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GRAMSCI – A ORGANIZAÇÃO DA CULTURA

A Formação dos Intelectuais:


-intelectuais são um grupo autônomo e independente ou cada grupo social possui sua
classe de intelectuais? (p.3)
-2 processos históricos de formação dos intelectuais: a) cada grupo social cria para si, de
um modo orgânico, uma camada de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência
da própria função (ex: empresários detém este poder técnico e intelectual ao mesmo
tempo; os senhores feudais tbm o tinham, quando o perdem o feudalismo entra em crise),
“a massa dos camponeses, ainda que desenvolva uma função essencial no mundo da
produção, não elabora seus próprios intelectuais “orgânicos” e não “assimila” nenhuma
camada de intelectuais “tradicionais”’ (p.4); b) os grupos sociais novos encontram
categorias intelectuais preexistentes. A mais típica destas é dos eclesiásticos, ligada
organicamente à aristocracia fundiária (p.5)
- estes intelectuais acreditam-se independentes do grupo social > filosofia idealista pode
ser relacionada com esta utopia social (ex: padres acham que estão mais ligados à Deus
do que ao Estado) (p.6)
-mas, o que define a intelectualidade? O erro é buscar o que distingue os intelectuais, ao
invés de procurar no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades se
encontram (ex: ñ é o trabalho manual que define o operário, mas por este trabalho estar
inserido em uma série de relações sociais) > “todos os homens são intelectuais, poder-se-
ia dizer então: mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de
intelectuais” (diz respeito à função social da categoria profissional dos intelectuais) (p.7)
- não se pode separar o homo faber do homo sapiens > todo homem, fora de sua profissão,
desenvolve uma atividade intelectual, é um filósofo e possui uma concepção de mundo
(p.7 e 8)
-“o problema da criação de uma nova camada intelectual, portanto, consiste em elaborar
criticamente a atividade intelectual que existe em cada um em determinado grau de
desenvolvimento, modificando sua relação com o esforço muscular-nervoso no sentido
de um novo equilíbrio e conseguindo-se que o próprio esforço muscular-nervoso,
enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inova continuamente o mundo
físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção de mundo” (p.8)
> o novo intelectual tem de imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor,
organizador permanente: ir da técnica-trabalho à técnica-ciência e à concepção humanista
histórica, superando o especialista e tornando-se dirigente (p.8)
- o desenvolvimento da escola indica a importância assumida no mundo moderno pelas
categorias e funções intelectuais > ao mesmo tempo buscou-se aprofundar a
intelectualidade do indivíduo e especializá-la (p.9)
- “a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A
complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida
pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização” (p.9)
- a elaboração das camadas intelectuais não ocorre num terreno democrático abstrato, mas
em processos históricos muito concretos > existem camadas que tradicionalmente
produzem intelectuais: “a diversa distribuição dos diversos tipos de escola (clássicas e
profissionais) no território “econômico” e as diversas aspirações das várias categorias
destas camadas determinam, ou dão forma, à produção dos diversos ramos de
especialização intelectual” (p.10)
- a relação entre intelectuais e o mundo da produção não é imediata, ela é mediatizada
pelo contexto social/ conjunto de superestruturas do qual os intelectuais são os
funcionários (p.10)
- 2 “planos” superestruturais: a) sociedade civil (“privados); b) sociedade política ou
Estado (ao qual corresponde à função de hegemonia) > são funções organizativas e
conectivas: “os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das
funções subalternas da hegemonia e do governo político”. Elas são responsáveis tanto
pelo consenso espontâneo, quanto do aparato de coerção estatal que assegura
“legalmente” a disciplina dos grupos que não consentem (p.11)
- ampliação da noção de intelectual necessária para alcançar a realidade (p.11) > atividade
intelectual diferenciada hierarquicamente: no mais alto grau, os criadores da ciência, no
mais baixo os administradores e divulgadores (p.11)
- “foram elaboradas, pelo sistema social democrático-burguês, imponentes massas de
intelectuais, nem todas justificadas pelas necessidades sociais da produção, ainda que
justificadas pelas necessidades políticas do grupo fundamental dominante” (p.12)
- intelectual urbano X intelectual rural: o primeiro é ligado às vicissitudes da indústria,
são bastante estandardizados e confundem-se com o estado-maior industrial, não exercem
função política sobre suas massas instrumentais (p.12); os rurais são mais “tradicionais”,
estão ligados à massa camponesa e pequeno-burguesa – possuem uma ampla função
social, a mediação social não se separa da mediação política. Eles possuem um alto status
ao qual os camponeses almejam (ex: querem sempre ter um filho padre), “não se
compreende nada da vida coletiva dos camponeses, bem como dos germes e fermentos
de desenvolvimento aí existentes, se não se levam em consideração, se não se estuda
concretamente e não se aprofunda esta subordinação efetiva aos intelectuais: todo
desenvolvimento orgânico das massas camponesas, até um certo ponto, está ligado aos
movimentos dos intelectuais e dele depende” (p.13)
- como o partido político insere-se nessa discussão? 2 adendos: p/ alguns grupos, o partido
político já não é a maneira pela qual os intelectuais orgânicos são formados? O partido
funciona, p/ todos na sociedade civil, como o Estado na sociedade política: ele funde os
intelectuais orgânicos do grupo dominante e os intelectuais tradicionais (p.14) > um
intelectual que faz parte do partido político de um grupo confunde-se c/ os intelectuais
orgânicos do próprio grupo (p.14)
-todos os membros de um partido político devem ser considerados intelectuais – isso por
causa da função organizativa, educativa, intelectual de um grupo (ex: um metalúrgico ñ
entra em um partido p/ ser metalúrgico, p/ isso existem os sindicatos) (p.15)
-análise histórica da formação dos intelectuais tradicionais (p.15-23)

A organização da escola e da cultura:


-alto nível de especialização da ciência moderna; tendência a criar um elevado grupo de
especialistas que ensinam nessas escolas > diferente da escola humanista (p.117)
-um dos motivos da crise da educação é essa escola particularizada estar organizada de
maneira caótica (p.118)
-antes: escola profissional (classes técnicas) X escolas clássicas (intelectuais); hoje: a
tendência é abolir qualquer escola desinteressada e formativa, ou deixa-las apenas para a
elite (p.118)
“a crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única
inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o
desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente,
industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo
de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á
a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo” (p.118)
-da mesma forma, cada atividade intelectual tende a criar círculos próprios de cultura que
assumem a função de instituições pós-escolares especializadas (p.119); órgãos
deliberativos: dividem-se entre os técnicos e os especialistas, que analisam
cientificamente as resoluções >> criou um corpo burocrático de “desinteressados,
voluntários” (p.119)
-necessidade de mudar o pessoal técnico político: o dirigente político precisa ter um
mínimo de cultura geral que lhe permita julgar as soluções projetas pelos especialistas
(p.119-120)
-taylorização do trabalho intelectual: estratificação das capacidades e hábitos, formação
de grupos de trabalho sob a direção dos mais aptos que aceleram a preparação (p.121)
-sobre a escola humanitária e a questão da idade: “a escola humanitária ou de formação
humanista (...) ou de cultura geral deveria se propor a tarefa de inserir os jovens na
atividade social, depois de te-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à
criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa” (p.121)
-o Estado deveria garantir a manutenção dos escolares, tudo deveria tornar-se público;
aumento do corpo docente (p.121)
-escola unitária = período das escolas primárias e médias hoje: 3-4 anos p/ instrução
elementar, direitos e deveres + outros 6 anos (p.122)
-sobre alunos das classes médias urbanas terem na escola uma formação já complementar
daquilo que aprendem em casa > à escola unitária caberia aprofundar isso e mais: criar
uma rede de auxílios à infância (p.123)
-problema: hoje se salta muito rápido da escola de quantidade (foco na memória) à
qualidade (desenvolvimento das atividades criativas). Tudo isso ocorrendo logo em
seguida à crise da puberdade (p.123)
-última fase da escola unitária: criação de valores fundamentais do “humanismo”,
autodisciplina intelectual e autonomia moral p/ uma especialização > a escola, e não a
universidade, deve cuidar desse ensino dos métodos criativos da ciência (p.124)
-é uma escola ativa, mas que ainda responsabiliza os adultos pela formação das crianças
> escola criadora como coroamento da escola ativa (p.124) / ñ é uma escola de inventores,
mas sim indica uma fase e um método de investigação e de conhecimento (professor como
guia amigável) (p.124)
“o advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual
e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda vida social. O princípio unitário,
por isso, refletir-se-á em todos os organismos de cultura, transformando-os e
emprestando-lhes um novo conteúdo” (p.125)
-academias: ridicularizadas por serem como “torres de marfim” > neste novo contexto,
elas deverão se tornar a organização cultural dos elementos que, depois da escola unitária,
passarão p/ o trabalho profissional (p.125)
-a organização acadêmica deverá ser reorganizada e vivificada de cima para baixo:
possuirá centros nacionais, regionais e provinciais; será dividida por especializações
(p.126)
“a finalidade consiste em obter uma centralização e um impulso da cultura nacional que
fossem superiores aos da Igreja Católica” (p.127)

Para a Investigação do Princípio Educativo:


-sobre a separação entre a escola elementar e média, por um lado, e a superior, por outro
(reforma Gentile) (p.129)
-sobre escolas elementares: “a escola, mediante o que ensina, luta contra o folclore, contra
todas as sedimentações tradicionais de concepções de mundo, a fim de difundir uma
concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela
aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde, às quais é
preciso adaptar-se para dominá-las, bem como de leis civis e estatais que são produto de
uma atividade humana estabelecidas pelo homem e podem ser por ele modificadas
visando a seu desenvolvimento coletivo; a lei civil e estatal organiza os homens do modo
historicamente mais adequado à dominação das leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil
o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na
vida da natureza, visando transformá-la e socializa-la cada vez mais profunda e
extensamente” > escola organizada em cima do conceito de trabalho: o conceito e o fato
do trabalho são os princípios educativos imanentes à escola elementar (p.130)
- o conceito do equilíbrio entre ordem social e natural sobre o fundamento do trabalho
(atividade teórico-prática dos homens) cria os primeiros elementos p/ o desenvolvimento
de uma concepção histórico-dialética do mundo p/ a compreensão do movimento e do
devenir (p.130)
- instrução pode ser igualmente educação, a pedagogia errou nessa distinção: o estudante
então é um recipiente mecânico? Não. Críticas ao foco das novas pedagogias voltarem-
se p/ a autonomia do aluno apenas > O certo se torna verdadeiro na consciência da criança,
a qual seria o reflexo da fração de sociedade civil da qual participa e das suas relações
sociais. Deixou-se de existir uma relação entre instrução/educação pq não existe relação
entre escola/vida. Cabe ao professor se dar conta disso, o trabalho vivo do professor que
é capaz de relacionar educação-instrução, caso contrário teremos uma escola puramente
retórica (p.131)
-isso está muito enraizado na escola média: aluno deixou de perceber o significado de
aprender filosofia, e passou só a decorar fórmulas (p.132)
-um professor medíocre torna os alunos instruídos, mas não cultos: ele saberá desenvolver
a capacidade mecânica da escola (p.132)
-a crise da escola é marcada pela separação dela e da vida (p.132)
-a ativa participação do aluno só vai ser retomada quando a escola tiver relação com a
vida. Quanto mais se falar acerca da atividade do discente e sobre sua operosa colaboração
com o trabalho do docente, mais a ideia de passividade do primeiro vai continuar
impregnada (p.133)
- na velha escola, o estudo das línguas (latim e grego), literatura e história era um princípio
educativo pq não se buscava formar um profissional, mas sim o desenvolvimento da
personalidade e a formação do caráter através da absorção e da assimilação de todo o
passado cultural da Europa (p.133)
-sobre treinar o trabalho intelectual e a repetição mecânica ser necessário, como um hábito
a ser adquirido (p.133)
-na escola formativa, a maior parte do estudo deve ser desinteressado, sem finalidades
práticas imediatas: deve ser formativo, ainda que instrutivo (p.136)
-a escola moderna se pinta de democrática, mas na verdade é bastante elitista; pelo
contrário a escola oligárquica não era pelo seu modo de ensino, mas sim por a quem se
destinava (p.136)
“não é a aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência a formar homens superiores
que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada
grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes grupos uma
determinada função tradicional, diretiva ou instrumental. Se se quer destruir esta trama,
portanto, deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional,
criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar-média) que
conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional” (p.136)
-a multiplicação das escolar profissionais eterniza as diferenças, como faz isso pelas
estratificações internas, dá a impressão de ser democrática (p.137)
-a tendência democrática não pode ser apenas a qualificação do operário, mas criar
condições para que cada cidadão possa ser governante (p.137)
-a nova pedagogia quis destruir o dogmatismo e o criticismo-historicismo no campo da
instrução/aprendizagem de noções concretas, só que ela é obrigada a ver esse dogmatismo
no campo da religião (p.137) > a filosofia descritiva e definidora pode ser uma abstração
dogmática, mas é uma necessidade pedagógica (p.138)
-um sistema de medição é uma abstração, mas é impossível produzir objetos reais sem a
medição, objetos reais que são relações sociais e que contém ideia implícitas (p.138)
“deve-se procurar fazer com que ela só se fatigue quando for indispensável e não
inutilmente; mas é igualmente certo que será sempre necessário que ela se fatigue a fim
de aprender e que se obrigue a privações e limitações do movimento físico, isto é, que se
submeta a um tirocínio psicofísico” (p.138)
-estudo é um trabalho fatigante, com um tirocínio particular próprio, muscular-nervoso e
intelectual: processo de adaptação, hábito adquirido com esforço, aborrecimento e
sofrimento > por isso, se pensa que os ricos se adaptam melhor a escola e que o ensino
para os pobres deve ser facilitado. Na realidade, é tudo uma questão de costume (p.139)

Notas esparsas:
-investiga o princípio educativo das pedagogias modernas > na Suíça, seguiram a escola
de Rousseau, mas ignoraram que ele estava falando contra os jesuítas (“espontaneidade”
do estudante = evolução; na verdade, toda geração educa a outra – a educação é uma
forma de superar os instintos biológicos, luta contra a natureza p/ formar o homem de sua
época (p.142)
-Pedagogia mecanicista e idealista de Labriola > mecanicismo bastante empírico e
próximo do evolucionismo; achava ok escravizar alguém p/ educa-lo, a fim de que mais
tarde este pudesse libertar-se por conta (p.143 e 144)
-universidades: tem função de educar os cérebros p/ pensar de modo claro, seguro e
pessoal – a disciplina universitária deve ser considerada como um tipo de disciplina para
a formação intelectual, realizável tbm em instituições ñ universitária (p. 145 – 146)
- críticas à universidade italiana; ao fato dos professores estarem desconectados dos
alunos e não serem verdadeiros orientadores (p.146 – 147)
- “além da escola, nos vários níveis, que outros serviços não podem ser deixados à
inciativa privada, mas – numa sociedade moderna – devem ser assegurados pelo Estado
e pelas entidades locais (comunas e provinciais)? O teatro, as bibliotecas, os museus de
vários tipos, as pinacotecas, os jardins zoológicos, os hortos florestais, etc. É preciso fazer
uma lista de instituições que devem ser consideradas de utilidade para a instrução e a
cultura públicas e que são consideradas como tais numa série de Estados, instituições que
não poderiam ser acessíveis ao grande público” (p.152)
-beneficência é paternalismo; serviços intelectuais é elemento de hegemonia e
democracia (p.153)

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