta forma, observasse que a Educação Indígena é dividida em duas partes:
Educação Indígena e Educação Escolar Indígena. De acordo com GONÇALVES & MELLO
(2009):

As lideranças indígenas distinguem a educação indígena da educação escolar:


a educação indígena é responsável pela aquisição das tradições, costumes e
saberes específicos da tribo, da etnia a qual o indivíduo pertence; já a educação
escolar complementa os conhecimentos tradicionais e garante o acesso aos
códigos escolares não-indígenas. Além disso, a formação da consciência da
cidadania, a capacidade de reformulação de estratégias de resistência, a
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promoção de suas culturas e a apropriação das estruturas da sociedade não-


indígena e a aquisição de novos conhecimentos úteis para a melhoria da
condição de vida dos índios fazem parte das pautas relativas à educação
escolar indígena. (GONÇALVES & MELLO, 2009).

Os Indígenas Potiguara fazem uso da Educação Indígena, com todas as peculiaridades


do seu povo, por meio dos ensinamentos dos mais velhos, trazendo à tona todos os rituais,
mitos, costumes, tradições, sua relação com a natureza e com os seres encantados, entre outros
preceitos de relevância para a continuidade das tradições do povo Potiguara da Paraíba.
Já a Educação Escolar Indígena é usada pelos Potiguaras da Paraíba para aprimorar os
costumes tradicionais e para atuarem de igual para igual com os não indígenas, dando direito
ao acesso a sociedade não indígena, fazendo seu povo aptos a discutir e buscar de forma
consciente a produção de políticas púbicas dentre tantos outros feitos que a educação escolar
proporciona para um povo.
Ter professores indígenas é um requisito muito importante exigido pelas escolas
indígenas, para que os pais, juntos com o corpo docente, possam participar de uma elaboração
pedagógica indígena. Neste caso, o perfil do professor indígena tem um papel fundamental no
desenvolvimento e aprendizagem em crianças da educação infantil.
Desde a colonização, os povos indígenas vivenciam a escola em suas vidas, pois deu
início através da catequização. No momento, o que os povos indígenas vêm reivindicando são
escolas onde suas culturas e raízes sejam preservadas.
Muitos desafios são enfrentados na busca para efetivar uma educação que não seja um
instrumento de intervenção no comportamento indígena. Professores indígenas acreditam que
o ensino bilíngue é fundamental, para garantir que a língua nativa não seja esquecida, e que os
estudantes sejam capazes de conhecer outros idiomas, exigidos pela sociedade.
Para atuar em sala de aula, os professores indígenas necessitam de uma formação
pedagógica (licenciatura) para estarem aptos a lecionar, no entanto, sua formação vai além da
formação tradicional, existe o curso de magistério indígena oferecido pelo Governo Federal em
parceria com o Governo Estadual. Há também o Programa de Licenciatura Intercultural
Indígena (PROLIND)1, criado junto com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a
FUNAI.

1 O Programa é financiado “[...] com recursos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade e, desde 2011, de Inclusão (Secad/Secadi), (teoricamente) da Secretaria de Educação


Superior (Sesu) e do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), levados a cabo,
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Mesmo que esses professores tenham um convívio com os costumes indígenas, é


necessária uma formação diferenciada para partilharem seus conhecimentos em suas práticas
pedagógicas. Com a formação diferenciada o professor indígena aprofunda seus conhecimentos
sobre as leias, a história, os costumes de outras aldeias e de outros povos.
Segundo Nascimento & Barcelos (2012), a palavra Potiguara, em português, significa
''povo comedor de camarão''. São aqueles que habitam as terras de Akajutibiró (“caju azedo ou
bravo”), antigo nome da Baía da Traição-PB. Hoje, Akajutibiró é o nome de uma das aldeias
pertencentes ao município da Baía da Traição.
As comunidades indígenas potiguara possuem vida, autonomia e convenções próprias.
São lideradas por um cacique (liderança) local e um cacique geral, que representa a aldeia diante
da sociedade indígena e não indígena.

Segundo Barcellos (2012) os Potiguara têm população de aproximadamente, 20.000 mil


indígenas, que habitam um território de 33.757 hectares, distribuídos em três áreas contíguas
nos municípios de Marcação, Baía da Traição e Rio Tinto, no Litoral Norte do Estado da
Paraíba.
A imagem a seguir se refere ao mapa de localização das Terras Indígenas Potiguara, que
estão localizadas em três municípios do Litoral Norte da Paraíba, Rio Tinto, Marcação e Baia
da Traição.

com amplo protagonismo, pela Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena (Secadi/MEC).”
(LIMA, 2016, p. 13).

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Figura 02: Mapa de localização das Terras Indígenas Potiguara

Fonte: Cardoso e Guimarães (2012).

De acordo com GOMES et al (2017), os Potiguaras habitam atualmente 32 aldeias,


presentes nos 3 municípios citados acima, são elas: Alto do Tambá, Forte, Cumaru, São
Francisco, Vila São Miguel, Laranjeiras, Santa Rita, Traiçoeira, Bento, Silva, Mata Escura,
Akajutibiró, Jaraguá, Silva de Belém, Vila Monte-Mór, Jacaré de São Domingos, Jacaré de
César, Carneira, Estiva Velha, Lagoa Grande, Grupiúna, Brejinho, Tramataia, Camurupim,
Caieira, Três Rios, Ybykuara, Grupiúna dos Cândidos, Coqueirinho, Val, Lagoa do Mato e Bem
Fica. Cada uma das aldeias possui um líder que é chamado de Cacique podendo ser do sexo
masculino ou feminino.
O povo Potiguara atua como pequenos agricultores e como pescadores. Na agricultura
utilizam suas terras para o plantio de macaxeira, feijão, inhame, batata, melancia, maracujá,
mamão, mandioca, milho, entre outros. Na pesca exploram os rios, mar, mangue e marés.
Utilizando barcos e canoas, pescam os mais variados tipos de peixes, caranguejo, siri,
crustáceos em geral.

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Os roçados são feitos pelas famílias indígenas, sendo definidos pelos chefes da família,
geralmente pelo homem. O cultivo também é feito com a participação de toda a família. A
colheita dos alimentos destina-se ao sustento dos membros da família e vizinhança. Parte dos
alimentos são trocados entre parentes. Quando existe excedente, os produtos são
comercializados em feiras livres.
Na pesca não é diferente, os chefes de família vão com toda a família, inclusive com as
crianças. A pesca é o sustento e a ocupação na maioria das famílias que residem próximo dos
rios ou mares. Com relação ao cultivo da cultura indígena Potiguara BARCELLOS &
NASCIMENTO (2012) definem que:

[...]nos últimos séculos o povo Potiguara vem sofrendo influência de outros


povos, desde a chegada dos portugueses, porém não perderam suas
características e suas tradições e ainda hoje cultivam seus costumes e seus
valores de origens, como as pinturas feitas em seus corpos, além de outras
expressões culturais como o ritual do toré. (BARCELLOS & NASCIMENTO,
2012).

Mesmo diante da influência da sociedade não-indígena, como citado por Barcellos e


Nascimento, o povo Potiguara luta pela preservação de seus costumes.
As escolas indígenas dialogam diretamente com a diversidade cultural Potiguara,
levando para dentro do ambiente escolar as práticas culturais de seu povo, através dos
professores e anciões indígenas, onde são realizadas oficinas culturais.
Fora do ambiente escolar (sem as paredes de concreto), os estudantes aprendem com os
professores e anciões, a importância de vivenciar a pratica, pescando nos rios e marés; indo aos
roçados, aprendendo sobre o plantio e entendendo a importância da agricultura familiar para
seu povo; entrando nas matas e conhecendo as espécies de plantas medicinais que podem ser
usadas para tratar diversos tipos de doenças.
O povo potiguara se encontra em um espaço de natureza agradável, podendo desfrutar
de um ecossistema bem diversificado, com flora e fauna peculiares. Neste ambiente é possível
encontrados rios, praias, recifes de corais, cachoeiras e lagoas envoltas com Mata Atlântica e
manguezais banhados por baías.

Sob o ponto de vista metodológico optamos por uma pesquisa bibliográfica, feita a partir
de levantamentos em livros, artigos, se baseando em trabalhos científicos para uma melhor
análise dos dados.

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Neste sentido Lakatos e Marconi (2003, p.82), defende que toda ciência utiliza
métodos científicos, mas não significa dizer que todos os ramos que os utilizam podem ser
considerados ramos científicos, ou seja, a utilização dos métodos científicos não é exclusividade
das ciências, mas não existe ciência sem metodologia científica.

Assim o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com


maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos
válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e
auxiliando as decisões do cientista. (LAKATOS E MARCONI, 2003, p.82).

Desta forma e seguindo tais preceitos, a metodologia aplicada neste trabalho baseia-se
em uma pesquisa bibliográfica. Para Fonseca (2002) a pesquisa bibliográfica é feita a partir do
levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos,
como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com
uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o
assunto.
Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa
bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher
informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a
resposta. Por sua vez, para Gil (2007), os exemplos mais característicos desse tipo de pesquisa
são sobre investigações, sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das diversas
posições acerca de um problema.
Para Francis Bacon (1561-1626), o conhecimento científico é o único caminho seguro
para a verdade dos fatos, sendo este fundamentado exclusivamente na experiência, sem levar
em consideração princípios preestabelecidos, por este motivo o método utilizado nessa pesquisa
foi o Indutivo. Conforme Lakatos e Marconi (2003), os argumentos indutivos criam um
exercício para o pensar cujo caminho é feito de observações particulares (premissa), tomadas a
priori como verdadeiras, a generalizações conceituais (conclusões) que podem ser verdadeiras.
A partir da pesquisa e leitura dos autores, que muito contribuíram para a realização
deste trabalho, identificamos que a educação escolar indígena funciona como parte integrativa,
entre aldeia e sociedade não indígena, porque além de repassar os saberes ancestrais para os
estudantes, repassa também os conhecimentos dos não indígenas.
3 CONCLUSÃO

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Á guisa de conclusão, identificamos que mesmo diante dos preconceitos existentes pela
sociedade não-indígena, os Potiguara lutam constantemente pela perpetuação dos valores e
costumes de seus ancestrais. As escolas indígenas têm um importante papel nesta luta
identitária, assim como a família e a comunidade, a escola ensina desde cedo que estudantes
precisam participar e se envolver com as atividades da sua aldeia, pescando; plantando;
cultivando; colhendo; fazendo artesanato; estudando, entre outras práticas realizada pelos
Potiguara.
Neste trabalho, destacamos a importância da educação escolar indígena no território
Potiguara, onde os professores indígenas, são protagonistas e deixam seu legado, pois além de
levar para a sala de aula o conhecimento científico, levam para seus alunos o conhecimento
tradicional, fazendo com que os conhecimentos dos antepassados estejam no cotidiano dos
alunos. A educação escolar indígena do povo Potiguara da Paraíba vai muito além da sala de
aula. Os povos indígenas são bem articulados, organizados e sua educação escolar é aceita pela
comunidade.

REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Lusival; NASCIMENTO, José Mateus do. O povo Potiguara e a luta pela
etnicidade. In: NASCIMENTO, José Mateus do (Org.). Etnoeducação Potiguara Pedagogia
da Existência e das Tradições. João Pessoa: Ideia, p. 11-25, 2012.

_________. Práticas educativo-religiosas dos indígenas Potiguara da Paraíba. João Pessoa:


Editora da UFPB, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:


promulgada em 5 de outubro de 1988. Com as alterações adotadas pelas emendas
constitucionais nº. 1/92 a 56/2007 e pelas emendas constitucionais nº 1 a 6/94.

BRASIL. II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI). Brasília,


2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Referenciais para a formação de professores indígenas/


Secretaria de Educação Fundamental - Brasília: MEC; SEF, 2002.

CIME, Conselho Indigenista Missionário: Estatuto dos Povos Indígenas. TÍTULO I Dos
Princípios e Definições, Capítulo I, Dos princípios. Disponível em: <http://
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=paginas&conteudo_id=5710&action=read>.
Acesso em: 02 set. 2018.

FAUSTINO, R. C. Políticas educacionais e educação escolar indígena no Paraná.


Universidade Federal de Santa Catarina: [201-?]. Disponível em:
http://www.rizoma.ufsc.br/pdfs/936-of10b-st3.pdf . Acesso em agosto de 2017.

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FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.

FREIRE. Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 28,
2004.

FUNAI. Disponível em: http://www.funai.gov.br Acesso em 20 de agosto de 2017.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

GERHARDT, Tatiana Engel. SILVEIRA, Denise Tolf. Coordenado pela Universidade Aberta
do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão
para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. Métodos de pesquisa. – Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2009.

GOMES, Leonardo Cinésio; GOMES, Ivanilza Cinésio; AZEVEDO, Jaíne da Silva.


Contornos da Entrada dos Potiguara no Ensino Superior. Anais do V enei, Encontro
nacional de Estudantes Indígenas, Salvador – BA, 11 a 15 de setembro 2017.

GONÇALVES, E.; MELLO, F. Educação Indígena. Colégio Estadual Wolf Klabin. Telêmaco
Borba, 2009. Disponível em http://estagiocewk.pbworks.com/f/emily+e+fernanda.pdf, acesso
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LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia


científica 1 - 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003.

LIMA, Antônio Carlos de Souza. A educação superior de indígenas no Brasil. [recurso


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NASCIMENTO, José Mateus do; SILVA, Paulo R. Palhano. Educação Escolar Indígena
Potiguara.NASCIMENTO, José Mateus do (Org.) Etnoeducação Potiguara Pedagogia da
Existência e das Tradições. João Pessoa: Ideia, p.75. 2012.

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PESQUISA PARA CONSTRUÇÃO DE INVENTÁRIO PARTICIPATIVO: O CASO
DA ALDEIA TRAMATAIA – PB.

Elizabete da Silva Lopes


Graduada no curso de Secretariado Bilingue - CCAE- UFPB
E-mail: eliza_mme11_@hotmail.com

Maria Luzitana Conceição dos Santos


Mestre em Gestão do Desenv. Local Sustentável – CCAE- UFPB
E-mail: luzdosol.pe@gmail.com

RESUMO: Este estudo reflete sobre a Assessoria Aberta nas práticas metodológicas de
extensão-pesquisa para construção de Inventário Participativo. Objetivamos identificar alguns
limites e possibilidades de contribuições da Assessoria Secretarial Aberta na prática da pesquisa
participativa desenvolvida através da extensão-pesquisa, junto a comunidade indígena da
Aldeia Tramataia-PB. Especificamente, buscamos: identificar teoricamente a
interdisciplinaridade e perceber algumas de suas formas práticas, na perspectiva da extensão-
pesquisa junto ao projeto RECOSEC/PROEXT; reconhecer como são identificadas (ou não)
algumas formas de relação entre a Assessoria Aberta e a Metodologia Participativa; Distinguir
algumas práticas da Assessoria Aberta que contribuíram no processo de construção e
desenvolvimento da metodologia participativa. BRASIL (2016), DIAS E FREIRE (2012),
HIGGINS (1995), IPHAN (2016) foram os principais autores que nos apoiamos para
construção do campo teórico-metodológico. No primeiro momento, verificamos que, a
assessoria aberta não foca apenas as técnicas secretariais, vez que envolve múltiplas dinâmicas
na execução das atividades, que por sua vez não ficam restritas a espaços de escritório. O
Secretário tem a liberdade de atuar em outros espaços. Verificamos que no decorrer do projeto
um intercâmbio de conhecimentos entre os sujeitos da comunidade que através de uma relação
dialógica (FREIRE, 2005) evidenciaram necessidades culturais e sociais da comunidade. Como
resultado, identificamos um caminhar para modificações paradigmáticas do fazer secretarial
que. Contudo, enquanto processo de transição, nem todos/as os/as estudantes que conseguem
lidar com as multitarefas na perspectiva da Assessoria Aberta.

Palavras chave: 1. Assessoria Aberta; 2. Interdisciplinaridade Secretarial; 3. Metodologia Participativa.

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1 INTRODUÇÃO

As atribuições destinadas ao profissional de Secretariado têm recebido novas


configurações. O novo século trouxe mudanças impactantes à profissão, no que diz respeito ao
dinamismo, amplitude no campo de atuação, protagonismos em fases do processo de trabalho
e interrrelação com diferentes culturas, como a cultura indígena.
Tais mudanças são perceptiveis igualmente nas práticas educativas do profissional de
secretariado, seja no ensino, na pesquisa ou na extensão. A considerar nossa participação no
projeto de extensão RECOSEC, este estudo teve como propósito geral identificar os limites e
possibilidades de contribuições da Assessoria Secretarial Aberta na prática da pesquisa
participativa desenvolvida através da extensão-pesquisa, durante prática extensionista junto a
educadores indígenas. Para alcançarmos tal objetivo, buscamos desenvolver os objetivos meio-
estratégico focado em: 1 – identificar teoricamente a interdisciplinaridade e perceber algumas
de suas formas práticas, na perspectiva da extensão-pesquisa junto ao projeto
RECOSEC/PROEXT; 2 – reconhecer como são identificadas (ou não) algumas formas de
relação entre a Assessoria Aberta e a Metodologia Participativa; e 3 – distinguir algumas
práticas da Assessoria Aberta que contribuíram no processo de construção e desenvolvimento
da metodologia participativa, nas dinâmicas de inventário participativo na Aldeia Tramataia-
PB, Brasil.
Em função de haver atuado como extensionista do Projeto Rede Educativa
Empreendedora e Colaborativa no Secretariado – RECOSEC/PROEXT 2016 como estudante
do curso de Secretariado Executivo Bilíngue tive o interesse em registrar as possibilidades de
aplicação do conceito sobre a Assessoria Aberta de Nonato Júnior (2009) relacionada à
dinâmica vivencial da metodologia participativa. Um dos resultdos foi o Inventário
Participativo na vertente do patrimônio cultural imaterial (maré de Tramataia) e uma cartilha
educativa sobre a relação da maré e a prática educativa dos/as professores/as indigenistas, na
manutenção da identidade cultural indígena.
Neste contexto, esta motivação decorre da utilização da metodologia de Inventário
Particiativo (HIGGINS, 1995) durante o Projeto RECOSEC. Tal prática possibilitou a escrita
do meu Trabalho de Coclusão de Curso (TCC), de onde emerge este texto. O caminho
investigativo expandiu olhares na perspectiva da interculturalidade critica (HASS, 2011).
O projeto RECOSEC atuou na articulação da política de patrimônio cultural de cidades
do Vale do Mamanguape/PB e fez uso da metodologia participativa através do inventario
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participativo em cinco cidades do Vale do Mamanguape. Na qualidade de bolsista, atuei na


Aldeia Tramataia situada na cidade de Marcação-PB. A dinâmica de articulação e
implementação dos pressupostos teóricos ocorreu junto a lideranças comunitárias,
professoras/es da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Cacique Iniguaçu,
com aval de representante da FUNAI, juntamente com professores/as e extensionistas do
RECOSEC. Os pressupostos teóricos, em especial a metodologia participativa possibilitou
inventariar algumas ações humanas na Maré como patrimônio cultural da Aldeia Tramataia.
Verificou-se que a discussão sobre o Patrimônio Cultural apresenta-se imprescindível
para realizar uma dinâmica que envolve tradições, monumentos, preservações ambientais e
criação contemporânea. O Patrimônio Cultural atua na preservação dos aspectos culturais
presentes nos espaços sociais e na natureza.
A decisão da escrita com base no Inventário Participativo teve alguns elementos
relevantes, dentre os quais: i) a necessária sistematização das práticas secretariais, a partir do
conceito de Assessoria Aberta. Um processo inovador que envolveu a aplicabilidade prática da
teoria; ii) importante momento de registrar a história e memória das atividades em alusão a Lei
11.645/2008. Esta legislação estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-
brasileira e indígena.
Desse modo, o desenvolvimento desse artigo estrutura-se nesta introdução com breve
apresentação. Caminha na abordagem sobre as metodologias participativas com enfoque nos
Inventários Participativos, percorre sobre o conceito de Assessoria Aberta com ênfase na
interrelação com a Assessoria Aberta Transdisciplinar. Tece abordagem sobre a extensão e
apresenta o conceito de extensão-pesquisa, seguido da metodologia, resultados e discussões e
das conclusões “para não concluir”.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS

As metodologias participativas, de acordo com HIGGINS (1995) são formadas a partir


de um conjunto de definições e teorias, que ultrapassam as barreiras técnicas e se atentam aos
fatores e conhecimentos sociais presentes em uma dada comunidade. Este procedimento
metodológico, a exemplo do Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), possibilita a troca de
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experiência através de relações dialógicas, fato que pode suscitar ações emancipatórias e
transformadoras em um determinado ambiente.
Conforme Dias e Freitas (2012), um Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) contribui
com o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos de maneira coletiva. O DRP possibilita
realizar diferentes reflexões sobre a realidade e a exposição de múltiplos olhares, a partir de
diferentes saberes e necessidades.
Os referidos autores revelam que o DRP se apresenta como um conjunto de enfoques e
métodos. Parte da opinião popular local para buscar superar desafios coletivos. Nesse sentido,
a metodologia contribui para o desenvolvimento de ações coletivas que sejam mais próximas
da realidade pesquisada, uma vez que considerando o exposto, entendemos que a metodologia
em discussão nesse estudo favorece uma prática transformadora que resulta em uma nova
configuração nas estratégias que buscam uma participação popular como meio para a
descoberta de novos saberes.
Já Higgins (1995) aponta que uma gestão cultural participativa implica em um ambiente
cultural que não possui características passivas e cômodas. A metodologia participativa instiga
uma construção criativa e considera de maneira libertária os diversos pensamentos, sem
classificá-los e rotulá-los.
Oliveira, Silva et al (2016) confirmam as informações anteriores quando dizem:
A formação acerca de metodologias participativas justifica-se enquanto esteio para a
práxis e pelo fato de que o mundo do trabalho demanda por profissionais com
habilidades e competências que reverberem em práticas cidadãs (OLIVEIRA; SILVA
et al, 2016, p. 01).

A dinâmica acima expressa está de acordo com os pensamentos de Paulo Freire, teórico brasileiro
que transformou a educação e outros espaços organizacionais com a sua ideologia de uma pedagogia
libertária, que considerava o pensamento crítico de cada indivíduo para o fortalecimento de práticas
cidadãs, necessárias para a composição de uma sociedade emancipada.

2.2 PESQUISA PARTICIPATIVA EM INVENTÁRIOS PARTICIPATIVOS

O manual do Governo Federal intitulado “Educação Patrimonial: inventários


participativos”, explica que o inventário participativo tem a função de resguardar o patrimônio
cultural através de tarefas formativas que levam em consideração o conhecimento popular, bem
como sua participação (BRASIL, 2016).

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Isto posta, compreendemos que inventar é uma maneira de pesquisar. Contudo, para além
de um mero processo de coleta de dados em seguida processados e organizados, precede a
respeitabilidade de interagir, ouvir, se colocar no lugar para a percepção do mundo de outro
olhar. Essa dinâmica possibilita tanto um melhor conhecimento de um dado fenômeno que se
pretende conhecer, quanto à interação com o seu mundo de forma ecológica. Um mundo de
interações entre saberem acadêmicos e potiguaras.
Nessa simbiose, passa a fazer sentido à prática da pesquisa participante. Torna-se
“...necessário um olhar voltado aos espaços da vida, buscando identificar as referências
culturais que formam o patrimônio do local” (BRASIL, 2016, p.07), dinâmica própria do
Inventário Participativo.
De acordo BRASIL (2016), o inventário participativo não pode ser considerado um
instrumento de identificação e reconhecimento oficial de patrimônio, pois o mesmo não pode
substituir as ferramentas de proteção dos órgãos de preservação do patrimônio. Contudo o
inventário participativo se constitui através da participação social dos indivíduos e viabiliza o
desenvolvimento de relações cidadãs. As experiências registradas são preservadas e servem de
fonte de estudo para os ciclos internos de aprendizado de todos/as os/as envolvidos/as.
Sobre o surgimento do inventário participativo o Iphan (2016) revela:

O Inventário Participativo é uma ferramenta para a mobilização social em torno das


referências culturais. Ele nasceu como um material pedagógico para o Programa Mais
Educação, portanto, direcionado ao contexto escolar. No entanto, sua apropriação pela
sociedade civil e pelas comunidades se deu por demandas espontâneas. Tivemos
notícia de que Pontos de Cultura, Pontos de Memória, comunidades indígenas e
quilombolas já estavam auto inventariando suas referências culturais utilizando o
Material do Programa Mais Educação. Foi daí que surgiu a ideia de transformar a
linguagem do inventário, inicialmente preparado para as escolas, e direcioná-los para
as comunidades e pra toda sociedade (IPHAN, 2016, s/p).

O Iphan (2016) explica que o Inventário Participativo é um elemento que contribui com
uma mobilização social. No tocante as necessidades culturais, o mesmo contribui com diversas
produções de conhecimento em busca de uma valorização dos bens culturais de uma dada
localidade ou de um país. O desenvolvimento do Inventário Participativo auxilia, inclusive, na
formulação de políticas públicas voltadas a determinados públicos – alvo.
Segundo o Portal do Instituto Brasileiro de Museus, o primeiro benefício que o inventário
participativo proporciona é a autoidentificação das comunidades. Antes que as experiências
culturais sejam transpassadas para outras esferas sociais, o inventário permite que os grupos
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locais possam se autoconhecer. Essa experiência é muito benéfica para o resgate das memórias
históricas, uma vez que retira da invisibilidade raízes culturais de um determinado povo,
dinâmica que contribui com a perpetuação do patrimônio cultural (IBRAM, 2016).
O Portal Ecomuseus (2017) traz reflexões importantes sobre o papel do inventário
participativo:
O Inventário participativo é um dos componentes do processo de Gestão Patrimonial
[...] Corresponde, ao início do processo de patrimonialização, que é feito a partir da
tomada de consciência, por um determinado número de membros duma comunidade
(o maior possível), do território (espaço) e do seu tempo, através dos elementos
relevantes (memórias, objetos, pessoas, tradições, etc.) Trata-se dum trabalho coletivo
que assume funções educativas (ECOMUSEUS, 2017, s/p).

Assimilamos que inventariar de maneira participativa estabelece uma construção de uma


carta de patrimônio, também conhecida como carta da comunidade. Assim, é possível produzir
registros que possam ser passados de geração à geração. Para ter acesso a informações
“conversem com quem produz e conhece as referências culturais pesquisadas, como
[intelectuais populares de saberes afro-indígena], mestres de cultura popular, parteiras,
contadores de histórias, artesãos, cirandeiros, entre outros” (BRASIL, 2016, p.09).
O inventário participativo possibilita às diferentes culturas sociais se expressarem por
meio da produção de diferentes conhecimentos. Nesta perspectiva, a comunidade local é muito
valorizada e os bens culturais atuam como referência para a formulação de políticas públicas.
Foi nesse território metodológico norteado pelas práticas dos Inventários Participativos
que, por meio do projeto de extensão RECOSEC Assessoria Aberta, conforme veremos a
seguir.

3 ASSESSORIA ABERTA

De acordo com Nonato Júnior (2012, p.122), assessoria aberta caracteriza as atividades
das assessorias executivas desenvolvidas na mediação das necessidades
organizacionais/institucionais. Ou seja, ocorrem ações por meio de programas interculturais
viabilizados por meio de práticas sociais. A assessoria aberta considera os fatores que fazem
parte do cotidiano dos indivíduos, a exemplo de problemáticas culturais e ambientais. Nessa
perspectiva, a gestão secretarial é exercida de modo plural e não convencional.

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A assessoria aberta considera fenômenos sociais contemporâneos. Em decorrência destes,


as atividades de gestão secretarial são desenvolvidas embasadas em temáticas de interesse do
ambiente organizacional/institucional (NONATO JÚNIOR, 2009, p.120).
No passado, o/a secretário/a executivo/a desenvolvia suas atividades em ênfase nas
técnicas e, em certa medida, alheia às necessidades sociais. Nesse contexto, Camargo e
Nascimento et. al (2015) argumenta:

Antigamente, as atividades que o profissional Secretário Executivo desenvolvia, eram


funções simples, da primeira assessoria, hoje, ele passa para o papel de assessor,
intelectualmente, desenvolvendo diversas atividades decisórias saindo do setor de
atuação básica (CAMARGO; NASCIMENTO et. al, 2015, p.06).

Conquista do trabalho intelectual o campo conceitual, a assessoria aberta, de acordo com


Nonato Júnior (2009) ao mesmo tempo em que resulta de inovações estimula o desenvolvimento de
tantas outras. No caso das novas tecnologias inseridas nos setores de atuação da profissão em debate
têm possibilitado o desenvolvendo de diferentes trabalhos cujos quais intercambiam perspectivas
empíricas e científicas.
A partir do campo teórico-conceitual da Assessoria Aberta (NONATO JÚNIOR, 2009) e, no
projeto RECOSEC, articulado à metodologia do Inventário Participativo (HIGGINS, 1995) para além
das funções técnicas tão importantes ao fazer secretarial tem sido possível desenvolver uma assessoria
aberta de gestão participativa. Ou seja, o exercício empírico-teórico de exercer um trabalho de
assessoria aberta por meio da gestão participativa numa dinâmica colaborativa. Tal dinâmica de
assessoria para além de funções técnicas demanda participação, argumentação e construções
colaborativas na dinâmica dos processos decisórios entre todos os atores inseridos na dinâmica de
inventariar.

3.1. ASSESSORIA ABERTA TRANSDISCIPLINAR

Nonato Júnior (2009) reflete que dentro da Assessoria aberta existe uma série de atividades
complexas. Estas configuram um novo perfil do/a Secretário/a Executivo/a. Tal perfil tem implicado em
adequações junto aos recursos humanos, ambientais, culturais, tecnológicos, econômicos e políticos.
Portanto, Secretários/as Executivos/as (inclusive em formação) necessitam aprender como relacionar
especificidades teóricas desses recursos às práticas secretariais.
Oliveira (2011) aponta que dentro do setor de trabalho, o que não precisa ser necessariamente
um escritório, se faz necessário uma dinâmica de planejamento, na perspectiva de gerenciar ações
secretariais. A implantação de redes de suportes entre atores culturais e o meio cultural foi uma forma
de inserir elementos de gestão secretarial durante a prática do projeto RECOSEC, por se tratar de uma
forma equilibrada para se manter um bom funcionamento entre o meio, o projeto, os atores culturais e
os acadêmicos universitários.
Dentro das possibilidades de se exercer a assessoria aberta encontram-se os direcionamentos
transdisciplinares. Extensão repleto de inovação e características que dialogam com fenômenos sociais.
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Assim, através do conceito de Assessoria Aberta, o profissional de secretário desenvolve uma prática
profissional mais dinâmica e imersa em conhecimentos que conversam ente si (NONATO JÚNIOR,
2009).
Calegare e Silva Júnior (2012) defendem que através da transdisciplinaridade é possível obter
visões que superam o contexto científico, fato que ocorre nos limites dos diferentes conhecimentos que
podem se complementar. Os autores ainda afirmam:

[...] a transdisciplinaridade busca a unidade do conhecimento. No caso da ciência


moderna, esses princípios de unidade, como a matematização e formalização, foram
os que enclausuraram as disciplinas – por serem unidades hiperabstratas e
hiperformalizadas que tornaram o real unidimensional. Atualmente, a
transdisciplinaridade busca a unidade não pela redução do real a uma leitura, mas pelo
diálogo possível entre diferentes dimensões da realidade. Por esse motivo, parte-se da
disciplinaridade para compreender a realidade, mas não se restringe a essa
(CALEGARE; SILVA JÚNIOR, 2012, p. 229).

Nonato Júnior (2009) colabora dizendo que a Assessoria Aberta Transdisciplinar (AAT)
contribui no desenvolvimento da pesquisa investigativa sobre determinados conhecimentos científicos
justapostos a um dado problema social. Embora o objetivo dessa relação seja extremamente desafiador,
faz evidenciar que o intuito secretarial não é de exercer um mero assessoramento, mas de contribuir para
transformar uma realidade social. Para tanto, o campo formativo da extensão-pesquisa (tem se mostrado
deveras profícuo).

3.2 EXTENSÃO

Os Projetos de Extensão da Universidade Federal da Paraíba são coordenados pela Pró-reitoria


de Extensão e Assuntos Comunitários (PRAC). O objetivo é estabelecer os princípios principais da
extensão através de atividades acadêmicas sociais, além da produção e democratização dos
conhecimentos (UFPB, 2014).
Os eixos de investigação desse estudo são bases para a compreensão do inventário
participativo. Nessa linha de ação, a respeitabilidade e valorização da comunidade é o ponto de partida
da ação. Já os bens culturais os desenvolvidos, colocam-se como referência para a formulação de
políticas públicas.
Com base na Resolução 61/2014, no Campus IV da UFPB, o projeto RECOSEC2 deu início
as suas atividades Campus IV em 2012 com o nome “Rede Empreendedora e Colaborativa no
Secretariado”. Em 2015, adotou o nome “Rede Educativa Empreendedora e Colaborativa no
Secretariado” tendo em vista a importância da educação na construção da rede. Em 2018, identidades
pré-existentes saem da subalternidade do mundo acadêmico e o projeto adota o nome de “Rede Afro-
latino-empreendedora, Educativa e Colaborativa no Secretariado”, permanecendo a siga RECOSEC.
Além do curso de secretariado executivo que tem ficado à frente da coordenação das ações,
estudantes e professores/as de Antropologia, Ciência da Computação, Contabilidade, Design, Ecologia,

2
Para conhecer mais detalhes dos inventários realizados consulte o site: http://www.ufpb.br/culturasdovale.
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Licenciatura em Letras, Sistema da Informação, têm estabelecido relações de parcerias com foco ações
voltadas à política de patrimônio cultural, inclusive na perspectiva afrocentrada e afro-indígena.

3.3 EXTENSÃO-PESQUISA

Em 2016, o projeto foi um dos 3 beneficiados com recursos do Programa de Extensão do


Ministério de Educação e Cultura (PROEXT/MEC), o que possibilitou atuação em cinco cidades do
Vale do Mamanguape- PB, com um total de 16 bolsas 5 destas eram destinadas a estudantes do curso
de Secretariado.
O trabalho de extensão-pesquisa, contou com participação de professores/as extensionistas do
RECOSEC e integrantes da Escola Cacique Iniguaçu, situada na Aldeia. Sua principal característica foi
de ser um projeto de extensão que somente foi possível ser realizado através de contínuas e sistemáticas
interações – um contínuo de relações dialógicas, sendo neste contexto, a metodologia utilizada de
fundamental importância.
Paulo Freire foi um grande teórico brasileiro que propôs uma educação que partisse do diálogo
entre os indivíduos. Este notório pensador brasileiro de envergadura mundial enfatizou que a troca de
experiências são fortalecedoras às transformações sociais e educacionais. Paulo Freire apresentou
características de uma educação baseada no diálogo, das vivências cotidianas socioculturais das classes
populares, tendo como proposta construir espaços para debates entre atores da sociedade (GADOTTI,
TORRES 2001).
A educação que parte da realidade da comunidade, do trabalho das experiências sociais,
corresponde à proposta dialógica lançada por Paulo Freire. A visão crítica desse pensador entendia que
o ser humano é muito criativo. As condições ambientais que o indivíduo se encontra favorecem o
despertar do conhecimento, uma vez que nós aprendemos através das relações que estabelecemos com
o outro. Ademais, o autor supracitado salienta que, de acordo com a troca de experiência, é despertado
um conhecimento significativo que nos desenvolve e nos torna autônomos (GADOTTI, TORRES 2001).
Buscamos nesse estudo identificar teoricamente a interdisciplinaridade e perceber algumas de
suas formas práticas, na perspectiva da extensão-pesquisa junto ao projeto RECOSEC/PROEXT. Além
de reconhecer como são identificadas (ou não) algumas formas de relação entre a Assessoria Aberta e a
Metodologia Participativa na vivência extensionista.

4 METODOLOGIA

A depender do olhar, há perdas e ganhos na adoção de metodologias participativas. Em relação


ao tempo moderno, quase sempre adotado pela academia, as perdas se dão nos limites dos cronogramas
de pesquisa. Sobre os ganhos, do ponto de vista da participação dos saberes populares, a estratégia
considera os aspectos participativos. Mintzberg e Ansoff (2001) mencionam que esse processo é repleto
de criatividade. Ao envolver diferentes dinâmicas, envolve fatores cognitivos sociais dos sujeitos, novas
descobertas ocorrem mediante uma inovação metodológica que potencializa e fortalece as relações.
As metodologias de participação colaboram com o desenvolvimento de atividades, de modo
que possam ser fruto da interação ao longo do processo. Este fator fortalece as relações entre os

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diferentes sujeitos no espaço criativo da comunicação que se estabeleça por meio de relações dialógicas,
respeitabilidade e transparência.
Sobre as relações dialógicas, Paulo Freire (2005) nos ensina que são consideradas como um
processo que envolve a constituição do eu e do outro, sendo um meio pelo qual o sujeito busca sua
compreensão na história, permitindo sua transformação na sociedade por uma busca da liberdade.
Desse modo, Almeida e Cardoso (2014) apontam que refletir, elaborar e planejar ações de
forma coletiva, tendo como prioridade o olhar e os discursos, tira o público da situação recipiente de
receber ou adotar para ‘construir’ a lógica da metodologia participativa. Tal lógica orientada por relações
democráticas de humanidade e respeitabilidade tendem a convergir para as dinâmicas da pesquisa
participante.
O RECOSEC desenvolveu atuação articulada à política de patrimônio cultural em cidades do
Vale do Mamanguape/PB. A metodologia participativa foi adotada e executada através do Inventário
Participativo em 05 (cinco) cidades do Vale do Mamanguape foram estas: Mamanguape, Rio Tinto,
Marcação, Baia da Traição, Itapororoca.
Embora as estudantes do curso de Secretariado Executivo participantes do projeto RECOSEC
tenham atuado em 05 (cinco) cidades, cada uma ficou responsável em liderar a Assessoria Aberta em
uma das cidades/polo, motivo pelo qual este trabalho tem foco específico na cidade de Marcação, de
forma mais precisa, na Aldeia Tramataia.
É importante ressaltar que todas as estudantes de secretariado atuaram paralelamente e de
modo coletivo junto ao Laboratório de Práticas Secretariais – LabSec (parte administrativa do projeto)
e nas fases preparatórias de ida à campo. Também atuaram nas atividades de aplicação da ferramenta
(Inventário), coleta de dados e sistematização do Inventário Participativo.
A Aldeia Tramataia situada na cidade Marcação está localizada a 5 km da cidade de Marcação
no estado brasileiro da Paraíba. A maior parte de seus moradores é da etnia Potiguara. A paisagem
natural do lugar se completa pela presença da vegetação do mangue emoldurada pelo tranquilo Rio
Mamanguape. Tramataia vem do tupi e significa erva que cura e é o nome de uma planta medicinal
usada para combater o inchaço provocado pelo contato com as cascas dos crustáceos e moluscos do
mangue.
Na referida Aldeia, inicialmente foi feita uma abordagem junto às lideranças comunitárias,
professores/as e representantes da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Cacique
Iniguaçu e representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O Inventário Participativo, contudo,
foi desenvolvido com os/as professores/as da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio
Cacique Iniguaçu (SAMPAIO, 2015).
Visando nos aproximar ao máximo do tema abordado, participamos de encontros formativos
sobre Patrimônio Cultural, o mesmo objetivava inventariar a cultura de cinco cidades: Mamanguape,
Rio Tinto, Marcação, Baia da Traição e Itapororoca. Nos encontros, eram desenvolvidas discussões
sobre a perspectiva de inventariar e qual seria a melhor forma de desenvolver esse fazer.
Nos encontros vivenciados, decidimos em coletivo os momentos estratégicos para realizar as
visitas a campo, que por sua vez ocorriam sempre na presença de um professor supervisor. As formações
subsidiaram o desenvolvimento das ações do projeto e ajudaram a identificar as dificuldades ocorridas,
no intuito de posteriormente solucioná-las, para tanto, o auxílio das produções científicas foram
essenciais. Buscamos informações sobre a temática em artigos e sites especializados, bem como livros
e cartilhas que tratam da temática.

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4.1 RESULTADO E DISCUSSÃO

O Trabalho do RECOSEC na aldeia Tramataia teve início com o mapeamento da região,


mediante ação conjunta com colaboradores da comunidade, a exemplo de professores e lideranças da
Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Os atores culturais envolvidos, notoriamente os/as
professores/as e funcionários/as da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Cacique
Iniguaçu evidenciaram, por meio das ações do Inventário Participativo, a necessidade de mapear as
ações humanas na da Aldeia Indígena.
A presença da Maré na comunidade de Tramataia é de suma importância para a sobrevivência
dos povos que habitam àquela localidade, pois representa uma fonte de renda e até mesmo qualidade de
vida.
Através do mapeamento da maré, pudemos compreender de forma mais precisa, as riquezas
naturais que contemplam a região, observamos a diversidade de vida que está presente naquela
localidade. Através de visitas, identificamos quais os períodos liberados para a pesca e como a
comunidade tem preservado o meio ambiente. Portanto, notamos que existe uma biodiversidade
plausível na Maré e em seu entorno, fato que necessidade de ações constantes de preservação através de
uma conscientização diária para os moradores da aldeia e principalmente os turistas. (SANTOS,
GIOVANNINI JÚNIOR, 2018.)

5. CONCLUSÃO

Neste Trabalho tivemos como objetivo geral identificar os limites e possibilidades de


contribuições da Assessoria Secretarial Aberta na prática da pesquisa participativa
desenvolvida através da extensão-pesquisa, junto a comunidade indígena da Aldeia Tramataia-
PB.
Ao longo das atividades do projeto RECOSEC identificamos diferentes momentos de
intercâmbio de conhecimento entre os atores culturais e os sujeitos acadêmicos. As pessoas
posicionaram-se e colocaram os seus pontos de vista mediante as necessidades culturais e
sociais da comunidade. Diante de alguns conflitos, buscaram-se soluções participativas que
atendessem aos interesses da comunidade assistida sem, contudo, ferir princípios legais ou
normativos institucionais e, especialmente, da cultura indígena.
Vivenciamos na prática a interdisciplinaridade curricular em dinâmicas de autonomia, de
maneira a colaborar satisfatoriamente tanto para a profissão do secretarial quanto para
educadores/as indígenas, sendo assim mais dinâmico e holítico.

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É notória a função pedagógica da interdisciplinaridade enquanto esteio, ou seja, ponte de


ligação tanto entre o foco do projeto, os membros das equipes, quanto entre os conhecimentos
produzidos e a atuação secretarial ressignificada por meio do campo teórico da Assessoria
Aberta.
É importante destacar que foi adotada uma linguagem menos rebuscada, porém lastreada
nos conhecimentos adquiridos ao longo do curso, de outros cursos e outros saberes (saber
indígena), o que possibilitou reduzir distâncias relacionais entre a equipe e o público do projeto,
elemento importante para concretização interdisciplinar.
Por meio da Assessoria Aberta Transdisciplinar, notamos que o/a secretário/a executivo/a
alça espaço para tornar-se mais competitivo em meio às relações do mundo do trabalho. Por
meio destas com base nas experiências vivenciadas na prática da extensão-pesquisa,
percebemos como possível ressignificar as dinâmicas entre os saberes universitários e os
saberes indígenas.
O projeto RECOSEC empreendeu e potencializou uma troca dialógica entre diferentes
culturas (a cultura indígena e a cultura acadêmica). Embora, seja possível identificar esta
relação no ambiente acadêmico (uma vivência do meio externo para o intramuros), não temos
notícia de prática a partir do protagonismo secretarial de atuar e desenvolver por meio empírico
sua prática teórica (partindo do intramuros para a realidade social).
Em termos de possibilidades, percebemos que vivência possibilitou um trabalho
construtivo, participativo, colaborativo e dialógico. Contudo, visualizamos concretamente
como limites de atuação da versão PROEXT/2016 do projeto RECOSEC a inter-relação entre
a metodologia de Inventários Participativos junto às práticas culturais da população negra,
especialmente dos movimentos sociais de mulheres negras e de outros sujeitos coletivos da
população afrodescendentes, seja em perspectiva local ou global. Esperamos, em investigações
futuras, tecer caminhos metodológicos que possibilitem situar a cultura negra no devido
patamar de patrimônio cultural.

REFERÊNCIAS

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Participativo e Matriz Swot: Estratégias de Planejamento Estratégico com Base na Atual

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VIVÊNCIAS PEDAGÓGICAS EM UMA ESCOLA INDÍGENA DURANTE O


PERÍODO DE ESTÁGIO

Agnes Camila Viana da Silva


Graduanda em Pedagogia– CCAE - UFPB
E-mail: agnes.camilla@gmail.com
Bruno Aragão Soares do Nascimento
Graduando em Pedagogia – CCAE - UFPB
E-mail: brunosoarescomuna@gmail.com
Juliana Silva do Nascimento
Graduando em Pedagogia – CCAE – UFPB
E-mail: juslvnascimento@gmail.com
Orientadora: Pofª. Drª Célia Regina Teixeira- UFPB
E-mail: cel.teix54@gmail.com

RESUMO: Esta pesquisa está objetivada em relatar as vivências de estágio executadas em uma
escola indígena no período do Estágio Supervisionado I. Estagiar é o primeiro contato do futuro
educador com a realidade escolar, podendo ser utilizado para a observação do funcionamento da
escola como um todo. O Estágio Supervisionado I nos permitiu estabelecer uma relação estreita com
os conhecimentos teóricos obtidos durante o curso, através de um processo dinâmico de
aprendizagens em situações reais da prática docente. Neste momento, também tivemos a oportunidade
de observar como se dava o processo de ensino e aprendizagem de uma escola indígena. Os índios
nem sempre tiveram seus direitos reconhecidos e nem sua cultura aceita pela maioria dos membros
da sociedade. Todavia, a partir dos aparatos legais foram lhes assegurando direitos sociais e o acesso
à educação básica. Ao que se referem às escolas indígenas, as mesmas devem promover a formação
continuada dos professores índios e não índios, visando incentivar a promoção do ensino da língua
materna e oficial do país, pois, desta forma haverá a diminuição das chances de ocorrer uma omissão
dos direitos dos indígenas. Os currículos aplicados nessas escolas deverão respeitar as necessidades
e os interesses dos indígenas e da sua comunidade favorecendo o resgate e a compreensão de sua
cultura.

Palavras-Chaves: 1. Estágio Supersionada; 2. Vivencia do Estágio; 3. Educação Indígena.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta uma reflexão sobre as vivências pedagógicas executadas no Estágio
Supervisionado I no período de 06 de abril a 11 de maio de 2018 na Escola Estadual Indígena de
Ensino Fundamental e Médio Guilherme da Silveira, localizada na Avenida Rio Branco, n° 5466,
Vila Regina, Aldeia Monte Mor, Rio Tinto-PB.

O trabalho foi fundamentado com os aportes dos textos da disciplina de Estágio


Supervisionado e Organização e Prática do Estágio I, relacionando com as vivências de estágio na
respectiva escola. São vários os estudos sobre estágio, dentre eles o do autor OLIVEIRA que defende
que estagiar é o primeiro contato do futuro educador com a realidade escolar, é um momento para
observar o funcionamento da escola como um todo, visto que essa observação permite a coleta de
informações extremamente importantes, que auxilia o acadêmico do curso de Licenciatura em
Pedagogia do Campus IV da UFPB na sua elaboração do projeto de intervenção pedagógica e também
na elaboração do diário de bordo.

O Estágio Supervisionado I nos traz a possibilidade de fazer uma relação entre teoria e prática,
o que propicia uma experiência no contexto real de nossa formação, além de aprimorar os
conhecimentos necessários à prática pedagógica.

DESENVOLVIMENTO

Considerando-se que nosso estágio ocorreu em uma escola indígena, nos torna necessário
trazer uma discussão acerca dessa temática. A reflexão sobre o papel da educação bilíngue
intercultural não surge somente por razões pedagógicas, mas principalmente por motivos sociais,
políticos, ideológicos e culturais. O nascimento desse movimento pedagógico pode ser situado
aproximadamente há trinta anos, nos Estados Unidos, a partir dos movimentos de pressão e
reivindicação de algumas minorias étnico-culturais, principalmente negras. Na América Latina, a
preocupação intercultural nasce a partir de outro horizonte. Essa abordagem surge no movimento das
populações indígenas (LÓPEZ e SICHRA, 2006).

No Brasil, conforme os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (BRASIL,


2002), a crescente reivindicação para a implantação de escolas em áreas indígenas deixou de ser uma
imposição nacional, passando, assim, a ser uma exigência dos próprios povos indígenas brasileiros,
invocando uma educação intercultural que envolva a comunidade e fortaleça o uso das línguas
indígenas, bem como a língua portuguesa, além de permitir o desenvolvimento de uma metodologia

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específica que possibilite a elaboração de materiais didáticos próprios e específicos para as escolas
indígenas.

A Lei de Diretrizes e Bases, n. 9.394, de 1996, também causou impacto sobre a educação
escolar indígena. O Estado passou a ter o dever de ofertar educação bilíngue e intercultural às
populações indígenas com o intuito de salvaguardar práticas socioculturais e a língua materna dos
povos e comunidades indígenas, bem como lhes assegurar o acesso aos conhecimentos técnico-
científicos da sociedade não indígena (UFG, 2006, p. 28-29).

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de
fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de
ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos
indígenas, com os seguintes objetivos:
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas
memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas
línguas e ciências;
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações,
conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades
indígenas e não-índias (BRASIL, 1996).

Para o movimento indígena, a educação precisa ser concebida como ferramenta na construção
de uma cidadania sem exclusões, de forma democrática e igualitária, para que na prática haja o
exercício da dupla cidadania, com respeito aos direitos coletivos e às diferenças culturais
(FERREIRA, 2001).

O estágio é uma prática de grande relevância, pois, faz com que os estudantes possam ter não
só uma melhor compreensão das teorias, mas também fazer uma reflexão sobre a prática que será
desenvolvida pelo mesmo ao fim do curso. Essa é uma prática de aprendizado, que estará sendo
desenvolvida por meio das atividades referentes a profissão escolhida.

A experiência do estágio torna-se essencial ao discente, porque dessa forma será possível que
o aluno realize as observações, faça planejamentos, execute e faça avaliações da prática que está
sendo executada.

O professor tem um papel importante na educação, pois, ele será o mediador entre o aluno e
o conhecimento. Em vista disso e de acordo com os teóricos vistos em sala de aula, reconhecemos
que se faz relevante que o professor tenha consciência de sua prática e assim realize seu trabalho da
melhor forma e, com isso atingir os objetivos da aprendizagem.
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Seguindo esse pensamento Libâneo (1994, p.88) afirma que:

O trabalho docente é atividade que dá unidade ao binômio ensino-aprendizagem,


pelo processo de transmissão-assimilação ativa de conhecimentos, realizando a
tarefa de mediação na relação cognitiva entre o aluno e as matérias de estudo.

Diante disso, vale salientar que a prática pedagógica deve ir além da reprodução dos
conteúdos, ela deve propiciar a construção de novos conhecimentos. O professor deve ter a
preocupação em fazer com que os alunos sejam seres reflexivos e dessa forma, tornem-se capazes de
lutar por seus interesses em meio a sociedade.

Segundo Freire (1996), o professor deve utilizar a autoridade democrática em sua prática para
que dessa forma haja a afirmação de que todo aprendizado adquirido pelo aluno estará construindo
sua responsabilidade da liberdade que se assume. A autoridade democrática trará liberdade para que
o conhecimento seja construído numa relação entre professor-aluno.

Dentro dessas muitas perspectivas na ação docente, o estágio possibilitou o encontro com
realidades, dentro dos contextos de classe, que possibilitaram a reflexão crítica sobre essas ideias e a
percepção das contrariedades existentes entre o que se acredita fazer e o que se faz. Sendo assim, dois
exemplos, enxergados no estágio, podem definir, com exatidão, essas contrariedades presentes na
própria noção de prática.

A observação realizada na classe de 1° ano, dos anos iniciais, sob a responsabilidade da


professora Maria (nome fictício), evidenciou o uso de vários instrumentos metodológicos sem um
objetivo definido. Isso ficou claro quanto a série de meios utilizados pela docente, sem muita reflexão
dos próprios discentes, configurando a experiência, com demasiados objetos e recursos pedagógicos
manipuláveis, uma ação sem muito entendimento ou sequer favoreceu a conclusão lógica na
aprendizagem da turma.

A observação das práticas desenvolvidas no 5° ano, também dos anos iniciais, foi perceptível,
até pela própria confissão da docente Ana (nome fictício), a utilização de conteúdos não planejados
por si, mas, exigidos pelo estado, a fim de preparar os discentes para as provas que focalizavam a
análise de domínio dos conteúdos, feitas pelas instâncias governamentais. Sendo assim, unida a falta
de participação da própria professora no planejamento de seus conteúdos e o reproduzir puramente,
para a o enquadramento numa lógica de avaliação alheia as realidades de sua própria sala, pode ser a

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causa do desinteresse nos alunos, pois não se enxergando, pouco, refletindo ou tendo a curiosidade
necessária, desmotiva-os. Para Freire (1996, p. 60):

É neste sentido que o professor autoritário, que por isso mesmo afoga a
liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo curioso e
inquieto, tanto quanto o professor licencioso rompe com a radicalidade do ser
humano – a de sua inconclusão assumida em que enraíza a eticidade.

O que permaneceu, em suma, foi a nitidez da fragilidade dos planejamentos, causando alguns
problemas quanto à própria trajetória e o caminho que deveria ser proposto para que se evitasse a
ausência de envolvimento curioso e desejoso dos discentes. Todavia, a escola em questão mantém
um forte ligamento cultural, neste caso indígena, que une e produz interdisciplinarmente um clima de
pluralidade cultural, reconhecendo a complexidade que envolve a problemática social, cultural e
étnica do município. Esse processo, envolve a integração e engajamento de um trabalho conjunto, de
interação das disciplinas do currículo escolar entre si e a realidade, de modo a superar a fragmentação
existente e buscar a formação integral dos alunos, partindo de sua própria realidade.

CONCLUSÃO

O Estágio Supervisionado I nos permitiu enquanto discentes ter nosso primeiro contato com
a realidade docente, observar os diferentes processos do ensino aprendizagem e as diferentes práticas
pedagógicas aplicadas pelos professores que ora são tradicionais ora são lúdicas, mais ainda, o estágio
nos proporcionou uma reflexão sobre quais caminhos queremos seguir em nossa prática docente e
quais não queremos seguir.

Através do estágio pudemos perceber também o clima institucional da escola, como ela se
organiza, como se dá os planejamentos dos professores, enfim, seu funcionamento como um todo. O
estágio nos permitiu estabelecer uma relação estreita entre os conhecimentos teóricos obtidos durante
o curso através de um processo dinâmico de aprendizagens em situações reais da prática docente.

O fato de termos estagiado em uma escola indígena nos fez perceber a importância dos
educadores e da escola de modo geral em oferecer interdisciplinarmente um clima de pluralidade
cultural, reconhecendo a complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica do
município, trabalhando a formação dos alunos de forma integral, partindo dos conhecimentos da
realidade deles.

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EDUCAÇÃO QUILOMBOLA: UM CONTRIBUTO PARA O ENSINO NAS


RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Maria Liliane Santos da Silva


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE-UFPB.
lilisantosufpb@gmail.com
Nilvânia dos Santos Silva
Professora Doutora da UFPB-PPGE, lotada no Campus III da UFPB.
nilufpb@gmail.com

RESUMO: Este estudo é parte da inicial da nossa pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação PPGE-UFPB. Ao tomarmos a Educação Escolar Quilombola, lugar
silenciado na história da educação brasileira nos solidarizou à luta pela defesa de um ensino
que respeite as especificidades desta modalidade educacional, educar intentando contribuir a
equidade social, é para além dos muros escolares, um contributo para uma sociedade
antirracista. Nesse sentido, ao direcionamos nosso olhar ao contexto escolar, mais
especificamente para a educação escolar quilombola, como parte integrante dessas lutas e
conquistas. Nosso estudo se insere na perspectiva de dialogar acerca do embasamento legal da
educação escolar quilombola. Assim, objetivamos identificar as especificidades da educação
escolar quilombola, ancorada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola na Educação Básica. Nesse sentido, nos fundamentamos em Saviani (2008), Couto
(1998) e Romanelli (1997), para compreender as bases históricas da educação brasileira;
Ferreira (2012), Leite (20 12), Moura (2007), que nos subsidiaram para o entendimento da
formação dos quilombos; Petronilha (2006), Gomes (2010), Nunes (2010) para compreensão
do ensino na modalidade educacional educação quilombola; Souza (1996) e Freire (1996) para
a importância da práxis pedagógica estar em conformidade à realidade da escola.

Palavras Chaves: Educação quilombola. Legislação educacional. Relações étnicas raciais

INTRODUÇÃO

O objetivo do nosso estudo é discorrer sobre a Educação Escolar Quilombola, que para
tornar-se modalidade educacional, passou por muitas discussões protagonizadas pelo
Movimento Negro, na busca de requerer uma educação, que corrobore para que nos
reconheçamos enquanto partícipes dessa história alunos, professores, pais, comunidade.

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Parafraseando Freire (1983) as relações sociais no contexto brasileiro desde a sua


colonização, o homem sempre sofreu a imposição do poder, poder dos reis, governadores reais,
capitão mor, nunca ou quase nunca, podendo interferir na construção social do nosso país.
Nesse viés, inferimos que apesar desse passado de desigualdades, é inegável o legado histórico
e cultural do povo negro na nossa cultura, que está vivo em nós enquanto descendentes dessa
história.
Em consonância a isso, discorreremos também acerca da trajetória de conquistas para o
reconhecimento das comunidades quilombolas, enquanto representatividade de resistência e
lutas para a formação brasileira. Assim, voltaremos nosso olhar para a legislação, que garante
a Educação Escolar Quilombola como modalidade educacional em toda educação básica, em
escolas em território quilombola em áreas campesinas ou urbanas, bem como em escolas que
recebem alunos oriundos de territórios quilombolas.
Logo, a educação escolar quilombola, para além das suas lutas, é embasada legalmente
pela Lei 10.639 de 2003 e, regulamentada pelo parecer CNE/CP 03/2004, assim como, pela
resolução CNE/PC 01/2004 que, instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
É preciso considerar que a escola não é um ambiente homogêneo, na verdade, é um
espaço de diversidades culturais, sociais, econômicas e históricas. Em especial, a escola
quilombola tem princípios próprios à sua especificidade, estabelecidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, que garante um ensino voltado à
realidade das escolas quilombolas.

OS QUILOMBOS E SUA LUTA POR RECONHECIMENTO

Muitas são as marcas deixadas pelo processo de formação brasileira, em detrimento


disso, a população negra foi ao longo dessa trajetória desabonada no direito a ter direitos. No
centro desses conflitos estão o movimento negro e outros aliados nesse percurso, que
incansavelmente lutaram pela conquista de direitos fundamentais do povo negro.
Na visão de Saviani (2008), Couto (1998) e Romanelli (1997), a economia brasileira
formou-se por meio da mão de obra escravizada, afetando, portanto, a ordem social, econômica,
política, e, consequentemente educacional do país. Nesse sentido, muitos são os reflexos na
construção do nosso país, nos âmbitos social e educacional, de modo que, “somos oriundos de
uma formação que atribui, aos brancos, aos europeus, a cultura que dizem clássica, pois

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permanece no tempo, desconhecendo-se culturas dos povos não europeus que também têm
permanecido no tempo”. (PETRONILHA, 2007, p. 500).
Esse é na verdade, um grande desafio para educadores e educadoras em todo Brasil,
trazer para o cotidiano escolar, a efetivação de um ensino que respeite a diversidade étnica do
nosso país. Nesse sentido, destacamos a problemática da Educação Escolar Quilombola. Nesse
contexto, ao falarmos em Quilombo nos vem à imagem pré-concebida criada no inconsciente
popular de um agrupamento de pessoas que foram escravizadas, fugidas dos desmandos e da
violência dos grandes latifundiários. Segundo Ferreira (2012) no livro dicionário da educação
do campo
Se em áreas banto da África, kílombò significava sociedades de homens guerreiros,
no Brasil colonial a denominação quilombola passou a designar homens e mulheres,
africanos e afrodescendentes, que se rebelavam ante a sua situação de escravizados e
fugiam das fazendas e de outras unidades de produção, refugiando-se em florestas e
regiões de difícil acesso, onde reconstituíam seu modo de viver em liberdade. (p. 647).

Para Moura (2007) o conceito de quilombo ainda está muito associado ao Conselho
Ultramarino de 1740 “(...) toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte
despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. Em
contrapartida, urge a necessidade de redimensionar o conceito de quilombo, visto que, as
comunidades quilombolas não têm um único formato, ou seja, são difusas e diversas em sua
constituição e nas formas de se relacionar, pois, suas construções são alicerçadas em suas
histórias e lutas. Na visão de Leite (2012) “o quilombo metaforiza um quadro mais amplo que
pode ser vinculado ao que vem sendo visto como a própria África no imaginário do chamado
mundo ocidental”. (p. 295).
Nesse viés, as últimas décadas do século XX, mas especificamente, no período de
redemocratização do país, bem como, pelas reinvidicações do Movimento Negro, conquistaram
a sustentação legal por meio da Constituição Federal de 1988, haja vista, as determinações do
artigo 68 (ADCT). Desta feita, Leite (2012), compreende que a Carta Magna de 1988, atribui
ao quilombo “o reconhecimento da cidadania e territorialidade negada aos descendentes dos
africanos”. (292). Assim, a garantia dos direitos territoriais aos remanescentes das comunidades
quilombolas propõe que se faça um redimensionamento do conceito de quilombo, sobretudo,
compreende a população negra brasileira como sujeitos de direitos.
Tendo em vista que o movimento do tempo, as relações sociais estabelecidas e a
resistência ampliam o poder simbólico no que se refere à identidade étnica, principalmente,
pelo requisito da autoatribuição o sujeito passa a ser reconhecido pelo Estado como sujeito de
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direito. Para Ferreira (2012) “o procedimento para a identificação e a delimitação desses


territórios, parte da memória coletiva de seus moradores, que passam a ressignificar suas
próprias histórias de vida”. (p. 650).
Em consonância a isso, o Decreto 4887 de 2003 regulamenta o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Ratificando o artigo 68 (ADCT), o Decreto 4887 de 2003, nos garante o reconhecimento
e a devida titulação de territórios quilombolas, mediante a auto-identificação. Para isso, a
conjuntura estrutural da nossa sociedade não corrobora para esta garantia, haja vista, as
disparidades sociais a que o povo negro foi submetido repercute em desigualdades até os dias
atuais.
Todavia, a materialização dessa luta está no movimento negro e no movimento
quilombola, principalmente podemos inferir que os quilombos brasileiros são sinônimos de
resistência, por resistirem a um sistema injusto de imposição. Moura (2007) cita Magalhães (In:
Marcas da Terra, Marcas na Terra), afirmando que

A terra representa, para esses sujeitos, patrimônio cultural e histórico, na medida em


que há valores morais a ela atribuídos a serem transmitidos de geração a geração. Ela
não é percebida apenas como objeto em si mesma, de trabalho e de propriedade.
Através de diversos saberes e concepções de mundo criados e reelaborados no
trabalho cotidiano com a terra, homens e mulheres, camponeses migrantes (...)
buscam que sua dignidade seja reconstruída, garantida e respeitada, para que possam
também transmitir a outras gerações uma obra, uma história. (p. 10).

Desse modo, os quilombos passam a representar uma organização própria, por meio de
ações mútuas de solidariedade, a utilização comunitária da terra, a liberdade para práticas
culturais e religiosas construíram um modelo de sociedade. No qual, criassem um sentimento
de pertença, que vai além da posse da terra, propriamente dita, mas que interligasse os sujeitos
que moram no local as relações com o território e com os meios de subsistência.
A educação para as relações étnico-raciais vem tomando espaço pela preocupação de uma
educação que atenda as especificidades de um ensino pautado na realidade dos alunos. Ao
compreendermos a conjuntura da formação brasileira, fica visível que as desigualdades de hoje são
heranças das desigualdades de outrora, que persistem e devem ser combatidas.

BASES PARA CONHECER A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

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É, salutar destacar, que as políticas afirmativas para superação das desigualdades raciais
no âmbito educacional, iniciaram-se de forma organizada a partir dos anos 2000, desembocando
na discussão profícua de temas como diversidade, equidade educacional e educação antirracista,
que por sua vez, foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação (MEC), em atendimento a
uma demanda, que historicamente reclama por seu direito à educação.
A partir da implementação da Lei 10.639/2003 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei 9394/96, em seus artigos 26-A e 79-B, garantindo a obrigatoriedade
do ensino de história e cultura Afro-brasileira, além disso, deverá fomentar um trabalho pautado
no reconhecimento e valorização das nossas matrizes africanas, enquanto aspectos da nossa
identidade e cultura, bem como, contributo para sanarmos as disparidades ainda existentes em
relação à cultura Afro-brasileira.

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e


particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da
História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileira.
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional
da Consciência Negra'."

Nesse contexto, a escola é a peça fundamental para a desconstrução de visões


estereotipadas e preconceituosas, desde que, a Lei nº 10.639/03 seja efetivamente implementada
nas escolas. Desse modo, conhecer sobre a história e a cultura africana e afro-brasileiras é o
primeiro passo para nos enxergarmos como sujeitos oriundos dessa história. Todavia, ao
falarmos sobre as escolas quilombolas ratificamos a importância de um currículo que valorize
a cultura e os aspectos formativos das vivências dos discentes e da comunidade em que a escola
está inserida.
Nesse ensejo, a Lei 10.639/03, o Parecer do CNE 03/2004 e a Resolução 01/2004 são
mecanismos legais, pelos quais são propagados ações de afirmação contra o racismo,
principalmente no âmbito escolar, para a construção coletiva por professores, alunos e
comunidade, de uma auto imagem positiva de si e do outro, mediante orientações legais que
ampliam as instituições educacionais quanto a suas atribuições.

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Na visão de Gomes (2010) na vida social aprendemos a identificar as pessoas como


brancas e negras, fazendo comparações e classificando os sujeitos conforme o nosso
entendimento, isso porque:

É na cultura e na vida social que nós aprendemos a enxergar as raças. Isso significa
que aprendemos a ver as pessoas como negras e brancas e, por conseguinte, a
classificá-las e a perceber suas diferenças no contato social, na forma como somos
educados e socializados, a ponto de essas ditas diferenças serem introjetadas em nossa
forma de ser e ver o outro, na nossa subjetividade, nas relações sociais mais amplas.
Aprendemos, na cultura e na sociedade, a perceber as diferenças, a comparar, a
classificar. (p. 23)

Desse modo, ao promover um fazer escolar que aproxime a realidade dos alunos ao
ensino formal escolar, ou seja, é preciso uma educação que ultrapasse os muros escolares,
aprender para a vida tendo compreensão de que é um sujeito histórico e cultural, atenuando-se
a correção das desigualdades históricas e sociais que reincidem sobre grupos étnicos na
sociedade.

As dificuldades para implantação dessas políticas curriculares assim como a


estabelecida no art. 26º da Lei 9.394/1996, por força da Lei 10.639/ 2003, se devem
muito mais à história das relações étnico-raciais neste país e aos processos educativos
que elas desencadeiam, consolidando preconceitos e estereótipos, do que a
procedimentos pedagógicos, ou à tão reclamada falta de textos e materiais didáticos.
Estes, hoje, já não tão escassos, mas nem sempre facilmente acessíveis.
(PETRONILHA, 2006, p. 500).

Partindo da necessidade de se entender a Educação Escolar Quilombola como uma


modalidade educacional específica, os movimentos negro e quilombola, mais uma vez são
protagonistas no processo de conquista de direitos. Todavia, na Conferência Nacional de
Educação (CONAE) 2010, o movimento quilombola representou forte influencia para a
elaboração do eixo VI Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade.
Assim, a elaboração desse eixo preconizou a necessidade de uma legislação específica
para a educação quilombola, isto é, que assegure o acesso, permanência para um ensino que
estabeleça, antes de tudo, por meio dos órgãos competentes, Ministério da Educação e o
Conselho Nacional de Educação para que a Educação Escolar Quilombola se tornasse uma
modalidade de ensino.
Desta feita, a Conferência Nacional de Educação, por meio de reivindicações do
movimento negro e do movimento quilombola, subsidiou a deliberação para que a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios cumpram com os requisitos propostos no
documento final da CONAE 2010. Atendendo a essa determinação, as legislações que se
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seguiram estão ancoradas nas especificidades que caracterizam a educação quilombola, sendo
instituída, a partir disso, como modalidade escolar.
Partindo deste pressuposto, a educação deverá ser pensada considerando suas especificidades,
nesse caso a educação quilombola em interface às demais modalidades, passam a ser concebida pelo
princípio da igualdade, equidade e respeito as suas diferenças. Desse modo, dentro das demais
modalidades de ensino é preciso um olhar para a educação quilombola, como pensar a educação de
Jovens e Adultos na realidade quilombola, a educação do campo, a educação especial.
Dentre as ações realizadas no panorama paraibano, podemos destacar, a Resolução nº
198/2010 que regulamenta as diretrizes curriculares para a educação nas relações étnico-raciais
e o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, bem como, da história e cultura
indígena no sistema estadual de ensino da Paraíba, nos artigos segundo e terceiro, estão
expressos:

Art. 2º. A Educação das Relações Étnico-Raciais e a História e Cultura Afro-


Brasileira e Africana e da Cultura e História Indígena são constitutivas da Educação
em Direitos Humanos, nos marcos do Estado Democrático de Direito, e se assentam
nos princípios da diversidade e do pluralismo cultural, como pressupostos do
reconhecimento e respeito à dignidade da pessoa humana e à sua identidade cultural,
bem como da igualdade de valorização das várias culturas que compõem a formação
social brasileira.
Art. 3º. O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da História e
Cultura Indígena é obrigatório no estado da Paraíba, abrangendo os estabelecimentos
de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, públicos e privados, incluindo
todas as modalidades de ensino. (p. 2).

De acordo com a citação, as especificidades históricas, econômicas, sociais, políticas,


culturais, nos remetem a uma realidade escolar diferenciada que exigem uma educação nesses
moldes, tanto para escolas em comunidades remanescentes de quilombos, tanto para escolas
que embora não estejam localizadas em territórios quilombolas, mas que pelo fato de receberem
esses alunos, deverá assegurar o cumprimento efetivo das Diretrizes Curriculares Nacionais,
específicas para esta modalidade de ensino.
Logo, o direito a uma educação quilombola escolar, graças a ações do movimento
quilombola, corroborou para a garantia legal de uma educação para todos, respeitando as
diversidades culturais e históricas nas cinco regiões brasileiras. Assim, como modalidade
escolar ampla, que deverá contemplar as demais modalidades escolares educação infantil,
ensino fundamental, ensino médio, Educação Profissional e Educação de Jovens e Adultos,
Educação Especial, Educação do Campo e Educação Indígena.

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Mediante as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na


Educação Básica, Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012, a educação quilombola deverá
estar direcionada para compreensão da memória coletiva, das línguas reminiscentes, marcos
civilizatórios, das práticas culturais, das tecnologias e formas de produção do trabalho, dos
acervos e repertórios orais, dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o
patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país, da territorialidade. (Brasil,
2012).
Em detrimento disso, os diversos contextos em que estão situadas as comunidades
quilombolas, ou em outros grupos étnico-raciais e sociais, existe uma práxis que envolve a
materialização do pensar e do fazer nessas realidades, segundo Nunes (2010), isso ocorre:

• na forma de visões (pensamentos, idéias) que orientam um portar-se diante do


mundo;
• no modo de vida e mais especificamente na forma de trabalho como atividade
prática que não isola o pensar do fazer, resultando em um manter-se no mundo;
• enfim, como processo educativo que confere aos sujeitos um localizar-se no mundo
observando as suas especificidades de raça, gênero, faixa etária
e classe social. (p. 141).

Para Souza (2006) são processos educativos em realização, situados no tempo e cultura,
organizados de forma intencional, práticas interligadas ao conhecimento necessário a atuação
social. Do mesmo modo, compreende a ação coletiva institucional, a afetividade, a construção
de conteúdos pedagógicos educacionais, instrumentais e operativos, que coadunem para
garantia de condições subjetivas e objetivas para o crescimento humano de todos os seus
sujeitos. (Souza, 2006).
Igualmente, Souza, estabelece que ao relacionarmos escola e educação, devemos ter
cautela para não incorrermos o erro de reduzirmos meramente a escolarização, mas é necessário
que nos atenuemos que a práxis pedagógica compreende um “tempus” e um “lócus” de
realização intencional e organizada da educação. Congruente a isso, no Título II, das diretrizes,
versa sobre os Princípios da Educação Escolar Quilombola,
I -direito à igualdade, liberdade, diversidade e pluralidade;
II -direito à educação pública, gratuita e de qualidade;
III -respeito e reconhecimento da história e da cultura afro-brasileira como elementos
estruturantes do processo civilizatório nacional;
IV -proteção das manifestações da cultura afro-brasileira;
V -valorização da diversidade étnico-racial;
VI -promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, credo,
idade e quaisquer outras formas de discriminação;
VII -garantia dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e
do controle social das comunidades quilombolas;

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VIII -reconhecimento dos quilombolas como povos ou comunidades tradicionais;


XIX -conhecimento dos processos históricos de luta pela regularização dos
territórios. (p. 5). (Grifos nossos).

Diante disto, apreendemos, sobretudo, que a Educação Escolar Quilombola, representa


a história de um povo, e, a sua vós, que reverbera o direito à educação, que por séculos foi
desabonada. Dessa maneira, as Diretrizes, compõe um contributo para a garantia de uma
educação para o fortalecimento do reconhecimento da contribuição africana para a construção
do Brasileira.
Desse modo, é proposta a valorização do ser negro (a), ao ser evidenciado os processos
históricos de lutas e conquistas, o ensino da Cultura e história africana, bem como, do próprio
grupo, trazendo as especificidades da comunidade na qual a escola está situada, isso porque,
“pensar em diretrizes para educar as relações étnico-raciais em comunidades quilombolas
sugere que nós pensemos a partir das próprias comunidades”. (NUNES, 2010, p. 142).
Assim, concatenada com a lida diária e singular da comunidade, a Educação Escolar
Quilombola em sua cultura, modos de ser e de conviver no coletivo, o fazer escolar precisa
compreender, segundo Freire (1996)

Não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os


grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do
mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo
vem explicitando ou sugerindo ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que
precede sempre a “leitura da palavra”. (p. 81).

Dessa maneira, a compreensão do contexto histórico e social, para Freire, a


leitura do mundo dos sujeitos, deve estar relacionada à dimensão humana na compreensão dos
aspectos que formam os sujeitos, as relações coletivas que se estabelecem no meio em que
vivem. Logo, uma das principais preocupações centrar-se-ão na conquista de um ensino
antirracista, que vise a auto-estima positiva de seus sujeitos, mediante a construção e
valorização de suas identidades enquanto quilombolas.
Portanto, as comunidades quilombolas, ao acessarem as informações referentes a
construção de mecanismos coletivos para a obtenção de seus direitos, a exemplo o direito à
educação quilombola, que atenda as Diretrizes Operacionais para Educação Escolar
Quilombola, outro exemplo são as associações comunitárias, por meio delas, os sujeitos
poderão se articular para buscarem subsídios para a conquista da terra, de moradias, escola,
bem como ao direito de manter suas tradições.

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Conclusão

Com base no exposto, consideramos que um dos elementos fundamentais para


efetivação da educação escolar quilombola é, sobretudo, conhecer os marcos norteadores desta
modalidade de ensino. Do mesmo modo, os princípios norteadores aos quais estão ancorados e
a luta histórica desses povos.
Parafraseando Boaventura Souza Santos temos direito a igualdade quando somos
inferiorizados em nossas diferenças, do contrário também temos direito a sermos diferentes a
igualdade que nos é imposta nos descaracteriza. À vista disso, surge a necessidade de um
equilíbrio entre uma igualdade que reconheça as diferenças e, consequentemente que o
reconhecimento das diferenças não reverbere desigualdades.
Entretanto, existem inúmeros obstáculos que atravessam a vontade de efetivar um
trabalho que realmente tenha a finalidade da valorização étnica que, por sua vez podem limitar
o empenho dos profissionais. Portanto, é preciso que nós professores nos apropriemos dos
documentos Legais que garantem esta modalidade educacional, ademais, isso exige de nós
compromisso e responsabilidade social.
Logo, é, de suma importância que a escola quilombola esteja em consonância as
tradições da comunidade, sua história e cultura, isto é, a valorização dos saberes de seus alunos
e a sua ampliação pelos conhecimentos formais. Fazendo com que os portões da escola não
imponham limitações, ou seja, conhecimento formal e conhecimento de vida estejam lado a
lado.

REFERÊNCIAS

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______. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
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Disponível em: <http://www.uel.br>. Acesso: 12/09/2018.
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_______. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para


identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 nov. 2003.

______.Resolução CNE/CEB nº 8, de 20 de novembro de 2012 - Define Diretrizes Curriculares


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CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara da Educação Básica. Texto referência


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O RACISMO NO FACEBOOK E SEUS DESDOBRAMENTOS NO AMBIENTE


ESCOLAR

Edielson Ricardo da Silva


(Mestre/UFPB. E-mail: edielsonricardo@gmail.com)
Edileuza Ricardo da Silva
(Especialista/UFPB. E-mail: edipedagoga.pb@bol.com.br)

Resumo: A presente pesquisa objetiva investigar como ocorre o preconceito racial que começa
em redes sociais digitais e ganham força no espaço escolar. Para isso, conhecer anseios,
frustações e experiências do ambiente virtual foi fundamental para nos ajudar a compreender
como os discursos violentos, que muitas vezes começam no ambiente escolar, ganham força no
digital ou, em sentido inverso, começam no ambiente digital e ganham força na escola,
impactam tão profundamente a vida das vítimas. Foi, ainda, realizado, a aplicação de um
questionário para alunos, de forma que eles expressassem suas possíveis realidades dentro do
tema em destaque. Apesar de muitos jovens já terem sofrido discriminação na rede ou terem
visto algum post que incitasse o preconceito, a pesquisa apontou que a maioria dos entrevistados
não comentam nem denunciam tais atos, acreditando que foram “apenas brincadeiras”. Diante
disso, nós, que ocupamos o papel privilegiado de educadores, não podemos ignorar os fatos,
crendo que a situação não é relevante.

Palavras-chave: 1. Ambiente; 2. Facebook; 3. Racismo.

1 Introdução

Desde a antiguidade até os dias atuais, em diversas localidades, países e regiões, é


possível constatar atitudes preconceituosas. A opressão e inferiorização das populações
oprimidas por uma sociedade que privilegia uns em detrimento de outros, ainda é uma realidade.
Diante desse cenário, buscamos compreender como as estratégias e posicionamentos do
discurso nas relações de poder são utilizados para disseminar a intolerância e o ódio voltados
para um tipo específico de preconceito, o racial. Seguindo, então, a Convenção Internacional
para a Eliminação de todas as Normas de Discriminação Racial, entendemos preconceito racial
conforme o seu artigo 1º:

Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,


descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou
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resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em


um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social,
cultural ou em qualquer outro campo da vida pública (BRASIL, 2015).

Os danos causados por esse tipo de preconceito estão por toda parte. Nos mais diversos
livros didáticos, quando estudamos a história do Brasil, por exemplo, identificamos seus rastros.
Conforme Oliveira (1997), de todas as situações de preconceito racial a que mais marcou a
história da humanidade foi a escravidão.
Os negros vindos do continente africano, que estão entre as maiores vítimas da
escravidão brasileira, eram arrancados da sua pátria e transportados nos porões dos navios
negreiros em condições desumanas. Ao chegarem no Brasil, os negros eram vendidos como
escravos, obrigados a trabalhar e viver precariamente, além de serem constantemente castigados
e torturados por seus senhores, cujo objetivo era destruir os valores e as crenças africanas,
forçando-os a aceitar a ideia de inferioridade intelectual, cultural, moral e psíquica dos
escravizados.
A rigor, a escravidão no Brasil ocorreu no período de 1530 a 1888, quando a princesa
Isabel promulgou a Lei Áurea (NABUCO, 1999), que consistiu em libertar todos os escravos.
Todavia, atualmente, ainda identificamos muitos casos de preconceito contra o povo negro
através de olhares, ações, agressões verbais e, nos casos mais sérios, físicas. Não há hora ou
lugar, qualquer situação que envolva um negro é passível de uma abordagem preconceituosa.
Nos últimos anos, diversas leis foram criadas visando o combate às práticas que
inferiorizam uma pessoa apenas por causa da cor da pele. Sistemas de cotas também foram
inseridos em concursos e seleções oficiais do governo federal no intuito de dirimir a grande
exclusão sofrida pelos negros no Brasil.
A popularização da Internet e, consequentemente, das redes sociais, permite a interação
entre milhões de pessoas, das mais variadas maneiras. Cada indivíduo, agora, tem a
possibilidade de comunicar-se não só com seus amigos, mas com diversos grupos e
comunidades. Conflitos, portanto, são inevitáveis. Esses espaços configuram-se, então, como
meios abertos para a propagação de ações que incentivam, entre outras coisas, o preconceito
racial.
Para Marteleto (2001, p. 72), rede social é o “conjunto de participantes autônomos,
unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados”. Ao transpor a
metáfora de rede para o ambiente online, Recuero (2009) define rede social digital como a “teia

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de conexões que espalham informações, dão voz às pessoas, constroem valores diferentes e dão
acesso a esse tipo de valor [capital social]” (p. 25). Tal capital, de acordo com Marteleto e
Oliveira e Silva (2004), são “normas, valores, instituições e relacionamentos compartilhados
que permitem a cooperação dentro ou entre os diferentes grupos sociais” (p. 44).
O objetivo desse trabalho, então, é fazer um breve estudo sobre o poder do preconceito
racial nas redes sociais digitais, a partir de comportamentos observados em estudantes com
idades entre 14 e 15 anos, que assistem aulas de Acompanhamento Pedagógico (Reforço
Escolar), no Centro de Aprendizagem Cantinho da Criança (Alagoinha/PB).
Por ser uma temática que merece destaque na sala de aula e nas mais diversas
instituições de ensino, propomos um estudo que incite a reflexão das práticas educacionais
vigentes, realçando a importância da inclusão da internet e suas plataformas como ferramentas
aliadas da educação.
Para trazer evidências mais concretas para a discussão, decidimos fazer um recorte do
objeto. Escolhemos uma amostra de 10 (dez) alunos: sendo 5 (cinco) do sexo masculino e 5
(cinco) do sexo feminino, alunos da única turma de 8º ano que funciona na instituição de ensino
já evidenciada. É importante ressaltar que a turma escolhida para a análise é composta
majoritariamente de negros e pardos.
Utilizamos um questionário como instrumento de coleta de dados, na tentativa de
compreender como os discursos violentos ganham força na rede, e qual o impacto deles na vida
das vítimas. O Facebook foi escolhido como exemplo de rede social digital porque a análise
dos questionários apontou a plataforma como uma das mais usadas entre os jovens pesquisados.
Todos os dados sobre os alunos foram obtidos a partir da aplicação de questionário em sala de
aula.
As questões versavam sobre os hábitos dos jovens na web e sobre os discursos
envolvendo o preconceito racial nos sites de redes sociais. Investigamos, também, se os jovens
agem em defesa dos inferiorizados e humilhados, se apenas ignoram as postagens ou, em caso
de serem as vítimas, perguntamos como se sentem após os comentários e atitudes
preconceituosos.
A análise dos resultados apontou que o preconceito racial é diligente no ambiente
digital, aparecendo, muitas vezes de forma mascarada e indireta, com ares de humor e
brincadeira. Justamente por isso, muitas vítimas não comentam nem denunciam as postagens.

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Concluímos que o preconceito racial precisa ser combatido mais efetivamente, e que a
escola, nesse sentido, exerce um papel essencial de formação de cidadãos mais críticos,
tolerantes e engajados socialmente.

2 Racismo conectado: o Facebook, o preconceito na rede e os novos desafios da atuação


docente

Com a propagação da internet a partir dos anos 2000, outra via de comunicação e
entretenimento começou a ganhar força: os sites de redes sociais. As redes sociais digitais são,
hoje, um dos meios mais utilizados na comunicação entre jovens e adolescentes. Munidos de
toda sorte de dispositivos móveis e computadores, eles trocam informações em qualquer lugar
e horário.
Na escola não é diferente: discutem sobre a agenda escolar, compartilham atividades,
combinam trabalhos, conversam sobre os colegas de classe e sobre os professores. Os
estudantes, muitas vezes mais fluentes na linguagem digital do que a escola e os professores,
precisam de uma mediação que imprima um caráter mais ético e cidadão à experiência online.
Afinal, se situações de desrespeito e preconceito já eram comuns no ambiente escolar,
com o advento dos sites de redes sociais, tornou-se ainda mais corriqueiro. Esses espaços, hoje,
configuram-se como grandes plataformas de expressão de opinião que, diante de indivíduos
com intenção má, transformam-se em armas que machucam, ofendem e disseminam o
preconceito. O racismo, por exemplo, aparece na segunda posição entre os crimes de direitos
humanos na internet, atrás apenas das infrações que envolvem a pornografia infantil.
O racismo é um assunto que gera grandes polêmicas. Quase sempre, causa dor e
sofrimento, pois expõe seres humanos à vergonha, ao ridículo. Muitas vezes, ocorre de forma
camuflada ou em tom de brincadeira. No Brasil, especificamente, o racismo age sem demonstrar
a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente em seus
objetivos (MOURA, 1994, p. 160). A verdade é que tendo ou não a intenção de inferiorizar os
negros, brincadeiras e palavras precisam ser bem pensadas antes de serem proferidas.
Para Cavalleiro (2005, p. 19), a identidade refere-se a um contínuo sentimento de
individualidade que se estabelece valendo-se de dados biológicos e sociais. Assim, a identidade
resulta da percepção que temos de como os outros nos veem. A partir de tal observação, é
possível afirmar que o racismo é uma herança de um processo de escravidão, de mão-de-obra
barata e da exploração daqueles que se consideram fortes sobre os que são julgados como
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fracos. Fica fácil perceber, então, que racismo e escravidão são palavras muito próximas, são
resultados de interesses econômicos e sociais.
Diante dessa realidade, percebemos a urgência de políticas públicas educacionais que
aliem o combate ao preconceito racial ao uso das redes sociais digitais nas escolas de forma
planejada e eficaz. É necessário utilizar esse espaço para estimular a discussão entre os jovens
e os educadores, criando uma forma de intervenção e debate, até então, inexistente em grande
parte dos estabelecimentos de ensino no país. Trata-se de um novo papel a ser incorporado pelas
escolas. Afinal, a partir do fenômeno das redes digitais, a aprendizagem ultrapassou os limites
físicos da sala de aula.
As instituições de ensino têm, agora, a função de formar professores aptos a promover
a sinergia entre as suas propostas pedagógicas e a aplicação dos recursos digitais, além de
mediar o uso desses canais na aprendizagem e nos projetos interdisciplinares. O ideal, então,
não é simplesmente criar espaços de troca de experiências, mas fazer um planejamento para o
uso desses ambientes. Afinal, interação não significa automaticamente comunicação, e as
tecnologias não são apenas ferramentas (Lion, 2005).
É de suma importância, portanto, que os educadores estejam preparados para usar a
tecnologia, transformando-a em um instrumento a serviço da conscientização. Construir um
ambiente que favorece o aprendizado é um dos grandes desafios dos professores, pois a inserção
dos jovens em campanhas e projetos que visam a cidadania e o bem comum tem perdido terreno
não só na sala de aula, como também em termos culturais (Silva, 2005).

É nosso desafio seguir sustentando uma bússola pedagógica que nos oriente
sobre quando se justifica, em termos éticos, políticos, didáticos, cognitivos e
sociais, incorporar tecnologia na sala de aula para favorecer processos ricos
na construção de conhecimento. É nosso desafio seguir lutando, não só por
um acesso equânime a estas tecnologias, como também por usos e
apropriações equitativos que permitam dar conta da diversidade cultural e
cognitiva, de instituições que aprendam das tecnologias e, com elas, de uma
comunidade educativa que se preocupe com a inclusão, solidariedade,
colaboração e conhecimento (LION, 2005, p. 211).

É preciso despertar professores e alunos para a importância de construir uma nova


postura digital, tanto para o uso pedagógico das ferramentas, quanto para as relações
interpessoais. Apesar de a escola, até certo ponto, ser um reflexo da sociedade, é justamente
nesse espaço que as maiores mudanças acontecem. O professor é um forte influenciador,
formador de opinião de crianças e jovens, devendo, portanto, estimular o debate em sala de aula

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sobre as questões que envolvem o preconceito racial, promovendo sempre a diversidade, a


solidariedade e a igualdade.
As redes sociais digitais surgem como grandes potencializadoras dessa interação,
favorecendo uma comunicação mais dinâmica e participativa, além de uma aprendizagem
colaborativa.
Não será possível compreender de forma acabada os meios digitais, se
insistirmos em considerá-los simplesmente uma questão de máquinas e
técnicas ou de “hardware” e de “software”. A internet, os videogames, o
vídeo digital, os celulares e outras tecnologias contemporâneas proporcionam
novas maneiras de mediar e representar o mundo, assim como novas formas
de comunicação. Fora da escola, as crianças se relacionam com estes meios
não como tecnologias, mas como formas culturais. O problema da maioria dos
usos educativos desses meios é que continuam considerando-os como meros
meios instrumentais para distribuir informação, como se fossem ferramentas
neutras ou materiais de ensino (BUCKINGHAM, 2002, p. 153).

O aluno já está na internet. Esse fato precisa levar a escola a incorporar um novo papel.
Muitas comunidades mais afastadas dos centros urbanos possuem acesso à rede mundial de
computadores, seja através de Lan House ou por telefones celulares. A escola também precisa
estar conectada, fazendo não apenas um uso instrumental da Internet, mas criando a
oportunidade para um uso crítico e ético da rede.

(...) uma atividade ao mesmo tempo crítica e criativa. Proporciona aos jovens
os recursos críticos que precisam para interpretar, entender e (se for preciso)
questionar os meios que permeiam sua vida cotidiana, mas, ao mesmo tempo,
lhes oferece a capacidade para produzir seus próprios meios, para serem
participantes ativos da cultura dos meios, em lugar de serem meros
consumidores (BUCKINGHAM, 2002, p. 187)

O uso das redes sociais digitais ajuda o educador a sair de um modelo de educação
centrado na relação vertical para introduzir o modelo de rede, no qual a informação dissemina-
se, mobilizando os alunos, motivando-os para o aprendizado. É através da educação e da
reconstituição da memória histórica que o combate a esse aprendizado de intolerância acontece.
O docente precisa, então, introduzir a temática do preconceito no cotidiano da sala de aula e as
redes sociais digitais, como o Facebook, podem ser excelentes aliadas.
O professor é um facilitador que deve estimular o debate. A escola, por sua vez, precisa
investir na qualificação profissional, ajudando o docente a assumir a sua função social, e
fazendo do ambiente escolar um espaço de resgate da autoestima e de promoção da autonomia.

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3 Abordagem metodológica

O objetivo desse artigo é fazer um estudo sobre o racismo nas redes sociais digitais, em
especial no Facebook. Analisando como acontece e como pré-adolescentes se comportam
diante desses acontecimentos. Sendo assim, realizamos um estudo empírico, isto é, uma
pesquisa dedicada ao tratamento da "face empírica e fatual da realidade que produz e analisa
dados obtidos através da experiência e da vivência" (Demo, 2000, p. 21).
Ao se observar a grande participação de adolescentes na rede social do Facebook, com
idades entre 14 e 15 anos, idade na qual já é permitido o acesso a esse espaço virtual, partimos
da observação e aplicação de um questionário. Os nomes dos respondentes foram resguardados,
atendendo aos preceitos da ética em pesquisas com seres humanos. Vale ressaltar que
possuímos autorização para realização da pesquisa, junto aos alunos e seus responsáveis, bem
como a instituição.
Quanto à forma de abordagem do problema, a pesquisa classifica-se como qualitativa,
com fins exploratórios e explicativos. Pensando nos meios de investigação, fizemos um
levantamento bibliográfico em sites, periódicos e livros que abordam os temas propostos,
tornando possível uma identificação mais precisa dos fatores que determinam e contribuem para
a ocorrência dos fenômenos estudados.
A escolha desse grupo ocorreu pelo fato de estarem mais próximos aos pesquisadores,
terem acesso regular à Internet, e por se autodeclararem, majoritariamente, negros ou pardos.
O estudo de caso refere-se, então, a uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno atual
dentro do seu contexto de realidade (GIL, 2008).
Yin (1994, apud ARAÚJO et al. 2008) afirma que esta abordagem se adapta à
investigação em educação, quando o investigador é confrontado com situações complexas, de
tal forma que dificulta a identificação das variáveis consideradas importantes, de modo que o
pesquisador procura respostas para o “como?” e o “porquê?”, buscando encontrar interações
entre fatores relevantes próprios dessa entidade, desta feita o objetivo é descrever ou analisar o
fenômeno, a que se acede diretamente, de uma forma profunda e global.
Como instrumento de coleta de dados, elaboramos um questionário, com 10 (dez)
questões, sendo 6 (seis) abertas e 4 (quatro) de múltipla escolha, que foi respondido em sala de
aula. As questões versavam sobre uso das redes sociais, sobre postagens preconceituosas e
sobre o comportamento dos jovens diante dessas postagens e seus desdobramentos. Ao todo,
10 (dez) jovens foram entrevistados.
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O questionário foi importante para nos dar um panorama da reação dos jovens diante do
preconceito racial. Os resultados apontaram para um discurso de exclusão do negro e para a
necessidade de se trabalhar essas temáticas dentro da escola e da sala de aula.

4 Resultados e discussões

Os dados que embasaram essa pesquisa foram colhidos no Centro de Aprendizagem


Cantinho da Crianças, na cidade de Alagoinha, na Paraíba. O público respondente consistiu em
10 (dez) alunos, com idades entre 14 e 15 anos, que assistem aulas de acompanhamento
pedagógico.
Utilizamos como instrumento de coleta de dados um questionário contendo 10 (dez)
questões que versavam, principalmente, sobre hábitos nas redes sociais digitais e preconceito
racial. Analisando as respostas, chegamos a uma constatação interessante: 7 (sete) alunos
autodenominaram-se negros ou pardos. Outro ponto relevante é que todos têm acesso, diário, à
internet.
Ao serem questionados sobre os seus hábitos em redes sociais digitais, todos os alunos
elegeram o Facebook como o site mais acessado. Tratando especificamente do preconceito
racial, perguntamos se os jovens já haviam sofrido ou presenciado algum tipo de discriminação
nas redes, e, em caso positivo, como reagiram. O resultado obtido foi que 5 (cinco) alunos
responderam negativamente, e 5 (cinco) adolescentes afirmaram que já foram vítimas do
preconceito nas redes sociais digitais.
Talvez, o dado mais curioso tenha surgido na questão seguinte, vejamos a seguir. Ao
serem indagados sobre suas reações, 2 (dois) alunos, dos 5 (cinco) que sofreram preconceito
nas redes, declararam que simplesmente ignoraram os ataques. Já 3 (três) jovens afirmaram
enfrentar seus agressores, comentando nas postagens, reivindicando uma retratação pública ou
ameaçando procurar a justiça.
Descobrimos, também, que o grau de intimidade com o agressor é um fator importante.
Todos os entrevistados afirmaram que embora já tenham lido algum post racista, visto alguma
imagem ou vídeo que evidenciasse o preconceito, só emitiam um comentário se o interlocutor
fosse um parente, um amigo ou um conhecido. Caso contrário, ignoravam a postagem.
Pensando nos nexos entre redes sociais digitais, preconceito racial e a super
publicização da intimidade nesses ambientes, perguntamos aos jovens se eles acreditavam que
os usuários das redes estavam mais suscetíveis à discriminação. Embora a resposta positiva
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parecesse óbvia, 2 (dois) alunos disseram não acreditar que a exposição pessoal em sites como
o Facebook ou Instagram aumentem as chances de sofrerem algum tipo de discriminação.
Questionados sobre uma possível participação em uma campanha nas redes sociais
contra o preconceito racial, todos os alunos, afirmaram que apoiariam a ideia e gostariam de
contribuir. Perguntamos, ainda, se algum docente em escolas nas quais eles tinham estudado já
havia trabalhado com discriminação racial ou outro tema crítico aliado às redes sociais digitais
a partir de discussões iniciadas em sala de aula.
A resposta negativa foi unânime. Até o momento, nenhum projeto foi proposto, e
nenhuma atividade foi realizada. Temas tão relevantes e canais que podem estimular o interesse
e o aprendizado ficaram relegados ao esquecimento em um momento tão crucial para esses
jovens.
Torna-se evidente, então, a importância de que nós, enquanto educadores, não apenas
busquemos qualificações para repassar os conteúdos de forma didática e eficiente, como
ocupemos os postos de mediadores do conhecimento, estimulando em nossos alunos a
autonomia, a consciência e a crítica. Os jovens precisam ser incentivados à construção
responsável do conhecimento para que, assim, possam se tornar cidadãos conscientes,
participantes de uma sociedade, verdadeiramente, plural e democrática.

O papel da escola é o de uma instituição socialmente responsável não só pela


democratização do acesso aos conteúdos culturais historicamente construídos,
mas também o de co-responsável pelo desenvolvimento individual de seus
membros (em todos os seus aspectos), objetivando sua inserção como
cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e democrática
(ARAÚJO, 1998, p. 44).

A falta de atividades que valorizem a história, os costumes, a ausência do cumprimento


de leis, decretos e normas que exigem que a história, cultura e a religião afro-brasileira sejam
estudadas na educação básica abre uma lacuna no processo educacional.
Há exatos 130 anos após a abolição da escravatura, o preconceito racial ainda é forte no
Brasil. Casos cotidianos de racismo passam despercebidos porque há um conjunto de
estereótipos e julgamentos sociais que não são discutidos mais profundamente por instituições
como a escola. A comunidade escolar precisa construir uma nova postura cidadã, e, atualmente,
esse novo posicionamento têm, também, uma vertente digital. O uso pedagógico das
ferramentas e das redes sociais digitais são indispensáveis para o desenvolvimento crítico e
engajado dos jovens.

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Sobre a importância de debates, campanhas, discussões e atividades que envolvam


preconceito racial e sites de redes sociais nas escolas, houve uma conformidade geral de
opiniões: os estudantes acreditam que temas delicados e polêmicos quando trabalhados em
conjunto com as redes sociais digitais ganham mais visibilidade, força e aceitação. Afinal,
tratam-se de ambientes que privilegiam o compartilhamento e a difusão de informações, além
de ser um meio natural de comunicação para a juventude contemporânea.
Diante disso, é notório que trabalhar com essas temáticas dentro da escola possibilita
aos jovens uma formação mais ampla, consciente e igualitária, conforme declara Munanga
(2005)

A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa e


discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está comprometida
com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de aprendizagem
onde as transformações devem começar a ocorrer de modo planejado e
realizado coletivamente por todos os envolvidos, de modo consciente. [...] a
educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreender que a
diferença entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é
preciso valorizá-las para garantir a democracia que, entre outros, significa
respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características
próprias e individualizadoras; que buscar soluções e fazê-las vigorar é uma
questão de direitos humanos e cidadania (MUNANGA, 2005, p. 189).

A aplicação do questionário foi, então, essencial para que pudéssemos compreender


melhor os hábitos dos jovens nas redes sociais digitais: o que pensam, como agem e o que
necessitam quando o assunto é preconceito racial. Percebemos que o caminho é longo.
Diminuir o preconceito e incorporar as plataformas de redes sociais à educação ainda são
grandes desafios para a educação.

Considerações finais

Acreditamos que há uma necessidade urgente de que políticas públicas mais efetivas
voltadas para a comunidade escolar sejam desenvolvidas. A elaboração de projetos, atividades
e oficinas que se beneficiem das novas tecnologias e plataformas digitais, em especial dos sites
de redes sociais, visando, especificamente, o combate à discriminação racial, também são
determinantes.
Um ponto bastante relevante apontado pela pesquisa foi a enorme vontade dos jovens
de participar de alguma iniciativa que trabalhe com as questões raciais nos espaços virtuais.

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Todavia, a impressão que temos é que muitos desses interesses não são valorizados, estimulados
ou trabalhados adequadamente em rodas de diálogo, em atividades aliadas à tecnologia e suas
ferramentas, em dinâmicas que favoreçam a aprendizagem interativa e inclusiva nas escolas de
ensino regular.
É certo que o sucesso de qualquer ação que vise o combate ao preconceito nas redes
depende do esforço, treinamento e motivação de todos os profissionais envolvidos no processo
de ensino e aprendizagem. O engajamento das escolas, portanto, é fundamental. As redes
sociais digitais encaixam-se, justamente, nesse ponto: facilitam a comunicação, proporcionam
a aprendizagem colaborativa e oferecem oportunidade para exercitarmos a ética e a cidadania
digital.
A pesquisa foi fundamental para nos ajudar a compreender como os discursos violentos,
que muitas vezes começam no ambiente escolar, ganham força no digital ou, em sentido
inverso, começam no ambiente digital e ganham força na escola, impactam tão profundamente
a vida das vítimas.
Apesar de muitos jovens já terem sofrido discriminação na rede ou terem visto algum
post que incitasse o preconceito, a pesquisa apontou que a maioria dos entrevistados não
comentam nem denunciam tais atos, acreditando que foram “apenas brincadeiras”. Diante
disso, nós, que ocupamos o papel privilegiado de educadores, não podemos ignorar os fatos,
crendo que a situação não é relevante.
A partir do momento que a comunidade escolar se empenhar verdadeiramente, criando
atividades e projetos que abordem o preconceito racial de forma real e não superficial,
estaremos não só contribuindo para uma escola mais justa, mas também para uma sociedade
menos preconceituosa. Nesse momento, os alunos passarão a agir como reprodutores daquilo
que é trabalhado dentro do ambiente escolar, estimulando e levando o grupo social no qual está
inserido a pensar um pouco mais sobre seus próprios posicionamentos, sobre como agem diante
de uma pessoa que não possui a mesma cor de pele que a deles.
É necessário, ainda, que os educadores abandonem, talvez, o medo da superexposição e
todos os possíveis pré-conceitos relacionados ao uso das redes sociais digitais. As redes sociais
criam novos espaços e oportunidades que facilitam a comunicação e a aprendizagem. A
publicação de textos, vídeos, imagens e comentários dos usuários criam uma rede de interação
e compartilhamento de informações que precisam serem aproveitadas de forma eficiente pelos
professores. O docente precisa transformar-se em mediador do debate e curador do conteúdo,

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organizando, orientando e motivando os alunos, zelando pelos interesses de uma aprendizagem


que se apropriará, cada dia mais, das ferramentas e plataformas digitais.

Referências

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Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. 5. ed. São Paulo, SP:
Summus, 1998.

BRASIL. 1º da Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Normas de


Discriminação Racial. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
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Gedisa, 2005.

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A (RE) DEFINIÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA NO CONTEXTO ESCOLAR:


OLHARES PARA A EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE

Gabrielly Nayara Costa Coutinho/Graduanda-

UFPB/CE, gabynayara@live.com

Vilma Helena Malaquias/ Mestranda-

UFPB/CE/PPGE, vilmaletramento@gmail.com.

Ana Claudia da Silva Rodrigues/Profª.Dra

-UFPB/PPGE, claudiacavn@yahoo.com.br

RESUMO: O presente artigo tem com um dos principais objetivos construir motivações para
mobilizar estudos para o fortalecimento da educação para as relações étnicas raciais na
modalidade da educação quilombola. Uma necessidade científica no campo das ciências
humanas e sociais, e que vem sendo apontada nos diferentes espaços de discussão desta área de
pesquisa, principalmente nos espaços escolares paraibanos. O fortalecimento dessa modalidade
de educação pode vir a contribuir para que essa prática social fomente conhecimentos relevantes
na atuação de uma prática da educação para as relações étnicas raciais. A modalidade da
pesquisa qualitativa foi a escolha coletiva para a construção de diretrizes deste trabalho, através
da pesquisa bibliográfica. A revisão bibliográfica foi feita a partir de um levantamento de
materiais publicados em eventos, livros, artigos científicos, e teses de mestrado e doutorado.
Selecionamos autores e obras significantes sobre o tema nas linhas de políticas educacionais,
os documentos oficiais também fizeram parte desta escolha. Além de olhares para estudos sobre
identidades negras que merecem destaque na problematização do tema. As diretrizes teóricas
metodológicas desse estudo indicam a educação para as relações étnicas raciais como um
princípio de ação cidadã no âmbito da escola pública quilombola.

PALAVRAS- CHAVE: RESISTÊNCIA, EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS,


IDENTIDADE.

INTRODUÇÃO

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Há o pressuposto de que a escola é o espaço que promove a educação como direito humano
básico para a formação da pessoa, e deve proporcionar direitos de condições, para que haja a
permanência e o bom aproveitamento do alunado, atuando na construção de uma escolarização que
contemple, além do conhecimento sistematizado, sua identidade, valores e cultura.

Desse modo, concebe-se a educação na perspectiva quilombola, como um processo amplo que
inclui a família, as relações de trabalho, a convivência com os outros, a cultura, os valores históricos e
ideológicos, os movimentos sociais e outras organizações na comunidade, os quais influenciam a
vivência na escola. Esses parâmetros sinalizam para a educação como uma prática de liberdade, na
leitura do filósofo Paulo Freire.

No entanto, presencia-se no cotidiano escolar a dificuldade de se estabelecer um diálogo


constante com a interculturalidade e com as diversidades étnico-raciais, pois muitas instituições públicas
(e privadas) de ensino não conseguem inserir-se na vida da comunidade, indicando uma visão
desarticulada da realidade local. Além disso, as tensões e os conflitos decorrentes de determinadas
práticas escolares evidenciam a reprodução do discurso hegemônico, produzindo uma forte tendência
ao preconceito e à discriminação, naturalizando a condição de cultura menor, o que se faz também
presente no livro didático, na linguagem, na ausência de conteúdos curriculares que abordem sobre as
populações quilombolas.

Na dificuldade de inserção da abordagem da Pluralidade Cultural, nas propostas pedagógicas,


presente nos documentos oficiais, PCN’S e DCN’S voltadas para a educação das relações étnico-raciais
e para o ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana, obrigatória desde 2011, pela Lei de
Diretrizes e Bases-LDB/9496/96, muitas escolas não têm considerado as presenças de representações
culturais significativas na mesorregião da Zona da Mata, onde estão localizadas as comunidades
quilombolas, referência desse estudo. – o que gera contradição no papel formativo a ser desempenhado
pela escola.

Desse modo, a fim de fomentar e promover discussões a respeito da problemática dessa postura
de negligência da escola enquanto formadora, de não contemplar o que está previsto nas orientações
documentais, desenvolve-se o estudo sobre a (Re) definição da identidade negra no contexto escolar:
um olhar para a educação como prática de liberdade. O tema em estudo encontra argumentação nos
ordenamentos legais que legitimam a implementação, e de outro, temos a forma de como a escola, no
cotidiano de suas atividades, vem construindo a identidade afrodescendente dos sujeitos que nela
buscam a educação enquanto estado de direito. Desse modo, a investigação pretende compreender,
nessas práticas educativas, com bases nas referências de estudos, que discursos sobre a identidade
circulam no contexto das escolas inseridas nessas comunidades negras, e como se reproduz na
escolarização dos sujeitos-alunos.

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Para poder identificar no cotidiano o porquê de práticas de exclusão que vem constituindo esse
cenário, entendendo que a escola enquanto instituição educativa deveria questionar ou questionar-se
sobre o modo de conceber as diferenças. Com o desenvolvimento da pesquisa e a obtenção das respostas
através da coleta de dados, pretendemos promover discussões e reflexões a respeito do tema da pesquisa,
como também, buscar elementos para estratégias de atuação (da) na política de um currículo escolar
(micro) voltado para a educação das relações étnico-raciais, de valorização das identidades quilombolas
e da cultura local, modificando paulatinamente uma prática escolar excludente, com formação
continuada, palestras, minicursos e eventos centrados na pluralidade cultural, em prol de crianças e
jovens que negam a sua ancestralidade, em virtude da falta de comprometimento da escola com as
Diretrizes Curriculares Nacionais e, principalmente, com a história e a cultura afrodescendente das
comunidades remanescentes de quilombo.

A CONSTRUÇÃO COLETIVA DE DIRETRIZES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DE


INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS.

A propositura da escrita do texto tem respaldo no conjunto de discussões que o Grupo de


Currículo e Práticas Educativas do Programa de Pós Graduação em Educação-PPGE, da Universidade
Federal da Paraíba realiza nos Ciclos de Debates que propõe, na linha de pesquisa das Políticas
Educacionais, que na sua trajetória de estudos contempla temas em educação na diversidade nos cenários
sociais, políticos e culturais que se fazem presentes nas sociedades contemporâneas.

Com o propósito de aprofundar a relação discursiva e de atuação nas práticas, debruçamos


esforços teóricos sobre as ações afirmativas na educação básica, através da homologação pelo Ministério
da Educação sobre a resolução de número 8 de 20 de novembro de 2012, que passa a exigir à abordagem
a articulação e o respeito das especificidades dessa modalidade de educação, pelos órgãos da UNIÃO,
ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. No artigo2º para problematizar nos estudos na
perspectiva do processo de escolarização quilombola. Consideramos o estudo da temática algo de
fundamental relevância para o contexto da educação de crianças e jovens negros (as) da Mesorregião da
Zona da Mata- do Litoral Sul da Paraíba. Para a construção de uma identidade fortalecida na perspectiva
da Diversidade Cultural.

Por essa razão, a trajetória do grupo nos conduz a olhar a temática, que elege o cotidiano escolar
como espaço para investigação dos/das pesquisadores (as) na segunda etapa desse estudo.

A identidade negra nas práticas escolares constitui-se também como um espaço contraditório,
onde as desigualdades são produzidas. A considerar a negligência da escola enquanto instituição
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formadora, no que se refere à valorização da cultura étnica nas escolas inseridas nas comunidades
remanescentes. Como também, há uma intensa resistência e dificuldade de inserir no currículo escolar
a temática: História e cultura afro brasileira na agenda da proposta pedagógica das escolas.

O cotidiano nas instituições nos revela que não se prepararam para compreender as diferenças
na diversidade. O silenciamento nas salas de aula e no sistema educacional sobre esta temática confirma
as lacunas que fortalecem os conflitos presentes na linguagem, no livro didático, no discurso
hegemônico, assim como reforçam a ausência de indicadores oficiais sobre o processo de escolarização:
evasão e aproveitamento.

É nesse contexto de reflexão das problemáticas que o artigo se movimenta à luz da pesquisa
bibliográfica sobre a (re) definição e a representação da identidade negra no contexto das escolas,
buscando identificar que sentidos o discurso ao longo da História produziu sobre identidade, e como a
escola significa esses sentidos e reproduz no processo de escolarização.

Sobre a educação quilombola na Paraíba há poucos indicadores oficiais sobre a educação em


comunidades remanescentes, reforça-se a necessidade de estudos nesse campo.

Tais estudos abrangem uma dimensão relevante, porque a partir dele pode-se contribuir para
que essa prática social gere conhecimentos relevantes para a educação para as relações étnico raciais.
As propostas curriculares, a fim de que se abra o espaço para a constituição de diferentes concepções
docentes, com foco na diversidade e na valorização da identidade étnica dos sujeitos-alunos que fazem
parte do contexto escolar quilombola, legitimando práticas docentes voltadas para a interculturalidade e
a valorização da história e cultura quilombola.

A partir de uma listagem feita pelo grupo de pesquisadores foram selecionados o referencial
teórico nas áreas de conhecimento que tratam da constituição de identidades étnico-raciais, de escolas
em comunidades quilombolas da diversidade cultural e sua relação com o currículo escolar, o que está
atrelado ao nosso objeto de estudo.

Então, tomamos como suporte teórico a linha de Representação e Identidades, com tendência
no pós-estruturalismo. Esta linha, segundo Paraíso (2004), é a que mais tem sido explorada pelas
pesquisas pós-críticas em Educação no Brasil; e está focada nos estudos de Silva (2011), Hall (2014),
Bauman (2005), entre outros.

Também utilizamos referências que tratam da legislação para a educação brasileira, da


resistência negra no Brasil e no mundo, para fomentar discussões nos diversos espaços. Corroborando
com a reflexão sobre o importante papel que as instituições de escolarização básica possuem, assim
como levantar questionamentos sobre quais modos de resistência podemos travar diante dos retrocessos
políticos, ideológicos e econômicos na atual conjuntura. Sinalizando para construção de identidades e
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valores dos sujeitos inseridos em comunidades remanescentes de quilombo, que tem nas DCN’s para a
Educação das relações étnicas raciais e para o ensino da História e Cultura afro-brasileira e africana,
fundamentada na Lei 10.639 - uma espécie de “política de reparação” para as populações negras.
(DIVERSIDADE PARAÍBA, 2014).

A (R) EXISTÊNCIA NEGRA NA DIÁSPORA DA HISTÓRIA

O conceito de resistência que trazemos no texto, atrela-se ao termo no contexto da história do


negro na diáspora, fazendo relação com outros espaços, a exemplo da educação escolar.

Existem vários conceitos para se pensar Resistência. Nas áreas das ciências humanas e da
natureza, resistência pode ser definida como a capacidade de determinado organismo de resistir a danos,
mudanças bruscas ou simples, de um determinado fato advindo de consequências ou não, a partir de
possíveis variantes extremos. Já a partir do seu vocabulário crítico, Silva (2000) conceitua que;

Na teoria educacional crítica, o conceito de resistência se desenvolveu na


perspectiva de reação ao suposto determinismo das teorias de reprodução e à
visão passiva da ação humana e social que elas supostamente implicavam,
ganhando impulso com a publicação do livro de Paul Willis, Aprendendo a
Ser trabalhador. (SILVA, 2000, p. 98).

Quando nos referirmos à Resistência Negra, é de senso comum pensar numa trajetória de lutas,
perdas e recomeços, e mesmo depois de anos exigindo igualdade de direitos, pensar igualdade e
equidade no mundo atual, continua sendo utopia.

Diante da realidade apresentada nos questionamos sobre como se dá a (re) definição da representação
de identidades negras no contexto escolar, a literatura nos aponta a olhar para o discurso racista e para
o discurso antirracista como mecanismo conceitual que descreve o perfil identitário dessa população.
Partindo desse pressuposto, quais identidades estão postas na arena de disputas política e ideológicas no
âmbito escolar? Como elas são apresentadas na sociedade?

As identidades na arena de disputas nesse movimento, entre os dispositivos legais e a resistência


por garantias de justiça e de igualdades identitárias provocam tensões que se estabelecem entre o
distanciamento dos valores proclamados e os valores reais da educação brasileira (SILVA, 2011) na
persistência histórica da não garantia de justiça e de igualdade que tem reforçado uma visão de
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representações que desvalorizam os diferentes, aqui considerando uma percepção de inferioridade ao


negro, que se constitui socialmente.

As percepções de desvalorização do negro na sociedade estão atreladas ao discurso racista que


perpassa todos os momentos de resistência do negro na contemporaneidade. Não há uma data específica
para o surgimento do racismo no mundo, levando-se em consideração, todo o contexto a partir de
diferentes lugares, povos e suas situações sócio-históricas, advindas também, de seus momentos
políticos. Porém, podemos demarcar um dos seus principais momentos em 1950 nos Estados Unidos,
quando a população afrodescendente do país vivia em segregação racial.

A resistência da população branca em aceitar a completa igualdade de direitos dos ex-


escravos, acabou por facilitar a aceitação de uma doutrina racista para justificar a
limitação dos direitos dos negros. (GUIMARÃES, 1999, p.106)

Nesse contexto, os Estados Unidos já lidavam com dois diferentes tipos de ordem jurídica num
mesmo Estado de direito para brancos e negros. Aponta-se o Jim Crow Laws (Leis de Jim Crow) que
perdurou entre os anos de 1876 a 1964. Segundo Massey e Denton (apud Andrade e Silveira, 2013)

brancos e negros eram segregados nos espaços públicos. Passado esse período, os
índices que medem a segregação não foram reduzidos e tiveram como consequência
a concentração de famílias em situações desvantajosas em alguns bairros. (MASSEY
e DENTON, 2013, P. 387)

As consequências desse período conturbado ficaram marcadas nas famílias e nas seguintes
gerações que sofriam com as altas taxas de desemprego e criminalidade, recorrentes mesmo diante do
fim das leis de Jim Crow, 88 anos após o seu início. Em 1964, o Senado aprova a Lei de Direitos Civis,
criada pelo então presidente John Fitzgerald Kennedy, em 1963, que contraria toda a segregação racial,
pondo fim, legalmente, no discurso de ódio disfarçado em lei, o que é um dia histórico a ser lembrado
nos Estados Unidos.

O discurso de ódio encontrado na América do Norte, também perpetuou-se na África do Sul,


onde há marcas da segregação racial dissipadas até os dias atuais e presentes na sua história, tal qual,
destaca-se, o movimento Apartheid, instituído em 1949.

Assim como nas Leis de Jim Crow, o Apartheid consolidou institucionalmente uma série de
limitações à população negra na África do Sul. Casamentos inter-raciais não eram permitidos, as escolas
eram delimitadas para negros, cujo objetivo eram formar pessoas para a classe trabalhadora
exclusivamente, além de bairros residenciais separados e exclusão da vida política do país. Desde o

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momento em que foi ditado leis que segregavam negros e suas ocupações na sociedade, os grupos de
resistência tomavam força contra a discriminação racial.

Um dos líderes à frente de um dos grupos era Nelson Mandela (1918-2013). Foi preso 27
vezes, sofreu punições físicas e verbais por lutar a favor do direito ao povo negro do seu país. Em 1990,
o Apartheid dava indícios de seu declínio, como consequência de punições econômicas impostas pela
ONU e como resultado da participação negada nas Olimpíadas de 1964. Com isso, Frederik Willem de
Klerk torna-se o último presidente branco, embora tenha buscado reverter o Apartheid. Nesse período
de transição de políticas com perspectivas positivas para o povo negro, Mandela é libertado da prisão,
tornando-se, anos depois, o primeiro presidente negro da África do Sul, contando com a participação da
população negra nos votos.

A segregação racial teve papel extremamente presente nas sociedades e suas culturas, como
tentativa de normalizar e institucionalizar o preconceito racial através de discursos e leis moralistas e
excludentes, sem mínimas chances de defesa à população negra. Resistir foi a única saída e melhor
solução, na busca por princípios morais e éticos que respeitem a liberdade individual de cada ser.

Apontado alguns dos principais marcos históricos quando se fala de segregação e resistência
negra, vejamos agora um recorte de seus reflexos em nível global, sul-americano e brasileiro, resgatando
fatos antecessores para que se fundamente o momento atual.

RESISTINDO E PERSISTINDO

Nos Estados Unidos, em 1955, um dos episódios de racismo, legitimados pelas leis de
segregação racial que ainda estavam em vigor, era, na verdade, um estopim a mais na luta de resistência
às opressões raciais vivenciadas na época. O episódio ocorre quando uma mulher negra, Rosa Parks,
recusa a dar seu assento a um homem branco, e que, por resistir, é presa como forma de punição.

Tomando conhecimento do ocorrido, a Associação de Melhoramento de Montgomery, liderada


por Martin Luther King (1929-1968) planeja um boicote às empresas de ônibus como forma de protesto,
relata Palmares Fundação Cultural (2011). Como resultado da mobilização feita pelo grupo, a Suprema
Corte dos Estados Unidos concede o direito de negros e brancos usarem os mesmos transportes públicos,
sem problemas referentes à segregação racial imposta pelo estado.

Obviamente não foi fácil ter resultados positivos diante do caso de discriminação sofrido pela
Rosa Parks. A ideia do boicote organizado por Luther King culminou na sua prisão que perdurou 382
dias, assim como tortura e invasão de domicilio quando o mesmo ainda não encontrava-se preso. A sua
representatividade tornou-se nacional, compactuando com a luta de direitos civis no movimento negro
como um todo.
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Os movimentos de greves e protestos criticavam fortemente o idealismo de segregação social,


conquistando espaços públicos como bibliotecas e parques. Aos poucos, o movimento se fortalecia e
King crescia como referência às mudanças que iniciavam novas trajetórias da população negra dos EUA,
com a participação em massa da população negra exigindo igualdade de direitos, organizando
manifestações e atos de rebeldia contra as leis de segregação racial ao decorrer dos anos.

Com a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade com mais de 200.000 pessoas, que
teve grande repercussão, é aprovada, em 1963, a lei que põe fim a segregação social do país, dando
início a tão desejada legislação de direitos civis. É uma conquista fundamental para o movimento negro,
que tem no discurso de autoria de (KING, 1963) uma possibilidade de trégua quando diz; “Eu tenho um
sonho: o de que, um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos
dos antigos senhores de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.” (Martin Luther King,
discurso na Marcha de Washington, 1963.)

Atualmente, existem diversos grupos de Movimento Negro, que atuam nacional e


internacionalmente. É o caso do Black Lives Matter. Em meados de 2013, o movimento começou nas
redes sociais, manifestando a indignação das pessoas ao saber que um homem branco, acusado de matar
um jovem afro-americano, foi absorvido da condenação, o que causou revolta a todos que
acompanhavam o caso. Em 2015, a organização também demonstrou apoio a outros dois jovens negros,
assassinados por policiais em Nova York. O movimento luta em defesa dos direitos sociopolíticos,
econômicos e culturais dos negros nos Estados Unidos.

O NEGRISMO CUBANO

Este movimento teve início no século XX, cujo principal objetivo foi promover a cultura cubana
negra, através da literatura. “Ao contrário de lamentarem-se pela sua condição racial, os ativistas do
movimento enalteciam a cor do povo negro em suas obras, [...] tendo como principal expoente o poeta
negro Nicolás Guillén”. (DOMINGUES, 2005, p.3). Nos seus poemas, Guillén (1902-1989) fazia
referências à cultura negra, africana e cubana, de modo que, quem ler, fica instigado a compreender o
que o autor vê. Em um de seus poemas, Nicolas Guillen retrata um deus da cultura africana:

Outro aspecto importante a ser destacado [...]. Nas danças dedicadas a Elégua, um
deus travesso de origem africana, a dançarina usa um pequeno pau que é movido de
um lado a outro para afastar a maldade ou para abrir caminho na selva. (RIBEIRO,
2010, p.46).

Observemos um trecho do poema abaixo:

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A rumba
Agita sua música espessa
com um pau
Jengribe e canela ...
Mau!
Ruim, porque agora virá o cafetão preto
com fela.3
(1-7)

Guillén também teve algumas de suas obras publicadas nos Estados Unidos. 500 cópias foram
publicadas numa tentativa de permitir a compreensão de quem ler, sobre as semelhanças entre os negros
da Cuba e os negros dos Estados Unidos, destacando aspectos culturais similares entre suas nações,
conforme acentua Oliveira (2012).

O MOVIMENTO DO NEGRO BRASILEIRO: UM PERCURSO POR IDENTIDADE

Não podemos falar de resistência negra, sem mencionar a escravidão no Brasil. Quando
falamos em resistência, neste caso especificamente, o conceito vai além de resistir como forma de tentar
escapar e fugir. A resistência foi também física e psicológica, de todas as maneiras possíveis. Enquadrar-
se nos moldes de outros povos, fazer trabalhos árduos, exaustivos e desumanos, ver suas famílias sendo
abusadas de todas as formas possíveis por anos e não ter nenhum tipo de direito ou qualidade de vida, é
de fato, algo terrivelmente triste.

Mas a vida dos escravos em nosso país não se resumia à mera condição de força de
trabalho, de instrumento passivo dos grupos dominantes, supostamente os únicos
agentes da história. Se deviam submeter-se às condições impostas por uma sociedade
exploradora e violenta, coube também aos negros escravos criar uma estratégia de
sobrevivência e, até mesmo, uma nova identidade, que lhes permitisse viver o seu dia-
a-dia. (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, p.11)

3
Trecho original: “La rumba;/revuelve su música espessa/con un palo/Jengribe y canela…/¡Malo!/
Malo, porque ahora vendrá el negro chulo/
con fela.
Disponível em: https://www.poesi.as/ng3108.htm Acesso em: 29 de setembro de 2018
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Os escravos encontravam formas de rebelarem-se, tais quais, refúgios em quilombos,


sabotagens nas colheitas e, muitas vezes, o próprio suicídio. A cultura negra também era uma forma de
resistir ao que lhes eram imposto obrigatoriamente. Religião, comidas, cantos e danças eram formas de
preservar sua cultura de origem, de modo que não se perdesse o valor pessoal e a simbologia para cada
um dos sujeitos inseridos no contexto escravocrata.

Antes da criação da Lei Áurea, leis como a do Ventre Livre, de 1871 que permitia a liberdade
de crianças de mães escravas, Lei Eusébio de Queirós em 150, cujo objetivo foi proibir a entrada de
africanos no Brasil e a Lei dos Sexagenários que permitia a libertação de escravos com mais de 65 anos,
em 1985, foram tentativas falhas e insuficientes para a abolição da escravidão no Brasil.

Nos anos que se sucederam, em meados de 1888, a lei que dava a liberdade aos escravos foi
finalmente criada, levada ao Senado Imperial para votação, e, em 13 de maio, oficialmente promulgada.

No momento atual, faz-se necessário que os movimentos, as organizações, os grupos e


comunidades, em parceria, continuem a luta por melhores condições de vida, trabalho, moradia, saúde,
lazer, educação e participação política ativa, pois são perceptíveis as várias formas de racismo e
discriminação.

Pensando no processo de abolição à escravatura como algo incompleto, nascia em 1988 a União
de Negros pela Igualdade (UNEGRO), cujo objetivo é combater o racismo, enfrentar as desigualdades
de gênero e classe, assim como a conjuntura atual política para com a população negra.

Dessa forma, a trajetória que percorremos nessa pesquisa bibliográfica aponta para novos
estudos para mobilizar a Educação para as Relações étnico-Raciais, como uma educação essencial para
a prática política para as escolas quilombolas.

CONSIDERAÇÕES

A história social das nações é fortemente demarcada por uma série de movimentos e ações que
constituem grandes lutas em defesa de povos, culturas, políticas civis, educação e a crítica sociedade.
Nos dias atuais, percebe-se a resistência em várias formas e comportamentos. Na escola, um de seus
importantes papéis é desconstruir a pragmática concepção de desigualdade advinda de um passado cruel
das sociedades, tal qual, a cor da pele era a forma determinante de prestigio e direito social civil. Mesmo
presente nos dias atuais, nota-se a constante luta em prol da defesa dos direitos constituintes á população
negra do mundo, assim como a garantia a seu acesso e permanência na escola, universidade e no circulo
de pessoas que gerem e constituem políticas de direitos e deveres civis.

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Vale ressaltar a singularidade de cada movimento de resistência demarcado na história da


sociedade, ao qual, para além de seus contextos, suas formas de resistir encontraram jeitos simbólicos
de perpetuar-se através de suas ações em sociedade, a exemplo, o movimento poético que tinha Guillén
como atuante reconhecido país afora.

A pesquisa também tem função importante na luta por reconhecimento das trajetórias
vivenciadas no conflito de interesses entre as relações étnico raciais, visto que, para além do
reconhecimento enquanto fato histórico visa-se a busca por interferir na propagação de atitudes e
conceitos isolados e rasos da realidade, modificando-os através de práticas e estudos embasados na
autonomia do sujeito e o respeito á diversidade. Dado isto, nota-se a necessidade dos grupos de pesquisa
nas universidades com a postura da investigação e a intervenção social, quando necessária.

Assim como na pesquisa, a intervenção social que gere a autonomia do sujeito em ser e estar,
deve estar atrelada a uma educação emancipadora, dialógica e contextualizada. Sendo portanto,
assegurada e afirmativa quanto ás políticas de educação nas redes de escolas públicas tais quais Base
Nacional Comum Curricular, Lei de Diretrizes e Bases e Plano Nacional da Educação, por exemplo.

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TERRA, ÁGUA, AR, FOGO NO RITUAL POTIGUARA: UM DIÁLOGO ENTRE


ESPIRITUALIDADE E VIVENCIA NA BIODANÇA.

Carmen Lúcia dos Santos


Mestranda em Ciências das Religiões pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões
(PPGCR), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I, João Pessoa-PB -
carmensasv@gmail.com
Lusival Antônio Barcellos
Prof. Dr. do programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (PPGCR), da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), Campus I, João Pessoa-PB - lusivalb@gmail.com

RESUMO: O presente artigo trata da importância dos quatro elementos da natureza: Terra,
água, ar, fogo, no ritual dos povos Potiguara da Paraíba, em diálogo com a vivência de biodanza,
que por meio da música conectam com esses diversos elementos sagrados da natureza contidos
na expressão corporal. Para isto, fundamentamos este trabalho à luz de alguns teóricos como
Barcellos (2014), Sarpe (2017), que possibilitam perceber um possível diálogo e conexão da
espiritualidade Potiguara na expressão de seus rituais com os elementos cósmicos vivenciados
no movimento da biodança. Utilizamos uma metodologia qualitativa, descritiva, respaldada em
discussões teóricas, tendo influência o contexto social categorizado no tempo presente, voltado
para as vivências e acontecimentos recentes. A expressão desses elementos seja no ritual
Potiguara e na vivência de biodança, estão interligados, conectados como partes integrantes do
processo cosmológico tão presente no ritual e crença indígena, como na vivência do movimento
de biodança, possibilitando experiências espirituais de equilíbrio, de harmonia consigo e com
as forças da natureza.

Palavras-chave: Potiguara.Rito.Espiritualidade.Biodança.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa tratar a espiritualidade no ritual dos Potiguaras, a partir dos
quatro elementos da natureza: terra, água, ar e fogo em conexão com a vivência na biodança.
Utilizamos uma abordagem metodológica qualitativa, descritiva. A abordagem metodológica
pressupõe aquilo que Barros (2011), afirma ser a maneira de trabalhar algo, eleger ou constituir
materiais, de se movimentar sistematicamente em torno do tema. “A pesquisa começa com a
nossa convicção de que essa é uma atividade inteiramente social, que nos une àqueles cuja
pesquisa usamos e, da mesma forma, àqueles que usarão a nossa”. (BOOTH; COLOMB;
WILLIAMS, 2005, p.325). O ritual Potiguara se conecta com essas forças cósmicas da natureza
para invocar os ancestrais, as curas, renovando suas forças na divindade parte integrante da

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espiritualidade da nação Potiguara. Esses elementos simbólicos são sagrados nos rituais de
vivencia de biodança, que se concretizam por meio dos arquétipos, e expressões das divindades
por meio da dança. Esse movimento da vivência da biodança,a expansão dos elementos da
natureza em intensidade e conexão com o sagrado que está em cada ser humano , numa
expansão das forças interiores com as forças cósmicas. Tudo isto, permite-nos nutrir de uma
espiritualidade contendo uma alma indígena. No entanto, este dialogo é processual, até porque
tudo na natureza se harmoniza, se unifica e se transforma em continuo processo de renovação
e integração do ser humano com a natureza.

2 MEMÓRIA HISTÓRICA DOS POVOS POTIGUARA

Potiguar é uma palavra de origem tupinambá, adotados pelos pesquisadores, como:


comedores de camarão (MONEEN; MAIA, 1992) comedores de bosta (SAMPAIO, 1987)
mascadores de fumo (PINTO, 1935). (BARCELLOS, 2014, p.61-62). Enquanto localização
geográfica, os Potiguaras se estendiam na região do Nordeste, percorrendo as cidades de
Fortaleza-CE, João Pessoa-PB, conforme Cunha (1992) Schaden (1989) Segundo a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), o território hectares Potiguara ocupa atualmente um espaço de
33.757 hectares, distribuídos em três áreas, nos municípios paraibanos de Rio Tinto, Baía da
Traição e Marcação. (BARCELLOS; SOLER, 2012).
Este território apresenta uma riqueza pelo seu grande manancial, rios, cachoeiras, várias
nascentes espalhadas ao longo dos vales, os manguezais, as matas e as folhagens lugar sagrado
onde moram os espíritos.
Segundo Yolanda Potiguara (Aldeia Três Rios, ago.2003 apud BARCELLOS, 2012 p.130) “A
terra, a água, as matas são riquezas culturais simbólicas e religiosas do índio e também têm um
valor vital para toda a humanidade.” O povo Potiguara, traz nas suas origens o valor sagrado
das matas, das cachoeiras, dos rios, das plantas, das árvores, um valor ancestral com uma
dimensão do sagrado em seus rituais, considerando tudo que emerge da natureza para a
sobrevivência de todos os seres humanos.

3 ESPIRITUALIDADE NO RITUAL POTIGUARA- OS QUATRO ELEMENTOS DA


NATUREZA

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A origem semântica da palavra Rito, em Latim: do ritus significa ordem estabelecida,


ordem prescrita. Em grego, a palavra prescrita=artusque se refere à ararisko = harmonizar,
adaptare, artmos = elo, junção (BARCELLOS, FARIAS, 2015, p.68). Assim,

O rito refere-se, pois à ordem prescrita, à ordem do cosmo, à ordem das


relações entre deuses e seres humanos e dos seres humanos entre si.
Reporta-se ao que se rima e ao ritmo da vida, à harmonia restauradora,
à junção, às relações entre as partes e o todo, ao fluir, ao movimento, à
vida acontecendo. (VILHENA, 2005, p.21)

A espiritualidade para os povos Potiguaras em relação aos elementos da natureza tem


uma força de sentido e conexão com o ritual da lua cheia, o fogo traz o sentido de limpeza
purificação, a terra, espaço sagrado de veneração por meio do ritual com a dança do Toré. A
água é sagrada, segundo a memória dos seus ancestrais, para banhar no rio, se faz necessário
acordar a água. A água na preservação das matas, na preparação da jurema sagrada com as
plantas medicinais,o cultivo da pesca, oritual de purificação. O símbolo do fogo no ritual de lua
cheia na Aldeia Lagoa do Mato.
A terra para os Potiguaras, é espaço sagrado, lugar de luta e de resistência na
preservação da natureza, das matas e no respeito aos seus ancestrais, podem assim, até hoje
cuidar desse espaço como patrimônio dos seus ancestrais que nesta terra resistiram.
A mãe terra é lugar sagrado onde acontece o Toré- o grande ritual
Potiguara. O contato com o pé no chão gera uma integração do índio
com a terra e com os espíritos. Todo Toré é dançado com o pé na mãe
terra. Ninguém dança calçada não. Todo mundo tem que dançar com o
pé no chão, sentindo a mãe terra. (Pedro Ka’aguasu, jun, 2003 apud
BARCELLOS, 2014, p.105).

O Toré é uma expressão profunda da espiritualidade Potiguara, em diversos momentos


para pedir força à natureza e seus ancestrais, como tão bem vivido na noite de lua cheia e em
outras ocasiões festivas, renovando suas forças em conexão com as forças divinas da natureza
e dos espíritos.

Os povos indígenas nos dão o melhor exemplo de como escutar a


natureza. Por afinidade profunda com ela, com os solos, as chuvas, as
nuvens, os ventos, as águas, as plantas e os animais sabem, de golpe, o
que vai acontecer e que atitude tomar .Estão tão unidos a Terra como
seus filhos e filhas , como a própria Terra falante e pensante, que
captam, imediatamente, o que vai ocorrer na natureza. Ou melhor, a
natureza fala com eles e por eles. (BOFF, 2004, p.116 apud.
BARCELLOS, 2014, p.106).

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O território Pitikara (Potiguara) senhores dos vales, tem na água a sua fonte de criação
uma vez que é gerado numa bolha de água, dentro de uma bolsa com liquido amniótico no
ventre da mãe. (BARCELLOS, 2012, p.123). As matas, o rio, as cachoeiras, são uma força
espiritual que vitaliza e fortalece o ritual e o cotidiano dos povos Potiguara.

Os espíritos moram nas cachoeiras, lá é que é o lugar da morada dos


espíritos, lugar de poder. O banho nessa água recupera o espírito,
fortalece o espírito, renova a vida (Pajé ZÉ ESPINHO, apud
BARCELLOS, 2014, p.124, nascentes do Rio Vermelho, jan.2005).

Para os povos Potiguara a natureza, o vento, as matas, as águas, os rios, as florestas, o


oxigênio das plantas, o vento, o sol, o fogo, os ancestrais, os encantados a dança, são partes
integrantes da espiritualidade, força dinamizadora do espírito e da alma indígena.

A terra é sagrada, lugar onde existe vida mineral, vegetal, animal e


sobrenatural, lugar onde moram os espíritos, os ancestrais e os
encantados. Toca no fundo da alma, mexe com a estrutura emocional,
psíquica, subjetiva do índio. É algo que está arraigado, marcado nas
entranhas e na vida indígena. Mexer com algo sagrado é tocar na
essência do ser. Isso porque na mãe terra, povoam os encantos, os
espíritos e os aliados que protegem a natureza e os lugares dos rituais.
É da mãe terra que provêm todos os alimentos da humanidade.
(BARCELLOS,2014, p. 159).

Na natureza tudo se transforma, se recria, se renova, assim como nossos corpos. Estar
conectados com a energia cósmica nos faz sentir partículas do universo é um sinal de que
estamos vivos e parte integrante desses elementos sagrados da criação. Nosso corpo organismo
vivo constituído de terra, água, ar e fogo. Somos seres cosmológico em processo de
transmutação.

O Cosmo é um organismo vivo, que se renova periodicamente. O


mistério da inesgotável aparição da Vida corresponde à renovação
rítmica do Cosmos. É por essa razão que o Cosmo foi imaginado sob a
forma de uma árvore gigante: o modo de ser do Cosmos, e, sobretudo
sua capacidade infinita de se regenerar; é expresso simbolicamente pela
vida da árvore. (ELIADE, 2001, p. 123-124).

A natureza, a árvore tem um valor simbólico e sagrado no ritual dos Potiguara, cultivado
desde os ancestrais nos rituais de cura, da preparação da jurema e da energia dos espíritos dos
ancestrais. Esses elementos da natureza são energias sagradas expressa no cotidiano da prática
desses povos sobretudo nos seus rituais. Tudo é sagrado dentro do ritual e na relação com os
elementos da natureza.

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4 CONCEITUANDO BIODANÇA

A biodança foi criada na década de sessenta, pelo antropólogo Chileno Rolando Toro
Aranëda. Ele assim a define:

Biodança é um sistema de integração e desenvolvimento humano,


renovação orgânica, reeducação afetiva e reaprendizagem das funções
originárias da vida. Sua metodologia consiste em induzir vivências
através da dança, música, canto e exercícios de comunicação e encontro
em grupo. Os exercícios estão sistematizados em função de um modelo
teórico e operacional, o que permite prescrições especifica.
(SANTOS,2009,p.24).

A biodança definida por Rolando Toro (1991, p.3) como “[...] um sistema de integração
afetiva, renovação orgânica e reaprendizagem das funções originárias da vida, baseadas em
vivências, induzidas pela dança, pelo cantoe situações de encontro em grupo."
A vivência, sendo a base da metodologia da biodança, baseia-se na experiência vivida
com grande intensidade no momento presente, que envolve a cinestesia, as funções viscerais e
emocionais. Confere uma qualidade existencial de modo intenso do aqui e agora.
A metodologia da Biodança conduz o indivíduo às vivências de integração, através de
uma imediata conexão consigo mesmo, reforçadas pela associação com situações prazerosas,
estimuladas pela música, pela dança e pelas situações de encontro. (TORO, 2002, p.29-30).
A base metodológica da biodança é a vivência. A vivência tem um valor intrínseco e
um efeito imediato de integração, razão pela qual não é necessário que seja posteriormente
analisada no nível da consciência. Na biodanza, propõe-se uma descrição das vivências
pessoais, enquanto experiências interiores, sem análise ou interpretação psicológica. As
expressões psicológicas das potencialidades genéticas são as vivências, as emoções e,
sentimentos. De acordo com Toro (2002, p.86), " [...] uma das finalidades da Biodança consiste
em garantir os eco-fatores que permitam a expressão das potencialidades genéticas da
vitalidade.” A seguir veremos estas cinco linhas de Vivências que promovem o
desenvolvimento desta identidade relacional.
Através desse modelo vivencial, estas dimensões denominadas de Linhas de Vivencias:
Afetividade, Criatividade, Vitalidade Sexualidade e Transcendência são possibilidades
geradoras de vida e de aprendizagem no processo de evolução e desenvolvimento do potencial
do ser humano vinculado com a própria vida.

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5 OS QUATRO ELEMENTOS NA VIVENCIA DE BIODANÇA

Os quatros elementos definido por Rolando Toro como uma proposta de “[...] integração
onto-cosmológica, tem por objetivo a ativação desses arquétipos do inconsciente coletivo –
‘imagens eternas’” (SARPE, 2017, p. 187).

Expressar esses elementos na vivência de biodança, permite-nos uma conexão com a


Natureza que existe em cada ser humano, abrindo possibilidades de equilíbrio e harmonização,
redefinindo a relação conosco mesmo e com o mundo.
A terra na biodança evoca uma representação simbólica do sagrado, solidez,
fecundidade, enraizamento, prazer, vida, germinação, renovação e transformação. A Terra traz
a memória dos ancestrais, e a conexão com as forças do universo. Segundo (SARPE, 2017,
p.200). “A terra é um símbolo associado à origem da vida e da morte, ao inconsciente, ao
instinto, ao peso e à gravidade. Simbolicamente, a terra está associada ao princípio feminino,
ao YIN, à nutrição, à maternidade, à fecundidade e à renovação.” A vivência na biodança
acontece pelo movimento da dança:

A dança evocando a sacralidade da terra que, através do seu lado


feminino, se abre para receber as forças do céu. A dança xamânica,
evocando as forças da terra. Incorporar a diversidade da vida: os
animais, as plantas. A terra tudo dá, a terra tudo cura (SARPE, 2017,
p.203).

A água, elemento que constitui o corpo humano, associado ao principio e origem da


vida, desde ventre materno no líquido amniótico. A água é som, é melodia, é movimento
renovação, vigor, transformação, nascimento e renascimento elemento vivificador.

Na água do lago, olhamos o nosso reflexo. E, por vezes, a água sai de


nós em lágrimas espontâneas, vindas de emoções e leitos profundos,
inconscientes. A água quer fluir, sentir, desfrutar. Eu não danço a água
ela dança em mim. (SARPE, 2017, 196).

Para tanto, na vivência de biodança, evocamos diversas danças de fluidez, ritos da água,
dança da água do lago (o olho tranquilo que recebe a luz e reflete e faz o mundo), água da
imaginação que ecoa, água do leite materno e a água que embala. (SARPE, 2017, p. 197).

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O ar que veicula nosso corpo aos pulmões, à respiração e à oxigenação do sangue. Na


biodança a dança expressiva e transcendente de ar, a fluidez perante os obstáculos (TORO apud
SARPE, 2017, p. 206). Nesse mesmo sentido acrescenta:

Abrimos o peito para respirar, abrimos os braços para voar, e ,


dançando, experimentamos a leveza sensível, o vôo contra a gravidade,
a leveza com deslocamento, a criação do espaço pessoal. O ar permite-
nos “ascender livremente sobre o mundo das dificuldades, elevando-se
sobre a terra, pode sair do estatismo e avançar por espaços sem limites,
sentir a expansão do corpo e a viagem da identidade até lugares
desconhecidos (TORO apud SARPE, 2017, p.206).

Segundo Sarpe (2017, p.191), na biodança, o fogo é associado, em termos de


características, ao centro dinâmico da energia psíquica e à criação de desejo no homem (e não
de necessidade). Na vivência de biodança, o fogo traz diversas expressões de intensidade,
conexão com o sagrado, expressão da força do amor e da paixão expressando desejo, liberdade
ao dançar com expansão em direção ao outro.

O fogo emite luz e calor, o que tanto pode significar criação (no sentido
de amor, paixão, centelha divina ou energia solar) como destruição
(raio, vulcão, destruição atômica, inferno, paixão desenfreada). Vital e
erótico, chama a atenção para a importância da alegria e da celebração.
(SARPE, 2017, p.190).

O arquétipo simbólico do fogo traz uma energia psíquica, centrada na criação e no


movimento na vivência de biodança, conectando o nosso valor e nossa força cósmica por meio
da dança.

6 DIALOGO E APROXIMAÇÃO DOS QUATRO ELEMENTOS NO RITUAL


POTIGUARA E NA VIVENCIA DE BIODANÇA.

A espiritualidade Potiguara na vivência dos quatro elementos da natureza abre


possibilidades para um equilíbrio das forças humanas em conexão com a natureza cósmica,
parte integrante do cotidiano da vida dos povos Potiguara. De fato, a conexão com essas forças
do universo acontece quando nos permitimos deixar ser afetados em nossos corpos, pela
vivência no ritual indígena.
A aproximação afetiva destes povos em seu ritual, a partir da aula de campo
desenvolvida na disciplina: Rito, mito e espiritualidade, ministrada pelo professor Dr. Lusival
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Barcellos do curso do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, da UFPB, abriu


um leque na vivência do ritual de lua cheia na Lagoa do Mato na Aldeia Potiguara na Baía da
Traição. A partir dessa experiência espiritual, é possível permitir e abrir um diálogo em conexão
com esses elementos da natureza na vivência de biodança.
A sacralidade destes elementos conectados com a dança, o movimento da biodança abre
possibilidades de conexão de equilíbrio no processo de harmonização, integração do ser
humano, com a energia cósmica tão presente na natureza e em nossos corpos.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como foco possibilitar um diálogo tendo como base a vivência
do ritual espiritual dos Potiguaras, baseada nos quatro elementos da natureza, fazendo uma
conexão com os aspectos metodológicos da biodança, expressos linhas de vivências:
Afetividade, Criatividade, Vitalidade, Sexualidade e Transcendência, nos quais os quatro
elementos da natureza estão conectados com as forças divinas da natureza, dos ancestrais, dos
espíritos e da processo harmônico na vivência de biodança.

Apontou-se sobre a Espiritualidade Potiguara na vivência dos quatros elementos da


natureza, os conceitos de rito, de biodança, por meio de alguns teóricos citados, levando em
consideração que a espiritualidade é parte integrante na vida do ser humano e que representa
uma dimensão pessoal da existência conectada com as forças interiores do universo, se faz
necessário uma visão mais integrada da espiritualidade.

A Biodança enquanto força vital motivadora na descoberta do potencial humano por


meio da dança, do movimento corporal e da música, é um instrumento de transformação, uma
vez que através da vivência poderá trazer benefícios no processo de harmonização e conexão
com os elementos da natureza. Apontando para o despertar de uma vida sadia, possibilitando
o encantar-se consigo e com o outro em conexão com o cosmo.
Nesse sentido vale salientar que somos seres que possuem forças dinamizadoras do
cosmo, nas quais os quatro elementos da natureza estão corporificados em nossas vivências e
alma indígena recriando nossos corpos e novas relações conectadas entre o cosmo e o ser
humano. Como somos seres em processos, pequenas partículas do universo contendo em nós
os quatro elementos da natureza, organismos vivos da criação.

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REFERÊNCIAS

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UFPB, 2012.
______. Práticas Educativo-Religiosas dos Potiguaras da Paraíba. João Pessoa:Editora
UFPB, 2014.
______. FARIAS, Eliane. Memória Tabajara: Manifestação de Fé e Identidade Étnica.João
Pessoa. Editora UFPB, 2015.
BARROS, José D’Assunção. O projeto de pesquisa em história. Da escola do tema ao
quadro teórico. 7. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
BOFF, Leonardo.Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2004.
BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G.; WILLIAMS, Joshep M. A arte da pesquisa. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
CUNHA, Manuela (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: FAESP; SMC;
Companhia das Letras,1992. 608 p.
DIAS, Amélzia Maria da Soledade. Biodança: A "poética do encontro humano" na
transformação do emocionar para novas posturas éticas. Maceió: EDUFAL, 2015.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. A Essência das Religiões.Martins Fontes, São
Paulo, 2001.
MOONEN, Frans.; MAIA, Luciano Mariz (Orgs.). Etnohistória dos índios Potiguara. João
Pessoa: PR/PB; SEC/PB,1992.
PINTO, Estevão. Os Indígenas do Nordeste. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1935.
SAMPAIO, Teodoro. O tupi na Geografia Nacional. CDU,1987.
SANTOS, Maria Lúcia Pessoa. BIODANÇA Vida e Plenitude Metodologia
eAplicabilidade. Belo Horizonte: Edição da Autora, 2009.
SARPE,Antonio. Programa Antonio Sarpe para a criação e manutenção de grupos
regulares. Lisboa: Editora, 2017.
SCHADEN, Egon. A mitologia heróica de tribos indígenas do Brasil. São Paulo: EDUSP,
1989.
TORO, Rolando. Teoria da Biodança:Coletânea de textos. Volumes I e II, Associação
Latino Americana de Biodança.Fortaleza,1991.
________ .Biodanza.São Paulo.Olavobrás, 2002.
VILHENA, Ângela Maria. Ritos: Expressões e Propriedades Temas do Ensino Religioso.São
Paulo:Paulinas, 2005.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO E CULTURA


AFRO-BRASILEIRA NO ENSINO INFANTIL

Valtilene Soares Santos do Nascimento


valtilene-soares@hotmail.com
Profª. Drª. Luciene Chaves de Aquino (DE/CCHSA/UFPB)
lucienecaquino@hotmail.com

Resumo: Este trabalho é o resultado de uma intervenção pedagógica e tem por objetivo geral
estimular a valorização da identidade negra entre crianças da Educação Infantil, na perspectiva
da educação e cultura afro-brasileira, envolvendo as várias linguagens da arte: dança, música,
pintura e desenho. Para tanto, tomamos como aporte teórico-metodológico a pesquisa
participante, que mais se aproxima do objeto de estudo. Na construção dos dados
desenvolvemos diversas intervenções pedagógicas, junto aos discentes da Creche “Tia Glauce”,
situada no Município de Bananeiras - PB. Tomamos como referências as contribuições teóricas
de autores como: Munanga (2005), Moura (2005), Andrade (2005), Adams (2009), Lopes
(2005), Theodoro (2005), Lima (2005), além dos documentos oficiais da Lei nº 10.639, de 9 de
janeiro de 2003, “As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana”; os Referenciais
Curriculares para a Educação Infantil, entre outros. Os dados construídos e analisados
revelaram que os alunos afrodescendentes muitas vezes apresentam pouca alta-estima e veem
a cor negra como algo feio, por terem características físicas diferentes dos padrões impostos
socialmente, neste sentido apresentamos uma proposta concreta por meio de intervenções
pedagógicas, a fim de propiciar discussões e reflexões da valorização da identidade negra.
Percebemos que o diálogo aberto com respeito às diferenças de cada sujeito que forma nosso
grupo de convivência é o principal ponto de partida para o combate ao preconceito e a
discriminação racial.

Palavras-chaves: afrodescendente; educação étnico-racial; autoestima.

1 Introdução

As nossas inquietações acerca da educação para as relações étnico-raciais, mais


especificamente a educação e cultura afro-brasileira no ensino infantil, surgiram a partir de uma

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série de experiências vivenciadas dentro do processo formativo no Curso de Licenciatura em


Pedagogia, ofertado pela Universidade Federal da Paraíba, Campus III – Bananeiras/PB. No
decorrer das aulas do componente curricular “Relações Étnico-raciais e Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena” tivemos a oportunidade de discutir conhecimentos
teóricos sobre a importância da temática nos dias atuais, e ainda compartilhamos experiências
de como o Ensino Étnico-racial pode se materializar na prática docente.
A inserção do Ensino de Educação para as relações Étnico-racial foi implantação da
Educação Básica por meio da Lei Federal 10.639/03 (BRASIL, 2003) alterou a Lei e Diretrizes
e Bases da Educação (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que determina a introdução
do Ensino de História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo da Educação Básica.
Esta lei (10.639/03) foi alterada pela Lei 11.645/08 (BRASIL, 2008), que estabeleceu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais
As experiências que foram vivenciadas na creche “Tia Glauce”, no município de
Bananeiras – PB possibilitaram perceber a relação preconceituosa existente no ambiente
escolar. Durante o desenvolvimento das atividades propostas em sala de aula, observamos que
muitas vezes as crianças negras eram deixadas por último no momento das brincadeiras, além
de se tornarem frequentemente alvo de apelidos, ou frases ofensivas do tipo: “cabelos de
bombril”, “só os dentes são brancos”, “cabelo de pipoca”, “essa negra do cabelo ruim”, etc.
Estas atitudes trouxeram inquietação e incômodo por ver aquelas crianças tristes, oprimidas,
porém resistentes, pois as mesmas estavam sempre buscando participar das atividades, das
brincadeiras e interagir com o grupo.
Tal situação nos estimulou a desenvolver a intervenção pedagógica seguida da pesquisa
participante, por esta oferecer elementos metodológicos para modificar a realidade percebida,
em que as crianças negras traziam consigo uma imagem negativa em decorrência da cor da pele,
o que reforça o preconceito e valida a atitude que separa e classifica as pessoas em raças. “Se a
pessoa acumula na sua memória as referências positivas do seu povo, é natural que venha à tona
o sentimento de pertencimento como reforço à sua identidade racial” (ANDRADE, 2005, p.
120).
Essa falta de referência positiva na formação da criança negra dificulta o exercício da
cidadania, um direito de todos. Trabalhar a valorização da própria identidade étnica e cultural
é fundamental para a construção da autoestima dos alunos. Somente assim poderemos
contribuir para a construção de uma nação livre e democrática em que todos têm os mesmo
direitos e deveres, pois, “construir uma nação livre, soberana e solidária, onde o exercício da
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cidadania não se constitua como privilégio de uns poucos, mas direito de todos, deve ser a
grande meta a ser perseguida por todos os segmentos sociais” (LOPES, 2005, p. 188).
Com base nos conhecimentos teóricos e práticos da temática estudada, observamos que
dentro da sala de aula havia comportamentos preconceituosos de alguns alunos com relação aos
seus colegas afrodescendentes. Deste modo, entendemos que a busca por uma nação onde o
exercício da cidadania seja o direito de todos e não privilégio de alguns, deve ter como meta a
construção do conhecimento e a desconstrução dos preconceitos.
A intervenção pedagógica ocorreu na creche “Tia Glauce”, localiza à zona urbana do
município Bananeiras/PB, com as crianças da turma do jardim II, de 04 a 05 anos. Com as
quais, foram realizadas diversas experiências significativas que buscaram possibilitar a
interação social e ao mesmo tempo o desenvolvimento físico, cognitivo e corporal, respeitando
suas individualidades e especificidades.
O desenvolvimento de práticas pedagógicas na perspectiva da cultura afro-descente na
Educação Infantil oportuniza desconstruir preconceitos e os estereótipos de que os negros são
inferiores aos brancos, além de suscitar outros questionamentos: quais as concepções que as
crianças têm do negro? Como contribuir na valorização da identidade da criança negra? Afim
de responder tais indagações, tomamos como objetivo geral: estimular a valorização da
identidade negra entre crianças da Educação Infantil, na perspectiva da educação e cultura afro-
brasileira, envolvendo as várias linguagens da arte: dança música, pintura e desenho.
Assim temos como objetivos específicos contribuir na formação dos alunos da Educação
Infantil, promovendo discussões acerca das questões étnico-raciais e seus desdobramentos no
cotidiano escolar; investigar a construção da identidade negra e diversidade da cultura afro-
brasileira; fortalecer o respeito ao outro e a si próprio, às regras, aos valores e às normas; instigar
o reconhecimento étnico, ou seja, reconhecer-se como negro.
Para o desenvolvimento deste trabalho tomamos como aporte teórico-metodológico a
‘pesquisa participante’, por este tipo de investigação exigir que o pesquisador faça parte do
processo de ação social, refletindo sobre os conflitos e desenvolvendo ações que busquem
modificar a realidade dos sujeitos. (ADAMS, 2014).
Os públicos desta pesquisa foram às crianças da creche “Tia Glauce” do município de
Bananeiras/PB, matriculadas na turma do jardim II, as quais participaram de atividades
centradas na educação étnico racial na Educação Infantil, entendendo-as como fundamental
para a construção de uma sociedade que prime pela igualdade de direitos e deveres, inerentes a
uma sociedade democrática.
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Delimitamos um percurso metodológico da pesquisa, refletimos e analisamos a


experiência à luz dos teóricos como: Munanga (2005), Moura (2005), Andrade (2005), Adams
(2009), Lopes(2005), Theodoro (2005), Brandão [s.d.], Lima (2005), além dos documentos
oficiais: a Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003, “As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana e os Referencias Curriculares Nacional para a Educação Infantil”.

2.1 Intervenção pedagógica na perspectiva da educação afro-brasileira na Educação


Infantil

O processo de formação do povo brasileiro foi cercado de uma diversidade de povos


com diferentes costumes, cultura e crença, o que fez surgir uma sociedade marcada pela
diversidade cultural. Assim, destacamos a contribuição dos negros no processo de formação do
povo brasileiro, considerando que estes foram trazidos para cá na qualidade escravos. E assim,
foram submetidos a condições de trabalho e de vida sub-humana, trabalhando em diversos
setores da nossa sociedade, principalmente na agricultura.
O movimento negro no Brasil exerceu grande influência no cenário político brasileiro
que se destacou por uma perspectiva educacional iniciada no século XX, quando os grupos
negros buscam o direito de aprender a ler e escrever. Durante os anos 2000, o movimento
consegue ter a atenção do governo federal e seus principais colaboradores, o que resultou em
várias políticas públicas que ampliaram o acesso de jovens advindos dos setores populares,
sobretudo os negros, nas escola e universidades. Entre estas conquistas, podemos citar as
políticas de cota, e a lei 10.639/2003, que obriga o ensino de história africana e afrodescendente
em todas as escolas da Educação Básica pertencente ao território brasileiro.
O Brasil é um país preconceituoso. E para não cairmos no discurso que não existe
preconceito e todos têm as mesmas oportunidades, é preciso ter

Um olhar atento sobre a realidade do povo brasileiro mostra uma sociedade


multirracial e pluriétnica que faz de conta que o racismo, o preconceito e a
discriminação não existem. No entanto, afloram a todo o momento, ora de modo
velado, ora escancarado, e estão presentes na vida diária. (LOPES, 2005, p. 180).

As políticas de correção da desigualdade social, ou seja, as ações que possuem um


caráter reparatório das injustiças e humilhações impostas ao povo negro e afrodescendente no
Brasil, visando à superação do racismo e a promoção de uma democracia real, em que todos

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deverão ser considerados iguais e com os mesmos direitos e deveres, estão no centro dos
questionamentos do movimento negro no Brasil.
No trabalho de intervenção, buscamos unir a teoria e a prática partindo do princípio da
pesquisa participante, que tem como característica a intervenção direta do pesquisador no
campo de estudo, visando alcançar uma mudança significativa após sua atuação. “Nesta
compreensão a pesquisa participativa constitui-se numa produção intersubjetiva de
conhecimento na relação estabelecida por um pesquisador-educador com os seus pesquisandos-
educandos e vice-versa (ADAMS, 2009, p. 5).
Dentro desta perspectiva metodológica buscamos a interação das crianças no decorrer
das atividades, efetivadas por meio de uma intervenção pedagógica, com o pleno envolvimento
do pesquisador durante todo o processo de desenvolvimento destas atividades, levantamento e
descrição dos dados.
Assim, compreendemos a prática pedagógica como uma ação fundamental para a
intenção social com condições estruturadas, ora objetivamente e ora subjetivamente para a
mobilização de estímulos, experiências e vivencias que proporcionem o processo de
aprendizagem de cada sujeito social.
As atividades desenvolvidas ao longo do trabalho foram organizadas a partir do objetivo
geral: Estimular a valorização da identidade negra entre crianças da Educação Infantil, na
perspectiva da educação e cultura afro-brasileira, envolvendo as várias linguagens da arte:
dança música, pintura e desenho.
As intervenções foram realizadas em novembro de 2014. Iniciamos a primeira atividade
abordando o tema: “os povos negros e a formação da nação brasileira”, ressaltando as
contribuições da população afrodescendente no Brasil. Expomos vídeos, figuras e fotos que
contribuíram com a discussão da temática, ampliando o universo das crianças acerca do negro
e suas origens.
Na segunda atividade foi trabalhado o tema: “As danças afrodescendentes”. Com o
auxílio de vídeos que instigaram as crianças a dançarem ao som da música afrodescendente. Já
na terceira atividade, enfatizamos a contação de história infantil por meio da exposição oral e
de vídeo, tendo como objetivo conhecer histórias infantis de origem afrodescendentes, a fim de
valorizar a identidade negra.
A quarta atividade tratou das “brincadeiras”, objetivando promover a interação e o
respeito por si mesmo e pelo o outro. Na sequência, a quinta atividade abordou o tema, “A
religião afrodescendente”, com o propósito de conhecer a diversidade religiosa dos povos
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afrodescendentes, tendo o auxílio de vídeos que mostram práticas religiosas dos povos africanos
e afrodescendentes.
A sexta e última atividade, teve como característica central a apresentação do trabalho
para a comunidade escolar da Creche “Tia Glauce”, com a exposição dos trabalhos produzidos
durante os quinze dias letivos, em que ocorreu o desenvolvimento desta intervenção
pedagógica.
As atividades estiveram inseridas dentro do currículo escolar fazendo parte das aulas de
Língua Portuguesa, Matemática e Artes, convergindo para as orientações das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que afirmam que a obrigatoriedade de inclusão de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica deve compor
o currículo escolar e não criar uma nova disciplina, assim oportunizamos vivências que
valorizam as experiências sociais de cada um, buscando desenvolver a valorização da
identidade negra.

Atividade pedagógica 1 - Tema: Os povos negros e a formação da nação brasileira.


Objetivos: Compreender a formação do povo brasileiro, destacando as contribuições dos
povos negros na formação do povo brasileiro. Duração da aula: 120 minutos. Recursos
didáticos: notebook, figuras, tesoura, cola, cartolina, giz de cera, lápis de pintar e lápis grafite.
Primeiro momento: Em roda de conversa, apresentamos às crianças figuras que
representavam várias pessoas negras e seus lugares de origem. Dialogamos sobre como os
negros contribuíram para a formação do provo brasileiro influenciando na nossa culinária,
dança, música, arte, religião, cultura e economia de modo geral.
Os educandos foram convidados a se observarem e buscarem diferenças e semelhanças
físicas entre eles. Neste momento, ouvimos as seguintes falas: todos têm uma boca, dois braços,
duas pernas, nossa pele é de cores diferentes, uns são brancos e outros são escuros.
Após essas percepção que o próprio educando faz de si e do outro é necessário que o
educador esteja atento para desenvolver um trabalho de desconstrução dos preconceitos
socialmente construídos, para que assim todos possam viver com qualidade de vida, sendo
respeitados socialmente.
Segundo momento: Solicitamos que cada criança, individualmente, produzisse um
desenho que representasse os povos negros e suas contribuições na formação do povo brasileiro.

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Percebemos que durante o processo criativo das crianças, estas representaram as pessoas
que estavam em seu círculo familiar ou de amizade: o avô, a avó, um tio, uma tia, um primo,
uma prima, o pai, a mãe, casas, carro, brinquedos, etc. Elas também desenharam crianças
brancas, com cabelos loiros, sem atentar para o que foi pedido. Ao questionar sobre a falta da
representação do negro nos desenhos, ouvi a seguinte afirmação: “Professora, negro é feio”.
Ao ouvir tal afirmativa entendemos que o sentimento de inferioridade se faz presentes
no cotidiano das crianças negras, talvez por serem vítimas de comentários maldosos, estes
relembram as referências negativas da história de seus antepassados.
O silêncio brasileiro na reflexão sobre o tema do racismo na sala de aula, e os
chavões de preconceituosidades difundidos por uma historiografia pouco
questionada, temos um resultado que aponta para a não aceitação ou a negação
da própria imagem. Todas as crianças acabam depreciando essa identidade em
formação (LIMA, 2005, p. 104).

Concordamos que há uma construção da imagem negativa dos negros na nossa


sociedade ao se trabalhar a memória construída na escola, na igreja, nas mídias de comunicação
e que esta imagem é intrinsecamente refletida sobre o papel do negro na sociedade, bloqueando
o sentimento positivo a ser reproduzido pelo ser enquanto criança e durante todo o seu
desenvolvimento, o que nos faz concluir que são as imagens negativas e positivas “que formam
o patrimônio cultural de cada pessoa” (DISTANTE, 1988, p. 88).
Terceiro momento: Após a conclusão dos desenhos, solicitamos que os alunos
recortassem o seu desenho em três partes. Quando todos já estavam com suas partes em mãos,
iniciamos a composição sobre giz de cera. Para tanto, pedimos que os educandos colassem de
forma aleatória suas partes e que tivessem cuidado para não colar em cima do desenho do outro.
A proposta era criar um cartaz que representasse os povos negros do ponto de vista de cada
aluno.
Finalizando o trabalho, as crianças passaram giz de cera por cima de toda a folha, e,
dialogamos sobre a formação do povo brasileiro e sua diversidade.
Tendo como base o trabalho produzido pelas crianças, ressaltamos a importância de o educador
contemplar no seu planejamento, os valores de uma sociedade justa e igualitária.
Deste modo, concluímos que é de extrema necessidade trabalhar em sala de aula a
valorização da imagem do negro, contrapondo-se a visão criada por uma sociedade
eurocêntrica, que se utiliza dos meios de comunicação como instrumento de dominação e
submissão dos negros aos brancos.

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Atividade pedagógica 2 - Tema: As danças afrodescendentes.

Objetivos: Compreender a influência da cultura afrodescendente na dança brasileira;


Identificar os elementos das danças afrodescendentes no cotidiano; Valorizar as influências dos
povos negros na dança e música brasileira; Duração da aula: 120 minutos. Recursos didáticos:
notebook, caixas de sons, e material humano.
Primeiro momento: Levamos para sala diversas imagens que mostram como os negros
influenciaram as práticas culturais, especificamente, as danças, tais como: o coco de roda, frevo,
moçambique, maracatú e a capoeira. Após este momento, utilizamos também um vídeo do
grupo “palavra cantada” que entoava a música “Roda africana”. A dança e a música Afro-
brasileira oportuniza o contato com os elementos culturais que caracterizam as tradições dos
povos negros. Neste momento, incentivamos o grupo a ouvir, dançar e cantar. A arte deve ser
desenvolvida no cotidiano escolar como instrumento transformador por meio de suas mais
diversas linguagens. E a dança é um elemento da cultura afro descendentes com características
importantes para o reconhecimento do povo africano e afrodescendente, seus ritmos, seus sons,
seu molejo, são marcas da alegria natural deste povo que tanto colaborou com a formação da
nação brasileira.
Fica mais fácil desenvolver ações que garantam o direito ao conhecimento e estimular
a solidariedade, a autoestima, a autonomia e o respeito entre brancos e negros com crianças que
estão na educação infantil, por estarem na fase inicial de sua formação social e cultural, uma
vez que estas são mais receptivas para novos conceitos e reflexões sobre as problemáticas de
nossa sociedade.
Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afo-Brasileira e Africana, a escola deve primar
por projetos de educação, que expressem medidas que repudiam, como prevê a Constituição
Federal (Art. 3º, IV), o “preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação” e reconhecem que todos são portadores de singularidade irredutível e que a
formação escolar tem de estar atenta para o desenvolvimento de suas personalidades. (BRASIL,
DIRETRIZES, 2004, p. 7).

Atividade pedagógica 3 - Tema: Contação de história infantil/desenho.

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Objetivos: Conhecer histórias infantis de origem afrodescendente; Reconhecer os


valores transmitidos através das histórias infantis; Identificar semelhanças e diferencias entre
os clássicos infantis e as histórias infantis afrodescendentes. Duração da aula: 120 minutos.
Recursos didáticos: notebook, caixa de som, papel ofício, lápis de cor, giz de cera.
Primeiro momento: Inicialmente contamos a história da “menina bonita do laço de fita”
de Ana Maria Machado, encontrada no blog contador de histórias de Elaine Cavalcanti, que
ressalta a menina negra e sua beleza. Esta história foi contada observando à entonação da voz
e a imitação dos gestos, como os pulos do coelhinho, a corrida do coelho até a casa da menina,
entre outros relatados durante o desenvolvimento da atividade.
Segundo momento: utilizamos recursos tecnológicos, ou seja, um vídeo que trata do
conto intitulado “Bruna e a Galinha D’Angola” (2014), por mostrar a história da menina Bruna
que vive solitária e ganha uma galinha d’Angola denominada de “Conquém”. Na narrativa, a
galinha “Conquém” acaba se tornando grande companheira e amiga da menina Bruna.
O que desejávamos era despertar um bom relacionamento entre os educandos e a
comunidade escolar, incentivando as crianças a ouvirem a história e refletirem sobre suas
práticas cotidianas: como eles agem em relação aos colegas no espaço escolar, se são
cooperativos nas atividades diárias e solidário com os amigos, ou gentis, atenciosos, e, se tratam
todos com respeito.
Ressaltando os valores trazidos da história da menina “Bruna e a galinha Conquém”,
solicitamos que todos realizassem uma produção escrita por meio de desenho que
apresentassem elementos da cultura africana, por exemplo: o cabelo enrolado, a roda de
capoeira, utensílios, panela de barro, entre outros.
Por meio desta atividade concluímos que as crianças construíram um novo olhar quanto
aos negros e sua cultura peculiar, com contos e histórias infantis que possibilitam a valorização
da construção da autoestima da criança negra.
O que mais chamou a atenção dos educandos foi a identificação de que nos contos e
lendas apresentados, os personagens de rainha e reis em várias histórias eram pessoas negras,
nas quais sentiam-se felizes com sua origem e sua história, valorizando assim a figura do negro
e o seu modo de viver. Estas exposições causaram mudanças, permitindo inclusive que
educandos agressivos deixassem aquelas práticas preconceituosas, formando um enorme
contraste ao que é apregoado instintivamente pelas estórias de fadas que circulam entre os
clássicos de origem europeia como: Branca de Neve, A bela e a fera, entre outros.

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Podemos destacar o êxito destas intervenções ao identificarmos que os educandos


“Antônio” e “José” abandonaram práticas preconceituosas por entenderem que tais brincadeiras
causam dor e tristeza.

Geralmente, quando personagens negros entram nas histórias aparecem vinculados


à escravidão. As abordagens naturalizam o sofrimento e reforçam a associação com
a dor. As histórias tristes são mantenedoras da marca da condição de inferiorizados
pela qual a humanidade negra passou (LIMA, 2005, p. 103).

A abordagem dos contos de fadas e lendas no ambiente da sala de aula deve contribuir
para amenizar a violência simbólica, que inferioriza e humilha o povo negro e afrodescendente,
cuidando para impedir que crianças brancas que elas são superiores às crianças negras, trazendo
para a roda de conversa, personagens de origem africana e afrodescendente que lutam por seus
direitos civis e que ocupam cargos considerados importantes na nossa sociedade.

Atividade pedagógica 4 - Tema: Brincadeiras

Objetivos: promover a interação e o respeito por si mesmo e pelo o outro; Estimular a


participação e a agilidade de todos durante a atividade; Despertar nas crianças os valores
característicos de uma sociedade que visa à igualdade social: solidariedade, companheirismo,
confiança e fraternidade.
Duração da aula: 120 minutos; Recursos didáticos: corda, giz, notebook, caixa de som, papel
ofício e lápis de cor.
Primeiro momento: Apresentamos um conjunto de brincadeiras de origem afro-
brasileira que possibilitam o desenvolvimento motor dos educandos por provocarem agilidade
e movimento corporal. Tivemos a preocupação de destacar o lugar de origem das brincadeiras
mostrando fotografias para as crianças, antes de dar início à brincadeira.
Segundo momento: iniciamos a brincadeira “Da Ga” (“originado da Gana e Nigéria, que
significa jibóia”). A brincadeira deve se dar da seguinte forma: o educador risca um quadrado
ou um triangulo que será a casa da cobra e escolhe um jogador que ficará dentro da casa e será
a serpente; os outros jogadores ficarão caminhando ao redor da casa da serpente e esta deve
tentar pegar somente com a mão os jogadores que estão caminhando ao redor de sua casa; os
que forem sendo picados, entram na casa da serpente e passando a ajudá-la a pegar os jogadores
que estão fora da casa da serpente.

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Para que a cobra fique maior é permitido que a serpente junte sua mão daqueles que já
foram picados e forme uma corda para picar o restante. O jogador que não for picado ganha a
brincadeira (CUNHA; FREITAS, 2014). Esta brincadeira possibilita ao aluno, o
desenvolvimento de sua agilidade e habilidades motoras.
Trabalhamos também a brincadeira do “meu querido bebê” (originado da Nigéria).
Nesta brincadeira um jogador é escolhido pelo educador para sair da sala, enquanto outro
jogador é escolhido para se deitar no chão, para que em seguida, os colegas desenhem o corpo
do jogador que está deitado (CUNHA; FREITAS, 2014). Com base no contorno do corpo do
jogador que ficou deitado no chão, o jogador que saiu da sala terá que adivinhar o jogador que
é o bebê, caso consiga adivinhar quem é o bebê ganha pontos e continua na próxima rodada,
mas se errar deixa a vez para outro colega. Ganha a brincadeira quem acumula mais pontos.
Durante a brincadeira fomos dialogando sobre a importância de se observar e valorizar o colega
com respeito.
A terceira brincadeira foi “MbubeMbube” (originado da gana, é uma das palavras ‘zulu’
usada para denominar o leão). Neste jogo, todos estão ajudando o leão a capturar o “empala”.
O jogo começa com todos formando um círculo, um jogador é escolhido para ser o leão e outro
para ser o “empala” (CUNHA; FREITAS, 2014). De olhos vendados, dois jogadores são
girados, e estes devem permanecer dentro da roda, onde o leão deverá tentar pegar o empala.
Quando o leão se aproxima as crianças cantam “MbubeMbube” o mais alto que poder para
indicar ao leão que ele está perto de pegar o empala. Essa brincadeira busca desenvolver a
atenção dos alunos que estão de leão e empala, e principalmente, familiarizar os alunos com
palavras de origem africana (CUNHA; FREITAS, 2014).
Com uma quarta brincadeira, denominada “saltando o feijão”, o mediador deve escolher
um aluno que será “o coletor”, este deve utilizar de uma corda para colher os feijões, devendo
girar a corda no chão envolto dos outros jogadores, que estão em volta formando um círculo e
pulando a todo tempo para que a corda não os toquem. O que for atingido sai da brincadeira,
ganha quem ficar por último.
Esta brincadeira permite interação entre as crianças e a formação de laços afetivos entre
cada participante, contribuindo para a desconstrução de preconceitos, diminuindo os atos
racistas no cotidiano escolar.
Concordamos que brincando a criança se expressa e construí conhecimento, diante disso
esperamos ter dado o primeiro passo para o processo de aceitação e convivência com todos os
grupos sociais de nossa sociedade, contribuindo para a educação de cidadãos brasileiros
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orgulhosos de sua origem étnica, conhecedores das formas culturais utilizadas por seu povo de
origem para se divertir e construir valores, regras e normas, respondendo às exigências
apresentadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Racial
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, a qual preconiza ações educativas e de
combate ao preconceito, por meio, da

valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança,


marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; educação
patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro, visando a
preservá-lo e a difundi-lo; o cuidado para que se dê um sentido construtivo à
participação dos diferentes grupos sociais, étnico-raciais na construção da nação
brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-raciais, às
alianças sociais (BRASIL, 2004, p. 20).

A participação das crianças nas atividades propostas foi primordial para alcançarmos os
objetivos traçados, ao perceber que os conhecimentos construídos a partir do patrimônio e da
cultura afro-brasileiros apresentado às crianças despertaram o desejo em conhecer as origens
do povo africano e afrodescendente brasileiro. Por meio desta atividade, percebemos a interação
e o envolvimento das crianças como ferramentas fundamentais para a construção de uma
convivência solidaria e respeitosa entre os afrodescendentes e as outras crianças.

Atividade pedagógica 5 - Tema: A religião afrodescendente.

Objetivos: Conhecer a diversidade religiosa dos povos afrodescendentes; Incentivar o


respeito e a tolerância quanto às manifestações religiosas dos povos afrodescendentes;
Valorizar as contribuições dos afrodescendentes na religiosidade do povo brasileiro. Duração
da aula: 120. Recursos didáticos: notebook, pano, papel ofício, lápis de cor, giz de cera, e
cartolina.
Primero momento: iniciamos um diálogo com os educandos acerca da religião
afrodescendente, expondo para as crianças, que os negros trouxeram para o Brasil sua própria
religião quando foram trazidos para serem escravos no Brasil.
A escola tem a responsabilidade de fiscalizar se os alunos negros estão sofrendo atos de
racismo no interior da instituição, é o que dispõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana.

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Segundo momento: mostramos um vídeo que apresenta o candomblé como


representante da religião afro descendente, de forma simples. Para concluir a atividade, foi
solicitado que os alunos produzissem um desenho que apresentasse elementos característicos
de religião afrodescendente.
Neste momento percebemos que os desenhos das crianças eram representações do que
eles imaginam ser um culto religioso, por exemplo: um terreiro de candomblé com a figura da
“mãe de santo”, dos bichos e dos atabaques, mostrando assim que eles acreditam que a prática
da religião de matriz africana está extremamente ligada ao som dos instrumentos.
Esta atividade contribuiu para a desmistificação da ideia que as crianças já tinham da
religião afrodescendente. Antes acreditavam que o candomblé retratava apenas de rituais de
feitiçarias, a exemplo do “catimbó”, ou seja, entendiam que alguém que participasse do terreiro,
necessariamente estaria ali para fazer “macumba”, com um entendimento negativo da palavra
e não atribuindo que a palavra ‘macumba’ refere-se a um instrumento musical.
A imagem negativa da religião de matriz africana é resultado da falta de referências
positivas da religião afrodescendente no convívio social, contribuindo para a construção do
conhecimento das religiões. Assim, é relevante mediar a compreensão da religiosidade dos
afrodescendentes e africanos no Brasil, pois a escola deve buscar desenvolver o ensino religioso
como um componente curricular laico e sem proselitismo.
Podemos considerar que não existe preconceito que sobreviva ao conhecimento, quando
buscamos conhecer e entender que o que para nós parece ser diferente, contribui para nosso
processo formativo, auxiliando-nos a conceber e entender quem somos e como nos
relacionamos com o outro.

Atividade pedagógica 6 - Tema: valorização e fortalecimento da identidade afrodescendente.


Objetivos: Expor para a comunidade escolar as atividades realizadas durante este
trabalho; incentivar práticas de valorização da identidade negra no ambiente escolar; refletir
sobre a importância da valorização e do fortalecimento de identidade negra. Duração da aula:
120. Recursos didáticos: notebook, caixa de som, e material humano.
Primero momento: foram expostas todas as atividades desenvolvidas no percurso deste
trabalho para a comunidade escolar.
Segundo momento: as crianças dançaram ao som das músicas afro-brasileiras a fim de
demonstrar na prática, parte do que foi realizado no decorrer deste trabalho, permitindo que
todos pudessem refletir sobre a importância da valorização e do fortalecimento da identidade
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negra no nosso cotidiano. A socialização possibilitou uma resposta à comunidade por meio dos
resultados obtidos durante o trabalho da pesquisa participante, tal qual afirma Adams (2009, p.
11).

Contribuir para suscitar ou potencializar estes múltiplos espaços para avançar em


direção a uma práxis educadora com incidência nos processos de transformação
social caracteriza-se como uma prática de ricas mediações pedagógicas. E seu
resultado é a formação dos sujeitos que implica em mudança do ethos individual e
coletivo que altere os padrões culturais de dependência, subserviência
historicamente adquiridos nos processos de socialização.

Concluímos que a exposição das atividades voltadas para a formação dos alunos da
Educação Infantil, promoveu discussões acerca das questões étnico-raciais e seus
desdobramentos no cotidiano escolar, bem como a interação com a comunidade escolar, além
de ter criado o espaço de desenvolvimento social da criança, com o aprimoramento da
linguagem oral, do movimento corporal e da expressão artística. Através deste momento de
exposição pelas próprias crianças, os pais, professores e funcionários da instituição também
manifestaram interesse pela temática trabalhada, tendo se tornado um momento de diálogos
sobre o preconceito e o racismo, o que nos motivou a desenvolver outros trabalhos nesta linha
do conhecimento.

3 Conclusão

Partindo da leitura da realidade, e pensando criticamente a prática pedagógica


desenvolvida no âmbito da turma de educação infantil “Pré II da Creche Municipal Tia Glauce”,
esperamos ter contribuído para o processo de formação dos educandos valorizando a formação
humana, social, e cultural de cada criança.
O trabalho realizado oportunizou desenvolver ações pedagógicas e estabelecer um
diálogo sobre os elementos da cultura negra e a valorização dos afrodescendentes no nosso
cotidiano escolar, contribuindo para o bom relacionamento entre os sujeitos envolvidos.
Assim, as ações e reflexões desenvolvidas no decorrer deste trabalho sobre o racismo e
as consequências negativas geradas em toda a sociedade, contribuiu de forma positiva para a
formação da identidade e a autoestima dos educandos no cotidiano da Creche Tia Glauce.

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Foi oportunizada uma reflexão sobre os pequenos atos, gestos e atitudes existentes no
convívio, no que se refere a apelidos desagradáveis que agredia e ofendia as crianças
afrodescendentes, além de buscar romper com a prática da separação dos alunos
afrodescendentes do grupo de colegas por causa da cor da pele. Identificamos e trabalhamos o
distanciamento dos alunos afrodescendentes nas realizações das atividades pedagógicas, muitas
vezes ocasionadas pela baixa autoestima, que cria a auto exclusão.
Buscamos despertar no aluno sua autoestima, valorizando sua herança religiosa por
meio da apreciação da histórica e da cultura, por entendermos que a escola deve desenvolver
ações que estimulem um ensino religioso que tenha como fundamento a história e a cultura das
diversas religiões, e não um caráter catequético. A atividade docente é árdua e difícil, mas é na
escola que devemos encontrar espaço para discussões e intervenções que valorizem a formação
humana com todas as suas especificidades e particularidades da essência humana.
Esta intervenção criou o sentimento de satisfação ao observarmos o desenvolvimento e
os resultados alcançados, ainda que seja necessário desenvolver várias outras ações de
reconhecimento e fortalecimento da identidade negra no âmbito escolar da creche “Tia Glauce”,
entendemos que um primeiro passo foi dado na caminhada do estudo da história da África e da
cultura afrodescendente, utilizando o diálogo e a reflexão na temática, considerando que todos
precisam viver dignamente, em busca de uma cultura de paz em sociedade e com a natureza.
As crianças desenvolveram maior autonomia no que se refere ao cuidado próprio e com
os outros, dando ênfase a livre expressão e a criatividade. Além de ter demostrado avanços na
capacidade de se relacionar, atribuindo significado às experiências vividas por cada um, no
decorrer das intervenções pedagógicas. As quais contribuíram na construção de boas relações
sociais, o conhecimento da cultura afro-brasileira e sua importância no processo de formação
da sociedade brasileira.
Esperamos ter despertado em cada criança, a capacidade de respeitar o outro, de
construir relações sadias de convívio social, sendo capazes de reconhecer a cultura afro-
brasileira e sua importância no processo de formação da sociedade brasileira.
Assim acreditamos ter efetuado uma prática pedagógica comprometida com um
currículo contextualizado, combatendo qualquer tipo de preconceito, e instigando a reflexão da
comunidade escolar da “Creche Tia Glauce”, sobre as questões étnicas raciais. As práticas
antirracistas dentro da escola dependem, de certo modo, da ação consciente do docente, ao
desenvolver exercícios, projetos pedagógicos, oficinas e discursões em sala de aula, a partir de

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temas como: estética, corporeidade, religião, dança, músicas, brincadeiras, arte, e os


movimentos culturais na perspectiva afro-brasileira.
Atualmente já existe na escola, ou disponível na internet, material disponível para se
trabalhar o ensino de história e cultura africana e afrodescendente no Brasil, cabe agora ao
docente buscar, pesquisar e colocar em sua prática.

4 Referências.

ADAMS, Telmo. A pesquisa participativa como mediação pedagógica da educação popular. 32


reuniao.anped.org.br/arquivos/trabalhos/GT06-5171. Int.pdf, 2009. Acesso em 21/10/2014.

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THEODORO, Helena. Buscando caminhos nas tradições. In: MUNANGA, Kabengele


(Org). Superando o racismo na escola. 2 ed. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 83-97.

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VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E ECONOMIA
SOLIDÁRIA

EDUCAÇÃO DO CAMPO, MÍSTICA, IMAGINÁRIO INDÍGENA NO RITUAL


TORÉ

Autora: MÁRCIA MEDEIROS FIGUEIREDO, UFPB.

marcinhamedeiros2@gmail.com

Orientador: LUSIVAL ANTONIO BARCELLOS, UFPB.

lusivalb@gmail.com

RESUMO: A educação do campo é resultado de experiências e práticas dos camponeses,


professores na luta por uma educação de qualidade no campo e para o campo todos unidos
dando sua contribuição no sentido de desenvolver projetos de educação que atenda as
particularidades, interesses e necessidades da cultura, modos de vida das populações que vivem
no campo. Os povos indígenas são uma dessas populações camponesas e estão inseridas nesse
contexto social lutando por melhorias de vida, reconquista de territórios e vida com dignidade
humana. Uma maneira de celebrar, lutar, viver, sentir, emocionar, motivar muitos momentos
na arte, costumes, cultura e tradições indígenas, acontece por meio do ritual sagrado do toré,
um dos rituais presentes na maioria da cultura povos indígenas do Nordeste do Brasil. No
momento cerimonial dessa prática harmoniza-se vários elementos, sendo celebrada com música
típica da cultura indígena e a dança em forma de vários círculos, o que pode diferir dependendo
da razão da celebração ou até mesmo de cada povo indígena. Este estudo está ancorado em
autores como Caldart (2012); Carvalho (2011); Durand (1988); Eizirik e Ferreira (1994);
Barcellos e Farias (2015); Ribeiro (2012); Silva e Sousa (2017). Trata-se de uma pesquisa com
abordagem qualitativa, que utilizamos instrumentos de pesquisa tais como: observações,
entrevistas e questionários para obtenção dos dados. Percebemos que na realização dessa prática
corporal, é lançada em meio ao rito, toda uma ancestralidade desses povos, trazidas dos seus
imaginários, podendo ser representados através de elementos utilizados nos momentos da
dança, os quais são transmitidos de geração em geração, perpetuando assim a cultura indígena
do povo Tabajara da Paraíba.

Palavras-chave: Educação do Campo. Mística. Imaginário Indígena no Ritual Toré.

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende observar como acontece a prática da mística espiritual na


dança do Toré, que elementos/instrumentos são utilizados no momento da dança e quais
significados são trazidos por parte daqueles que vivenciam tal momento cultural dentro
do imaginário social simbólico indígena dos Tabajara da Paraíba.
Os Tabajara a partir do final do século XIX, segundo Barcellos e Farias (2015),
foram considerados extintos pela população paraibana. Hoje o povo Tabajara tem uma
população de, aproximadamente, 1000 indígenas que vivem na sua grande maioria nas
periferias das cidades paraibanas de João Pessoa, Pitimbu, Alhandra, Conde e nas Aldeias
Vitória e Barra de Gramame, situadas no município do Conde-PB. (BARCELLOS;
FARIAS; 2015)
Conforme Barcellos e Farias (2015 apud Silva; Sousa 2017 p. 207), atualmente
essa etnia vem resgatando a própria história, buscando por seu povo, suas terras e seus
costumes através de encontros onde procuram reunir e sensibilizar os indígenas da
importância e da complexidade desse processo de valorização e recuperação
sociocultural.
O ritual sagrado do Toré é uma dança típica presente nas culturas indígenas
brasileiras. De acordo com (MENDONÇA, 2014, p. 144),

durante o momento em que o mesmo é praticado, ocorre uma conexão entre o


deus Tupã e Mãe-Terra, envolvida pelo batuque dos sons promovidos pelo
bumbo, pelo maracá e pela gaita, num ambiente revestido pela presença dos
antepassados ou ancestrais. É momento de grande valor místico, pois os
encantados se fazem presentes, promovendo o fortalecimento da
espiritualidade indígena.

Segundo Durand (1997) o imaginário “[...] é o denominador fundamental de todas


as criações do pensamento humano.” Pois, por meio da dança e dos próprios elementos
presentes, temos a possibilidade de vê que esta ciência do imaginário trata exatamente
daquilo que circunda nossas vidas, ou seja, a partir das circunstâncias do imaginar, pensar,
refletir o próprio imaginário adentra no nosso universo interno e posteriormente desvela-
se externamente. E frente a essa atividade cerebral podemos construir, produzir uma
infinidade de coisas – mitos, histórias, lembranças, estudos, pesquisas, trabalhos
acadêmicos, dentre outras coisas.

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A mística “[...] é uma estratégia peculiar para entender um conjunto de fatores


(sociais, culturais, políticos e históricos) advindos da desigualdade social estabelecida
entre os homens na contemporaneidade.” (CARVALHO; GOIS; SOARES, 2011, p. 44).
Possui a capacidade intrínseca ao ser humano de nutrir sua esperança, espiritualidade,
corpo, força interior que refletirá na sua caminhada de lutas para que possam perceber
num mundo de sombras e tempestades, que o brilho da luz na escuridão possibilita um
verde de esperançar, transcender aos olhares humanos e o mundo de adversidades a
resiliências que o sujeito efemeramente vive é reflexo de conquistas passadas, presentes
e futuras e de que precisa estar fortalecido para enfrentar as intempéries da vida.

DESENVOLVIMENTO

A educação do campo é uma proposta educacional dos movimentos sociais do


campo destinada à formação humana, a qual deve estar voltada para uma formação
integral do indivíduo e o desenvolvimento de todas as suas habilidades, para que eles
compreendam o mundo onde vivem, contribuindo ainda no sentido de desenvolver
projetos de educação que atenda as particularidades, interesses e necessidades da cultura,
das populações camponesas.
Os sujeitos do campo são pequenos agricultores, ribeirinhos, boias-frias,
agregados, camponeses, roceiros, povos da floresta, lavradores, quilombolas, povos
indígenas, pescadores, assentados, reassentados, caipiras, sem-terra, caboclos, meeiros,
entre outros.

Utilizar-se-á a expressão campo, e não a mais usual, meio rural, com o objetivo
de incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual do
trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam
garantir a sobrevivência desse trabalho. Mas, quando se discutir a educação do
campo, se estará tratando da educação que se volta ao conjunto dos
trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo
os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de
assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural. Embora com essa
preocupação mais ampla, há uma preocupação especial com o resgate do
conceito de camponês. Um conceito histórico e político... (KOLLING; NERY;
MOLINA, 1999, p. 26 apud CALDART, 2012, p. 260).

Nesta pesquisa fizemos a seleção da pesquisa descritiva intencionando a


realização de observações, entrevistas, questionários para obtenção dos dados e por meio
dos encontros sistematizados promover um ambiente de diálogo e posteriormente
descrevê-los analisando dados detalhadamente. A pesquisa em questão possui “[...]

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objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou


fenômeno, ou então, o estabelecimento de relações entre variáveis.” (GIL, 2002, p. 42).
Ela observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem
manipulá-los, e procura descobrir a frequência com que um fenômeno ocorre, sua
natureza, característica, causas, relações e conexões com outros fenômenos.
Ainda sobre a pesquisa descritiva estar dividida em: Pesquisa Documental e/ou
Bibliográfica e a pesquisa de campo. Selecionamos para nosso estudo a documental e/ou
bibliográfica e a de campo uma aldeia indígena tabajara para que possamos coletar os
dados necessários ao nosso estudo, com abordagem qualitativa.
Nesse sentido, buscamos apresentar elementos presentes na ação pedagógica
indígena do ritual do toré numa aldeia Tabajara na paraíba, elementos esses intrínsecos
em momentos de mística/espiritualidade que fortalece/une o grupo na sua sacralidade.
Pois ao se reunir para que sua cultura seja perpetuada a partir de seus ancestrais isso traz
um ressignificado e uma valorização/respeito para os que não conhecem suas culturas e
talvez desejem conhecer. Mística que se faz presente em vários momentos da vida
indígena onde percebemos inúmeros objetos presentes no ritual como por exemplo o
cocar e o maracá que são elementos simbólicos que caracterizam/representa o índio onde
quer que ele caminhe. Pois de acordo com Durand (1988) “o símbolo evoca algo ausente”.

Figura 1 – Maracá

Fonte: Aldeia Vitória, ago. 2018

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Figura 2 – Ritual do Toré

Fonte: www.joaopessoa.pb.gov.br/cultura-dos-potiguara-e-tabajara.

Mística vem do adjetivo grego mystikos, derivado dos verbos myo (fechar
olhos e boca, para gerar um mistério internamente) e myeo (penetrar no
mistério). Entre os gregos, “mística” significava, a princípio, a iniciação nos
mistérios, na qual uma pessoa se unificava com o destino da divindade e
passava a participar do poder divino. Mas Platão concebeu também uma ideia
filosófica da mística, que descreveu como a ascensão da alma à contemplação
espiritual de Deus. Para a filosofia neoplatônica, a mística é o conhecimento
de uma verdade oculta de mistério, um conhecimento que só aquele que se
desliga do mundo pode obter, podendo, assim, contemplar mais
profundamente o âmago da divindade. (GRUN, 2012, p. 09)

Diante da citação e das imagens acima em aldeias indígenas na Paraíba, percebemos uma
relação com o sagrado, o transcendente aquilo que está além de nós humanos, onde o maracá e o
cocar são elementos essencialmente presentes nas celebrações indígenas, inclusive no ritual
sagrado toré onde

a música e os instrumentos também têm seu papel. Ao som do maracá, do


bumbo e da gaita, a espiritualidade floresce. Cada símbolo ajuda a manter um
elo com os encantados. Tudo isso em comunhão com o cosmos, pois a natureza
é o lugar por excelência de manifestação dos rituais indígenas. (MENDONÇA,
2014, p. 146)

O maracá para os povos indígenas da Paraíba está muito além do que um simples
objeto instrumental utilizado na dança para acompanhar os passos rítmicos, o que para as
crenças dessas populações tem um imenso poder na sua espiritualidade e ainda
considerado instrumento de nobreza geralmente usado por pajés. Almeida, 1942, p. 38-
39 registra ainda sobre o maracá:

O seu poder sobrenatural é uma crença de quase todos os índios sul-


americanos, que têm como certa a sua ‘influência direta e misteriosa sobre o

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processo natural e ainda sobre o tratamento e os sentimentos humanos’.


Algumas tribos brasileiras como os Tupinambá os veneravam. Acreditavam os
Tupí que quando sacodiam seus maracás os espíritos lhes falavam por meio
dos instrumentos e os instruíam sobre o uso dos mesmos, isto é, os espíritos
eram primeiramente conjurados e compelidos a entrar nas cabaças, e depois
obrigados a render-se inteiramente aos feiticeiros. O poder sobrenatural de tais
cabaças era devido não só ao som misterioso produzido pelas sementes e
pevides nela contidos, mas também pelas pinturas e gravuras que as ornavam.

Já o cocar é um adorno simbólico que basta vermos em qualquer lugar sendo


utilizado ou não por algum indígena como “vimos na aldeia vitória dos tabajaras em barra
de gramame na cidade do Conde-PB numa aula campo da disciplina mito, rito e
espiritualidade indígena com o professor Lusival Barcellos”. Culturalmente possuímos
no nosso imaginário social quem o usa? como usa? para que usa? em que momento usa?,
e assim fazemos inúmeros questionamentos na nossa imaginação.
Segundo O cacique Ednaldo Tabajara o cocar representa união, entrelaçamento
dos povos indígenas no intuito de que todos estejam ligados e seguros, organizados,
caminhando juntos, inseparáveis de “mão dadas” assim como a constituição do cocar.
Para que conquistem direitos sociais, políticos, territoriais, humanos, e muitos outros
direitos adquiridos por meio da luta nas suas caminhadas. E, devido à sua união e
organização na corrida comum por dignidade, conseguiram homologações de vários
documentos que lhes garantem legalmente tais direitos.
No imaginário social,

[...] é impossível pensar que possam existir relações sociais, nem tampouco
instituições políticas, destituídas de sua dimensão simbólica, sem que os
homens se vejam nessas relações, sem a imagem que têm de si próprios e dos
outros. As relações sociais não se reduzem, pois, a seus componentes físicos e
materiais. As crenças, os mitos, os tabus se concretizam em práticas sociais
coletivas, expressão de aspirações, de desejos, de motivações dos integrantes
do grupo. (EIZIRIK; FERREIRA, p. 08, 1994).

CONCLUSÃO

Dessa forma, a pesquisa encontra-se em andamento em princípio realizaram-se


apenas estudos bibliográficos, e partindo desta perspectiva pretendemos realizar um
estudo mais aprofundado com o auxílio de participantes e colaboradores desse estudo. E
assim possivelmente chegarmos aos objetivos almejados podendo ainda contribuir na sua
função social nos estudos de povos indígenas da Paraíba.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Renato. História da Música Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Briguiet, 1942.

BARCELLOS, Lusival; FARIAS, Eliane. Memoria Tabajara: manifestação de Fé e


Identidade Étnica. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015. 231 p

CALDART, Roseli Salete (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo. 2 ed. Rio de


Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular,
2012. 788 p.

CARVALHO, A. F. de; GOIS, C. B. de; SOARES, Mª José N. A Mística: um saber


pedagógico desenvolvido no campo do estágio em assentamentos. V Colóquio
Internacional “Educação e Contemporaneidade”. São Cristovão – SE Brasil 21 a 23 de
setembro de 2011.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. SP: Cultrix/EDUSP, 1988.
DURAND, Gilbert. Campos do imaginário. Tradução Maria João B. Reis. Lisboa:
Instituto Piaget, 1997.
EIZIRIK, Marisa Faermann; FERREIRA, Nilda Tevês. Enfoque: qual é a questão?
Educação e Imaginário social: revendo a escola. Em Aberto, Brasília, ano 14, n.61,
jan./mar. 1994.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. SP: Atlas, 2002.
GRUN, Anselmo. Mística: descobrir o espaço interior. Petropólis, Rio de janeiro: Vozes,
2012.192p.
MENDONÇA, Joselma Bianca Silva de Souza. Entre o Tronco e o Monte:
Convergências e divergências nas espiritualidades dos Indígenas Potiguara e do Carmelo
Monástico da Paraíba. Dissertação, PPGCR. UFPB, João Pessoa, 2014. Linha de
Pesquisa: Religiosidade Popular. 232 p.
SILVA, Anne Emanuelle Cipriano da; SOUSA, José Rodrigo Gomes de. O Mito e o Rito
na Espiritualidade Indígena: uma visão a partir dos potiguaras e tabajara da Paraíba.
ISSN 2317-0476. Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 202-215, 2017.

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INTERFACES RELIGIOSAS E CULTURAIS NO ENFRENTAMENTO A


VIOLÊNCIA NA POPULAÇÃO INDÍGENA POTIGUARA DA PARAÍBA

Autora: CARLA JACIARA JARUZO DOS SANTOS,


UFPB.carla.santos.saude@gmail.com,
Orientador: LUSIVAL ANTÔNIO BARCELLOS, UFPB.
lusivalb@gmail.com

RESUMO: A proposta deste trabalho é de submeter os casos de violência que atingem a


população indígena Potiguara na Paraíba, sendo para todos os tipos e causas, que vai
desde a violência psicológica, física, intolerância religiosa e o estigma apenas pelo fato
de ser indígena e seguir a cultura de seu povo, de suas memórias e de suas origens. O
estudo está ancorado em autores como: Barcellos, Goffmann e Palitot. A metodologia da
pesquisa será realizada através da etnografia e a partir dos dados estatísticos retirados do
Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN NET. Esperamos que esta
pesquisa nos mostreosdados através dasnotificações compulsórias que alimentam este
sistema e nos forneça um subsídio consistente para darmos andamento e observar de
forma fidedigna o que estes dadosnos mostram. Tendo em vista que esses números podem
estar subnotificados, envolvendo diversos fatores e culturas locais impostas.

Palavras-chaves:1. Indígenas Potiguara; 2. Violência;3. Religião e Cultura

Introdução
Potiguara era a denominação dos índios que no Século XVI habitavam o litoral do
Nordeste do Brasil, aproximadamente entre as atuais cidades de João Pessoa, na Paraíba,
e São Luis, no Maranhão. Esses indígenas vivem atualmente nos municípios de Baía da
Traição, Marcação e Rio Tinto, no litoral norte da Paraíba. Variantes do nome, nos
documentos históricos, são: Potygoar, Potyuara, Pitiguara, Pitagoar, Petigoar, entre
outros. Essa denominação geralmente é traduzido como 'pescadores de camarão' ou
'comedores de camarão' (BARCELLOS, 2014).

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No Estado da Paraíba existe a população indígena Potiguara, uma das maiores do


Brasil e a maior do Nordeste etnográfico. Sua população é 25.000 habitantes, dos quais
2.061 desaldeados, residindo, geralmente, nas cidades do entorno.Os demais aldeados
residem em 33 aldeias nos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto
(BARCELLOS; SOLER, 2012).
O complexo quadro de saúde indígena está diretamente relacionado a processos
históricos de mudanças sociais, econômicas e ambientais atreladas à expansão de frentes
demográficas e econômicas nas diversas regiões do país ao longo do tempo.“A violência
praticada pelos homens contra as mulheres é uma dessas inquietudes compartilhadas por
mulheres indígenas e não-indígenas” (CASTILHO, 2008, p. 26).
Há determinadas peculiaridades que podem ser percebidas nas comunidades
mencionadas, dentre elas a união entre parentes consanguíneos, o que faz com que
eventuais denúncias sobre abusos cometidos por seus companheiros não sejam
encorajadas pela própria família, pois “[...] quando o fazem sofrem incompreensão e
pressões fortes no seu meio familiar e comunitário” (VERDUM, 2008, p. 12).
Considerando as mulheres indígenas como parte de um sistema maior, isto é a
humanidade, elas passaram a sofrer também as condições sociais hegemônicas ocidentais,
as quais como se indicou têm particularidades muito próprias (coisificação da mulher,
pornografia, prostituição, etc.), mas sem esquecer que as mulheres indígenas também têm
problemas próprios baseadas em algumas tradições ou costumes, como são o patriarcado,
o machismo, alguns ritos religiosos que denigram à mulher , etc (PINTO, 2010).
Na proposta desta pesquisa, a população indígena também se destaca como
vítimas de violência, inseridos nos diversos tipos, onde a intolerância religiosa também
aparece como caso notificador, merece um olhar mais cuidadoso, tendo em vista que as
crianças, mulheres e idosos também não passam despercebidas, por estarem no grupo de
vulneráveis. Porém a subnotificação é outro víeis a ser trabalhado e investigado as
extensas causas.
Desenvolvimento

A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas integra a Política


Nacional de Saúde, compatibilizando as determinações das Leis Orgânicas da Saúde com
as da Constituição Federal, que reconhecem aos povos indígenas suas especificidades
étnicas e culturais e seus direitos territoriais. O propósito desta política é garantir aos

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povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de acordo com os princípios e


diretrizes do Sistema Único de Saúde, contemplando a diversidade social, cultural,
geográfica, histórica e política de modo a favorecer a superação dos fatores que tornam
essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e transcendência
entre os brasileiros, reconhecendo a eficácia de sua medicina e o direito desses povos à
sua cultura (BRASIL, 2002).
Os conceitos de violência simbólica (BOURDIEU, 1989), ódio (LEBRUN, 2008)
e estigmas sociais (GOFFMANN, 2008) são empregados para firmar as bases teóricas
igualmente necessárias para a compreensão do fenômeno a ser analisado,
contextualizados pelas noções de vergonha, medos sociogênicos e mudanças na
agressividade, todos esses elementos decorrentes do processo civilizador em direção ao
qual caminha a sociedade de modo geral (ELIAS, 1994).
A população indígena na Paraíba totaliza 25.043, segundo dados do IBGE (2010),
18.296 (73,1%) são índios residindo em terras indígenas e 6.747 índios fora das terras
indígenas.
Segundo Moonen (2008), a violência existe desde as tomadas de terras pelos
franceses, portugueses e outros povos indígenas.
O reconhecimento da cidadania indígena brasileira e, consequentemente, a
valorização das culturas indígenas possibilitaram uma nova consciência étnica dos povos
indígenas do Brasil. Ser indígenatransformou- se em sinônimo de orgulho identitário. Ser
indígena passou de uma generalidade social para uma expressão sociocultural importante
do país. Ser índio não está mais associado a um estágio de vida, mas à qualidade, à riqueza
e à espiritualidade de vida. Ser tratado como sujeito de direito na sociedade é um marco
na história indígena brasileira, propulsor de muitas conquistas políticas, culturais,
econômicas e sociais (LUCIANO, 2006).
A herança cultural tem um valor inestimável aos povos indígenas. Trata-se de um
legado que se eterniza ao longo de gerações, mantida através de diferentes maneiras:
religiosidade, respeito á natureza, cultura, modo de viver e crenças. Embora muitas vezes,
os indígenas sofram preconceitos e descriminações causadas pela pouca informação sobre
os diferentes povos e suas histórias, vindo a se tornar vítima de violência partindo do
preconceito a etnias.O reconhecimento da diversidade social e cultural dos povos
indígenas, a consideração e o respeito dos seus sistemas tradicionais de saúde são
imprescindíveis para a execução de ações e projetos de saúde e para a elaboração de

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propostas de prevenção/promoção e educação para a saúde adequadas ao contexto local.


O princípio que permeia todas as diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde dos
Povos Indígenas é o respeito às concepções, valores e práticas relativos ao processo
saúde-doença próprios a cada sociedade indígena e a seus diversos especialistas
(BRASIL, 2002).
Apesar do sincretismo religioso presente, observamos que os potiguaras buscam
exercer a sua espiritualidade cristã de forma que as tradições nativas de seu povo nunca
sejam esquecidas.
Toda organização social, cultural e econômica de um povo indígena está
relacionada a uma concepção de mundo e de vida, isto é, a uma determinada cosmologia
organizada e expressa por meio dos mitos e dos ritos (LUCIANO, 2006).
Segundo Palitot (2005), a religião que se destaca entre os Potiguara é a católica
com 76,4%, seguida da protestante/evangélica, com 14,6%, e apenas 1,8% afirmou sua
religiosidade ao deus Tupã. O catolicismo é a religião mais institucionalizada entre os
potiguara, remontando ao período colonial e fonte dos símbolos étnicos, históricos e
territoriais. São representadas pelas velhas igrejas de Nossa Senhora dos Prazeres e São
Miguel, com seus oragos e festas anuais. Há, também, a presença das demais crenças
cristãs, como as igrejas Batista, Betel e Assembleia de Deus, além de cultos afro-
brasileiros, como a Umbanda e a Jurema Sagrada.
O processo de reafirmação das identidades étnicas, articulado no plano estratégico
pan-indígena por meio da aceitação da denominação genérica de índios ou indígenas,
resultou na recuperação da auto-estima dos povos indígenas perdida ao longo dos séculos
de dominação e escravidão colonial. O indígena de hoje é um indígena que se orgulha de
ser nativo, de ser originário, de ser portador de civilização própria e de pertencer a uma
ancestralidade particular. Este sentimento e esta atitude positiva estão provocando o
chamado fenômeno da etnogênese, principalmente no Nordeste. Os povos indígenas, que
por força de séculos de repressão colonial escondiam e negavam suas identidades étnicas,
agora reivindicam o reconhecimento de suas etnicidades e de suas territorialidades nos
marcos do Estado brasileiro (LUCIANO, 2006).
No período da escravidão no Brasil, negros, mestiços e índios não eram vistos,
como raças. “Eram vistos como subespécies. Mulato é apenas uma derivação linguística
de mula, quanto aos índios, os teólogos discutiram mais de cem anos se eles teriam ou
não uma alma” (SANTOS, 1984, p. 52).

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Como menciona Camilo (2004), a intolerância se expressa diante de várias


diversidades: de gênero, de etnia, de geração, de orientação sexual, de padrão físico-
estético, e, também, de religião. A intolerância religiosa pode causar espanto, mas muitos
e muitos conflitos e guerras violentas foram e ainda são travados em nome de uma
determinada crença religiosa. Este é um problema extremamente complexo porque tais
confrontos, costumeiramente, não carregam motivações exclusivamente religiosas, mas a
estas se somam razões de ordem econômica, social, política, cultural, variáveis a cada
experiência histórica. Um exemplo de conflito religioso é a imposição do cristianismo ou
do catolicismo sobre os indígenas da América. Mas a intolerância religiosa também se
expressa em pequenos conflitos cotidianos, quando se desqualifica pessoas por não
pensarem religiosamente do mesmo modo de quem as desqualifica; ou quando se destrói
templos e símbolos de religiões que se consideram adversárias; ainda, quando alguém
arroga para a sua crença o estatuto de religião e qualifica a crença alheia como seita.
A ficha de notificação individual deve ser utilizada para notificação de qualquer
caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada,
tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e
violências homofóbicas contra as mulheres e os homens em todas as idades. No caso de
violência extrafamiliar/comunitária, serão objetos de notificação as violências contra
crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoa com deficiência, indígenas e
população LGBT (BRASIL, 2016).
Entre os anos de 2010 a setembro de 2018, foram registrados no Banco de dados
do Sinan NET, especificamente quando a vítima é indígena, 144 casos de violência, sendo
14 casos de violência sexual, 18 casos de lesão autoprovocada (tentativa de suicídio),
onde 09 notificações foram por envenenamento, 78 casos de violência física, onde 10
casos o meio de agressão foi a arma de fogo, 03 casos de tortura, 11 casos de ameaça.
Relacionados ao sexo, a população indígena feminina aparece com 70 notificações e
vítimas do sexo masculino com 74 (Base de dados Sinan NET – dbf gerado em
02/10/2018).
Este trabalho apresenta perspectivas da pesquisa quanti-qualitativa, com análise
estatística, tendo como base referência documental o banco de dados do Sistema de
Informação de Agravos de Notificação – Sinan NET. Iremos utilizar a etnografia como
ampla gama de informações (HAMMERSLEY; ATKINSON, 1983), utilizada e definida
como uma pesquisa sobre e nas instituições baseada na observação participante e/ou em

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registros permanentes da vida diária nos locais e contextos em que ela naturalmente
acontece.

Conclusão

A pesquisa está em andamento (será iniciada). No entanto, pretendemos com os


dados do Sinan NET fazermos diversas estatísticas que irão ilustrar de maneira bem
objetiva toda realidade Potiguara pesquisada. E quanto ao universo pesquisado serão
todas as aldeias Potiguara.
De posse dos dados iremos comparar a realidade observada durante a pesquisa de
campo com os registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, para
desta forma identificar os fatores que influenciam os cacos de violência e confirmar o que
o sistema nos mostra.

Referências

ABRASCO. Disponível em: <https://www.abrasco.org.br/site/eventos/congresso-


brasileiro-de-saude-coletiva/carta-de-joao-pessoa-populacao-brasileira/33868/>. Acesso
em: 18abr.2018.

BARCELLOS, LusivalAntonio. As práticas educativo-religiosas dos índios Potiguara


da Paraíba.João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.

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SABERES, ARTE E TRADIÇÕES CULTURAIS DE MULHERES TENTEHAR

Maria José Ribeiro de Sá. Doutoranda em Educação pela UFRN, pedagoga do


IFMA/Campus Imperatriz, maria.sa@ifma.edu.br.
Maria da Conceição Xavier de Almeida. Doutora em Antropologia, professora do
programa de pós-graduação em Educação da UFRN, ceicalmeida17@hotmail.com.

RESUMO

O objeto deste trabalho são saberes tradicionais do povo Tentehar, e tem por objetivo
narrar sobre saberes e fazeres artísticos culturais do cotidiano de mulheres-mães Tentehar.
Resulta de uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica realizada entre os Tentehar da
Aldeia Juçaral que habitam a Terra Indígena Arariboia. Os resultados obtidos por meio
das entrevistas individuais e coletivas, observação participante, pesquisa documental e
fotoetnografia mostraram que o aprender e saber fazer redes, tipoias, cestarias e outras
utilidades fazem parte do cotidiano de mulheres Tentehar. Com esses saberes de tradição
milenar ameríndia, mulheres Tentehar produzem com a sensibilidade artística de uma
mãe cuidadora, instrumentos que as auxiliam nas atividades do lar e da maternidade.
Atualmente, a produção sustentável desses artefatos também contribui para que as
mulheres Tentehar possam comercializa-los e garantir uma fonte renda extra para suas
famílias.

Palavras-chave: 1. Educação Indígena; 2. Mulheres; 3. Tentehar

1 INTRODUÇÃO

Os Tentehar se configuram como uma das maiores nações indígenas do Brasil e


do Estado do Maranhão, onde são conhecidos pelo nome de Guajajara. Falam uma língua
pertencente à família linguística tupi-guarani. Neste estado, eles distribuem-se em treze
terras indígenas que fazem parte das mesorregiões oeste e centro maranhense.
Os relatos aqui narrados fazem parte de uma pesquisa desenvolvida entre anos de
2013 e 2014, e que resultou em uma cartografia dos saberes e fazeres do cotidiano dos
Tentehar e a inserção desses sabres no espaço socioeducacional da escola local. Aqui,
especificamente, o objetivo é narrar sobre saberes e fazeres de mulheres Tentehar que
habitam o território existencial Terra Indígena Arariboia, que vivem na aldeia Juçaral,
localizada na zona rural do munícipio de Amarante do Maranhão.

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ECONOMIA SOLIDÁRIA

A produção dos dados etnográficos em campo (GEERTZ, 2012), com abordagem


qualitativa (GHEDIN; FRANCO, 2011), envolveu o uso das técnicas de observação
participante, entrevistas individuais e coletivas (SZYMANSKI, 2004), fotoetnografia
(MARTINS, 2008). As vozes narradas sobre os saberes e artes de mulheres são de
Angelina Guajajara (72 anos, aposentada, nasceu na aldeia Bacurizinho, mora na aldeia
Juçaral aproximadamente há 40 anos. É casada com Zapuy e mãe de dez filhos. Angelina
estudou até a 4ª série do antigo primário, cursado todo em língua materna, assim não fala
o português e só se comunica na língua materna. E de Maria Parazawu, 46 anos, é natural
da TI Arariboia, nasceu na aldeia Borges, morou ainda nas aldeias Faveira, Barriguda e
Buritizinho Novo. Mora há 37 anos na aldeia Juçaral, foi criada pelos pais, na roça. Hoje
é casada e tem um filho e dois netos. Estudou até a 4ª série do antigo primário. É falante
apenas da língua Tentehar.
Inicialmente, falaremos dos saberes do tecer no tear redes, tipoias e outra
utilidades. Na sequência, dos saberes e práticas culturais que envolvem a arte de
confeccionar cestarias. Nas considerações finais,

2 SABERES E TRADIÇÕES CULTURAIS: ARTES DO FAZER COTIDIANO


DE MULHERES TENTEHAR

Entre as suas artes e maneiras de fazer as mulheres Tentehar costumam fazer


redes, bolsas, roupas tradicionais, cestarias, etc. As redes e as cestarias fazem parte da
cultura material tradicional do povo tupi. Como mostrou Abbeville (2008), as redes e
cestas compunham o mobiliário dos Tupinambá no Brasil colonial.

Seus móveis caseiros são as redes de algodão a que chamam de ini. Prendem-
nas pelas extremidades, com cordas torcidas, também de algodão, que amarram
a pedaços de pau para esse fim, colocadas nas choupanas. Cada um tem sua
rede [...] Têm cestos a que chamam uru ou caramemô. São feitos de folhas de
palmeiras ou de pequenos juncos lindamente tecidos. (ABBEVILLE, 2008, p.
303).

As redes são feitas pelas mães Tentehar da aldeia Juçaral até os dias de hoje, com
o mesmo instrumental de seus ancestrais, considerando menção de Abbeville (2008) já
citada. Com exceção da linha utilizada para fabricação das redes que hoje é comprada no
comércio, até bem pouco tempo, segundo dona Angelina Guajajara, elas, mães indígenas,

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tinham por costume fazer, inclusive a produção da linha de algodão para tecer redes,
tipoias.

De primeiro fiava com algodão, agora já compra a linha feita. Colhia na roça,
trazia, tirava a semente, abria, dava mais trabalho e tempo. Depois que tirava
a semente tinha que botar num saco, batia para ficar fininho, ai ela ia rasgando
para fazer o fio, e tirar fazer o círculo rodando para colocar no fuso.
(ANGELINA GUAJAJARA, tradução de TOINHO GUAJAJARA).

Com um singelo sorriso no rosto, junto do esposo e de um dos filhos, dona


Angelina Guajajara explicou que a culpa das mulheres terem de comprar a linha para
tecer as redes é dos homens que não querem, mais plantar a roça de algodão. Mas as redes
continuam a ser tecidas no tradicional tear.
O tear, por sua vez, faz parte da cultura material desse povo, ele não se modificou,
considerando a descrição de Abbeville (2008) em 1614 sobre seu uso pelos Tupinambá,
ou ainda de Wagley e Galvão (1961) quando etnografaram a cultura Tentehar. O tear é
uma armação de dois paus dispostos lateralmente com distância aproximada de dois
metros, presos ao chão verticalmente, que na parte de cima se abre em dois ramos,
assumindo a forma da letra Y, uma forquilha. Nas forquilhas são presos dois pedaços de
pau na horizontal, um em cima e outro em baixo, onde os fios de algodão serão presos.
No plano de cima, junto ao pau, é preso um talo de inajá, que serve para fazer os punhos
e no centro para dar forma aos desenhos estampados na rede é colocado entre os fios um
talo de buriti. Há ainda outros dois instrumentos que colaboram na tessitura das redes,
que são o fuso e uma faca de pau.
Na tessitura da cultura Tentehar, Angelina Guajajara aprendeu a tecer redes,
tipoias etc. Foi por ocasião da sua primeira menstruação, quando estava presa na tocaia4,
momento em que sua mãe lhe ensinou o processo de fiar o algodão, e depois da saída da
tocaia continuou a ensinar a fazer as redes. No dizer de Brandão (2002, p. 24): “viver uma
cultura é conviver com e dentro de um tecido de que somos e criamos, ao mesmo tempo,
os fios, o pano, as cores o desenho do bordado e o tecelão”.

Imagem 1 – Rede Tentehar masculina

4
No ritual de iniciação feminina Tentehar, as meninas moças ficam confinadas em casa por
aproximadamente oito dias, momento em que cumprem dieta alimentar e recebem ensinamentos
da sua mãe sobre os principais afazeres de uma futura mãe-esposa.

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Fonte: acervo fotográfico de Maria José Ribeiro de Sá, 2013.

Dessa forma, foi por meio do ensinar a manipular o tear repassado de mãe para
filha que dona Angelina Guajajara aprendeu os diferentes saberes que informam a prática
de tecer no tear, como: as redes feitas com duas pernas de fio são para uso dos solteiros,
já aquelas reforçadas, com três fios são para adultos; o trançado que dá forma aos
desenhos, tem um lado macio onde se deita, e do outro, o mais áspero; a forma geométrica
de quadrado é geralmente feita para identificar redes para o uso das mulheres, enquanto
que as retangulares são feitas para o sexo oposto. Nesse processo das artes de tecer, a
memória é indispensável para a perfeita simetria das formas geométricas desenhadas nas
redes, ou ainda para transpor os desenhos de times de futebol, pois quando se erra a
contagem tem-se que desmanchar e refazer o trabalho novamente. Para Lévi-Strauss
(1979, p. 31): “decidir que é preciso levar tudo em conta facilita a constituição de uma
memória”.

Imagem 2 – Mãe Tentehar

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Fonte: acervo fotográfico de Maria José Ribeiro de Sá, 2014.

No tear, além de redes, que servem para o descanso do corpo, dormir, as


mulheres/mães Tentehar produzem ainda suas tradicionais tipoias, instrumento que serve
para trazer junto de si os filhos, aproximadamente até os dois anos de idade. A tipoia,
simbolicamente, expressa o amor e o cuidado que as mães indígenas têm por seus filhos.
Sobre o uso da tipoia como expressão do amor materno tupinambá, Abbeville (2008, p.
302) comentou: “É impossível dizer a que ponto amam seus filhos apaixonadamente.
Jamais os abandonam e trazem-nos consigo sempre em sua companhia, [...] carregam o
menino suspenso ao pescoço por um pedaço de pano de algodão”.
É por meio do tear que as mulheres Tentehar também tecem a estrutura que recebe
as penas nos capacetes, braceletes e tornozeleiras, ornamentos sempre usados por ocasião
de seus rituais tradicionais, como festa da menina-moça e dos rapazes; ou ainda para
confecção bolsas, mochilas, porta notebook que servem não só para diferentes usos
diários, como também para levar e trazer material escolar, ou portar documentos, e
também comercializá-los.

2.1 Cestarias: das plantas as utilidades do dia-a-dia

As cestarias são outro tipo de artesanato que mantêm a originalidade dos saberes
ancestrais Tentehar. É na natureza, ao fundo de seu quintal, uma área alagadiça sobre as
sombras dos altos buritizais que margeiam o rio Buriticupu, que Maria Parazawu colhe o

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principal instrumento para confecção das cestarias que faz, o guarumã. Sobre essa arte
ela diz: “Tem o talo que fica nessa mata, que foi Deus que fez! Talo de guarumã, talo de
buriti. Guajajara faz mais do guarumã. O timbira usa mais é o buriti. É difícil fazer. No é
todo índio que sabe fazer esse material não [...]”. (MARIA PARAZAWU, entrevista
traduzida por ZAPUY).
Confiante de que o guarumã e o buriti, as duas principais matérias primam que
utiliza para fabricar suas cestarias, é doação Divina, tecer é uma forma de dona Maria
Parazawu expressar a sua agradecimento a Deus. Reconhece que é preciso conservá-los,
pois se preocupa em produzir somente o necessário ou o que vai usar, para que esse bem
natural não se extinga. É também uma arte considerada difícil, pois, segundo informações
locais, são poucos os Tentehar que ainda fazem cestarias. Atualmente, na aldeia Juçaral
e nas aldeias próximas, só ela, Maria Parazawu, o marido que a ajuda e um irmão é que
sabem fazer cestarias.
De acordo com suas narrativas, foi por meio da aproximação com forças
sobrenaturais, como o relâmpago, com a permissão de Tupàn, que Maria Parazawu
aprendeu a fazer cestarias. A sua mãe lhe ensinou apenas o caminho ou a ciência para
adquirir esse saber, conforme é possível compreender no relato a seguir:

Quem ensinou foi Deus, ninguém me ensinou não. Desde jovem, a minha mãe
tava contando uma história assim, pra mim também. A mãe ensinou quando a
gente quer aprender algum artesanato, pra gente e pro outros, quando tu quer
aprender fazer as coisas. Quando está chovendo, quando der um relampo. Aí
dá um nó assim na linha, der outro relampo, quero fazer cesto! Outro, quero
fazer tapiti! Eu quero fazer cesto, ai amarra assim. Ai hoje sabe fazer tapiti,
balaio, cesto. Os vei sempre falava essa ciência, o garoto tá novo, deita na rede,
ai dar aquele relampo pede aquele ensinamento, ai fica fácil fazer qualquer
coisa. (MARIA PARAZAWU, entrevista traduzida por ZAPUY, 2014).

Ao colocar em prática a ciência que sua mãe lhe ensinou, Maria Parazawu obteve
o saber necessário para transformar palmeiras da mata nativa, como o guarumã, buriti,
inajá, babaçu, bacaba, em artefatos que usam no dia a dia, ou nas festas tradicionais. De
acordo com Lévi-Strauss (1979, p. 32), o pensamento mítico costuma utilizar “qualquer
que seja a tarefa proposta, pois nada tem mão”. E assim como o bricolage que utiliza o
plano técnico, “a reflexão mítica, pode alcançar, no plano intelectual, resultados
brilhantes e imprevistos”. O resultado prático se faz notar na dimensão estética e ao
mesmo tempo utilitária, de cestos (pacará), abanos, esteira de babaçu, peneira (yrypem),
panacu, quibano, tápiti, balaio.

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Segundo Charlot (2000) e Brandão (2002), diferentemente do que ocorre entre os


outros seres da natureza que vivem segundo o que lhe é dado para viver, o ser humano
transforma a natureza para adaptar-se a ela. Nesse sentido, com uma simples faca amolada
e arame na mão, os antepassados de Maria Parazawu criaram novos sentidos e
significados para talos e palhas de palmeiras nativas, que se faz presente até hoje entre as
novas gerações. Por meio do tápiti incorporam o saber preparar a massa de mandioca, ou
ainda, a esteira de babaçu, que é utilizada por rapazes e moças para se protegerem dos
maus espíritos, nos respectivos rituais. Assim, "a natureza é feita de maneira ser mais
vantajosa para a ação e o pensamento agir como se uma equivalência que satisfaz o
sentimento estético correspondesse também a uma realidade objetiva" (LÉVI-STRAUSS,
1979, p. 31).
Desse modo, as mulheres Tentehar com seus saberes e artes do fazer cotidianos
destacam muitas vantagens da convivência com a natureza, transformando-a de maneira
sustentável para o cuidado do seu lar ou para conseguir uma renda extra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hoje, o saber fazer cestarias na TI Arariboia está em vias de extinção, somente


Maria Parazawu e o irmão sabem fazer essa arte na aldeia Juçaral. Assim, é necessário
incentivar o saber fazer cestarias entre os jovens Tentehar. Uma possibilidade seria trazer
para dentro da escola esses artesões para ensinar aos jovens esse saber.
Os adornos corporais, redes, cestarias, pinturas corporais são produtos
comercializados de forma sustentável. E assim, contribuem para incrementar a renda das
famílias locais. Embora tenha uma associação dos artesões locais, a comercialização dos
produtos ainda é um problema na comunidade, visto que são comercializados somente na
própria aldeia ou em reuniões que costumam participar fora da aldeia e, essa situação
desestimula as mulheres artesãs locais. A solução para o problema da não comercialização
poderia contribuir para que as famílias locais pudessem ter uma fonte de renda
permanente.

REFERÊNCIAS

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ECONOMIA SOLIDÁRIA

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INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: NOVOS CAMINHOS


PARA A PRÁTICA DOCENTE

Juarez Melgaço Valadares


Faculdade de Educação; UFMG; Brasil
juarezm@ufmg.br
Célio da Silveira Júnior
Faculdade de Educação; UFMG, Brasil.
celio@fae.ufmg.br

Resumo: Durante muito tempo a ciência foi um obstáculo para a entrada de outros saberes
nas escolas, e fomos levados a crer que a ciência era a única linguagem capaz de explicar
os fenômenos da natureza, as formas de observação dos céus, o ecossistema, a origem do
mundo, as interações entre as pessoas. A partir da década de 1990 a superioridade do
conhecimento científico e a desvalorização da cultura popular começaram a sofrer críticas
por pesquisadores da educação, e especialmente da área de ciências. Por sua vez, a
educação escolar indígena vem se afirmando como um espaço privilegiado de
reconhecimento das relações dos grupos culturais entre si, de maneira que os saberes
tradicionais foram incorporados ao currículo escolar, trazendo outros desafios para o
trabalho pedagógico. Neste artigo tratamos de um estudo de caso, na qual os saberes
tradicionais fizeram parte dos conteúdos do Curso de Licenciatura para Educadores
Indígenas, área Ciências da Vida e da Natureza, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Para tanto, coletamos relações diversas entre o plantio de alimentos e a cultura dos povos
indígenas, tanto nas vivências cotidianas quanto na literatura da área. Os pressupostos de
que nos valemos, de viés participativo e de fortalecimento dos sujeitos e da cultura
indígena, foram repensados à medida que as trocas e interlocução mantidas com os povos
indígenas nos fizeram rever a viabilidade e visibilidade do diálogo intercultural em toda
a sua complexidade. Esperamos, com trabalhos deste porte, contribuir para superar a
dicotomia entre o conhecimento científico e a cultura tradicional tanto nas proposições
curriculares da educação escolar indígena, quanto em todas as escolas envolvidas na
defesa de um ensino de qualidade para todos.

Palavras-chave: Educação Indígena; Ensino de Ciências; Interculturalidade.

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INTRODUÇÃO

Desde a década de 1980 a luta pelos direitos sociais trouxe à tona o debate sobre as
maneiras pelas quais o monopólio da ciência moderna levou à imposição de verdades
universais, com o silenciamento de outras culturas e saberes. Vivemos um processo de
aculturação: o grupo submetido culturalmente perde a sua cultura e adota os valores da
cultura do outro, considerada hegemônica. O pensamento moderno edificou o
distanciamento entre o conhecimento considerado científico e o conhecimento advindo
da experiência, de forma que este último foi se tornando cada vez mais invisível. Tal
pressuposto negava a possibilidade de que os conhecimentos populares, as culturas
afrobrasileira, indígenas e camponesas fossem consideradas diversas à cultura científica,
isto é, que pudessem fazer parte da diversidade cultural. Considerada obstáculo
epistemológico às outras formas de conhecimento, ver a ciência implicava, e ainda
implica, em não ver outros saberes. Estes não são considerados conhecimentos, por não
serem científicos. A universalização das teorias e dos conceitos, se por um lado permitiu
à ciência a sua acumulação, por outro aprisionou outros elementos que estão na sua
contracorrente (ALMEIDA, 2012). Somos levados a crer que a ciência é a única
linguagem capaz de explicar os fenômenos da natureza, as formas de observação dos
céus, o ecossistema, a origem do mundo, as interações entre as pessoas. Ao reduzirmos
todo conhecimento à ciência, afirmamos a visão de neutralidade e objetividade como
critérios de validação e demarcação entre os saberes.
O processo de democratização do país trouxe também a luta pelo acesso e
permanência a uma escola pública de qualidade. Essas mudanças criaram tensões: de um
lado, um universo escolar marcado por lógicas como homogeneidade, objetividade,
ciência, cultura única. Por outro, um mundo social caracterizado pela heterogeneidade,
relativismo, subjetividade, cultura local (GIUST-DESPRAIRIES, 2011). A cultura a ser
transmitida, discutida e apreendida na escola não é mais aquela estável e aceita por todos,
principalmente pela presença de um aluno que passa a ser classificado como “o diferente”.
Estamos, sobretudo, em busca de um trabalho intercultural, que contribua para superar
atitudes de medo e de indiferente tolerância ante o “outro”, construindo uma
disponibilidade para uma leitura positiva da diversidade sociocultural (FLEURI, 2003).
No interior das escolas encontramos abordagens e estratégias de ensino consonantes com

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as diversas concepções em torno do conceito de “encontro de culturas”. Os Parâmetros


Curriculares Nacionais (BRASIL, 1988) também apontaram para esse mesmo caminho,
ao colocarem a Pluralidade Cultural como eixo transversal aos vários conhecimentos.
No que se refere à educação em ciências, os estudos sobre concepções prévias e
mudança conceitual trouxeram um enriquecimento das experiências didáticas. As
recentes concepções do aluno como sujeito, a sua participação em vários momentos da
vida escolar, em conjunto com a proposição de situações dialógicas em sala ampliaram a
discussão sobre a importância de se levar em conta as diversidades cognitiva e cultural
presentes na escola. A partir da década de 1990 a superioridade do conhecimento
científico e o desprezo pela cultura popular começaram a sofrer críticas pelos
pesquisadores da educação, e especialmente da área de ciências. Para Alice Lopes (2014),
a proposição de currículos alternativos não conseguiu superar a dicotomia entre o
conhecimento científico e a cultura tradicional. Porém, no que se refere à educação
escolar indígena, a cultura e os saberes tradicionais foram incorporados ao currículo
escolar, trazendo novas configurações para o trabalho pedagógico.
Neste artigo discutimos as negociações e possíveis conflitos decorrentes do
encontro entre os saberes tradicionais e o conhecimento científico, numa disciplina sobre
Astronomia na Licenciatura da área de Ciências da Vida e da Natureza (CVN), do Curso
de Formação Intercultural para Educadores Indígenas (FIEI), da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Para tanto, introduzimos como parte
dos conteúdos da disciplina os saberes tradicionais dos povos indígenas, dos camponses,
e de pessoas ligadas ao conhecimento científico, relacionados ao plantio de alimentos e a
cultura de cada um deles. Rodrigo Crepalde, em artigo apresentado na ANPED em 2017,
aponta a importância de um programa de pesquisa que promova a investigação da
inserção do conhecimento tradicional e as práticas associadas a ele, pois contribuem para
uma proposta de uma educação intercultural em Ciências para as pessoas do campo.
Podemos ler:
Nesse contexto, a formação de professores de ciências para o campo
não pode ficar subsumida aos conhecimentos canônicos da ciência
escolar sob pena de silenciar e colocar em segundo plano a cultura e as
práticas sociais camponesas. Essa afirmação parece mera redundância,
pois estamos tratando de novos sujeitos que chegam à universidade e,
portanto, exigem, por direito, novas pedagogias. No entanto, a
articulação entre a pesquisa e prática pedagógica em ensino de ciências
e a área da educação do campo ainda é recente.

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Para Clarice Cohn (2014), a escola entra na vida dos povos indígenas para atuar
com seus próprios regimes de conhecimento. Em diálogo ou em confronto com eles, a
escola promove a circulação de mais conhecimentos, ou provoca a homogeneização. Os
cursos voltados para comunidades indígenas representam um desafio e uma oportunidade
de pesquisa, principalmente as licenciaturas para ensino de ciências naturais, que buscam
preservar as culturas indígenas e, simultaneamente, possibilitar o acesso ao conhecimento
científico. Duas perguntas nos acompanham: Que práticas pedagógicas e curriculares
darão conta de seus processos formativos? E como podemos levar para a escola não-
indígena as contribuições deste trabalho?

INTERCULTURALIDADE E LEGISLAÇÃO

A promulgação da Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988) marcou


profundamente o campo da educação. No que se refere a este trabalho, deparamos no
artigo 210, § 2.º, que “ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem”. Os movimentos sociais indígenas começavam a se
organizar para a construção de suas próprias diretrizes.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) estabelece, em
seu Artigo 78, a necessidade de programas integrados de ensino e pesquisa, para a oferta
de educação indígena. Um objetivo do curso seria o desenvimento de progamas de
pesquisa e extensão, de forma a proporcionar aos povos indígenas a recuperação de sua
memória histórica. Podemos ler, no texto público, que um dos objetivos da educação
escolar indígena é proporcionar aos povos, e sua comunidade, a recuperação de sua
memória histórica, e a valorização de suas línguas e ciências. Também no Artigo 26,
Parágrafo 4º, da LDB diz-se claramente que o ensino de História levará em conta as
culturas de matrizes indígenas, africanas e europeias para a formação do povo brasileiro.
De forma semelhante encontramos, no Capítulo III da Constituição Federal (BRASIL,
1988), a obrigatoriedade das temáticas no currículo. A Lei 11.645/2008, por sua vez, traz
algumas novidades importantes, ao alterar a LDB 9.394/1996. Ela estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira e indígena”. Isso implica a
necessidade de abordar a temática em questão no ensino de todas as disciplinas do

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currículo da educação básica, que inclui o ensino fundamental e médio. Sobretudo, a


cultura indígena deverá ser tratada como parte da formação da cultura nacional,
resgatando as suas contribuições na área social, econômica e política, isto é, a cultura
local contribuindo para o global, e não o contrário. A legislação valoriza e legitima a
cultura indígena e afro-brasileira como parte constituidora da diversidade cultural
brasileira.
O artigo 3° do Decreto 6.861, de 2009, menciona que as escolas indígenas terão
diretrizes curriculares específicas voltadas ao ensino intercultural e bilíngue, respeitadas
as atividades sociais, culturais, religiosas e econômicas de cada povo. Mas é no Artigo 2°
que observamos os objetivos da escola indígena:
Art. 2o - São objetivos da educação escolar indígena:
I - valorização das culturas dos povos indígenas e a afirmação e
manutenção de sua diversidade étnica;
II - fortalecimento das práticas socioculturais e da língua
materna de cada comunidade indígena;
III - formulação e manutenção de programas de formação de
pessoal especializado, destinados à educação escolar nas
comunidades indígenas;
IV - desenvolvimento de currículos e programas específicos,
neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às
respectivas comunidades;
V - elaboração e publicação sistemática de material didático
específico e diferenciado; e
VI - afirmação das identidades étnicas e consideração dos
projetos societários definidos de forma autônoma por cada povo
indígena.

Mesmo com todos esses avanços nas dimensões teórico-conceituais e político-


jurídicos, na escola ainda existe uma dominação que é epistemológica, que não permite
pensar o diferente, e o currículo tem servido à implementação de práticas estereotipadas
a partir de uma visão hegemônica do conhecimento. Os indígenas ainda são silenciados e
as suas culturas consideradas exóticas, permeadas por uma concepção romântica de
proteção da floresta e que vivem nus, afastados do mundo tecnológico. Olhando desse
ângulo, não existem mais indígenas, pois eles são completamente aculturados.
Não temos dúvidas de que o currículo escolar pode ser um local onde mudanças
podem ocorrer. Promover uma formação para a diversidade implica em pensar numa

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escola cuja formação considera o sujeito em sua integralidade, porém inacabado. Uma
escola com tempos e ritmos próprios, capaz de olhar os alunos em sua condição de sujeito
de aprendizagem e de cultura.. Perguntamos: Como construir práticas pedagógicas
potencialmente não discriminatórias, inovadoras, e que levem em consideração a
cultura e os saberes tradicionais?

ORGANIZAÇÃO DA DISCIPLINA E AS METODOLOGIAS


ENVOLVIDAS

A Disciplina apresenta conteúdos de Astronomia Básica, enfatizando os ciclos e


regularidades com os movimentos de rotação e translação e da Terra, a duração dos dias,
movimento aparente do Sol ao longo do ano, Sistema Solar, tamanhos e movimentos,
Terra plana e Terra esférica, aspectos históricos, enfim, uma quantidade de conceitos
importantes sobre o tema. Porém, o conhecimento astronômico é muito presente e
reconhecido nas atividades do cotidiano e práticas sociais, nas formas de organização
social, além de determinar as épocas de plantio, caça, pesca e coleta. Muitas vezes essas
relações fazem parte do universo mítico de cada povo. Assim, as fases da Lua influenciam
diversas atividades do cotidiano, desde o corte de cabelo até influências sobre a pesca e
agricultura; são diversas lendas e histórias envolvendo os astros, contadas pelos mais
velhos e/ou caciques; e as constelações existentes ao longo do ano, que envolvem
presságios, nascimento de filhos, e muitos outros.
Temos trabalhado com uma investigação sobre a nossa própria prática. Na primeira
turma FIEI/CVN entramos em contato com uma quantidade de saberes tradicionais dos
povos indígenas, que influenciavam tanto as práticas sociais quanto as interações entre as
pessoas nas aldeias. Desde então, por meio de diários de campo de nossas bolsistas e
colegas docentes, ou produções de trabalho de conclusão de curso, temos anotado as
formas de produção e transmissão destes saberes. Estamos, assim, a pesquisar e investigar
a nossa própria prática, o que diz as nossas salas de aulas sobre a aproximação e
distanciamento entre os saberes indígenas e o conhecimento científico. Essas
investigações só são possíveis pela criação de um grupo colaborativo de professores e
bolsistas que coletam dados, analisam e avaliam constantemente a sala de aula.
Podemos dizer que o desenvolvimento desta disciplina começou com a turma
anterior, quando começamos a coletar dados sobre os saberes tradicionais presentes em

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diversos momentos do curso, e a expandir nossas investigações para situações


diversificadas. Na disciplina caminhamos por duas trilhas: primeiramente, pela
continuidade dada à discussão teórica sobre a interculturalidade, e as relações entre
saberes tradicionais e conhecimento científico. Em segundo, pela construção de um
projeto metodológico, dentro do qual as diversas relações entre agricultura e cultura
indígena que tínhamos coletadas seriam distribuídas para discussão em sala de aula. A
intenção é transmitir o conteúdo e o método em conjunto, de forma que a discussão possa
ser levada para outros espaços educativos. A seguir mostramos algumas destas visões, e
como foram coletadas.

a) Visão do camponês Antônio, 40 anos trabalhando no campo (entrevista)

A lua influencia e muito na agricultura, pois dá força para a terra e vigor para a
plantação. Para cada tipo de lua (Fase da lua) há um tipo de plantação, o que confirma a
influência da lua. Alguns legumes que crescem para fora da terra se desenvolvem melhor
se plantados na Lua Cheia, e os que crescem para dentro da terra ficam sadios se plantados
da lua Minguante para Nova. Se for plantar colocando semente dentro da terra também
ficam bom se for da Minguante para a Nova, e aquele que utiliza muda para plantar tem
que ser plantado na Lua Nova. Depois que a planta vinga aí a lua já não faz tanta diferença.
Antigamente a colheita do milho era feito na Minguante para ele não carunchar. Agora
não precisa porque tem os agrotóxicos, que deixa todos bonitos, mas não é bom para
saúde.

b) Indígena X (entrevista)

Tudo na terra tem ligação com a Lua. A lua era uma índia mais velha que se foi.
Ela tinha muita sabedoria. Quando ela se foi ela passou a sua sabedoria para quem ficou
e que são seguidos até hoje. Deve-se plantar no ¾ da Lua Nova para a Lua Cheia. Às
vezes a plantação naquela fase da Lua não será favorável porque não vai chover. Então
planta-se na fase ruim só para pegar chuva, e depois na época boa o índio puxa a terra,
revira a terra, para a plantação de adequar à Lua de novo.

c) Professor de Física, 35 anos (entrevista)

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Eu não acredito nessa influência, pois até hoje nenhum estudo sério foi feito.
Procurei na internet sobre o assunto e não achei nada sério sobre o assunto. Engraçado
que hoje eu escutei na rádio CBN uma reportagem sobre o assunto, sobre a influência da
lua na vida das pessoas. Para a maioria das coisas mencionadas o entrevistado afirmava
que não havia estudos científicos confirmados e que tudo não passava de coincidência.
Isso para mim não passa de senso comum, não há estudos que confirmam a influência.

d) Estudante do 7º Período de Agronomia (entrevista)

Cientificamente comprovada é a relação do Sol com a lavoura. E a lua não exerce


influência sobre a agricultura, devido ao fato de que as produtividades constatadas sobre
as grandes lavouras se repetiram independentemente das fases da lua. Sem contar que as
pesquisas se mostram inconclusivas. O que levamos em consideração é o conjunto clima,
planta e solo. Durante os sete períodos da minha vida acadêmica nada foi falado a respeito
por nenhum professor da área. Se de fato houver interferência das fases da Lua na
agricultura essa influência não interfere em sua produtividade. No meio agrário o saber
popular deve ser sempre levado em conta, porém é preciso que se saiba convencer o
trabalhador rural de que certas práticas não são relevantes, sem que, no entanto, o deixe
ofendido. Na faculdade aprendemos outras formas de manejar uma lavoura que não as
fases lunares.

e) Índio M. (coletado em sala de aula)

Na minha aldeia a lua é muito importante para as coisas que fazemos no cotidiano.
Plantar é na Lua Cheia. Mas para plantar tem que ter o dom natural para fazer isso, cresce
junto da gente. Nascemos com esse dom, e ele é despertado ao longo dos anos. Meu Pai,
por exemplo, é bom em feijão. Se ele pegar essa área aqui da sala de aula ele planta e
colhe bastante. Eu não daria conta, pois morreria tudo. Não sou bom para plantar feijão.
Meu filho é mandioca. Tudo mostra isso. Eu não, eu não sou bom para plantação. Nem
feijão nem mandioca. Sou bom para a pesca. Sou bom pescador.

f) Os povos Kisêdjê (literatura)

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Os Kisêdjê só aprenderam a cultivar quando um homem queimou a sua sogra, cuja


barriga estava cheia de comida: milho, mandioca, batatas. Seu neto estava com fome, e
ela expeliu massa de mandioca, e foram feitos bolinhos saborosos. Um dia pediu a filha
que mandasse o marido fazer uma roça, e para tanto colocou fogo no mato. A sogra
explodiu, e as plantas e sementes espalharam por toda parte. De cada parte do corpo da
ancestral surgiu uma planta diferente: da cabeças, vieram as cabaças; das pernas, milho;
dos pés, inhames. Essa origem produziu consequências para as práticas de cultivo atuais:
pessoas com pés pequenos não devem plantar inhames, pois não crescerão; mulher de
perna fina não deve plantar milho, e pessoas com cabelos enrolados são melhores
cultivadores de algodão. Assim, cada planta determina, por afinidade, quem é o plantador
de sua preferência. Os agricultores são conectados às plantas.
Uma indagação ficava diante dessas diversas concepções: Como promover esses
conteúdos em sala de aula? Conforme mencionamos, um passo significativo foi
organizar os saberes tradicionais indígenas e torná-los parte dos conteúdos das nossas
disciplinas. Motivados pela legislação vigente e pelos avanços teórico-conceituais da área
de investigação, percebemos que, para a valorização da cultura indígena, tínhamos que
colocá-la como integrante dos conteúdos disciplinares: a apresentação de várias formas
de cultivo dos alimentos e os fatores naturais e culturais que influenciam a produção de
alimentos. A partir das várias situações mencionadas anteriormente, distribuímos para
cada grupo de alunos um texto com um dos ítens mencionados acima. Eles teriam um
tempo para discutir e apresentar aquela forma de pensar a produção de alimentos e suas
influências, ampliando os seus argumentos. Após a apresentação em sala de aula, todos
debateriam as posições ali apresentadas ou outras novas que pudessem surgir. Devido ao
acirramento entre as posições da cultura indígena e da ciência manifestadas em sala, o
professor resolveu fazer um júri simulado sobre o assunto. Para tanto, dividiu a sala em
dois grupos, e cada um deles buscou mais informações sobre a temática. Os dados foram
coletados pela bolsista que acompanhava a turma naquelas aulas, e contou com o registro
por meio de vídeo do júri simulado em sala.
Neste caso específico foi grande a motivação da turma, principalmente por causa
de um dos excertos apresentados, que mencionava que “certas práticas não são
relevantes” e que as pessoas devem ser convencidas a mudarem de prática. Tal
compreensão promoveu verdadeiro debate em sala, onde se tornou explícito, naquele

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momento, a incompatibilidade e desencontros quando a cultura hegemônica tenta


inferiorizar o conhecimento advindo da experiência e dos saberes tradicionais. Devido ao
clima gestado, os argumentos utilizados alcançaram diversas dimensões: política, teórica,
legislativa e sociocultural.
Na avaliação final, diversos alunos elencaram o júri simulado como um momento
de ápice do curso, e mencionaram que “agora entendiam o que era interculturalidade”.
Um aspecto ficou claro: o estranhamento que sentimos diante dos costumes e concepções
de outros grupos e culturas. Vale a pena também resgatar algumas conclusões levantadas
pelos alunoa na avaliação da disciplina.
Um aluno, por exemplo, procurou inicialmente defnir os modos de conhecer: “O
saber científico está voltado para os conhecimentos da ciência ocidental, e trabalha com
fatos e evidências de diversos acontecimentos que estejam interligados com fatos
históricos, e baseados em suposições. O saber tradicional está voltado para a realidade do
nosso povo, pelas histórias contadas pelos mais velhos, pelas ciências e conhecimentos
de nossos antepassados”. Mostra-se bem interessante a conclusão a que chega: “de certa
forma os dois conhecimentos andam juntos, e é necessário aplica-los em nossa
comunidade, porém devemos aprimorá-los de acordo com a realidade de cada povo”.
Essa concepção é interessante, pois carrega a ideia de que “um conhecimento completa o
outro”. Se na visão etnocêntrica o conhecimento científico se mantém como hegemônico
pelo afastamento e silenciamento dos saberes tradicionais, ou vindos da experiência, na
concepção dos povos indígenas eles são diferentes, mas deve haver pontes que os
mantenham juntos, uma vez complementares.
Essa mesma visão é compartilhada na avaliação de outro aluno: “A domesticação
da tradição, ao se tratar desse assunto, de comparar o peso do conhecimento científico e
a ciência tradicional, entramos em constantes conflitos, pois para mim, integrante de uma
comunidade tradicional, visamos valorizar nossos saberes e conhecimentos tradicionais,
mas isso não quer dizer que descartamos os saberes científicos. Assim percebo que as
duas ciências podem se interagir, e construírem um novo conceito de visão de mundo,
onde cada um respeite suas especialidades e considera a importância de cada um em sua
história”. Temos assim, uma visão que associa a valorização e relativização dos saberes
sem a necessidade de um se impor sobre o outro.
Essa visão é ressaltada por outra aluna indígena, ao se referir ao saber de um povo
e a ciência: “Ambos os conceitos tendem a estar separados por conta dos opositores que

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defendem a ciência. Desde o princípio compreende-se que os seres humanos vivem em


sociedade, mas por mais que isso seja simplesmente visível ou vivenciado por alguns,
quando se trata dos conhecimentos citados acima, de alguma forma eles são separados,
para que apenas um prevaleça sobre outros. Infelizmente, muitos inferiorizam os
conhecimentos tradicionais para outros conhecimentos. A questão do que se diz progresso
ou avanço tecnológico exclui os saberes tradicionais (...) Um dia, uma parte da
humanidade sentirá não poder voltar atrás e ver o que perdeu por não aceitar ou unificar
os saberes tanto tradicional e científico que só poderia ajudar a humanidade, se bem
utilizado”.

CONCLUSÃO

Este texto apresenta uma discussão teórico-prática sobre a educação intercultural,


que ocorreu numa Disciplina do curso de FIEI/CVN, e que se refere às práticas de cultivo
e dimensões da vida cotidiana que afetam o manejo do solo e plantação. Vivemos um
desafio constante de criarmos práticas interculturais em contextos de sala de aula, de
maneira que cada povo indígena ali presente possa se ver representado e assim abrir-se
para o diálogo. De forma semelhante o docente e os bolsistas que acompanham a sala de
aula. Esperamos contribuir para uma melhor compreensão das situações de contato entre
os saberes tradicionais e o conhecimento científico para turmas específicas de formação
de professores indígenas, bem como possibilitar novas práticas pedagógicas para
introduzir a cultura indígena em escolas urbanas, não indígenas.
Situamos na linha de pensamento que valoriza o conhecimento científico e o
consideramos relevante para a sociedade, sem, no entanto, tratá-lo como o único tipo de
conhecimento importante, nem o melhor conhecimento dentre os vários conhecimentos
que circulam na sociedade. Segue-se aqui, a ideia de pluralismo epistemológico,
reconhecendo a variedade de formas de conhecimento, assim como as diferenças que eles
apresentam entre si (El-HANI; SEPÚLVEDA, 2006). O fato de o conhecimento científico
ser exclusivo, não confere à ciência qualquer privilégio com relação a outros domínios
do conhecimento. A ciência seria assim, propriamente privilegiada dentro do seu
domínio, pois é lá onde sua força reside.
Sobretudo, essas questões relacionadas a uma cultura que se cosnidera universal e
hegemônica sobre as outras imprime também a sua marca à seleção de conteúdos em

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nosso sistema educativo. Segundo Ana Laura Gutierrez (2014), temos um currículo que
gera desigualdade, além de incapacitar os alunos de compreenderem o mundo. Segundo
a autora (2014; p. 73-76), nas propostas no campo da educação a flexibilidade curricular
é pensada para abrir-se à diversidade regional e cultural, porém, na maioria dos casos, o
local acarreta pouco ou nenhum impacto sobre o global, uma vez que o local se
transforma em conhecimentos menores ou trampolim para se chegar à compreensão dos
conhecimentos ditos científicos ou universais. Nas discussões curriculares essas
articulações entre os conhecimentos são marcadas por relações de poder que competem
em torno de uma proposta educativa.
No estudo de caso que descrevemos neste texto dificilmente as visões diversas serão
resolvidas apenas pela sobreposição dos conhecimentos. São esses conhecimentos
tradicionais que, em conjunto com os conhecimentos acadêmicos, aparecem nas
disciplinas do curso FIEI e nas escolas indígenas. Perguntamos: Estamos fortalecendo o
conhecimento indígena? Como estamos dialogando com diferentes formas de
pensamento? Que escola os povos indígenas demandam na atualidade? O que é
específico de cada povo nessa demanda?
A questão central é saber se as atividades curriculares propostas deixam intacto ou
não o currículo hegemônico: estamos realmente contribuindo para a construção de uma
escola diferenciada? Seguindo com Ana Laura Gutierrez (2014), podemos pensar em três
situações. Uma primeira em que não há relação entre culturas, com a criação de um
currículo para todos e outro para os povos indígenas. Uma segunda situação implica em
conteúdos universais que são adaptados de acordo com o contexto, gerando uma
flexibilidade curricular com muita fragilidade. As diferenças são excluídas, pois o local
se converte em conhecimentos menores, que servem de trampolim para o conhecimento
cientifico universal. Por fim, a organização curricular tem como objetivo compreender a
realidade a partir de diversas óticas sociais e culturais: a diversidade obriga a pensar no
local, e a partir daí uma ideia de educação intercultural obriga a pensar no comum, no
nacional. E o mais difícil foi compreender, a partir dos exemplos e vivências, que também
nós, professores e bolsistas, estamos numa posição complexa, de quem se propõe um
diálogo horizontal entre os saberes tradicionais e o conhecimento científico e, ao mesmo
tempo, participamos da cultura hegemônica. Participar implica, muitas vezes, em
folclorizar a cultura do outro, e muitas vezes expressar certa ironia diante de cosmologias
e cosmogonias relacionadas às práticas sociais. Em nosso caso, os povos Kisêdjê

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(SOUZA, 2014) mantém relações de substância e corporal com as diversas formas do


plantar. Longe de ser apenas motivo de exclusão e riso, Jack Goody (2012) ressalta a
importância de que a separação entre o divino (transcendentalidade) e o natural possui
significado em nosso sistema de pensamento. O conflito entre conhecimento
transcendental e conhecimento empírico provavelmente está excluído na cultura desses
grupos indígenas.
Percebemos, sobretudo, que tanto nas escolas indígenas quanto não indígenas
podemos utilizar a metodologia descrita nesse trabalho para a criação e sustentação de
um diálogo intercultural. Metodologias que, de uma forma ou outra, contemple o
reconhecimento da diversidade cultural bem como o relativismo cultural.

REFERÊNCIAS

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tradição. São Paulo: Editora Livraria da Física (Coleção Contextos da Ciência).
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BRASIL: DECRETO Nº 6.861, DE 27 DE MAIO DE 2009. Dispõe sobre a educação
escolar indígena. define a sua organização em territórios etnoeducacionais. Diário
Oficial da União. Brasília, casa Civil, 2009.
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Diário Oficial da União, Seção 1, página 18.
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EU NO MUNDO: Educação Indígena e Sustentabilidade conversando com os


povos indígenas

Autora 1: Thaís Soares Gonzaga


Graduanda em Ciências Socioambientais – FAFICH – UFMG

E-mail: thaisgonzagacsa@gmail.com

Orientador: Juarez Melgaço Valadares

Faculdade de Educação da UFMG


E-mail: juarezm@ufmg.br

RESUMO
Desde a nossa primeira entrada no mundo estamos em constante aprendizado e interação
nesse universo que nos surpreende. Se o meio nos molda e nós moldamos o meio, como
a educação gira essa roda e atua nos entre-meios pelo o que ensinamos e aprendemos?
Como nós, indivíduos que sentem, pensam e agem estamos compondo o mundo? E então,
como os diferentes conheceres - conhecimento científico e conhecimento tradicional - se
complementam na compreensão desse todo? O que nosso entendimento do mundo diz
sobre nós mesmos? Para responder a essas indagações iremos refletir a partir da
apresentação das práticas de estágio elaboradas e desenvolvidas por Pataxós, Maxakalis
e Xacriabás na disciplina de Estágio Curricular da Formação Intercultural para
Educadores Indígenas (FIEI – UFMG). Propõe-se pensar de que maneira a educação
indígena e seus saberes tradicionais geram percepções de mundo integradas, capazes de
dialogar com outros conhecimentos e conferem mais sentido a conceitos como
sustentabilidade.

PALAVRAS-CHAVE:1. Educação Indígena; 2. Saberes tradicionais e científico; 3.


Sustentabilidade

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1. Introdução: Notas sobre perspectivas de mundo

O que fazemos nesse mundo enquanto o ocupamos diz muito sobre a forma com
que nos vemos nesse todo, sobre o que entendemos da nossa agência. A leitura dos fatos
depende do meu referencial, e se ignoro a possibilidade de haverem outros pontos de vista
estou transformando o mundo em um cenário a meu dispor. Como a educação está
relacionada a essa compreensão, do nosso estar, do nosso ser e da nossa integralidade?
Quando a esse mundo chegamos, desde nossa primeira casa - o útero - nossa
formação passa pelos estímulos que recebemos. Quando saímos do ambiente aquático da
placenta, nos deparamos então com um novo mundo apresentado, com novas pessoas,
sons, objetos, cheiros, sensações. Mas mesmo se não houvesse apresentação, nós,
enquanto seres pensantes e dotados de sentimentos, encarregaríamos de interpretar em
que terra os nossos pés pisam, o que esses olhos miram, o que nossa escuta compreende
e assim todas as várias novas informações que chegam a todo momento. Imagens,
texturas, temperaturas, gostos são armazenados pelo nosso corpo que opera em processos
ainda mais profundos: o que sinto enquanto descubro, como reajo ao entender o que vejo,
ao que me remete o toque na minha pele, o que meu coração diz enquanto estou em
silêncio ... são formulações que a cada instante - e simultaneamente - nosso corpo-mente-
espírito manifestam em resposta.
Não seria papel da educação nos ajudar a compreender e explorar essas dúvidas,
desde suas formulações, que podem alcançar respostas ou elaborar mais
questionamentos? sendo essas incertezas construções subjetivas, como entender o
funcionamento do todo pelas partes? Na educação escolar estamos interessados em
interagir com os indivíduos que são os novos agentes desse mundo e de seus próprios
turbilhões da mente-corpo-espírito ou ensinar conteúdos pré-definidos em raciocínios
lógicos pré-determinados?

2. A escola da ciência. A ciência da escola

O que aprendemos na escola? Enquanto uma forma de educar criada e


institucionalizada, o que se considerada sua função primeira incide na maneira com que

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nos enxergamos como seres humanos capazes de sonhar, na forma como nos colocamos
e agimos no mundo.
Na sociedade ocidental, o percurso de nossas compreensões pela lógica com que
operamos em nossa mente quando não seguem as diretrizes do conhecimento científico,
são por ele descritas, sendo esse ao mesmo tempo o que produz e o que valida as
percepções do mundo; do que é feito o universo, sua origem explosiva, a composição
mínima e microscópica da matéria, as teorias consideradas, os marcos históricos
conhecidos, a força geradora suprema do mundo, a fragmentação do tempo, a definição
de conceitos, os quadrantes (o certo e o errado, o bonito e o feio, o esquisito e o normal,
a mente e o corpo), em quais categorias analisar e até o nosso sonhar. A partilha dessas
percepções que são as partes e o todo do conhecimento científico, e do que carregamos
em nossa trajetória e formação de sujeitos se dá a todo o momento pelas interações mútuas
entre nós e o mundo mediatizados pelos outros.
Como espaço de grande importância nessa construção está a escola, definida como
o lugar de aprender e de ensinar. Entender seu funcionamento é entender o que sabemos
do mundo e demanda reconhecer o todo que a movimenta. Escola é o lugar de brincar,
ver os amigos, comer merenda, jogar, fazer fila, de ficar triste ou se alegrar. São espaços
de socialização e de aprendizagem. É onde se depositam as esperanças, os sonhos, onde
estão as preocupações e força das e dos professores, as limitações e vitórias da diretoria,
os livros consultados, os conteúdos estudados e onde trabalha inspetora, secretária,
zeladora, etc. Trata-se de um mundo complexo criado para ensinar sobre a complexidade
do mundo. Essa complexidade traçada por vários fios traz consigo a construção metódica
e controlada do conhecimento científico que é tecido para acompanhar a previsibilidade.
No século XX a ciência, sob a égide de neutralidade e a proposição de um método
único para se chegar ao conhecimento verdadeiro, instaurou uma demarcação, uma linha
fronteiriça com estes outros campos do conhecimento. Em sua construção metódica e
controlada, o conhecimento científico instaurou uma lógica hegemônica e impositiva.
Essa hegemonia se iniciou desde o período que marca a Revolução científica do
século XV, até meados do século XX, quando uma série de inovações marcaram a
sociedade ocidental, principalmente a Revolução Industrial e as duas guerras mundiais.
Essa nova forma de economia, em conjunto com mudanças culturais, permitiu à ciência
expandir seu corpo teórico para outras disciplinas. No século XX, portanto, a ciência
incorporou-se definitivamente ao funcionamento cotidiano da sociedade, com a cultura

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científica dominando a matriz simbólica dos povos ocidentais. E então, essa mesma
ciência ganhou forças a medida que conseguia mais domínio da ação que a legítima por
sua utilidade e eficácia na transformação do mundo. E o que existe do outro lado da linha
fronteiriça? Segundo Ivan Amaro (2016; p.110)

O que se vê do outro lado da linha é um conjunto de crenças,


opiniões, compreensões intuitivas que não são considerados
conhecimentos, por não serem científicos. Esses princípios que
definem as linhas abissais não desapareceram (...) que não
permite que outros saberes, outras vozes, outras histórias, outros
conhecimentos sejam reconhecidos e valorizados como
importantes para as sociedades.

Essas transformações provocadas pela ciência foram tão intensas, profundas e


rápidas que mesmo com a provisoriedade das teorias que tiveram uma marca humana, sua
credibilidade e influência ainda é central. Na produção dessa forma de
conhecer/descrever/interagir científica do mundo que busca respostas, verdades, e
controle do homem sobre todo resto traçaram orientações reducionistas que deslocaram
a diversidade das composições da realidade para uma visão única e linear. Assim, essa
naturalização da ciência em nosso cotidiano merece um arranjo teórico-metodológico de
maneira a torna-la visível, e simultaneamente despertar processos de codificação e
decodificação que levem a novas aprendizagens (FREIRE, 1982).
E então, reforça-se a ideia de que escolas, cursos, universidades (...) que estão
diretamente relacionadas com a forma com que vemos o mundo, e que na sociedade
ocidental moderna são predominantemente meras reprodutoras da ciência, são espaços
muito importantes para desconstruir essa bolha formada e se permitir pensar a partir de
outras lógicas de mundo, estar aberta para todas as explicações, teorias, mitos, crenças,
histórias que nasceram desse mundo e aqui se construíram. Sendo a ciência apenas uma
das formas de conhecimento, esta jamais deve ser colocada acima de outras, pensando
sobretudo no que sua hegemonia representa e impacta.
Essa discussão não ignora a complexidade do saber científico no mundo, daí a
necessidade de se formularem orientações para a complexidade e pelos processos de
transversalização interdisciplinar associados a ela (João Arriscado Nunes, 2006). Requer
então que o conhecimento seja orientado enquanto prática de não condução linear do
pensamento, sem cair na condução por determinados fatores e esses por determinações

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teóricas acerca dos processos históricos, tratando-se de um caminho em círculos cujas


formulações tentam se definir no quadro de opções de construção pré-determinadas e não
dão conta da potencialidade contida no âmbito do sentido, enquanto, por outro lado, as
orientações para a complexidade são formas de raciocínio capazes de abranger o sujeito
com a totalidade das suas faculdades (Immanuel Wallerstein, 2006).

3. Educação indígena

“el saber y el conocer en un mundo vivo y presente, no puede ser construido en


ausencia del cuerpo que es el escenario de la articulación (física-emocional-mental-
espiritual) de nuestro Ser-Conocer. Nos planteamos un Ser-Cuerpo que se construye
desde su comunidad y su mundo, por lo que se construye a si mismo desde su estar y
hacer en su territorio y en su vivir. Es en el Ser-Cuerpo donde
vive nuestra mente, que tiene lugar desde las emociones, la reflexión, la poética y el
espacio cognoscitivo de nuestra historia y experiencia de vida. El re-conocimiento de
esta ecología interior-exterior de nuestra mente, constituye el elemento fundamental
para una ecologización-planetarización del conocimiento. Es en este escenario donde
se produce y experiencia de instante e instante, desde mi individualidad-que-es-
comunidad-que-es-tierra, la vigilia epistemológica como fundamento operativo
Del re-aprendizaje transdisciplinario.”
(REHAAG TOBEY, Irmgard Maria, 2012, pág. 94)

Na produção do conhecimento científico, e em sua imposta supremacia, há forte


inferiorização dos saberes tradicionais, ainda que destes sejam formuladas as bases do
primeiro. Em seu modo operante inserida no sistema capitalista, a ciência construiu-se
como o saber que se vende, interessada na obtenção de lucros, e que, no interior de nossas
escolas, procura transmitir sua visão abstrata e universalizante. Enquanto conhecimento
que homogeneíza, tem como reflexo o distanciamento dos saberes escolares e os saberes
tradicionais.
Por outro lado, na visão dos povos indígenas, os saberes tradicionais são
construídos a partir da observação dos fenômenos, e por isso são práticos e importantes
para a vida cotidiana e para as práticas sociais que acontecem em seus territórios,

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enquanto o científico é aprendido na escola. Os dois são diferentes, mas um complementa


o outro, e devem existir lado a lado, sem um desmerecer o outro. Nessa concepção, o
saber tradicional é doado, é apresentado a todos, e todos tem o direito a ele.
Muito se escuta, de alguns povos indígenas, palavras sobre o parente-homem.
Porém também se escuta o parente-planta, o parente-bicho, o parente-protetor, enfim,
uma relação de proximidade e integração do indígena com a natureza e com as práticas
que ocorrem em seus territórios. Esses saberes e práticas, resultantes de cosmogonias e
observações dos fenômenos, são os conhecimentos tradicionais, perpassados pela
ancestralidade das experiências e transmitidos oralmente para as gerações mais novas.
Conforme mencionam Martins & Pinto (2016), para se fazer uma pequena derrubada da
mata e construir uma horta, e que para nós seria uma simples atividade econômica, para
os indígenas envolve uma série de cuidados de ordem sobrenatural, além de articular
contatos e obrigações sociais. Esses saberes populares foram cada vez mais perdendo
lugar para a ciência, diante da pretensa racionalidade e objetividade presentes naquele
saber.
Os conhecimentos indígenas são então caracterizados por integrar todos as
dimensões da vida, – educação-saúde-território-espiritualidade-...–, transmitidos
oralmente e aplicados em um contexto local em resposta a um problema específico
(George, 1999). Enquanto sabedoria coletiva, alternativa e relevante para o entendimento
e análise de vários problemas atuais (Grenier, 1998),a produção e a transmissão dos
saberes tradicionais ocorrem de forma integral. Perguntamos: se na resolução de seus
problemas os indígenas operam com seus saberes da tradição integrando os elementos da
realidade em toda a sua complexidade, o que aprendemos da natureza desta relação que
eles mantêm com o conhecimento?
Para respondermos a esta pergunta, acompanhamos a apresentação das atividades
da disciplina de Estágio do Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas
(FIEI) que ocorreu na Faculdade de Educação da UFMG (FaE-UFMG). Participaram do
estágio alunos de todas as áreas do curso: Ciências da Vida e da Natureza (CVN),
Ciências Sociais e Humanidades (CSH), Linguagem (LAL) e Matemática. A partir dos
relatos, refletimos sobre a integralidade da compreensão do homem e do mundo conforme
percebido pelos indígenas, que conecta escola com comunidade, saúde com território,
natureza e espiritualidade. As apresentações dos trabalhos pelos grupos do FIEI
mostraram a maneira com que a educação escolar indígena é construída em suas

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comunidades, pela presença de seus saberes comunitários, as suas relações com o


território e sentimentos de pertença e de identidade, e de que maneira sua atuação
harmônica e respeitosa na natureza constitui uma concepção de sustentabilidade que
possibilita compreender de que forma os indígenas se relacionam uns com os outros e
com a natureza.
Por um lado, o uso da sustentabilidade tem-se destacado nos debates e nos textos
públicos muito mais no campo da alienação e do discurso teórico do que incorporado na
prática da transformação da lógica desenvolvimentista dominante que tem gerado as
crises. Nestas situações, diferentes forças sociais lhe imprimem o significado que melhor
expresse seus valores e interesses particulares (Lima, 2003). Por outro lado, o uso do
termo “sustentabilidade” em outros contextos, como pelos indígenas, explicita o quanto
os princípios sustentáveis – que estão na preservação da natureza e na relação entre seres
humanos e o todo – fazem parte de suas ontologias (forma de composição do mundo,
maneira com que tais povos concebem as coisas, se relacionam com humanos e não-
humanos) e nos ensina uma outra dimensão da sustentabilidade.

3. Escola, comunidade e territórios sustentáveis

Temos como objetivo precípuo a problematização do conhecimento


científicouniversalizante, e apresentaras nossas leituras das percepções
tradicionaisconstam dos trabalhos do Seminário de Estágio. Trata-se, portanto, de refletir
sobre o seminário de apresentação dos trabalhos de Estágio Curricular dos indígenas que
estudam no FIEI. Inferimos que as concepções que permeiam estes trabalhos adentraram
diretamente o conceito desustentabilidadena dimensão que integra homem e natureza.
Divididos em grupos interdisciplinares (alunos das turmas de Ciências da Vida e
da Natureza, Ciências Humanas, Linguagem e Matemática), muitos projetos partiram das
discussões feitas em sala de aula sobre a importância da contextualização a partir de uma
abordagem que leve em consideração a investigação temática proposta por Paulo Freire
(1982).Tal abordagem potencializa aum aspecto essencial da teoria freireana que é a não
dissociação entre método e conteúdo.
Nas apresentações, 16 grupos expuseram seus trabalhos de estágio realizados nas
respectivas aldeias de Minas Gerais e Bahia. Enquanto projetos práticos, de ações e

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intervenções nas escolas, os temas eram integrados a outros aspectos da vida cotidiana da
comunidade local, e utilizavam os saberes tradicionais e o conhecimento científico de
forma horizontalizada e simultaneamente, legitimavam ambos os saberes. Conforme
mencionamos, as discussões apresentadas incluíam a concepção de sustentabilidade não
pertencente às lógicas construídas pela sociedade ocidental moderna: a) valorização,
preservação e transmissão de suas culturas; b) conservação de seus recursos naturais para
as próximas gerações, propiciando o manejo que vem do reconhecimento do seu
território; c) diminuição de conflitos socioambientais; d) auto-suficiência alimentar; e)
participação da comunidade nos projetos; f) convivência harmoniosa das tradições
médicas e alimentares com as práticas atuais (Toledo, 1996).
Esses tópicos foram abordados a partir da abrangência da sustentabilidade por eles
apresentada, que em nossa visão, desconstrói a lógica capitalista da sociedade ocidental
moderna. Essa relação de ruptura do homem com o meio ambiente se deu a partir da
lógica binária e cartesiana historicamente construída, instaurandorelações de poder e
dominação.Ao contrário, a lógica que percebemos nos trabalhos mostram que somos
igualmente parte (como as árvores, os animais, as águas) do universo. Com isso, a
compreensão da sustentabilidade permite analisar a forma com que nós seres humanos
nos relacionamos com uns com os outros e com a natureza.
Primeiramente, no que se refere à produção de lixo, todos tem a certeza que a
chegada da energia elétrica e a chegada de alimentos com papéis, em caixas, congelados,
pipocas, dentre outros, transformou a vida na comunidade. Com a existência das roças, o
mercado era pouco procurado. A chegada da energia levou a menos roça, mais consumo
e mais lixo. Um outro trabalho de formação começa a ser pensado nas aldeias.
Dessa forma, percebeu-se a partir das apresentações dos trabalhos que as
percepções de sustentabilidade por eles apresentadas compartilham da preocupação com
a saúde da terra.A preocupação com o lixo, presente nos projetos “Impacto do lixo no
território Xacriabá na Aldeia Peruaçu”, Lixo na Aldeia Velha Pataxó (Ba), permitiu a
realização de atividades de mutirão de limpeza e discussão sobre os materiais descartados.
O que mobiliza a comunidade e a escola é o fato de que o impacto do lixo é responsável
pela contaminação e enfraquecimento da terra, uma vez que “os ambientes cheios de lixo
deixam os espíritos fracos” (Kanatyo, liderança da Aldeia Pataxoop de MuãMimatxi).
Nessa visão de mundo, o lixo tem também poder de ação, pois é visto como espírito do
mal. Assim, o lixo nas aldeias é destacado por atuar desarmonicamente no ambiente,

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sendo as relações harmônicas de pertencimento com a natureza que constitui a ética


ambiental dos povos indígenas.Preocupados com a preservação de seus recursos,
consideram que a “terra curada é terra com saúde” e então seus povos “terão saúde para
sempre”.
Nessa caminhada passamos a compreender melhor a frase “Devemos ter um pé
na aldeia, e o outro pé no mundo”. Ela designa os elementos de mediação que se tornam
necessários de ocorrerem para sairmos das dualidades: conhecimento científico x saberes
tradicionais, local x global, verdadeiro x falso, enfim, uma aldeia em que “todo local é
espaço da escola”, isto é, escola e aldeia são integradas. Não se sabe quando se está
brincando ou tendo aula no espaço externo à escola, e vice-versa. Segundo
KanatyoPataxoop, “temos uma prática pedagógica com a terra”.
Em todos os trabalhos foi acentuada a importância das experiências comunitárias,
e que os processos sejam abertos e convidativos para o envolvimento da comunidade.
Nessa articulação, destaca-se a maneira com os trabalhos se desenvolveram a partir de
conjuntos de elementos locais disponíveis. Muitos trabalhos se voltaram para a realidade
local não apenas para as denúncias, mas anunciando formas e propostas de intervenção,
tais como os mutirões de limpeza do mangue, confecção de brinquedos a partir de
materiais reciclados, construção de hortas nas escolas. Chama a atenção que,
diferentemente dos estágios de escolas não-indígenas, em que normalmente existe uma
série específica para determinados conteúdos, aqui a escola como um todo, ou um grupo
de docentes assumem o trabalho de estágio em conjunto com o graduando do FIEI. Esse
compartilhamento gera não apenas uma interdisciplinaridade como uma visão integrada
dos assuntos, e evidencia uma visão sistêmica pela junção de vários aspectos da vida
escolar e das práticas sociais da comunidade. Conceitos mais abrangentes como território,
cultura, meio-ambiente, se articulam com educação, matemática, história e os indivíduos
que são comunidade que são terra, e que compõem a complexidade do pensamento
indígena.

A abordagem da temática “Água” mostra claramente a importância que dão a


fazer respeitar os bens que possuem em seus territórios. Inicialmente reconhecem que a
escassez da água é devido à ação do homem, conforme mencionam os alunos do grupo
“Escassez da Água na Aldeia Brejo Mata Fome”, do povo indígena Xakriabá. Neste
trabalho mostram claramente a compreensão que possuem das interações entre o local de

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o global, e os limites decorrentes de um projeto de intervenção. Sabem queo


desmatamento e a poluição provocam a escassez de água, mas a tomada de consciência
ocorre pela necessidade do uso consciente e pelo reaproveitamento da água no dia a dia
da aldeia. Nesse sentido que entendemos a fala de que o “território é o local de luta, e
também de uma resistência”. Assim, com a falta de água e da terra a população vive
rotineiramente seus desafios de cuidar do território: “plantação e desenvolvimento das
plantas em todos os lugares perto das nascentes, beira de água, porque aí ajuda o meio
ambiente”. Porém, também chama a nossa atenção para as forças que atuam na natureza:
a) “desenvolvimento das plantas em todos os lugares, perto das nascentes, beira de água,
formatação das matas ciliares, porque ajuda o meio ambiente. Porém, a vivência de
situações visa, sobretudo, incorporar a proteção da terra e ampliar a capacidade de atuação
da comunidade. Por sua vez, tal visão leva também a impasses importantes, mencionados
por alunos do povo Xakriabá sobre a falta de água: reconhecem a importância da horta,
do alimento orgânico mas “hoje é água encanada, então se todo mundo plantar um
canteirinho vai faltar água”.

Mas e o professor, como dar conta dos imprevistos e contingências desse


cotidiano? O que fornece sentido é a experiência comum, na qual os professores se
engajam juntos, com a comunidade, e implicado em relações recíprocas, no
descobrimento daquilo que, em sua história singular, provém de processos e de
significações comuns, institucionais. Traça, sobretudo, os contornos de uma identidade
singular, e também coletiva. História comum, que não é o resultado da produção de um
discurso de verdade, mas construção de significações, a partir de uma elaboração
individual e compartilhada.

CONCLUSÕES PRELIMINARES

Não podemos compreender a totalidade da maneira de viver dos povos indígenas


a partir de nossa forma de entender a realidade, fragmentando o todo em suas partes.
Segundo Martins & Pinto (2016; p. 172), “uma maneira de entrar no universo de cada um
desses povos ´de buscar as relações que eles fazem entre a natureza, o mundo
sobrenatural, as estratégias de sobrevivência, o conhecimento e tudo que envolve a
sociedade”. Longe de criar estereótipos ou visões românticas a partir dessas
transcendências, compreender que ali surgem os mitos e as cosmogonias que indicam as
suas representações e formas de classificação de mundo. Ali onde aparentemente seria as

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fraquezas e “motivos de risos” do ser e fazer dos povos indígenas é onde se mostra toda
a sua força e coletividade. Decorre daí a importância de se compreender, a partir dessa
leitura de mundo, a concepção que possuem do conceito de sustentabilidade, e como este
conceito se manifesta em seus projetos educacionais, e suas interlocuções com a vida
comunitária.

Podemos afirmar que o currículo escolar, como construção cultural, pode se tornar
um mecanismo eficiente para que novas metodologias, novos enfoques epistemológicos
e propostas de intervenção junto às comunidades locais se constituam como força
alternativa ao pensamento da sociedade capitalista na atualidade. Neste trabalho
buscamos, a partir das atividades de estágio desenvolvidas pelos grupos de alunos do
FIEI, não apenas críticas ao modo de ser individualista dos sujeitos urbanos, mas como
podemos modificar as práticas pedagógicas que formam não apenas os alunos indígenas,
mas também as nossas crianças e adolescentes das cidades. Historicamente, a visibilidade
do conhecimento científico se deu mediante a invisibilidade dos saberes tradicionais, de
maneira que se nega não apenas a capacidade do outro em produzir saberes, mas a própria
negação do outro como sujeito humano, inclusive na escola (FREIRE, 1982). Os estágios
mostraram exatamente o contrário: é possível pensar de outro modo, com a valorização
de outros conhecimentos e saberes, o que não implica a desvalorização do conhecimento
científico. Quanto a este aspecto, os trabalhos escolares dos povos indígenas mostram a
importância da integração de todos os saberes para a vida cotidiana, sendo um
complementar ao outro. Contrapõem, nessa visão, a uma dominação econômica, social,
política e também epistêmica. Nesse sentido que devemos compreender os indígenas da
aldeia de MuâMimatxi, quando dizem que a produção e manutenção da horta implica no
reforço da ciência indígena. Como elemento de intermediação entre a escola e o território
como um todo, o cultivo da horta se apresenta em todos as dimensões: teórico-conceitual,
sociocultural e político. E pela presença da força da natureza.

No que se refere a este último aspecto, o estudo da horta, em seus diversos


componentes curriculares, matemática, português, ciências, artes e territórios, conta
também com os animais e protetores da floresta. Assim, os saberes tradicionais estão além
do verdadeiro e do falso, do certo ou do errado, e operam em locais nos quais os
processosde socialização se transformam em aprendizagem.

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Por fim, cabe ainda ressaltar os diversos saberes presentes em cada projeto de
estágio apresentado. Mais do que conteúdos de disciplinas, a proposição de eixos
temáticos pelos próprios grupos mostra um olhar de totalidade sobre os fenômenos a
serem trabalhados. Ressaltamos, ainda, a participação de lideranças locais no ajuste
curricular para atender os graduandos, o envolvimento efetivo de coordenadores
pedagógicos das escolas que transformaram o currículo, e as vivências de atividades além
dos muros da escola, com os alunos criando e participando de intervenções junto às
comunidades escolares.

Essa visão contradiz o modelo de uma escola republicana, que se apoia sobre o
princípio da universalidade, levando à cassação da subjetividade. Segundo Giust-
Desprairies (2011; p. 142), modelo cultural republicano da Escola acredita que os
homens, através da instrução, ganham em racionalidade e chegam ao saber, o que os torna
seres livres para decidir. Mas disso fica excluído o conhecimento de si mesmo como fonte
de desenvolvimento. Ao contrário, o trabalho de subjetivação restitui mobilidade a uma
construção identitária profissional que não constitui mais, nos dias de hoje, um
escoramento interno suficiente para sustentar a atividade docente. Abre para a capacidade
de suportar melhor a existência de relações provisórias, abertas, reconduzidas entre
identidade subjetiva, atividade profissional e pertença institucional.

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