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GUSTAVO CASTAÑON

FUNDAMENTOS
FILOSÓFICOS DO
COGNITIVISMO

2007
2
SUMÁRIO

Introdução 05

1. Ciências Cognitivas: A Psicologia forçada a progredir 07


1.1 Antecedentes psicológicos do Cognitivsmo 10
1.2 Psicologia Cognitiva e o contexto de seu surgimento 15
1.2.1 A paralisia psicológica que propiciou a invasão 16
1.2.2 O Surgimento do Racionalismo Crítico 17
1.3 Avanços científicos que propiciaram a Psicologia Cognitiva 23
1.3.1 O Advento do Computador 24
1.3.2 A Teoria da Informação e a Cibernética 26
1.3.3 As Novas Teorias da Neurociência e da Neuropsicologia 32
1.3.4 A Gramática Transformacional de Noam Chomsky 34
1.4 Ciência Cognitiva hoje 39

2. Psicologia Cognitiva e Ontologia 42


2.1 Pressupostos Ontológicos da Psicologia Cognitiva 43
2.1.1 Cognitivismo e Realismo 43
2.1.2 Cognitivismo e Determinismo 44
2.2 O Objeto da Psicologia Cognitiva 48
2.2.1 O que é cognição? O problema da representação mental 49
2.2.2 A Psicologia estuda indivíduos: solipsismo metodológico 54
2.2.3 Outras características especiais de seu objeto de estudo 59
2.2.4 Áreas de estudo da Psicologia Cognitiva 61
2.3 A Imagem de Ser Humano no Cognitivismo 62
2.3.1 O ser humano é dotado de consciência 63
2.3.2 O ser humano é ativo 63
2.3.3 O ser humano é movido por causas e razões 64
2.3.4 O ser humano é orientado a metas 65
2.3.5 O ser humano é um processador de informação 65
2.3.6 O ser humano processa através de regras 66
2.3.7 O ser humano possui um inconsciente cognitivo 66
2.3.8 O ser humano constrói as regras que regem sua cognição 67
2.3.9 O ser humano possui tendências inatas 68
2.3.10 O ser humano reage a significados atribuídos 69
2.3.11 No ser humano emoções atuam através de cognições 71
2.3.12 O Ser humano é também epistemicamente motivado 72
2.4 A Psicologia Cognitiva e o Problema Mente-corpo 74

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3. Psicologia Cognitiva e Epistemologia 86
3.1 Pressupostos Epistemológicos da Psicologia Cognitiva 87
3.1.1 Construtivismo: a nova posição acerca do conhecimento 88
3.1.2 Racionalismo, Construtivismo e Inatismo 95
3.2 Cognitivismo e Racionalismo Crítico 101
3.2.1 Racionalismo Crítico, Inatismo e Construtivismo 101
3.2.2 O Racionalismo Crítico implícito do Cognitivismo 109
3.2.3 Racionalismo Crítico e o método de pesquisa cognitiva 112
3.3 A explicação psicológica no Cognitivismo 113
3.4 A circularidade da investigação científica cognitiva 125

4. Psicologia Cognitiva e Metodologia 133


4.1 A Natureza Integrativa da Pesquisa em Psicologia Cognitiva 134
4.2 O Processo Geral de Pesquisa Científica da Psicologia Cognitiva 135
4.3 Métodos Descritivos e Psicologia Cognitiva 137
4.3.1 Estudo de Casos e Psicologia Cognitiva 139
4.3.2 Auto-relatos e Psicologia Cognitiva 146
4.4 Métodos Construtivos e Psicologia Cognitiva 150
4.4.1 Simulação Computadorizada e Psicologia Cognitiva 151
4.5 Métodos Experimentais e Psicologia Cognitiva 155

5. Conclusão 163

Bibliografia 167

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INTRODUÇÃO

Este livro tem como objetivo a explicitação dos


fundamentos filosóficos do Cognitivismo como movimento e da
Psicologia Cognitiva como disciplina científica. Paralelamente,
ele busca avaliar como esta abordagem da Psicologia tenta
superar os obstáculos colocados pela tradição filosófica e
científica à constituição da Psicologia como ciência moderna.
A questão dos pressupostos ontológicos, antropológicos
e epistemológicos das teorias psicológicas é muito negligencia-
da, algumas vezes por ignorância sobre quais são estes, outras
por ignorância sobre a própria existência destes problemas
fundamentais. Todavia, uma vez que abordagens como a
Psicanálise e o Behaviorismo se popularizaram há quase um
século, muitos livros, inclusive alguns livros-texto populares de
História da Psicologia e de sistemas psicológicos, discutem
alguns dos fundamentos filosóficos e epistemológicos destas
correntes. Já sobre os fundamentos filosóficos do Cognitivismo,
corrente hegemônica na Psicologia contemporânea, berço de
sub-correntes como a Psicologia Evolucionista e a Psicologia
Positiva, pouco se fala e menos se publica. Temos pouco acesso
a reflexões dedicadas a seus pressupostos sobre a realidade, sua
visão de objeto de estudo, suas crenças quanto à obtenção de

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conhecimento e métodos de investigação e teste, e menos ainda
a sua visão implicitamente assumida sobre o ser humano. É por
isso portanto, que elaborei este trabalho.
Seu primeiro capítulo é uma contextualização histórica
do surgimento desta abordagem, interpretada aqui como um
atropelamento sofrido pela Psicologia do meio do século por
outras disciplinas que, sem renunciar ao método científico,
ultrapassaram suas fronteiras obrigando-a a uma reação. Nos
três capítulos seguintes serão expostos, com base em textos de
alguns dos autores mais representativos do Cognitivismo, os
pressupostos e posições ontológicas, epistemológicas e
metodológicas desta abordagem. No capítulo dedicado a seu
posicionamento ontológico, destacam-se os problemas da
definição de objeto, da imagem de homem defendida pelo
movimento e da posição cognitivista em relação ao problema
mente-corpo. No capítulo dedicado à epistemologia, dá-se
ênfase à compatibilidade do Cognitivismo com o Racionalismo
Crítico e ao problema da relação construtivismo-inatismo. No
capítulo metodológico, dá-se ênfase à suas técnicas inovadoras
de pesquisa, como o protocolo verbal, os experimentos com PET
e a simulação computadorizada.
Apresento portanto esta obra, esperando que ela possa
ajudar todos aqueles que querem entender melhor as crenças
filosóficas acerca do ser humano, da realidade e do
conhecimento assumidas pela mais influente abordagem
psicológica de nosso tempo.

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CAPÍTULO 1

CIÊNCIAS COGNITIVAS:
A PSICOLOGIA FORÇADA A PROGREDIR

A Psicologia Cognitiva não surgiu de um movimento


natural gerado no seio de uma Psicologia Behaviorista que havia
evoluído para algumas propostas mediacionais. De fato, tal coisa
seria impensável, porque o estudo dos processos cognitivos
requeria uma revolução, como será demonstrado adiante, nos
pressupostos ontológicos, epistemológicos e critérios metodoló-
gicos da Psicologia tal como era praticada pelo Behaviorismo.
As forças que tornaram possível o advento do Cognitivismo vie-
ram de disciplinas externas à Psicologia, tal como a Engenharia,
a Matemática, a Lingüística, a Neurofisiologia e, principalmen-
te, a Filosofia da Ciência. Sobre esta última influência, não
abordada em obras sobre a chamada Revolução Cognitiva, se
levantará tese de que foi fundamental, embora indireta. Porém,
como este não é um trabalho de história da ciência, os argumen-
tos em defesa desta hipótese serão meramente teóricos. Nunca é
demais relembrar que este livro é sobre os fundamentos filosófi-
cos do Cognitivismo, portanto esta contextualização histórica
terá o objetivo somente de introduzir esta questão e oferecer

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subsídios para sua análise. Não me debruçarei, em absoluto,
sobre as características específicas das contribuições individuais
dadas pelas diversas disciplinas citadas para o surgimento do
campo, por sinal, um trabalho já realizado com maestria por
Howard Gardner (1996) em “The Mind’s New Science”, original
de 1985, ou ainda por obras de amplitude mais restrita mas
igualmente bem feitas como o autobiográfico “In Search of
Mind” de Jerome Bruner (1983) ou o “The Cognitive Revolution
in Psychology”, de Bernard Baars (1986).
Antes no entanto de traçarmos o perfil desse novo
modelo de ciência psicológica moderna, cabe neste momento
efetuarmos uma distinção entre dois termos que estou usando até
aqui praticamente como intercambiáveis: o termo Cognitivismo
e o termo Psicologia Cognitiva. De fato, como afirma Penna
(1984) em sua pioneira “Introdução à Psicologia Cognitiva”, a
Psicologia Cognitiva se pode conceituar tanto como um movi-
mento doutrinário quanto como uma área específica de pesquisa.
Baars (1986) observa que o termo Psicologia Cognitiva é
ambíguo (p.158), mas refere-se primariamente a uma
“metateoria” que defende que através de observações empíricas
podemos inferir constructos teóricos inobserváveis. Ele acredita
que essa ambigüidade e confusão foi gerada porque a metateoria
cognitiva surgiu no seio de uma disciplina psicológica também
denominada cognitiva (o campo de estudo da memória,
linguagem, percepção, pensamento), mas que no entanto poderia
ter surgido em qualquer outro campo da Psicologia.
Aqui, quando estivermos falando desta enquanto movi-
mento (ou “metateoria”, Baars, 1986), usarei o termo Cognitivis-
mo, quando enquanto área de pesquisa específica, usarei o termo
Psicologia Cognitiva, o qual no entanto também será usado nas
poucas ocasiões em que quiser referir ambos os sentidos. Não
podemos esquecer que a Psicologia Cognitiva enquanto área de
pesquisa solidamente constituída foi um produto do Cognitivis-

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mo, mas também que o sucesso da mesma foi o grande motor
deste movimento, sendo portanto ambos, indissociáveis. Como
afirma Baars (1986), o estudo da cognição humana provê o
domínio empírico no qual o sucesso ou o fracasso da metateoria
cognitiva (Cognitivismo) pode ser demonstrado.
Enquanto área de pesquisa, a Psicologia Cognitiva pode
se definir como o estudo de como seres humanos percebem,
processam, codificam, estocam, recuperam e utilizam informa-
ção. É o estudo do processamento humano de informações. En-
quanto movimento doutrinário na Psicologia, o Cognitivismo foi
definido por Penna (1984) como sendo marcado por cinco carac-
terísticas principais. A primeira é a centralidade do conceito de
regra para explicar o processamento cognitivo e o comporta-
mento. A segunda o comprometimento com uma visão constru-
tivista dos processos cognitivos. A terceira pela concepção do
comportamento humano como orientado a metas. A quarta a
imagem de um sujeito ativo, e não reativo como o da tradição
positivista. Por fim, a quinta seria a recuperação do conceito de
consciência na Psicologia. Cabe dizer que concordo totalmente
com esta caracterização, e espero nos próximos itens apresentar
muitos subsídios para sua justificação, além de explicitar
algumas outras características presentes no movimento.
Outra distinção importante a ser efetuada é entre Psicolo-
gia Cognitiva e Ciência Cognitiva. Podemos definir a Ciência
Cognitiva como um esforço multidisciplinar com fundamenta-
ção empírica para responder questões acerca da aquisição, arma-
zenamento e utilização do conhecimento por parte do ser huma-
no. A característica de esforço multidisciplinar é fundamental
nesta ciência, que consiste numa conjugação de esforços entre a
Psicologia Cognitiva, a Inteligência Artificial, a Neurociência, a
Lingüística e a Filosofia da Mente para explicar o processo de
cognição humana. Apesar de ser a disciplina central de articula-

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ção destes esforços, a Psicologia Cognitiva não perde a especifi-
cidade de seu domínio nem a independência de seus métodos.

1.1 Antecedentes psicológicos do Cognitivsmo

O Movimento Cognitivista, assim como a Psicologia


Cognitiva enquanto campo de pesquisa, teve obviamente
precursores dentro da Psicologia, que prepararam o terreno para
seu surgimento. Cabe no entanto enfatizar que nenhum destes
foi responsável por este último, nem tinham em si os elementos
que propiciariam esta revolução.
É necessário lembrar que durante a mal-sucedida
tentativa de aplicação do método experimental ao estudo da
cognição representada pelo Estruturalismo, na Europa outros
melhores passos nesta direção estavam sendo dados. Não me
refiro aqui à igualmente mal-sucedida tentativa experimentalista
da escola de Würzburg, mas sim a Hermann Ebbinghaus.
Ebbinghaus não se submeteu ao introspeccionismo wundtiano e
promoveu aquele que talvez tenha sido o primeiro estudo
experimental válido de processos superiores de pensamento, no
caso a memória. Ao transformar a variável dependente, o
fenômeno a ser medido e observado, no resultado que sujeitos
experimentais conseguiam na execução de tarefas (e não mais
suas descrições introspeccionistas), Ebbinghaus, com pouca
consciência das enormes implicações epistemológicas do que
estava executando, trouxe finalmente a pesquisa de processos
mentais superiores para o primeiro mínimo patamar de objetivi-
dade requerido para a investigação científica. Modificando suas
variáveis independentes (tempo de apresentação das sílabas,
interferências para frente e para trás) Ebbinghaus provocava
alterações nos resultados de execução das tarefas dos sujeitos, os
quais eram atribuídos, por inferência, a forma como processos

10
mentais superiores (no caso a memória) eram afetados pelas
alterações nas variáveis independentes. No entanto, não havia
aqui o estabelecimento de hipóteses sobre a estrutura destes
processos nem a presença consciente de um método hipotético-
dedutivo, muito menos a consciência do conceito de variável
interveniente, que muito poderia ter auxiliado o nosso primeiro
psicólogo experimental do pensamento. Estes instrumentos
(exceção do método hipotético-dedutivo) só se fariam presentes
com Edward Tolman.
Outro importante passo estava sendo dado na Europa
pela Psicologia da Gestalt, que numa reação muito bem efetuada
ao elementarismo e empirismo objetivista dominante na cena
psicológica do início do século, demonstrou que mesmo o pro-
cesso psicológico supostamente mais simples, a percepção, enti-
dade deificada pelos empiristas, requer conhecimento prévio e
obedece a leis internas muito básicas, sendo, acima de tudo, uma
atividade ativa e interpretativa de captação de totalidades, as
gestalts. Essa qualidade da forma perceptiva envolvida da
percepção de uma melodia ou do falso movimento cinemático
requer mais do que a soma de elementos individuais, pois a
mesma transcende essa soma. Não importa em quantas escalas
diferentes você ouça as notas iniciais da quinta sinfonia de
Beethoven, as notas e instrumentos envolvidos na sua execução
serão sempre diferentes, mas o que você percebe será sempre a
quinta, ou seja, o padrão da diferença de altura escalar entre as
diferentes notas que formam o que nós identificamos como uma
melodia, para além das notas e sons concretos individuais.
Alguns brilhantes estudos da percepção e do pensamento foram
realizados por esta escola, como os estudos sobre movimento
aparente de Wertheimer ou os sobre pensamento criativo de
Köhler, que trouxeram à Psicologia a hoje popular teoria do
insight. O que está por trás do pensamento gestaltista é a crença
kantiana de que a mente humana é construída de forma tal que

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relações lógicas e matemáticas são impostas ao mundo organi-
zando ativamente o material fornecido pelos sentidos – que
guarda uma relação de isomorfismo com as estruturas da mente
– ao invés de serem recebidas da experiência. A percepção
portanto, seria um fenômeno em grande medida projetivo.
Psicólogos cognitivos como Gardner (1996) ou Bruner
(1983) consideram que o programa teórico da Gestalt não estava
bem fundamentado, com a acusação principal de que seus com-
ceitos explicativos são vagos demais para serem operacionaliza-
dos. Embora seja possível questionar a generalidade dessa ava-
liação, não cabe aqui uma análise pormenorizada de em que me-
dida a Psicologia da Gestalt adiantou o Cognitivismo, somente a
constatação de que se trata de um dos primeiros estudos sérios
empiricamente fundamentados de Psicologia Cognitiva. No
entanto, sua utilização do método experimental era rara e pouco
explicativa. Não havia clareza metodológica sobre como abordar
experimentalmente processos de pensamento.
A crítica teórica no entanto mais importante ao gestaltis-
mo foi a construtivista de Jean Piaget, que veremos no item des-
tinado às concepções ontológicas do Cognitivismo. A portentosa
obra científica de Piaget que geralmente é considerada por auto-
res anglo-saxões como uma influência antecedente européia à
Psicologia Cognitiva, será no entanto considerada aqui como a
primeira obra científica legitimamente cognitivista. A classifica-
ção de Jean Piaget como um precursor do cognitivismo se dá em
virtude de seu surgimento anterior à abordagem de processa-
mento de informação e à metáfora computacional (e talvez em
virtude de sua origem européia...). Aqui Piaget é considerado o
primeiro psicólogo experimental plenamente cognitivista, surgi-
do antes das Ciências Cognitivas e do Cognitivismo como
movimento, e a justificativa para essa classificação é o fato de
sua teoria possuir as cinco características aventadas por Penna
(1984) e citadas no início deste item. Para Piaget, o processo

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cognitivo é regido pela aplicação de regras, que são construídas
durante o processo de desenvolvimento cognitivo através da
ação no mundo de um sujeito orientado para metas e dotado de
consciência como um fenômeno biológico básico. Portanto,
detalhes das posições epistemológicas, ontológicas e metodoló-
gicas de Piaget serão aventadas nos próximos capítulos deste
livro como exemplos de uma tradição cognitivista plena, e não
somente como antecedentes da mesma.
Assim, resta a avaliação das influências antecedentes
vindas da Psicologia norte-americana dos anos 30, que era
plenamente convencida da necessidade de adequação da
atividade de investigação psicológica aos cânones de
cientificidade ditados pelo Positivismo Lógico. Isso fazia do
Behaviorismo a Psicologia científica oficial. Esse quadro
tornava interdita a pesquisa de processos “mentalistas” como os
cognitivos, fechando a caixa preta que para o behaviorismo era
perfeitamente dispensável na explicação do comportamento.
A janela para o estudo experimental dos processos cogni-
tivos na América começou a ser aberta nos anos 30, com a apli-
cação à Psicologia do conceito de variável interveniente desen-
volvido pelo brilhante metodologista e “behaviorista intencio-
nal” (se é possível usar um termo como esse) Edward Tolman.
Eysenck & Keane (1994) concordam com a avaliação de que
Edward Tolman é o mais importante precursor, dentro da tradi-
ção behaviorista, do Cognitivismo. O conceito de variável inter-
veniente propiciou a consideração de processos que ocorriam
dentro do organismo, não-observáveis diretamente, mas inferí-
veis pelas alterações que provocavam nas medições das variá-
veis dependentes cuja relação com as variáveis independentes
era perfeitamente conhecida. Através deste princípio metodoló-
gico, podemos perfeitamente mensurar o efeito de eventos não-
observáveis no comportamento manifesto. As conseqüências
disto para o estudo da cognição são facilmente compreensíveis.

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Vamos supor que estejamos estudando o comportamento de uma
criança que somente aprendeu a tabuada. Se perguntarmos para
ela sobre operações as quais nunca ouviu e portanto sobre as
quais jamais foi condicionada, caso ela seja capaz de oferecer
respostas (variável dependente) corretas para os problemas que a
propomos, estamos perfeitamente justificados a realizar a
inferência de que existe um processo de aplicação de regras
(variável interveniente) à informação que ela recebe (estímulo –
variável independente). Mas obviamente este tipo de abordagem
de processamento de informação não era adotada por Tolman.
Isso no entanto não o impediu de abordar cientificamente, com o
auxilio conceitual e metodológico da variável interveniente, o
problema dos processos cognitivos envolvidos em processos de
aprendizagem, mesmo de ratos.
Usando este conceito, Tolman demonstrou que camun-
dongos que haviam aprendido a percorrer um labirinto estrela
(de oito braços), eram capazes de percorrer o mesmo labirinto a
nado quando este era inundado, o que provava que sua habilida-
de de execução da tarefa não era em virtude de terem condicio-
nado reações motoras específicas. Em outra variação do experi-
mento, ele demonstrava que os ratos apesar de apresentarem
uma seqüência aleatória de escolhas nos braços que iam entrar
para buscar comida (no fim dos oito braços era colocado um
pouco de ração), jamais entravam uma segunda vez num braço
onde já haviam pegado a comida, o que demonstrava um notável
senso de orientação. A partir destes resultados, podemos inferir
a presença de uma variável interveniente intervindo no compor-
tamento, um “mapa cognitivo” (conforme denominou o próprio
Tolman) do labirinto que tornava possível a eles a execução
destas tarefas. Conforme reconhecem Eysenck & Keane (1994),
esse reconhecimento por parte de um declarado behaviorista de
que mesmo em ratos o aprendizado só pode ser entendido ao se
enfocar processos e estruturas internas ao invés de reações

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motoras condicionadas foi um grande passo em direção à futura
Psicologia Cognitiva.

1.2 Psicologia Cognitiva e o contexto de seu surgimento

Neste item, expor-se-á a tese usual (Gardner, 1996,


[1985]; Mayer, 1981; Baars, 1986) de que a Psicologia
Cognitiva como campo de pesquisa e o Cognitivismo como
movimento, apesar de não terem sido criados fora da Psicologia
(vide Ebbinghaus ou Piaget), só conseguiram revolucionar o
mainstream psicológico em virtude de avanços científicos
ocorridos além das fronteiras da Psicologia. Estes avanços foram
basicamente seis: o advento da computação, a Teoria da
Informação, a Cibernética, as novas teorias neurológicas, as
novas descrições de síndromes neuropsicológicas e a teoria
lingüística de Noam Chomsky. No entanto, esta exposição só
será feita no subitem seguinte. Neste subitem, este trabalho
buscará acrescentar a esta interpretação tradicional das
condições de surgimento da Ciência Cognitiva e do
Cognitivismo (o Cognitivismo surge como movimento
doutrinário em virtude do surgimento da Ciência Cognitiva
como campo multidisciplinar integrado), com a qual concorda
plenamente, duas outras teses. A primeira, é que a recusa
sistemática da Psicologia de antes dos anos sessenta em utilizar
o método científico para investigar os fenômenos legitimamente
psicológicos propiciou naturalmente essa “invasão”, e não
somente os avanços científicos considerados. A segunda, é que o
surgimento da corrente filosófica conhecida como Racionalismo
Crítico é tão fundamental para se compreender o surgimento da
Psicologia Cognitiva quanto estes avanços científicos.

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1.2.1 A paralisia psicológica que propiciou a invasão
A recusa sistemática da Psicologia acadêmica de antes
dos anos sessenta em aplicar o método científico à investigação
dos legítimos fenômenos psicológicos, acabou por propiciar as
condições para que estes fenômenos acabassem sendo assim
abordados por outras disciplinas. Este fato não é muito difícil de
se entender. De um lado, temos aquele objeto que é o alvo de
maior interesse e curiosidade entre todos os existentes no
universo, a mente humana. De outro, temos aquele método de
investigação que é o mais bem sucedido de toda a história da
humanidade em obter conhecimento válido sobre o universo, o
método científico experimental. Uma Psicologia que se recusava
peremptoriamente a aplicar o segundo ao primeiro, era uma
Psicologia fadada ao desinteresse do público e ao fracasso como
empresa humana.
Temos duas formas diferentes dessa recusa. Na primeira,
a Psicologia que utilizava o método científico mas se recusava a
estudar temas especificamente psicológicos, o Behaviorismo. Na
segunda, a Psicologia que estudava alguns temas psicológicos
mas se recusava a utilizar o método científico, a Psicanálise.
Posteriormente, juntou-se à Psicanálise nesta forma de recusa a
Psicologia Humanista. Não podia dar certo.
Enquanto o Behaviorismo considerava a mente, no
mínimo, uma entidade dispensável metodologicamente, e, no
máximo, um mito protocientífico; o interesse de seres humanos
pelo estudo científico da mente obviamente não diminuiu. A
atitude do Behaviorismo provocou na Psicologia, como obser-
vam Eysenck & Keane (1994), um efeito paralisante, advindo da
sua dependência de estímulos e respostas observáveis, assim
como de sua atitude antiteórica. O resultado é completamente
insatisfatório como disciplina capaz de oferecer explicações
mínimas de processos psicológicos. Mas uma vez que o
Behaviorismo se encontrava em sólida posição institucional,

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com amplo domínio do processo acadêmico, não havia meio
dessa paralisia na Psicologia científica ser superada a não ser
através de revoluções e mudanças vindas de fora da disciplina.
No outro pólo, abordagens da mente e do inconsciente
como as da psicanálise, que não recorriam ao método científico
para o teste de suas alegações, geraram de fato múltiplas escolas
diferentes, todas mutuamente excludentes e com teorias que
variavam de interessantes insights sobre a psique até os mais
puros nonsenses filosóficos. O agravante neste quadro, é que a
imensa fauna de teorias psicanalíticas não possuía um tribunal
comum onde pudessem ser confrontadas, gerando uma
degradação da imagem da Psicologia “mentalista” no seio da
comunidade científica, e a disseminação da impressão de que o
estudo objetivo da mente só seria possível quando se aplicasse a
ela o método científico, tarefa que deveria, pelos motivos
expostos acima, ser executada por outras disciplinas. Porém,
como demonstrarei adiante, essa aplicação do método científico
ao estudo da mente só se tornaria possível se o próprio conceito
de ciência sofresse dramática alteração, o que começou a
acontecer com o surgimento da obra do filósofo Karl Popper.

1.2.2 O Surgimento do Racionalismo Crítico e sua influência


na Revolução Cognitiva
As questões que eu vou levantar aqui oferecem indícios
que nos levam a considerar a emergência do Racionalismo Críti-
co (ou no mínimo, o do método hipotético-dedutivo) tão impor-
tante para compreender o surgimento do cognitivismo – no
contexto de uma Psicologia dominada pelo Behaviorismo neo-
positivista – quanto o impacto dos novos avanços científicos
acima citados à questão do estudo científico da mente humana.
A Psicologia dos anos 30 era totalmente aderida aos
cânones de cientificidade ditados pelo Positivismo Lógico. Isso
fazia do Behaviorismo a Psicologia científica oficial. Uma vez

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que o critério de demarcação entre uma assertiva científica
(provida de significado) e uma assertiva metafísica (desprovida
de significado) era sua verificabilidade, ou seja, sua redução a
termos fisicalistas, derivados da experiência direta, se tornava
absolutamente interdito a pesquisa de processos classificados de
“mentalistas” e seria completamente impossível a aquisição de
respeitabilidade acadêmica por uma disciplina que se definisse
como o estudo científico dos “processos cognitivos”.
Uma das teses defendida portanto neste trabalho é que,
sem o enfraquecimento da posição antes hegemônica do
Positivismo Lógico em Filosofia da Ciência, o estudo empírico
de processos cognitivos não poderia ter conquistado o respeito
da comunidade científica. Foi antes a mudança da visão sobre o
que era uma pesquisa científica que propiciou a aceitação do
estudo dos processos cognitivos na Psicologia, e não o contrário.
De fato, é impossível estudar com o modelo experimen-
tal positivista, indutivamente, um objeto não observável direta-
mente. A própria revolução behaviorista se fez contra as primei-
ras e infrutíferas tentativas de se fazer isso. O Racionalismo Crí-
tico, direta ou indiretamente, propiciou a mudança na concepção
de atividade científica que gerou as condições necessárias (não
suficientes) para o surgimento da revolução cognitiva.
Sobre o passo visto acima em direção a uma Psicologia
Cognitiva dado através de Edward Tolman, nada podemos
atribuir à influência de Popper. Mas o mesmo já não se pode
dizer do passo seguinte. Esse foi a progressiva adoção do
método hipotético-dedutivo nas fileiras da Psicologia
experimental. Essa adoção começou com o exemplo conhecido
de nós psicólogos de Clark Hull, que em 1940 publicou “A
Study in Scientific Methodology”, seu livro clássico onde
defende a adoção do método hipotético-dedutivo em Psicologia
integrando em seu modelo o conceito de variável interveniente.
Embora não possamos afirmar que Hull teve contato direto com

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a obra popperiana de 1934, podemos afirmar que ao menos a
receptividade às idéias de Hull foram influenciadas pela
crescente influência das idéias do jovem Popper sobre teóricos
do círculo de Viena, como Victor Kraft, Herbert Fiegl e Carl
Hempel, em direção à aceitação de que o método científico é
hipotético-dedutivo e não indutivo, tese essa que foi
reintroduzida filosoficamente no século XX por Popper.
Um efeito direto mais imediato foi experimentado na
obra de Bärbel Inhelder, a psicóloga que foi a grande colabo-
radora de Piaget. Em pesquisa publicada em 1943, como narra
Ramozzi-Chiarottino (2002), ela procurou submeter as teorias
piagetianas, já apresentadas na forma hipotético-dedutiva, à
testes capazes de falsificá-las, substituindo a atitude e a busca
verificacionista por testes declaradamente falsificacionistas.
A progressiva adoção do método hipotético-dedutivo co-
mo modelo de investigação científica teve profundo impacto na
Psicologia. Fora das fileiras behavioristas, a adoção do método
propiciou o começo da investigação de hipotéticos processos co-
gnitivos através de suas conseqüências necessárias diretamente
observáveis. A tese de que toda observação se faz à luz de uma
teoria, ou seja, necessariamente contra ou a favor de uma hipó-
tese, embora defendida em vários momentos na história da filo-
sofia e da ciência (como por Auguste Comte e Charles Darwin)
foi reintroduzida filosoficamente por Karl Popper verdadeira-
mente não como uma outra opção de inferência, mas sim como a
única. Mais ainda, a noção de que o verdadeiro critério de
cientificidade de uma teoria não é o fato de ela poder ser
diretamente verificável, mas o fato de ela possuir conseqüências
necessárias que sejam passíveis de falsificação, é a idéia central
trazida por Popper, e que mudou a face da ciência.
Psicólogos Cognitivos usualmente não estão conscientes
desta influência, assim como conhecem pouco a obra de Popper.
Caso típico desta inconsciência se encontra na maior obra histó-

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rica sobre o surgimento das Ciências Cognitivas, a de Howard
Gardner (1996,[1985]), onde podemos observar argumentos
popperianos como a da não cientificidade da Psicanálise por
conta de sua irrefutabilidade atribuídas à tradição positivista (p.
30), ou o emprego sistemático do conceito de falsificabilidade
sem no entanto referências diretas à obra de Popper, nem
demonstração de qualquer consciência quanto à origem deste
conceito. Em outro trabalho histórico sobre o surgimento da
Psicologia Cognitiva, o de Bernard Baars (1986), encontramos
muitas citações de Thomas Kuhn, principalmente para justificar
sua tese de que a Psicologia passou por uma “revolução
científica” no sentido que Kuhn conferiu ao termo. Porém não
encontramos nenhuma citação de Popper, cuja filosofia foi
responsável pelo surgimento de pensadores como Kuhn. Uma
análise pormenorizada do texto revela que esta opção parece ser
devida a mais um caso patente de desconhecimento paroquial do
filósofo europeu e conhecimento paroquial do seu herdeiro
rebelde americano. Percebemos no texto que muitas vezes as
referências a Kuhn ocorrem mais em virtude das características
de sua teoria que são herdadas de Popper (como a da
falsificabilidade como critério de cientificidade a ser preenchido
por uma assertiva candidata à científica), do que das
particularmente suas. No mais, como observaram os
behavioristas O’Donohue, Ferguson & Naugle (2003), a teoria
de Kuhn é utilizada geralmente por cognitivistas simplesmente
para justificar o que os primeiros consideram um fenômeno
meramente sócio-retórico: a suposta “Revolução Cognitiva”.
Voltando à questão da influência do Racionalismo
Crítico para a emergência da Revolução Cognitiva, temos que
lembrar que nem todos os autores que se debruçaram sobre o
problema dos fundamentos do Cognitivismo em seus primeiros
anos manifestaram inconsciência em relação à influência de
Popper. Um exemplo disso é este trecho de Penna (1986):

20
“Especialmente no campo da Epistemologia a referência
aponta para as idéias de Karl Popper. Essa absorção
registra-se claramente, quer no domínio da aprendiza-
gem de conceitos, (...), quer no da aprendizagem de reso-
lução de problemas, (...). No que se refere explicitamente
à aprendizagem de conceitos destaca-se a observação de
Neil Bolton de que ela se cumpre através de processos
hipotético-dedutivos, com emissão de hipóteses logo
submetidas a testes de validação ou invalidação.” (p.20)

A partir dos anos noventa, podemos perceber uma maior


tomada de consciência desta influência por parte de cognitivistas
que abordam a questão dos fundamentos epistemológicos e
metodológicos da Psicologia Cognitiva. Eysenck & Keane
(1994), em um dos principais livros-texto atuais da área,
afirmam explicitamente que:

“A Psicologia Cognitiva surgiu deste contexto histórico


[o behaviorismo] por causa de dois grandes avanços.
Primeiro, a um nível bastante geral, a visão tradicional
de ciência [Positivismo Lógico] foi solapada de tal forma
que permitiu que a Psicologia Cognitiva formasse sua
própria identidade científica.” (pág. 08)

Mais à frente, eles declaram (pág. 09) que todos os


princípios fundamentais da visão tradicional de ciência que fun-
damentavam o Behaviorismo foram “devastados” pelos filóso-
fos da ciência do século XX, como Thomas Kuhn e Imre
Lakatos, “capitaneados por Karl Popper”. De fato, como defen-
demos aqui, uma vez que os princípios que levaram o Behavio-
rismo ao veto radical a qualquer pretensão de estudo experimen-
tal da mente estavam “devastados” pela nova Filosofia da
Ciência, não havia mais razões para que os psicólogos

21
filosoficamente cultos, como é o caso daqueles presentes ao
Simpósio Hixon de 1948 e ao Simpósio do MIT de 1956,
tivessem que ceder às pressões acadêmicas neo-positivistas.
Outros cognitivistas também começam a reconhecer a
identidade das idéias de Popper com o Cognitivismo, como é o
caso das obras recentes dos psicoterapeutas cognitivos Aaron
Beck (2000) e Albert Ellis (1989), ou ainda a da outra versão da
Filosofia da Ciência popperiana representada pela obra do
psicólogo Donald Campbell (1974), a “epistemologia evolucio-
nista”. Textos mais recentes sobre a história da Revolução
Cognitiva, como o de Roger Sperry (1993), também começam a
reconhecer a influência fundamental do Racionalismo Crítico
para o surgimento da Psicologia Cognitiva, assim como novos
livros-texto de introdução à Filosofia da Psicologia como o de
Bem & De Jong (1997), que declaram que:

“A revolução resultante na filosofia da ciência (de 1930


a 1960) foi de importância para a psicologia porque ela
tornou possível à psicologia cognitiva substituir o
behaviorismo como a teoria hegemônica” (p.45)

Ou ainda novos livros-texto de Introdução à Ciência


Cognitiva como o de James Fetzer (2000), que além de reco-
nhecer o Racionalismo Crítico como a teoria epistemológica que
define o status de teoria científica na atualidade, declara que:

“o método de conjecturas e refutações (tentadas) que Sir


Karl Popper propôs como essencial à ciência empírica,
pode preencher um papel dentro da ciência cognitiva
semelhante àquele que desempenha em outros domínios
científicos. Hipóteses semelhantes a leis [cognitivas]
podem ser testadas tentando-se refutá-las.” (p.29)

22
Este trabalho pretende colaborar, através dos argumentos
apresentados acima e dos que serão apresentados no terceiro
capítulo, para a compreensão desta influência por parte daqueles
que dele tomarem conhecimento.

1.3 Avanços científicos que propiciaram a Psicologia


Cognitiva: o anúncio da invasão

Como anteriormente colocado, a recusa sistemática da


Psicologia acadêmica em aplicar o método científico ao estudo
da mente acabou gerando, com o inevitável e irrefreável
desenvolvimento científico e tecnológico que acompanha as
disciplinas que seguem o método científico, a invasão das
fronteiras temáticas da Psicologia por disciplinas tão díspares
como a Matemática, a Neurologia, a Engenharia e a Lingüística.
Neste item, apresentarei estes avanços e suas influências
centrado em suas significações filosóficas. Ou seja, estes
avanços serão abordados aqui individualmente, porém não com
o objetivo de sua descrição técnica, o que foge à competência,
ao escopo e aos objetivos deste trabalho.
Sem perder nosso tempo com repetições de análises de
domínio público já feitas de maneira extensa e competente
(Gardner, 1996, [1985]; Baars, 1986; Mayer, 1981; Eysenck &
Keane, 1994), priorizarei neste item as conseqüências filosóficas
e metodológicas provocadas pelo surgimento dos avanços
científicos responsáveis pelo advento da Revolução Cognitiva, e
não a mera descrição técnica destes avanços. O objetivo desta
apresentação neste momento é o de organização da exposição,
pois o desenvolvimento da análise destas influências será feito
em todos os próximos capítulos.

23
1.3.1 O Advento do Computador
Sem dúvida a mais importante influência da revolução
cognitiva foi o advento do computador. Isto se deu menos pelas
possibilidades futuras de simulação de processos cognitivos em
máquinas do que pela “metáfora computacional” (Neisser,1967),
a clareza conceitual que a distinção entre hardware e software
permitiu à teorização sobre a mente e suas relações com o
cérebro. Desde o surgimento da teoria matemática da “Máquina
de Turing” até o desenvolvimento dos computadores de proces-
samento paralelo, a chamada “metáfora computacional” tem
sido a mais preciosa fonte de idéias para a Psicologia Cognitiva.
A primeira dessas idéias foi o sugestivo “Teste de
Turing”, criado pelo próprio pai da computação Alan Turing e
que propunha que seria possível programar um computador de
tal forma que seria impossível discriminar as respostas dadas por
este a um interlocutor especialista (um psicólogo?) daquelas
dadas por um ser humano. Tal teste logo se transformou na
primeira expressão do credo da tese forte da Inteligência
Artificial. Segundo este último, tal teste é plenamente apto a
refutar qualquer um que duvide que um computador pode
pensar: quando alguém não pode decidir se as respostas estão
sendo dadas por um ser humano ou por um computador, afirma
o credo, esse alguém está diante do mesmo tipo de evidência da
presença de pensamento do que quando está na presença de seu
próprio filho, uma vez que consciência e inteligência não são
entidades diretamente observáveis.
Assim, o materialismo filosófico ganhava finalmente
uma versão um pouco mais sofisticada: livrava-se de um
reducionismo fisicalista radical sem aderir a um dualismo de
substâncias. O nível de análise do cérebro era o nível do
hardware, da máquina; o nível de análise da mente, era o nível
do software, do programa. Esta idéia seminal foi introduzida por
Hilary Putnam (1961). Logo o materialismo pode se livrar dos

24
estreitos limites behavioristas e partir para um tipo de
investigação dos fenômenos mentais, criando o programa da
Inteligência Artificial. Eles perceberam imediatamente que se
conseguissem como psicólogos cognitivos descrever com
precisão os comportamentos e os processos de pensamento de
um organismo, poderiam ser capazes de projetar um computador
e um programa que operasse de forma idêntica (Simulação
Computadorizada). Mas o inverso também era verdadeiro. Caso
os engenheiros de hardware e programação conseguissem
projetar um computador e um programa que operasse de forma
idêntica a um ser humano (Inteligência Artificial – IA), isto
poderia nos levar a compreender o processo cognitivo humano.
Era o nascimento da tese da IA forte.
Mas é necessário deixar claro desde o início que a
maioria dos cientistas cognitivos de então – e essa tendência é
quase unânime hoje – eram partidários da chamada tese fraca da
In-teligência Artificial, e acreditavam que a construção de
modelos computacionais que buscassem a simulação da
inteligência humana serviria ao propósito mais modesto de
revelar somente alguns aspectos mais automáticos da cognição
humana, assim como evidenciar em que aspectos esta era
qualitativamente diferente da “inteligência” computacional. E se
isso já era verdade para a maioria dos pioneiros cientistas
cognitivos, que dirá para o Cognitivismo e a Psicologia
Cognitiva. É preciso aqui ajudar a desfazer o mito, e porque não
dizer, a calúnia disseminada por alguns eminentes psicanalistas
e psicólogos humanistas de que para o Cognitivismo o ser
humano é um computador neuronal e nada mais. Esta versão
encontra força de propagação no fato de que, por decisão
metodológica, a Psicologia Cognitiva simplifica artificialmente
seus problemas colocando entre parênteses a influência nos
processos cognitivos causada pelas emoções. Mas ainda assim,
sua origem é a falsa associação do Cognitivismo com a tese da

25
IA forte, que sempre teve seu local de acolhida dentro das
Ciências Cognitivas nas disciplinas da Neurociência e da
Engenharia de Computação. De fato, não há qualquer psicólogo
cognitivo ou cognitivista eminente partidário de tal tese. Como
podemos facilmente constatar, nomes como Jean Piaget (1973,
1987), Noam Chomsky (1987, 1971), Jerry Fodor (1987, 2001),
Jerome Bruner (1983, 1997), Howard Gardner (1996, 1998),
Ulric Neisser (1967, 1975), Robert Sternberg (1992, 2000),
Richard Mayer (1977, 1981), Aaron Beck (2000), George Miller
(1985), se declaram sucessivas e repetidas vezes contra a IA
forte e construíram teorias e carreiras que são a plena nega-ção
desta. Veremos em detalhes essas posições nos próximos
capítulos. No entanto, devemos lembrar que a maioria destes
teóricos reconhece a importância da metáfora computacional e
da pesquisa em inteligência artificial como importante
ferramenta da Ciência Cognitiva, aderindo à tese da IA fraca.

1.3.2 A Teoria da Informação e a Cibernética


A história da revolução cognitiva e da revolução da
informática ganhou novo impulso quando, logo depois da
publicação do trabalho de Turing (em 1936), apareceram no
MIT (Massachusetts Institute of Technology) as idéias seminais
de Claude Shannon. Conhecido pela história da ciência como o
pai da Teoria da Informação, não podemos esquecer que Clau-
de Shannon é também o pai da Eletrônica Digital. Como nos
narra Gardner (1996), Shannon foi o primeiro cientista a
perceber que os princípios da lógica poderiam descrever os
estágios de ligado (sim, verdadeiro) e desligado (não, falso) de
interruptores eletromecânicos. Ele portanto é o primeiro a
afirmar que circuitos elétricos poderiam reproduzir operações
lógicas de pensamento, sugestão que se materializaria menos de
duas décadas depois com o trabalho de Allen Newell e Herbert
Simon, o “Logic Theory Machine”, apresentado pela primeira

26
vez no famoso Simpósio de Teoria da Informação do MIT, de
1956, evento consensualmente (Gardner, 1996; Baars, 1986)
considerado como marco fundador da Ciência Cognitiva.
Não são necessárias maiores considerações sobre a
importância que esse insight teve para o desenvolvimento das
“máquinas lógicas”, os computadores digitais. Todo o sistema
de construção binária de árvores lógicas de circuitos realizado
pela Eletrônica Digital é desenvolvido posteriormente como
resultado da combinação entre esse insight original e a sua
realização universalmente famosa: a Teoria da Informação.
Shannon define informação como aquilo que acontece quando
um sinal atinge um receptor, capacitando-o para fazer uma
escolha entre um conjunto de alternativas possíveis. Esta teoria
move-se em torno da noção-chave de que a informação pode ser
concebida de maneira totalmente separada de conteúdos
específicos, simplesmente como uma decisão entre alternativas
igualmente plausíveis e mutuamente excludentes. Assim sendo,
a menor unidade de informação concebível é aquilo que
passamos a chamar bit, porque a menor unidade de informação
possível se dá sobre a rejeição ou aceitação de uma unidade de
mensagem. Essa matemática binária, pode ser representada num
circuito elétrico como o sinal (a corrente elétrica) passando por
um componente (um), ou nenhum sinal passando pelo
componente (zero). Assim, a escolha de uma mensagem dentre
duas alternativas igualmente prováveis requer um bit de
informação (zero e um). Entre quatro, exige no mínimo dois
bits: o primeiro divide entre zero e um e o segundo faz a divisão
mais uma vez, redundando em quatro alternativas diferentes (00,
01, 10, 11). Uma mensagem entre oito, requer um mínimo de
três bits (000, 001, 010, 011, 100, 101, 110, 111), e assim por
diante. Vamos trazer isto para termos mais interessantes para a
Psicologia. O que está sendo afirmado aqui é que a informação
pode se dar através de símbolos apesar dos conteúdos que os

27
símbolos supostamente significariam. Se um policial corrupto
combina no pátio do presídio que transmitirá aos presos a
informação de em que hora exata da noite entre 10:00hs e
5:00hs haverá a troca de guarda, a menor quantidade de
informação que ele precisa transmitir para efetuar
eficientemente seu crime são três bits, vamos supor, três batidas
ou não-batidas com o cassetete na barra da cela. Tendo
combinado anteriormente com os presos que no momento de sua
ronda, às dez horas, ele irá parar diante de determinada cela e
baterá ou não nas três primeiras barras, a informação pode ser
transmitida da seguinte forma. Batendo na primeira barra da
cela, ele informa que é nas quatro primeiras rondas (dez, onze,
doze, uma); não batendo, ele informa que é nas últimas (duas,
três, quatro, cinco). Tendo batido na primeira, uma batida na
segunda informará que é em uma das duas primeiras (dez, onze);
não batendo informará que é nas duas últimas (doze, uma). Não
tendo batido na segunda barra, basta agora que ele bata na
terceira para informar que a hora propícia para a fuga é à meia-
noite. Note que a informação é passada independente de
conteúdo, porque o significado dos símbolos usados na
mensagem já havia sido codificado anteriormente.
Mas o que importa dizer ainda aqui é que a teoria da
informação é uma teoria geral, não meramente computacional. É
possível concebê-la independentemente de qualquer aparelho
transmissor específico (até mesmo com um cassetete e uma
cela). Mas este novo insight devemos a outro genial matemático
do século XX, Norbert Wiener. Como participante do esforço de
guerra desenvolvido durante a segunda guerra mundial, Wiener
trabalhou no desenvolvimento da Teoria da Informação,
fundamental para a política de transmissão de mensagens e
quebra de códigos inimigos durante a guerra. Foi no começo de
seu trabalho que Wiener percebeu que a teoria de Shannon
tornou a informação concebível independentemente de qualquer

28
aparelho: pode-se considerar a eficiência de qualquer
comunicação de mensagens sem levar em consideração o meio
através do qual ela está sendo transmitida ou mesmo o receptor
que irá recebê-la. Em outras palavras, poderia se tratar a
informação de forma lógica, ignorando quaisquer questões de
conteúdo, que é decidido prévia e convencionalmente. Foi
Wiener que declarou (apud. Gardner, 1996, p.36) que
“Informação é informação, não matéria ou energia. Nenhum
materialismo que não admita isto pode sobreviver nos dias
atuais”. Mas esse insight básico de Wiener foi o início de uma
reelaboração muito mais sofisticada da incipiente Teoria da
Informação, à qual ele deu o nome de Cibernética. Em texto
original de 1950, Wiener (1954) define assim esta nova
disciplina:

“Além da teoria da transmissão de mensagens da


engenharia elétrica, há um campo mais vasto que inclui
não somente o estudo da linguagem mas também o
estudo das mensagens como meios de dirigir a
maquinaria e a sociedade, o desenvolvimento de
máquinas computadoras e outros autômatos que tais,
certas reflexões acerca da psicologia e do sistema
nervoso, e uma nova teoria conjetural do método
científico. (...) Até recentemente não havia palavra
específica para designar este complexo de idéias, e, para
abarcar todo o campo com um único termo, vi-me
forçado a criar uma. Daí ‘Cibernética’, que derivei da
palavra grega kubernetes, ou ‘piloto’ (...).” (pág. 15)

Portanto Cibernética é a ciência da comunicação e do


controle através da comunicação. Mas o conceito fundamental
trazido por esta nova disciplina, que mudou a história da
Psicologia e nos ajudou a resolver problemas até de Filosofia da
Ciência, é o conceito de Feedback. Wiener desenvolveu este

29
conceito quando participava do esforço de guerra desenvolvendo
sistemas de servomecanismos, destinados a corrigir e manter
rotas de mísseis teleguiados, artilharia antiaérea e aviões em
piloto automático. O que todos esses sistemas tem em comum é
que todos eles são sistemas autocorretores, que através da
informação que captam ou recebem sobre seu estado atual, são
programados para corrigir seus comportamentos ou trajetórias
de forma a se aproximarem mais da meta original. Ou seja,
feedback é o processo através do qual um sistema programado
para atingir determinado estado ou meta recebe, como parte do
seu input, informação sobre o resultado de sua própria ação ou
estado, gerando com base na informação desse input, a correção
necessária na execução da tarefa de modo a atingir sua meta.
Não tardou para que Wiener aplicasse os conceitos que
elaborou no desenvolvimento de mísseis para uma tentativa de
explicar o funcionamento do sistema nervoso humano. O ser
humano não seria um mero processador de informação, mas um
processador biológico no qual a própria informação sobre o
curso de suas operações volta ao cérebro como novo input vindo
das sensações e sistemas proprioceptores, gerando correção de
comportamento rumo à realização de metas. O feedback é um
processo circular e muitas realizações dos organismos vivos só
poderiam ser adequadamente explicadas com o auxílio deste
conceito: Entre a informação de que devo pegar o copo e a
realização da tarefa, parte de meus outputs, como o movimento
do braço e a abertura dos dedos, volta para mim como input,
informação sobre o estado atual do sistema em relação à meta (a
distancia da mão em relação ao copo, a altura do braço atual em
relação à bancada), o que me permite uma série de correções
que por sua vez também serão corrigidas por feedback até que a
meta seja alcançada.
Não é difícil entender o que está por trás do argumento
de Wiener. O que ele pretende é substituir o conceito de pró-

30
atividade (o intraduzível agency, em inglês), de comportamento
orientado a metas que caracteriza o ser humano, pelo conceito
de feedback. Esta pretensão será abordada novamente no
capítulo seguinte. O que se pode adiantar, é que apesar de o
conceito de feedback ter oferecido um modelo mais plausível de
como processos inteligentes realizam algumas tarefas complexas
e ser de grande utilidade teórica para o Cognitivismo, não conse-
guiu substituir neste movimento o princípio da atividade do ser
humano, da mente humana como entidade ativa e construtiva.
Como afirmam Eysenck & Keane (1994), a junção da
teoria da informação com o surgimento do computador
generalizou entre os psicólogos cognitivos a visão do ser
humano também como um processador de informação, assim
como do cérebro humano como um computador biológico, visão
que foi auxiliada pelas novas teorias da neurociência que
veremos no próximo subitem. Assim, a Psicologia Cognitiva
passou a ser definida, como de resto já vimos aqui, como a
ciência que estuda como o ser humano recebe, processa e
armazena informação. O modo, o padrão, a função através da
qual determinado aparelho transforma a informação que entra
nele (input) na informação que sai dele (output) é denominada
programa. Com a teoria binária da informação, programas cada
vez mais sofisticados de transformação de informação
começaram a ser desenvolvidos, até que se alcançou o marco do
trabalho já citado de Newell e Simon. Como nos testemunha
Meyer (1981), a partir deste trabalho, voltou-se a legitimar o
interesse por processos e estruturas dentro da “caixa-preta”,
porque agora elas podiam ser especificadas precisamente em
termos de programas de computador. O modelo estímulo-
resposta behaviorista, que já estava se transformando no modelo
mediacional de Osgood de estímulo-organismo-resposta, com o
advento da Teoria da Informação transformou-se rapidamente na
Psicologia no modelo computacional imput-programa-output.

31
Um processo cognitivo era a função que podia especificar
precisamente a transformação da informação que entrava no
organismo na informação que saia dele.

1.3.3 As Novas Teorias da Neurociência e da Neuropsicologia


Dois diferentes campos de contribuição da Neurologia
devemos considerar aqui como influências iniciais da Revolução
Cognitiva, e um deles como fundamental até hoje para o
desenvolvimento contemporâneo da Psicologia Cognitiva.
Refiro-me às novas teorias neuronais e às novas descrições de
síndromes neuropsicológicas surgidas nos anos quarenta.
Esse novo modelo neuronal dizia respeito simplesmente
a uma transposição das idéias de Shannon para a Neurologia, e
era na verdade muito simples. Como nos narra Gardner (1996),
em 1943 Warren McCulloch e Walter Pitts mostraram que as
operações de uma célula nervosa e suas conexões com outras (a
rede neural) poderiam ser descritas e modeladas logicamente. Os
neurônios poderiam ser pensados em termos lógicos, e os
impulsos nervosos como enunciados tudo-ou-nada: era uma
materialização de operações de cálculo proposicional, onde uma
proposição é julgada verdadeira ou falsa. Descreve Gardner:

“Este modelo permitia que se pensasse um neurônio


como sendo ativado, e em seguida impulsionando um ou-
tro neurônio, da mesma forma como um elemento ou uma
proposição em uma seqüência lógica podem implicar em
alguma outra proposição: assim, quando se está lidando
seja com lógica ou com neurônios, a entidade A mais a
entidade B podem implicar na entidade C.” (1996, p.33)

Assim, estava feita explicitamente a analogia entre a


organização neuronal, a lógica e os circuitos elétricos. Em
termos elétricos, as operações lógicas podem ser reproduzidas
como sinais elétricos que passam ou deixam de passar em um

32
circuito. A ponte teórica necessária entre a Neurologia e a
Eletrônica para a passagem do comboio das teses da IA forte
estava construída. O novo materialismo ia começar a passar.
Mas esse não foi o único impulso dado às Ciências Cog-
nitivas vindo das Neurociências. A Neuropsicologia, disciplina
nascida da descrição clínica de déficits cognitivos advindos de
lesões cerebrais, foi (e hoje cumpre papel ainda mais importan-
te) grande propulsora inicial da Ciência Cognitiva. Quando
observamos os padrões dos déficits e das capacidades de
indivíduos que sofreram uma lesão cerebral específica, podemos
estabelecer conclusões sobre o processo cognitivo normal, sobre
que capacidades específicas são interdependentes, dependentes
ou independentes, o que auxilia a Ciência Cognitiva na sua
tarefa de construção de uma arquitetura da mente.
E mais uma vez os dramáticos esforços de guerra propi-
ciaram grandes avanços científicos. As novas descrições exaus-
tivas de síndromes neuropsicológicas provocadas pelos ferimen-
tos de guerra estavam trazendo novos e fundamentais subsídios
para o conhecimento da mente. Os déficits cognitivos apresenta-
dos por soldados lesionados revelavam que havia muito mais
regularidade e organização nas habilidades e processos cogniti-
vos do que era admitido pela neurologia associacionista tradicio-
nal. Além disso, como nos testemunha Gardner (1996), os pa-
drões de avaria que estavam sendo encontrados não podiam ser
explicados em termos de rompimentos de conexões estímulo-
resposta. Por exemplo, diferentes lesões geravam diferentes for-
mas de afasia. Em algumas, a capacidade para gerar uma estru-
tura adequada de sentença era preservada, mas se perdia a capa-
cidade de uso correto de certas palavras nesta estrutura. Em ou-
tras, a capacidade para estruturar sentenças desaparecia, mas o
uso particular de palavras com significado adequado permanecia
preservado. É relevante observar que esse tipo de problema
acima descrito consiste numa incrível e inesperada evidência em

33
favor da teoria de Chomsky (como veremos adiante) sobre como
seres humanos usam a linguagem, e como este, outros resultados
da época reforçaram a crença de que através das conseqüências
geradas por lesões cerebrais sobre as habilidades cognitivas, nós
teríamos outras portas de acesso objetivo a indícios de como a
mente humana se organiza em indivíduos normais.

1.3.4 A Gramática Transformacional de Noam Chomsky


Outra fonte fundamental de influência sobre a Psicologia
Cognitiva e o Cognitivismo foi a obra do grande lingüista e,
como ele se define, psicólogo Noam Chomsky. Em 1956, duran-
te o famoso Simpósio do MIT, Chomsky apresentou a primeira
versão de sua famosa teoria que negava que o modelo da teoria
da informação de Shannon ou o modelo behaviorista pudessem
ser aplicados para explicar eficientemente a linguagem humana
natural. Em troca, ele apresentou a primeira versão de sua teoria
lingüística, destinada a mudar a face da Psicologia e da Filosofia
da Linguagem: a Gramática Transformacional. Naquele simpó-
sio, Chomsky apresentou a primeira teoria da linguagem que a-
presentava todas as precisões formais da matemática, e construía
uma visão da linguagem como um processo gerativo de senten-
ças altamente estruturado, governado por regras (gramática)
inconscientes de transformação. Essa teoria ele apresentou
completa em obra que se tornaria talvez a mais influente da
história da lingüística, Syntactic Structures, de 1957.
Sempre mantendo a determinação de apresentar, das
teorias externas à Psicologia aqui consideradas, somente os
aspectos que sejam fundamentais para a compreensão do
impacto filosófico e psicológico das mesmas, é necessário se
tecer uma consideração. Judith Greene (1980), em obra dedicada
a avaliar a extensão do impacto de Chomsky na Psicologia,
divide em dois grandes sistemas gerais sua obra, o de 1957 e o
de 1965. Porém, aqui serão abordados somente os princípios

34
básicos das teorias de Chomsky que são o espírito de sua
contribuição e de sua grande influência nas Ciências Cognitivas
e no próprio Cognitivismo.
Chomsky (1971) desenvolveu uma metodologia e um
conjunto de modelos formais para a análise da língua natural.
Como resultado deste trabalho, foi possível desenvolver um
modelo formal para descrever padrões regulares universais no
modo pelo qual nos comunicamos lingüisticamente.
Reconhecendo que abordar o estudo dos sistemas das línguas
naturais, por meio do estudo direto deste conjunto rico e
complexo de expressões, seria uma tarefa homérica e
provavelmente inútil, Chomsky (1971) se voltou para o estudo
das regras para a formação destas expressões, a sintaxe. O fez
com base na convicção de que estas regras podem ser estudadas
independentemente do conteúdo. Por exemplo, os falantes
nativos de uma determinada língua possuem intuições coerentes
sobre o que é e o que não é uma frase bem formada desta língua,
embora não estejam conscientes de como podem realizar tal
julgamento. Assim, o propósito do modelo transformacional de
Chomsky é representar formalmente os padrões das intuições
que temos sobre nosso sistema de linguagem.
Como afirma Greene (1980), em 1957 Chomsky propôs
que a gramática de uma linguagem é como uma teoria científica.
Baseia-se numa quantidade finita de observações (as obtidas por
uma pessoa – no caso o lingüista – durante a sua vida) mas
como qualquer outra teoria generalizante, sua função é deduzir
todas as expressões particulares que possam ser produzidas por
um falante nativo dessa língua. É notável a sintonia dessa idéia
particular de Chomsky com a visão do método científico
hipotético-dedutivo, em oposição ao modelo indutivista
positivista. Mais a frente, veremos como estas idéias podem se
integrar, com adaptações (Chomsky é inatista), à epistemologia
construtivista popperiana e piagetiana.

35
Como afirma Gardner (1996), Chomsky estava
abordando a linguagem de uma forma muito diversa tanto do
Behaviorismo como do Estruturalismo filosófico de seu tempo.
Ele acreditava que o âmago da linguagem é a propriedade da
sintaxe, a capacidade exclusiva à espécie humana de combinar e
recombinar símbolos verbais em certas ordens especificáveis, a
fim de criar um número potencialmente infinito de sentenças
gramaticalmente válidas. Além disso, a sintaxe era vista como
um nível básico, como um programa de combinações de
palavras, independente de seu significado (semântica) e som
(fonologia). O que se evidencia é que a abordagem de Chomsky
(1971) para a linguagem é abstrata, ele considera uma fútil perda
de tempo inventariar como de fato as pessoas falam, seus
pequenos erros, pausas, lapsos de memória. Seu interesse não é
descritivo, é normativo: para Chomsky a lingüística deveria,
como diz Gardner, se concentrar “nesta forma idealizada,
virtualmente platônica”, em “estudar a linguagem como uma
forma ideal” (1996, p. 206).
O impacto de Chomsky na Psicologia foi profundo e se
deu em diversos campos, como a psicologia do pensamento, do
desenvolvimento e até mesmo a psicologia clínica, com a
original obra de Richard Bandler e John Grindler “A Estrutura
da Magia” (1977). Esta obra, fundadora do campo que hoje se
conhece em psicoterapia como Neurolingüística, é uma original,
sugestiva e ainda pouco aproveitada integração da gramática
transformacional com a teoria da personalidade. Ela apresenta
um modelo muito verossímil de acesso ao inconsciente
cognitivo lingüístico através da aplicação dos conceitos de
estrutura superficial e estrutura profunda de Chomsky ao
processo de comunicação em psicoterapia. Mas, foi na fundação
de todo um novo campo de pesquisa em Psicologia Cognitiva, a
Psicolingüística, que a força da influência de Chomsky na
Psicologia se mostrou mais evidente. Toda a extensão da

36
aplicação das idéias de Chomsky a este novo campo foi bem
descrita por Judith Greene (1980).
Mas são outros tipos de influência que nos interessam
diretamente aqui. Primeiro, que a teoria de Chomsky era uma
das primeiras evidências da fertilidade do conceito de que regras
regulavam alguns processos psicológicos, as estruturas
cognitivas. Era uma das primeiras tentativas bem sucedidas no
sentido da descrição de processos psicológicos (no caso a
linguagem) em termos puramente formais para comparação
posterior desse modelo com a realidade. Essa interação foi feita
por psicólogos cognitivos experimentais que passaram a testar
múltiplos aspectos e implicações psicológicas das teorias de
Chomsky (Greene, 1980).
O segundo tipo de influência, é a vitória, poderia se
dizer, total das teses de Chomsky sobre as teses behavioristas
acerca da aquisição da linguagem elaboradas pelo maior dos psi-
cólogos behavioristas, Skinner. Essa vitória teve uma força sim-
bólica profunda na Psicologia, e marcou talvez o ponto de infle-
xão na trajetória da Psicologia acadêmica norte-americana. Parte
dessa força simbólica, vem do fato de que Skinner consumiu
quase uma década de estudos para elaborar aquela que ele acre-
ditava seria sua obra máxima, o coroamento da Psicologia Beha-
viorista até então: o “Comportamento Verbal”, também de 1957.
No entanto, o jovem Chomsky (1967, [1959]) só precisou de
uma resenha, hoje célebre, para refutar completamente as teses
do Verbal Behavior. O cerne da questão é que Skinner tenta
explicar o comportamento verbal em termos de condicionamen-
to operante, ou seja, dos reforçamentos ou punições a sentenças
emitidas pela criança, ou no máximo, ouvidas por ela, ignorando
completamente os aspectos estruturais e criativos da linguagem.
A criação de novas sentenças, para Skinner, era o resultado da
emissão aleatória de comportamento verbal operante que era re-
compensada. Chomsky demonstra que a noção que Skinner tem

37
de aquisição de comportamento verbal por imitação e reforço é
extremamente pobre e inverossímil, pois uma criança produz
uma inumerável quantidade de sentenças as quais nunca ouviu e
para as quais jamais recebeu reforço, que no entanto são grama-
ticalmente impecáveis. Até em seus erros, uma criança geral-
mente demonstra que o que está aprendendo são regras de trans-
formação, não sentenças inteiras. Quando uma criança conjuga o
verbo ir no passado da primeira pessoa como “eu iu”, ela de fato
está aplicando corretamente uma regra de transformação que
inconscientemente acredita que deveria se aplicar a todos os
verbos da língua portuguesa que terminam em ir, e apesar de ser
punida quando da emissão da sentença, provavelmente voltará a
emiti-la algumas vezes até aprender a expressão “correta”. Esta
segunda, pode até ser aprendida por condicionamento, mas
somente e exatamente porque é uma exceção irracional. Como
lembra Gardner, o fato de Skinner nunca ter respondido publica-
mente às críticas de Chomsky sinalizou para os envolvidos nos
termos do debate “a falência teórica da posição behaviorista”
(1996, p.209). Portanto, este triunfo sobre o maior dos behavio-
ristas, assim como sua teoria que foi um dos primeiros modelos
bem-sucedidos de teoria cognitivista, foi um sinal consistente de
que começava uma nova era na Psicologia.
O terceiro tipo de influência vem das origens cartesianas
e kantianas das idéias básicas de Chomsky (1971). O caráter
extremamente abstrato do aprendizado e utilização de uma lín-
gua, aliado ao tempo extremamente rápido com que uma criança
a aprende, faz com que Chomsky afirme que a única explicação
plausível para esse fenômeno era a de que o ser humano nasce
com uma forte inclinação para aprender uma língua, e que essas
formas possíveis de aprendê-la eram rigidamente delimitadas.
Em outras palavras, Chomsky é inatista, e trouxe esta posição
de volta à arena psicológica. Mais do que isso, Chomsky é
declaradamente um mentalista, que acredita que os tipos de

38
teorias abstratas necessárias para se explicar a línguagem seriam
melhor compreendidas num contexto onde o conceito de mente
estivesse plenamente resgatado. Por todo o exposto acima, não é
difícil compreender porque Chomsky é um dos mais influentes
personagens da Revolução Cognitiva e um dos ícones do
Cognitivismo.

1.4 Ciência Cognitiva hoje

Expomos acima algumas conseqüências filosóficas e


psicológicas dos avanços da ciência no século XX que tiveram
influência direta sobre o surgimento do Cognitivismo e da
Psicologia Cognitiva. Nos capítulos que se seguirão, muitas
destas influências terão suas conseqüências desdobradas, na
análise dos fundamentos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos da Psicologia Cognitiva.
Por hora, a título de conclusão, é importante lembrar que
não é objetivo deste livro a análise de qualquer teoria específica
sobre qualquer área da Psicologia Cognitiva, muito menos da
Ciência Cognitiva como um todo. Sempre que surgem, estas
teorias são apresentadas de forma sintética, a título de exemplos
que ilustrem determinada argumentação ou explicitem alguma
afiliação filosófica. Portanto, não nos cabe apresentar um pano-
rama do estado geral da Psicologia Cognitiva contemporânea,
muito menos da Ciência Cognitiva como um todo.
No entanto, ainda alguns comentários nesta contextuali-
zação histórica são pertinentes. Depois da grande profusão de
campos e teorias dos primeiros anos, com trabalhos vindos de
disciplinas tão díspares como a Matemática, a Engenharia
Eletrônica, a Neurologia, a Psiquiatria, a Psicologia, a Lingüís-
tica, a Antropologia e a Filosofia da Mente, a Ciência Cognitiva
se cristalizou em três grandes campos de investigação (Eysenck

39
& Keane, 1994): a Psicologia Cognitiva experimental, a Neuro-
psicologia Cognitiva e a Inteligência Artificial. Nosso problema
de investigação aqui é somente o dos fundamentos filosóficos do
primeiro deles: a Psicologia Cognitiva. No entanto, sua relação
metodológica com a Neuropsicologia Cognitiva e com a
Inteligência Artificial será apropriadamente abordada no
capítulo quatro.
Ainda concluindo, no campo da inteligência artificial,
como nos demonstra Gardner (1996) e Eysenck & Keane
(1994), as teorias do processamento serial de informação foram
abandonadas, e substituídas por diferentes teorias de processa-
mento paralelo. Três novos modelos de processamento cognitivo
já se erigiram: as redes semânticas, os sistemas de produção e as
redes conexionistas. Nos últimos anos, as redes conexionistas
têm consumido grande parte dos recursos disponíveis para pés-
quisa em Inteligência Artificial, sem no entanto, conseguir apre-
sentar resultados promissores na simulação de quaisquer apti-
dões cognitivas humanas. Mesmo os resultados em percepção,
carros-chefe da teoria, são altamente questionáveis. Há muitos
motivos para acreditar que as redes conexionistas são um enor-
me erro e desperdício de esforço e recursos. Para a compreensão
dos motivos que levam a esta avaliação, remeto às últimas obras
de Jerry Fodor (1998, 2001) e Stephen Pinker (2004).
Do mesmo modo, torna-se cada vez mais evidente que
não podemos representar todos os tipos de processos cognitivos
de uma forma global. Tornou-se posição dominante na Psicolo-
gia a abordagem modular dos processos cognitivos, defendida
por nomes como Noam Chomsky (1981), Jerry Fodor (1983) e
sua teoria da modularidade da mente e Howard Gardner (1995)
e sua teoria das inteligências múltiplas. O que essa abordagem
defende, é que a mente é formada por vários módulos de
processamento de informação, e cada um desses módulos opera
de forma relativamente independente dos outros, processando

40
somente um tipo específico de informação (visual, corporal,
musical, lingüística, etc.). O princípio que organizaria o
funcionamento de cada diferente módulo seria inato, não
apreendido. Assim, nos capítulos adiante deste livro, serão
abordadas algumas características e conseqüências das teorias da
abordagem modular da mente.

41
CAPÍTULO 2
PSICOLOGIA COGNITIVA E ONTOLOGIA

Este capítulo aborda a questão dos pressupostos ontoló-


gicos (e porque não dizer, metafísicos) que estão no fundamento
do Cognitivismo, assim como as questões fundamentais da Psi-
cologia Cognitiva que dependem diretamente de seus fundamen-
tos ontológicos. Portanto, aqui se analisam as crenças que o
Cognitivismo assume, explícita ou implicitamente, acerca da na-
tureza de seu objeto de estudo, e que determinam seu desenvol-
vimento como programa de pesquisa. Também aqui se farão
mais claras as implicações e relações com as posições ontológi-
cas das demais abordagens em Psicologia. Está o capítulo divi-
dido em quatro subitens. O primeiro é sobre a questão da avalia-
ção das posições ontológicas assumidas pelo cognitivismo em
relação às assumidas pela ciência moderna, particularmente em
relação ao problema do determinismo. O segundo trata da ques-
tão específica do objeto de estudo da Psicologia Cognitiva, con-
forme definido por seus autores mais representativos. O terceiro
trata da imagem de ser humano que está explícita e implicita-
mente ligada ao Cognitivismo, também investigando se pode-
mos falar de um reducionismo cognitivo, mais especificamente,

42
realiza um inquérito sobre a questão do papel da emoção na
Psicologia Cognitiva. O quarto subitem investiga as posições
assumidas pelo cognitivismo em relação ao problema mente-
corpo e define de que maneira é legítima a afirmação de que a
Psicologia Cognitiva representa um novo dualismo.

2.1 Pressupostos Ontológicos da Psicologia Cognitiva

Aqui abordaremos o problema de como a Psicologia


Cognitiva se coloca em relação aos pressupostos que são
necessários à atividade científica. O primeiro pressuposto é
sobre a existência do objeto de estudo, o segundo, sobre a
regularidade do objeto.

2.1.1 Cognitivismo e Realismo


A Psicologia Cognitiva, uma vez que em algumas de
suas abordagens metodológicas lança mão de construções
puramente formais dos processos de pensamento – as estruturas
ou programas – poderia deixar, numa análise superficial, alguém
por alguns momentos em dúvida quanto à sua afiliação
ontológica. Porém, uma vez que ela pressupõe que os processos
para os quais ela está construindo modelos ideais ou as
estruturas que ela está procurando descrever tem existência real
na mente de outros sujeitos, ela pressupõe o realismo. As
representações, os processos e as estruturas psicológicas – as
cognições – existem na mente de sujeitos que fazem parte de um
mundo real e objetivo. E embora as teorias que temos delas, os
modelos, sejam somente construções nossas que se aproximam
da realidade, elas são construídas em interação com o real. Ou
seja, estamos falando de um realismo crítico.

43
Não é difícil encontrar explicitações deste compromisso
filosófico. Veja por exemplo o que afirma Ulric Neisser na
introdução do primeiro livro texto da Psicologia Cognitiva:

“A razão básica para estudar processos cognitivos


se tornou tão clara quanto a razão para estudar
qualquer outra coisa: porque eles estão aí. Nosso
conhecimento sobre o mundo precisa de alguma
maneira ser desenvolvido a partir do input-estímulo;
a teoria dos idola é falsa. Processos cognitivos
obviamente existem, portanto dificilmente pode ser
anticientífico estudá-los.” (1967, p.05)

Na introdução de outra obra, Neisser (1975) afirma que a


percepção, como a evolução, é “certamente uma questão de
descobrir o que o ambiente é realmente e se adaptar a ele”
(p.09). Outro importante cognitivista, Jerry Fodor, afirma em
um clássico da filosofia do século XX, “The Language of
Thought” de 1975, que uma vez que alguns processos mentais
são computacionais, é preciso haver representações em algum
lugar sobre as quais os cômputos possam ser realizados de
alguma maneira. Fodor (1975) resgata a assim chamada folk
psychology. Para ele crenças e desejos, como usados pela
psicologia do senso comum, são reais, existem como estados
cognitivos que possuem eficácia causal. Outro dos conceitos
fundamentais da Psicologia que é resgatado para o terreno do
realismo é o conceito de consciência, visto como um fenômeno
real, condicionado mas não redutível ao biológico (Sperry,
1993; Bruner, 1997; Miller, 1985).

2.1.2 Cognitivismo e Determinismo


O compromisso do Cognitivismo com o determinismo
não é tão claro como seu compromisso com o realismo crítico.

44
Isto se dá porque o Cognitivismo, de forma geral, aceita tanto as
causas quanto as razões como determinantes do comportamen-
to. Muitas críticas humanistas ao longo do tempo tem sido des-
feridas injustamente ao Cognitivismo, confundindo suas posi-
ções com as posições majoritárias (não unânimes) de setores das
Ciências Cognitivas (Inteligência Artificial e Neurociências),
onde somente o conceito de causa merece relevância para expli-
car os comportamentos e processos mentais. Desde que a obra
clássica de Miller, Galanter e Pribram (1960) “Plans and the
Structure of Behavior” recolocou o conceito de meta no cenário
psicológico, a questão teleológica, finalista, começou a voltar à
cena. Neste contexto, fica mais fácil o entendimento da última
afirmação do parágrafo acima, sobre a realidade da consciência
para o Cognitivismo. Como afirma Penna (1984), numa perspec-
tiva positivista que somente opera com regularidades causais, o
conceito de consciência revela-se descartável, mas quando ope-
ramos com fins, metas, valores, o conceito de consciência como
fenômeno intencional e foco de atividade capaz de produzir
comportamento orientado por razões torna-se imperioso.
Porém é evidente que a Psicologia Cognitiva considera
que os processos cognitivos se desenvolvem de acordo com leis
que podem ser aproximadamente descobertas e representadas,
mas esta crença, como já nos advertia Neisser (1967), só existe
em relação aos processos mais automáticos da cognição, não em
relação aos processos superiores, particularmente os criativos e
de atribuição de significado. Em “Cognition and Reality”,
Neisser (1975) desenvolve argumentação que acrescenta mais
problemas sobre qual tipo de regularidade o cognitivismo enxer-
ga em seu objeto de estudo. Para ele, quanto mais conhecemos
determinada situação, menos podemos ser controlados por ela.
Em outras palavras, quanto mais sabemos, mais livres somos,
porque podemos agir e escolher mais livremente com base em

45
razões, e não reagirmos em virtude de causas. Conseqüente-
mente, quanto mais livres, menos previsíveis.
Podemos distinguir três tipos de posição diferentes
advogadas por cognitivistas. Duas delas foram definidas por
Robinson (1985). A primeira, ele denominou “compatibilismo”.
Em suma, esta posição advoga a tese de que causas e razões não
são ontologicamente distintas, uma vez que as próprias razões
são causadas por fontes físico-naturais. Acredita-se aqui que a
consideração de duas fontes para o comportamento humano é
meramente para facilitar a análise. Em outras palavras, o
“compatibilismo” não é nada mais que “hard determinism”.
A segunda posição é a mais disseminada entre cogniti-
vistas e humanistas. Robinson (1985) a classifica de voluntaris-
mo, que advoga a tese da distinção ontológica entre causas e
razões e garante ao ser humano a condição de agente, o autênti-
co autor de cognições e ações que, desta forma, não são caóticas
ou não-causadas, mas determinadas pelo que ele denomina
causalidade do agente (agent-causality). Dito de outra forma,
todos os eventos do universo teriam uma causa, mas esta pode
ser tanto eficiente como final, tanto ser uma contingência de
uma lei física como uma razão orientada teleologicamente a um
valor ou uma meta.
Por fim, ganha força atualmente no Cognitivismo a tese
de uma terceira forma de determinismo, influenciada pelo Ges-
taltismo e a Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1977).
Roger Sperry (1993), único psicólogo (neuropsicólogo) vence-
dor do prêmio Nobel (por seus estudos sobre especialização
hemisférica cerebral), nos apresenta esta tese que poderíamos
denominar “determinismo bi-direcional”. Partindo do pressupos-
to holista de que “o todo é mais que a soma de suas partes”, ou
seja, de que os todos apresentam propriedades irredutíveis às
propriedades das partes que o constituem, essa doutrina do de-
terminismo considera que o caminho da causação entre os todos

46
e as suas partes constituintes é bi-direcional. Sperry acredita que
esta nova concepção de determinismo estaria sendo exportada
para vários campos das ciências, inclusive para a própria física,
ainda razoavelmente desnorteada com os resultados não-
deterministas da Física Quântica. Em suas próprias palavras:

“Na minha presente análise, ambas as mudanças – para


o mentalismo e para o holismo – estão interligadas,
amarradas e dependentes ao e do modelo revisado do
determinismo causal. Ambas dependem da realidade
causal de fenômenos emergentes irredutíveis que
interagem como todos em seu próprio nível macro e no
processo carregam seus constituintes integrados ao largo
de um curso espaço-temporal determinado por interação
emergente no nível mais alto. A pró-atividade subjetiva
pode então ser vista como uma instância especial de
controle descendente, um caso especial de causalidade
emergente no recípocro paradigma de-cima-para-baixo
para o controle causal.”(pág. 10)

Qualquer atividade de busca de conhecimento se baseia


na crença de que, ao menos em algum de seus aspectos, o objeto
é estável, ou que sua transformação se submeta a leis ou padrões
estáveis. Apesar das discrepâncias no seio do Cognitivismo,
podemos sem dúvida afirmar algo unânime em relação à sua
posição sobre o problema ontológico da regularidade do objeto.
Está claro que o Cognitivismo se compromete com uma visão de
ser humano proativo, auto-orientado. No entanto, também
defende que grande parte do processamento cognitivo de
informações obedece a rígidos padrões, e é sobre estes que se
pode formular leis e fazer pesquisa nomotética. Desta forma,
julga parte de nossos processos cognitivos como passíveis de
investigação científica, respeitando, nas três diferentes formas
de posição frente ao determinismo consideradas aqui, o

47
princípio da regularidade causal (em ao menos alguns de seus
aspectos) de seu objeto de estudo.

2.2 O Objeto da Psicologia Cognitiva

Quando abordada não como “metateoria” mas sim como


área de pesquisa, podemos oferecer uma definição bem geral e
representativa acerca do objeto da Psicologia Cognitiva, ligada à
tradição do processamento de informação. Como define Penna
(1984), este campo se caracteriza como o “estudo da extração,
estocagem, processamento, recuperação e utilização de
informações” (p.05). Em Cognitive Psychology, Neisser (1967)
define a Psicologia Cognitiva, parafraseando Freud e a doutrina
estímulo-resposta do Behaviorismo, como o estudo das
“Informações do estímulo e suas vicissitudes” (p. 04). Seguindo,
ele explica a brincadeira:

“Como é usado aqui, o termo ‘cognição’ se refere a


todos os processos pelos quais o input sensorial é
transformado, reduzido, elaborado, estocado,
recuperado e usado. Ele diz respeito a estes processos
mesmo quando eles operam na ausência de estimulação
relevante, como em imagens ou alucinações. Tais termos
como sensação, percepção, imaginação, retenção,
recuperação, resolução de problemas e pensamento,
entre muitos outros, referem-se a estágios hipotéticos ou
aspectos da cognição.” (1967, p. 04)

Assim a meta da Psicologia Cognitiva é estabelecer as


regras de transformação da informação que entra no sujeito
(input) na informação que sai do sujeito (output). Estas regras
podem ter a forma de procedimentos de manipulação de
símbolos (Fodor, 1975), estratégias para realização de metas e

48
estruturas cognitivas. Dentro desta definição, é necessário
lembrar que os cognitivistas não consideram que a maioria
destas regras, estratégias e estruturas sejam formas que
permaneçam inalteradas desde o nascimento. Portanto, podemos
investigá-las tanto em suas formas terminais, como fez
Chomsky (1971), quanto através do processo de seu
desenvolvimento, como fez Piaget (1979). Voltaremos a isto no
item relativo à explicação na Psicologia Cognitiva.

2.2.1 O que é cognição? O problema da representação mental


Algumas pressuposições que merecem consideração
acompanham a definição acima dada de objeto da Psicologia
Cognitiva. A primeira é a sobre as representações mentais.
Como afirma Gardner (1996), ao discutirmos atividades
cognitivas humanas é necessário falar de representações mentais
e criar um nível de análise do fenômeno humano completamente
separado do neurológico por um lado e do sociológico do outro.
Como vimos acima, as representações mentais tem existência
real, não são ficções úteis. Como afirma Gardner (1996), a
Ciência Cognitiva, e aí se inclui a Psicologia Cognitiva,

“...está fundada sobre a crença de que é legítimo – na


verdade necessário – postular um nível de análise
separado, que pode ser chamado de ‘nível da represen-
tação’. Quando trabalha neste nível, um cientista trafega
por entidades representacionais tais como símbolos,
regras, imagens – o material da representação que é
encontrado entre o input e o output – e além disto
investiga as formas nas quais estas entidades
representacionais são combinadas, transformadas ou
contrastadas umas com as outras.” (p. 53)

Assim o psicólogo cognitivo não vê a utilidade das


descrições de estados de células nervosas, influências culturais

49
ou experienciais para o estudo científico do pensamento. Para
tal, a “atividade cognitiva humana deve ser descrita em termos
de símbolos, esquemas, imagens, idéias e outras formas de
representação mental” (Gardner, 1996, p. 54). No entanto,
apesar do inequívoco consenso quanto à necessidade da
postulação deste nível diverso de análise e da relativa
irrelevância do estudo do cérebro para a compreensão das regras
e padrões de manipulação de representações (o inverso não é
verdadeiro...), não existe acordo entre os cognitivistas quanto ao
que são representações mentais. No começo da revolução
cognitiva, era comum a postulação de que havia uma única
forma de representação mental (as proposições ou enunciados
lógico-discursivos). Esta era a posição importada dos modelos
de Inteligência Artificial (Newell, Shaw & Simon, 1958). A
partir dos estudos de Roger Shepard e posteriormente de
Stephen Kosslyn (op. cit. in Gardner, 1996, p.143 e 343) sobre
imagética, generalizou-se a opinião entre os psicólogos
cognitivos que considerar as representações proposicionais-
lingüísticas a única forma de “língua” da cognição era um
grande erro. Ao menos uma segunda forma, a imagem, parecia
ser absolutamente necessária diante das evidências apresentadas.
James Fetzer (1988), ampliando o domínio do debate,
propôs uma teoria semiótica da representação mental. A semióti-
ca, criada pelo filósofo americano Charles Peirce (1839-1914)
pretende ser a ciência geral do signo. Ela parte do conceito de
signo como sendo alguma coisa que representa outra coisa em
algum aspecto ou outro para alguém. Para Fetzer (1988), uma
vez que a cognição é a manipulação de representações, ela não
pode ser somente a manipulação de um único tipo de signo, a
linguagem, mas sim de todos os tipos de signos. Valendo-se da
classificação de Peirce, ele identifica portanto três tipos de
representação mental: os ícones, que são signos que representam
coisas em relação às quais se assemelham em algum aspecto (a

50
estátua de JK com o ex-presidente, sua foto da carteira de
identidade com você); os índices, que são os signos que
representam outras coisas porque são causas ou efeitos delas
(“onde há fumaça, há fogo”, as pintas na pele em relação à
catapora), e finalmente os símbolos, que são aqueles signos que
não tem nenhum tipo de relação ou semelhança natural com as
coisas que representam, sendo portanto arbitrários e os mais
abstratos de todos. A estes pertence a linguagem falada e escrita.
Atualmente, uma terceira posição se tornou hegemônica,
tendo se desenvolvido a partir dos trabalhos de Fodor (1983) e
Chomsky (1981) sobre a modularidade da mente e de Gardner
(1995) sobre as inteligências múltiplas. Segundo esta, não existe
uma nem duas nem três formas de representação, mas múltiplas.
Este ponto de vista, cada vez mais bem calcado em dados
empíricos, garante a especificidade do objeto psicológico em
relação ao domínio da Inteligência Artificial.
De qualquer maneira, o importante é que o Cognitivismo
ganhou a batalha pelo objeto da Psicologia. Como podemos ob-
servar em qualquer livro texto atual de introdução à Psicologia
(Weiten, 2002; Davidoff, 2000; Atkinson, 2002), embora o com-
portamento continue a ser considerado objeto de investigação
psicológica, o é na medida que a partir dele podemos inferir os
processos cognitivos que são por ele responsáveis. Este é outro
ponto importante. O Cognitivismo defende, como define Baars
(1986), que psicólogos observam o comportamento, mas sim-
plesmente para fazer inferências sobre os fatores subjacentes
que podem realmente explicá-lo. Portanto, em consonância com
o Racionalismo Crítico, eles concordam que os dados da ciência
devem ser públicos, mas não necessariamente o seu objeto de
estudo. Este último, somente necessita gerar conseqüências em-
piricamente observáveis para em tese ser passível de investiga-
ção científica. Voltaremos a esta questão no item sobre Episte-
mologia. Aqui é suficiente concluir que, apesar de haver ainda

51
dissenso quanto ao melhor ou aos melhores modelos de
representação, todos os psicólogos cognitivos concordam com a
necessidade de postulação de um nível de representação mental.
Fodor (1975) argumenta de maneira persuasiva sobre a
necessidade de postulação de um nível de representação mental.
Nós sabemos que eventos mentais são intencionais, no sentido
que Brentano deu ao termo, ou seja, sempre se referem a algo
além de si mesmo. Eu desejo algo, eu amo alguém, eu quero
isso, eu creio naquilo. Sempre. Não há desejar em si, amar em
si, querer em si, crer em si. Todo ato de consciência se refere a
algo. Assim, intencionalidade requer símbolos, porque símbolos
são os únicos portadores de significado que existem. Assim, se a
manipulação de símbolos é feita de maneira sintática, lógica,
então raciocinar pode ser resumido como se segue. Símbolos se
referem a coisas reais, no mundo ou a significados ideais. Uma
vez que você admite que o símbolo (4) se refere ao objeto ideal
quatro, esta representação corresponde à outra representação em
uma espécie de “linguagem de máquina cerebral”, o mentalês.
Esta representação em mentalês sofrerá uma série de transfor-
mações que são as manipulações lógicas do raciocínio, até que
no fim delas, evoque outra representação (que corresponde um a
um à linguagem de máquina cerebral – a linguagem do pensa-
mento) como resultado daquele raciocínio, e que será transfor-
mada enfim na representação aceita em nossa linguagem, (8) por
exemplo. Explicando de forma mais simples: para Fodor (1975)
a semântica segue a sintática. Raciocinar é manipular lógica e
sintaticamente símbolos, não semanticamente. A semântica, lo-
gicamente falando, é a condição de verdade da representação.
Ela é dada por sua adequação ao mundo. Se eu tenho a represen-
tação verbal proposicional “Todos os cisnes são brancos”, a con-
dição semântica (nesse sentido lógico estrito) de verdade da re-
presentação é dada pela adequação ao mundo. Mas uma vez
admitida como verdade, o raciocínio não seria nada mais do que

52
manipulação formal destes símbolos, através de uma linguagem
de máquina universal cerebral (mentalês), onde eles estariam de
alguma forma codificados (tanto regras como representações),
que levaria o imput a se transformar no output de que “Ah,
então, se Maria disse que tem um cisne, ele tem ser branco!”.
A primeira formulação da Filosofia da Mente de Fodor
pode soar inverossímil para uns, mágica para outros. Para os
primeiros, é importante lembrar que, certamente, pensar é no
mínimo também manipular símbolos, e esta manipulação é feita
seguindo regras lógicas universais. Portanto, é necessário postu-
lar que, no mínimo, grande parte dos processos de pensamento
são executados por algum tipo de linguagem do pensamento. E
mais do que ninguém, materialistas tem que acreditar nisto,
porque não pode haver computação alguma sem uma linguagem
de máquina pré-instalada. Fodor (1987b, p.457) explica isso de
forma desconcertantemente simples: “a tese de Chomsky [a
teoria lingüística geral é inata], implica a minha sobre o
princípio: nada de informação inata sem representação inata.”
Para os segundos, é simples lembrar que por mais
fantástico que pareça, é exatamente isto que uma calculadora
das mais simples faz: você insere uma pergunta pressionando
símbolos (volta o nosso 4), como quanto é (4 x 5.032) / 37, e ela
responde precisamente, depois de computação lógica, em forma
de representações que significam conceitos ideais para nós: 544.
Supondo que a condição de adequação semântica está
preservada (4 significa precisamente o conceito ideal de quatro e
assim por diante), a verdade do resultado é necessária: a lógica
formal portanto, para Fodor (1975), explica o raciocínio, como
obter conclusões verdadeiras de premissas verdadeiras. Notem
no entanto, que isto não resolve o problema central da
Epistemologia, que é: como obter premissas verdadeiras?

53
2.2.2 A Psicologia Cognitiva estuda indivíduos: o “solipsismo
metodológico”
Outra questão especial importante relacionada à forma
como a Psicologia Cognitiva aborda seu objeto de estudo, é que
ele é considerado monadicamente, e não dissolvido em uma rede
de interações sociais. Em diversos aspectos, podemos dizer que
o conceito de indivíduo é central para a Psicologia Cognitiva.
Seguindo a exposição iniciada no subitem acima, é
preciso chamar a atenção para o fato que se pensar é manipular
símbolos através de regras puramente formais e sintáticas, então
a semântica, o significado das representações, não tem lugar na
explicação psicológica (Bem & de Jong, 1997). Sobre o que
quer que as representações mentais sejam, isso não determina
sua manipulação e portanto o funcionamento de um sistema
formal. O tipo de operação computacional que gera uma
imagem da Mona Lisa num monitor, ou que faz ficarem pretas
as partes do visor de cristal de uma calculadora onde vemos um
número quatro, não tem nada a ver com o significado que estas
imagens representam para um usuário. Searle (1984) foi o
filósofo que ilustrou de maneira mais evidente esta questão, com
sua já bastante conhecida metáfora do quarto chinês.
Em essência sua metáfora é a seguinte. Suponha que um
matemático programador americano fosse trancado num quarto
na China com livros de regras de transformação de ideogramas
chineses em outros ideogramas chineses. Estes livros contêm um
programa hipotético que seria capaz de responder coerentemente
qualquer pergunta sobre uma história infantil. Assim, ele recebe
todo dia uma frase em chinês pela manhã e passa o dia
aplicando as regras nela, conseguindo enfim chegar no fim do
dia aos ideogramas que ele deve entregar como resposta. Como
os ideogramas que ele recebeu eram perguntas sobre uma
história e os ideogramas que ele entregou eram respostas
adequadas a estas perguntas, isso levaria a um avaliador chinês

54
expert em comportamento verbal humano que analisou as
respostas a afirmar que ele tinha compreendido perfeitamente o
texto (que ele nem leu). A pergunta é simples, e também a
resposta. Ele teria compreendido o significado das frases?
Obviamente não. Ele teria processado informação de acordo
com regras lógicas? Obviamente sim. Logo, uma coisa
independe da outra; logo, o que um computador faz, não é o que
a mente humana faz. Um computador processa informação, para
que nós evoquemos significados, que atribuímos às informações
que o computador nos transmite.
É importante aqui, neste momento, aproveitar para
esclarecer uma das maiores confusões (quando não se trata de
má fé) em relação à Psicologia Cognitiva e ao Cognitivismo. O
argumento de Searle não é um argumento contra o cognitivismo
como um todo, nem sequer contra a teoria de Fodor, mas sim
contra a tese da Inteligência Artificial forte, defendida hoje por
(poucos) setores das Ciências Cognitivas. É um argumento
contra o teste de Turing. Fodor não reduz o pensamento a
operações lógicas, justamente porque exclui dele o problema
semântico, para o qual ainda procura solução (Fodor, 1998).
Assim, se temos um programa de computador onde
colocamos uma série de características anatômicas sobre um
animal e ele nos dá o nome de um animal com estas caracterís-
ticas, ele chegou a esta resposta através da aplicação de uma
série de regras formais. O computador não sabe o que é uma
característica anatômica, o que é um animal, um chifre, uma
juba, um touro ou um leão. Assim, saber a que estes símbolos se
referem, qual é o significado do input e do output, não ajuda na
tarefa de explicar como o computador chega à suas respostas. O
que se precisa determinar, é que regras ele usa e que símbolos
ele armazena. O nosso objeto de estudo em Psicologia Cognitiva
portanto, não é o significado da experiência como queriam os
humanistas, mas as regras do pensamento (como a gramática

55
transformacional de Chomsky) e as representações mentais de
todos os tipos (como linguagem ou imagens).
Fodor (1991, [1980]) transforma estas questões num
princípio conhecido como solipsismo metodológico. O aspecto
da mente que pode ser estudado é o puramente sintático.
Portanto, a referência das representações ao mundo exterior está
além dos poderes explicativos da Psicologia Cognitiva. Se uma
paciente acredita em duendes que vivem em Mauá, isto causa
nela o desejo de vê-los, o que a leva a viajar à Mauá e procurá-
los pelas matas. Quer existam ou não duendes, suas
representações deles causaram e explicam seu comportamento.
Não é necessário portanto nada externo ao sujeito psicológico
para explicar o comportamento: somente as informações que ele
recebe, as representações que tem e as regras que aplica para
manipulá-las. É importante enfatizar que este é um princípio
metodológico somente, não ontológico, não se nega a existência
nem a importância do ambiente, se nega somente que ele seja
termo de explicações psicológicas.
É impossível para o cognitivista fazer semântica, diz
Fodor (1991), é impossível o acesso objetivo aos significados
das representações (que permanecem no âmbito do sujeito), mas
dizer isto é obviamente muito diferente do que afirmar o
absurdo de que representações mentais não tem propriedades
semânticas. O problema é que estas não são acessíveis à
investigação científica. Aqui, mais do que em qualquer lugar da
extensa obra de Fodor, se torna evidente que ele não é um
computacionalista radical, e que as críticas humanistas relativas
ao problema do significado e da qualia, não se aplicam a Fodor.
Fodor (1998, 2001) está perfeitamente consciente dos
limites do Funcionalismo e de sua tese da linguagem do
pensamento. A principal limitação para ele é a que se refere ao
problema que Searle (1984) aponta, o problema do significado
das representações. A concepção estritamente funcionalista do

56
significado é holista, focada exclusivamente nas relações causais
entre um símbolo e outro, permanecendo puramente interna ao
sistema simbólico. É claro que esta é uma posição insustentável.
Se uma palavra define seu significado pelas relações que
mantém com outras, isto só pode funcionar se algumas delas
tiverem significado estabelecido. As representações metaforica-
mente se igualariam assim a espelhos numa casa de espelhos
sem visitantes, onde um espelho refletiria outro que refletiria
outro que refletiria o primeiro ad finitum. Proponho aqui um
apelido para esta tese sintática ou holística (funcionalista) do
significado. É tese do dicionário de Roswell. Imagine um
dicionário alienígena encontrado no disco voador supostamente
acidentado em Roswell, 1947. Neste as palavras de uma língua,
o aliegenês, são definidas por outras palavras desta mesma
língua. Em primeiro lugar, ninguém saberia se tratar de um
dicionário. Poderia ser um manual de instruções da nave.
Segundo, como ninguém no mundo conhece o significado de
nenhuma palavra desta língua alienígena, só seria possível, no
máximo, descobrir os símbolos lógicos que representam [e, ou,
ou ou, se então, todo, nenhum, algum, não, igual, mais, menos].
Além disso, poderíamos descobrir relações entre símbolos,
como por exemplo que  mais  é igual a , e assim por
diante. Sobre os símbolos matemáticos, uma vez descobertos os
lógicos, não seria difícil para um computador estabelecer a
inferência. Rapidamente um super-computador descobriria o que
é 4 ou 786,91. Mas se a operação acima estivesse afirmando que
um homem com cabelo preto é moreno, passaríamos a eternida-
de sem saber. Fora da linguagem lógico-matemática, não há
holísmo possível, e é por isso que Fodor (1998) defende uma
concepção atomista do significado, em oposição à frágil teoria
conexionista do mesmo.
Esta concepção internalista é uma nova utopia
materialista, que para salvar o projeto de naturalização da mente

57
desconsidera o mais relevante aspecto da linguagem, deixando-o
sem uma abordagem adequada. Recentemente, Fodor (1998)
tem se dedicado a desenvolver uma nova teoria do significado
das representações primitivas do mentalês, que oferecem as
bases semânticas de todas as representações posteriores.
Voltando à questão da opção metodológica pelo indivi-
dualismo da Psicologia Cognitiva, torna-se mais fácil entender a
naturalidade deste tipo de enfoque para o Cognitivismo como
um todo quando procuramos compreender a estratégia de pes-
quisa da disciplina da Cognição Social (que não tem relação
com a posição de Fodor), a Psicologia Social Cognitivista. É
costume no âmbito da Psicologia Social classificar esta aborda-
gem como a sua abordagem “individualista”. Ela é classificada
desta maneira porque estuda como o ser humano constrói suas
representações sobre outras pessoas ou sobre ele mesmo. Dito
em outras palavras, é o estudo de como pessoas comuns pensam,
sentem e constroem suas representações a respeito de suas
interações sociais. Neste sentido, são levadas em conta cons-
tructos lógicos e variáveis intervenientes. A unidade de análise é
o indivíduo, apesar de ser o indivíduo mergulhado em relações
sociais. Porém, estas relações não estão em jogo diretamente,
somente como são representadas na mente do sujeito, na forma
de crenças e atitudes.
Como afirmam Fiske & Taylor (1995), o estudo da cog-
nição social pode passar por uma detalhada e minuciosa análise
de como pessoas pensam sobre elas mesmas e sobre outras,
baseada em teorias e métodos da Psicologia Cognitiva. Uma das
principais características das abordagens atuais em cognição
social é a importação de modelos da Psicologia Cognitiva, que
descrevem mecanismos de pensamento e aprendizagem que se
aplicam a uma grande variedade de áreas, incluindo percepção
social. Ainda segundo Fiske & Taylor (1995), como esses mode-
los são gerais e como processos cognitivos presumivelmente

58
influenciam fortemente o comportamento social, faz sentido
adaptar a teoria cognitiva para questões sociais.
O que está por trás destas posições no Cognitivismo é a
crença de que o ambiente só é relevante quando afeta causal-
mente o corpo através de seu sistema nervoso, porque este even-
to se transformará em algum tipo de entrada de informação para
a mente. Assim, a Psicologia começa e acaba na mente (a fisio-
logia só é relevante como fonte de alterações nas funções psico-
lógicas), e só interessa para ela o estudo ao nível do indivíduo.

2.2.3 Outras características especiais do objeto de estudo da


Psicologia Cognitiva
Vamos abordar outras questões importantes relacionadas
à forma como a Psicologia Cognitiva encara seu objeto de estu-
do. Comecemos com como ela lida com a dificuldade de
matematização do fenômeno psicológico. O Cognitivismo
trouxe para a Psicologia uma nova forma de abordar o problema,
trazendo uma linguagem tão precisa quanto a matemática,
porém não quantificada: a lógica. Baars (1986) chama esta
linguagem “matemática não-quantitativa”, que incluiria a lógica
simbólica, a álgebra booleana, a topologia e a teoria da função
recursiva. Porém acredito que este termo é inadequado. Devería-
mos simplesmente reconhecer que a Psicologia Cognitiva resga-
tou um fato há muito negligenciado pelo Positivismo em virtude
de sua ênfase no caráter matematizável das leis científicas: leis
nomoteticamente orientadas precisam ser expressas em termos
matemáticos e/ou lógicos. A abordagem hipotético-dedutiva da
Psicologia Cognitiva resgatou a linguagem puramente lógica
para a expressão de leis científicas, e com isso conferiu a leis
psicológicas considerável objetividade, univocidade e falsifica-
bilidade em trabalhos como os de Chomsky e Piaget, sem
precisar recorrer a quantificações aritificiais.

59
Uma terceira questão importante acerca do objeto de
estudo da Psicologia Cognitiva como campo de investigação e
do Cognitivismo como proposta para a Psicologia como um
todo, é o resgate do conceito de consciência. Mesmo os cogniti-
vistas mais ligados à tradição inicial da Teoria da Informação
defendem esta posição. Veja esta passagem, que por sua
abrangência e significação merece ser transcrita, do psicólogo
cognitivo George Miller (1985), um dos ícones do movimento:

“Psicólogos que adotam a consciência como problema


constitutivo de seu campo precisam rejeitar pouco do que
se passa na Psicologia hoje. Eles podem aceitar o in-
consciente, por ele definir as fronteiras da consciência.
Eles podem aceitar a análise comportamental, por ela
prover a evidência para processos conscientes. Eles
podem aceitar estudos de crianças e animais, por eles
revelarem o desenvolvimento da consciência. Eles podem
aceitar a simulação computadorizada, por ela ilustrar a
lógica dos processos conscientes. Eles podem aceitar a
atribuição social, por ela delinear nossa consciência dos
outros. A fé central é que a consciência é um fenômeno
natural e que a disciplina – eventualmente a ciência –
responsável por compreender isto deve ser chamada de
psicologia.” (p. 42)

Assim o que vemos é que o Cognitivismo se caracteriza


como uma Psicologia da consciência, como também defende
Bruner. No entanto, temos que lembrar que no final de sua
carreira, Bruner (1997) passou a dar ênfase a aspectos que ele
considerava esquecidos pela Revolução Cognitiva, defendendo
que originalmente era o significado, e não o processamento de
informações, o objeto central da Revolução Cognitiva. Esta
posição é bastante peculiar e isolada dentro do Cognitivismo.

60
Por fim deveríamos abordar o problema da relação da
Psicologia Cognitiva com a emoção e motivação. Estamos falan-
do até aqui de um objeto anti-séptico, racional. O quanto este
objeto se assemelha a um ser humano? Autores como Neisser
(1967) e Piaget (1973) tornam claro o compromisso do Cogniti-
vismo de colocar em suspenso a questão das influências emocio-
nais e motivacionais na construção das estruturas cognitivas,
embora isso não signifique em nenhuma hipótese a negação
dessas influências. É somente uma decisão metodológica, devida
a não-logicidade e a não adequada quantificabilidade das emo-
ções e motivações. Isto não significa que elas não possam ser
abordadas em uma análise cognitiva, desde que através das
representações cognitivas que elas geram, como metas, crenças
ou códigos restritivos de conduta. Fodor (1975) em seu modelo
computacional da mente não exclui a real existência e eficácia
causal de crenças e desejos. Crença é aquilo que atribuí falsida-
de ou veracidade a representações (“todos os cisnes são bran-
cos” é verdadeiro, “todos os cisnes são rosa” é falso), e desejo é
aquilo que define metas (que podem ser representadas mental-
mente como “vou à praia amanhã”). No entanto, é certo que o
cognitivismo considera as emoções em uma relação de subordi-
nação à cognição. Veremos melhor isto no subitem seguinte,
dedicada a imagem de homem defendida pelo Cognitivismo.

2.2.4 Áreas de estudo da Psicologia Cognitiva


O objeto da Psicologia assim definido é estudado atual-
mente pela disciplina da Psicologia Cognitiva nos tópicos assim
organizados por Robert Sternberg (2000): neuropsicologia,
atenção e consciência, percepção, representação do conheci-
mento, memória, linguagem, resolução de problemas, criativi-
dade, tomada de decisão, raciocínio, desenvolvimento cogni-
tivo, inteligência e inteligência artificial. É um conjunto extre-
mamente grande de questões e problemas. A estes, acrescentaria

61
ainda o estudo dos estados alterados de consciência, como o
sonho. Mas além do vasto campo da Psicologia Cognitiva, o
Cognitivismo estende sua hegemônica influência hoje a todos os
campos da Psicologia. A Psicologia Social Cognitiva é a
abordagem dominante da Psicologia Social (exceto na América
Latina...). Na Psicologia Clínica, a Terapia Cognitiva tem rouba-
do o último campo de sobrevivência da Psicanálise eliminando
progressivamente sua influência, alcançando uma síntese provei-
tosa (a Terapia Cognitivo-Comportamental) com a psicoterapia
cientificamente fundamentada de origem behaviorista. Hoje,
mais do que há vinte anos atrás (Gardner, 1996 [1985]; Baars,
1986; Penna, 1984, Mayer, 1981), podemos dizer que vivemos
uma era cognitivista na Psicologia.

2.3 A Imagem de Ser Humano no Cognitivismo

Este terceiro item trata da imagem de ser humano que


está explícita e implicitamente ligada ao Cognitivismo. Ampli-
ando a definição de Penna (1984), dividirei esta exposição em
treze tópicos que caracterizam o modelo antropológico adotado
pelo Cognitivismo, que considera que o ser humano: 1) é dota-
do de consciência; 2) é ativo; 3) é movido por causas e razões;
4) é orientado à metas; 5) é um processador de informação; 6)
tem seus processos cognitivos governados por regras; 7) possui
um inconsciente cognitivo; 8) constrói as regras que coordenam
sua cognição; 9) possui tendências inatas para desenvolver
certas estruturas; 10) reage a significados atribuídos; 11) tem
emoções que atuam através da cognição; 12) é epistemicamente
motivado; 13) é constituído de mente e corpo, que interagem e
se influenciam mutuamente. Como os primeiros tópicos acima já
foram consideravelmente abordados, eles serão aqui simples-
mente sintetizados. É a partir do sétimo tópico em diante que
será concentrado o esforço desta exposição, sendo que a décima
62
terceira questão, a da concepção cognitivista sobre a relação
mente-corpo, será exposta no item 2.4.

2.3.1. O ser humano é dotado de consciência


Como já abordado (Miller, 1985; Penna, 1984), o resgate
do conceito de consciência é uma das características centrais da
imagem de homem promovida pelo Cognitivismo. Cabe aqui
acrescentar no entanto, que por consciência não se entende um
epifenômeno descartável, que uma vez excluído em nada altera-
ria as seqüências de comportamento a serem efetuadas por um
organismo, conforme concebiam filósofos behavioristas e positi-
vistas que ousavam abordar esta questão. No Cognitivismo, a
consciência não é o fantasma na máquina de Ryle (1949), ela é a
dona da máquina. Nomes como Neisser (1967) e Sperry (1993)
consideram a consciência uma propriedade emergente da ativi-
dade cerebral, que no entanto (Sperry, 1993), possui proprieda-
des que não se reduzem às propriedades desta atividade. Isto
leva ao interacionismo característico da posição mente-corpo do
Cognitivismo, que veremos no item 2.4. De resto, cabe aqui
ainda lembrar o argumento de Penna (1984, p. 45) em favor da
relevância da consciência como fenômeno biológico, em contra
dos pouco verossímeis argumentos de Ryle e dos behavioristas.
Neste, lembra ele que a tese behaviorista da irrelevância da
consciência não se compatibiliza com o fato de sua preservação
ao longo do processo evolutivo, já que segundo a teoria da evo-
lução a vida tende a descartar as formações emergentes inúteis e
desnecessárias. Se a consciência fosse um simples epifenômeno,
seu destino já teria sido o desaparecimento. Neste ponto, é
preciso escolher: ou o Behaviorismo ou o Evolucionismo.

2.3.2. O ser humano é ativo


A proatividade, o agency (poderíamos talvez dizer, um
certo montante de livre-arbítrio), é característica distintiva da

63
imagem de homem oferecida pelo Cognitivismo. O ser humano
não é uma bola de bilhar reativa num universo mesa-de-bilhar
newtoniano-mecanicista. Ele é um foco de atividade do univer-
so. Busca ativamente metas, constrói ativamente suas estruturas
cognitivas, atribui ativamente significado. Portanto, sem nenhu-
ma dúvida, podemos alinhar o Cognitivismo do lado da tradição
leibniziana da Psicologia ou ainda kantiana contra a tradição
lockeana (Allport, 1975). Como podemos observar, este é mais
um ponto de convergência do Cognitivismo com a Psicologia
Humanista. Piaget (1973) é representante paradigmático desta
posição Cognitivista, com sua Psicologia do desenvolvimento
calcada nos conceitos de organismo ativo e atividade do sujeito
sobre o mundo como responsável pelas construções de suas
estruturas cognitivas. Para Piaget o sujeito psicológico é um
objeto que difere fundamentalmente dos corpos e das forças
cegas que constituem os objetos das ciências físicas.

2.3.3. O ser humano é movido por causas e razões


O cognitivismo reconhece duas ordens de causalidade
para o comportamento humano: as causas eficientes e as causas
finais. A primeira se dá em virtude da natureza físico-química
constitutiva do ser humano que é movida por leis estritas de
causalidade, governada pelo mundo natural. A segunda se daria
(Sperry, 1993) em virtude das propriedades emergentes da orga-
nização e atividade cerebral, a consciência e a atividade dela
resultante. Penna (1984) expõe como este tipo de compromisso
representa mais um afastamento radical da tradição positivista,
uma vez que explicações centradas em razões são derivadas do
conceito de escolha, e este, é indissociável do conceito de
liberdade, que por usa vez, é inconciliável com o determinismo
laplaceano que caracteriza a visão de mundo positivista.

64
2.3.4. O ser humano é orientado a metas
Este caráter agente do ser humano, pode ser representado
cognitivamente através de metas, e dessa maneira abordado con-
ceitualmente através da linguagem da cibernética e do conceito
de feedback. É idéia central do Cognitivismo que o comporta-
mento humano não pode ser adequadamente descrito, previsto
ou compreendido em termos de estímulo-resposta e portanto,
pressões ambientais. Todo o comportamento humano é prospec-
tivo e visa atingir metas através de planos e estratégias de ação
consciente. Como estabeleceram Miller, Galanter e Pribram
(1960), podemos definir um plano de maneira rigorosa como um
processo hierárquico de seqüências de operações a serem execu-
tadas por um organismo, da mesma forma como um programa
para um computador. Se a isto acrescentarmos um modelo
TOTE (test-operate-test-exit) estamos diante de um modelo
cibernético de auto-regulação orientada a metas, ou feedback.
Num modelo de feedback negativo, que é o tipo que estamos
avaliando, parte do output volta como input de forma permitir a
uma máquina cibernética (como um míssil) calcular a margem
de erro entre a meta estabelecida (um alvo) e a atual posição da
máquina (no caso posição no espaço), o que permite ao sistema
ajustar seu comportamento (output) em relação à meta.

2.3.5. O ser humano é um processador de informação


É a metáfora computacional, a visão do ser humano co-
mo um organismo ativo que processa informação, primeiro rece-
bendo-a, depois decodificando-a, transformando-a, armazenan-
do-a, recuperando-a e por fim utilizando-a. É importante enfati-
zar novamente que o Cognitivismo (não as Ciências Cognitivas)
sempre considerou a metáfora computacional somente uma me-
táfora, útil por oferecer linguagem e aparatos conceituais novos
para a abordagem eficiente dos fenômenos cognitivos. O ser hu-
mano, é mais do que um processador de informações (Neisser,

65
1967; Gardner, 1996; Sperry, 1993), mas é certo que ele também
é um processador de informações, e o é, quase todo o tempo.

2.3.6. O ser humano tem seus processos cognitivos governados


por regras;
Este processamento não é aleatório, ele obedece a etapas
processuais e a estruturas, ou seja, a regras estavelmente
definidas. É certo que algumas destas regras podem mudar (o
“programa”, a estratégia), mas outras são muito básicas, são por
assim dizer o “sistema operacional” de nossa mente, e ao que
tudo indica são inatas ou ao menos inata é a tendência à
desenvolvê-las. Os maiores expoentes desta posição no
Cognitivismo, posição compartilhada em uma medida ou outra
por todos os teóricos desta abordagem, são Noam Chomsky
(1971) e Jerry Fodor (1975).

2.3.7. O ser humano possui um inconsciente cognitivo


Portanto vimos que o ser humano processa informação e
possui regras e estruturas para esse processamento. O que não
dissemos é de que forma isso acontece. E majoritariamente, o
processamento de informação se dá de maneira inconsciente,
assim como são inconscientes a maior parte das regras e estru-
turas que governam este processamento. Penna (1984) caracteri-
za o inconsciente cognitivo como um conjunto de estruturas e
processos inacessíveis ou só muito dificilmente acessíveis à
nossa consciência, e lembra que este conceito é derivado da
filosofia de Leibniz. Chomsky e Piaget estão entre os teóricos
que abordaram explicitamente o problema, que hoje ganhou
renovado interesse no Cognitivismo. Exemplos de processos e
estruturas inconscientes são: a estrutura profunda da gramática
transformacional de Chomsky, a linguagem do pensamento de
Fodor, os estágios de desenvolvimento cognitivo de Piaget, as
habilidades presentes na memória implícita, as atribuições

66
perceptivas, e assim por diante. A grande questão em aberto
sobre o inconsciente cognitivo é em relação a sua acessibilidade
ou inacessibilidade absoluta. No começo da revolução cognitiva
a balança pendia para os que defendiam, como Chomsky (1981,
1987), a tese da inacessibilidade. Mas atualmente a tendência
predominante é a de considerá-los, ora sub-conscientes, ora re-
gras e estruturas que podem ser representadas conscientemente.
Aaron Beck (2000), representante máximo da abordagem
Cognitivista da psicoterapia, é defensor desta segunda tese. Ele
declara sobre a relação entre seu conceito de pensamento
automático e o inconsciente cognitivo:

“Os conceitos ‘pensamentos automáticos’ e ‘inconsciente


cognitivo’ possuem muitos aspectos comuns. Embora a
observação clínica tenha revelado que os pensamentos
automáticos são com freqüência muito facilmente
admitidos à percepção consciente, a situação teórica da
noção de ‘automatismo’ sugere que esse processamento
cognitivo talvez seja melhor denominado de ‘pré-
consciente’.” (p.27)

Portanto, existe atualmente a tendência no cognitivismo


da divisão entre inconsciente cognitivo, que seriam as regras e
estruturas não apercebidas de processamento, organização e
armazenamento de informações, e sub-consciente cognitivo, que
seriam os processos automáticos de processamento de
informação e atribuição de significado, não executados ou
controlados pelo foco de atenção da consciência (como um
sentimento desagradável provocado por um lugar ou o
comportamento de dirigir um carro).

2.3.8. O ser humano constrói as regras que regem sua cognição


No mínimo, o Cognitivismo acredita que a maior parte
das regras, processos ou estruturas, que coordenam o processa-

67
mento de informação humano – a cognição – são construídas
pelo sujeito em um processo de contínua interação com o mun-
do. Esta posição nós conhecemos hoje com o nome de construti-
vismo, e tem se tornado extremamente influente na Psicologia
contemporânea. Tem sua origem na Psicologia experimental
com a obra revolucionária de Jean Piaget, que demonstrou como
as formas de raciocínio humanas aparentemente mais naturais
são na verdade construídas ao longo do desenvolvimento nas
suas interações com o mundo. No entanto, o construtivismo
característico da tradição cognitivista se faz acompanhar igual-
mente de uma tradição inatista, exigindo uma síntese superior
entre estas duas posições que, no entanto, não parece mais pro-
blemática. Desde que Chomsky e Piaget promoveram o histórico
encontro de Royaumont, em 1975 – envolvendo além deles no-
mes como Bärbel Inhelder, Hilary Putnam, Jerry Fodor, Gregory
Baetson e Seymour Papert, entre outros (Piatelli-Palmarini,
1987) – vários esforços de síntese entre as duas posições anti-
empiristas foram articuladas. Com o tempo, a boa e velha ciên-
cia moderna têm oferecido suas próprias soluções, demonstran-
do que algumas estruturas e habilidades muito básicas precisam
ser consideradas inatas, evidentemente, sem a eliminação da
necessidade de se postular processos de construção de estruturas
(para um extenso inventário das evidências atuais em suporte do
inatismo, ver Pinker, 2004).

2.3.9. O ser humano possui tendências inatas


Conforme abordado, é igualmente representativa da tra-
dição cognitivista a crença de que certas estruturas muito básicas
da cognição, assim como certos processos também muito bási-
cos, são inatos, ou no mínimo, que a tendência a desenvolvê-los
é inata. Típico representante desta posição é Noam Chomsky
(1971). As pesquisas contemporâneas em Psicologia do Desen-
volvimento sobre as aptidões de recém-nascidos dão sustentação

68
ao inatismo, em capacidades muito básicas. A natureza também
parece dar extensa sustentação ao inatismo, quando a imensa
maioria dos animais apresenta ao nascer grande repertório
instintivo de comportamentos altamente complexos adquiridos
em longo processo de evolução de sua espécie. Não é surpresa
constatar que o ser humano tenha no mínimo algumas estruturas
e regras de processamento “pré-programadas”, como o bios de
um computador. Surpresa seria o contrário. No entanto ambas as
posições não são inconciliáveis. Primeiro, podemos considerar
que existam estruturas e regras cuja potencialidade para se de-
senvolver é inata, mas cujo ato de seu desenvolvimento é cons-
trutivo. Também, poderíamos considerar que poucas e básicas
regras e estruturas são inatas, a partir das quais muitas e comple-
xas estruturas e regras são construídas. Mais uma vez, a filosofia
de Karl Popper já havia compatibilizado filosoficamente cons-
trutivismo e inatismo antes de os problemas surgirem na Psico-
logia Cognitiva. Veremos esta solução no terceiro capítulo.

2.3.10. O ser humano reage a significados atribuídos


Como observou Penna (1984), esta característica do
movimento cognitivista é herdada do trabalho de George Mead.
Este defendia a tese de que seres humanos não reagem a estímu-
los físicos, mas sim aos significados atribuídos a estes estímulos.
Em última análise, poderia se encontrar a raiz deste pensamento
na filosofia estóica. É famosa a máxima de Epicteto, segundo a
qual o que comove o homem não são as coisas mesmas, mas sim
suas opiniões sobre elas. Na Psicologia, entra pelas mãos de
influente artigo de Roger Sperry (1977). Diga-se de passagem,
Bruner (1997) em suas últimas obras reclama que o significado
atribuído, e não o processamento de informação, deveria ser o
verdadeiro objeto de estudo de uma Psicologia Cognitivista. Nos
últimos anos, a questão do significado atribuído como o verda-
deiro determinante do comportamento ganhou destaque renova-

69
do no Cognitivismo com a emergência da extremamente bem
sucedida Terapia Cognitiva, capitaneada por Aaron Beck e que
faz dessa idéia uma pedra angular de sua teoria psicoterapêutica.
Beck (2000) faz das duas declarações a seguir os dois primeiros
axiomas de sua teoria cognitiva da personalidade:

“1. O principal caminho do funcionamento ou da


adaptação psicológica consiste de estruturas de cognição
com significado, denominadas esquemas. ‘Significado’
refere-se à interpretação da pessoa sobre um determi-
nado contexto e da relação daquele contexto com o Self.
2. A função de atribuição de significado (tanto a nível
automático como deliberativo) é controlar os vários
sistemas psicológicos (p.ex., comportamental, emocional,
atenção, e memória). Portanto, o significado ativa
estratégias para adaptação.” (p.24)

Um conhecido exemplo terapêutico atribuido a Phillip


Kendall ilustra bem a questão de como o significado atribuído é
mais importante que a informação para determinar o comporta-
mento. Suponhamos que temos acesso a uma informação objeti-
va: ao sairmos de casa, pisamos em fezes. O significado que
atribuirmos a esta informação determinará nossa reação emocio-
nal e nosso comportamento. Um deprimido poderia atribuir à
informação o significado de que seu dia será terrível, e de que
ele é terrivelmente azarado, que coisas que acontecem com ele
não acontecem com mais ninguém. Como resultado, ficará mais
deprimido. O supersticioso, pode se lembrar da crendice de que
pisar inadvertidamente em fezes no começo do dia é sinal de que
algo maravilhoso irá acontecer, acreditar, e com isso se tornar
confiante. O ansioso, vai lembrar-se de que terá que trocar o sa-
pato, o que o atrasará no mínimo dez minutos para sair, o que o
fará pegar mais tráfego, o que o fará chegar vinte minutos atra-
sado no trabalho, o que fará com que seu chefe perca finalmente

70
a paciência com ele, o que fará com que seja despedido, o que
fará com que fique sem dinheiro para as necessidades do mês, o
que fará com que a mulher o despreze, o que fará com que ela o
abandone e leve com ela seus filhos, o que fará com que sua
vida se destrua, o que o deixará ansioso, ou provavelmente em
pânico. A informação de que pisamos em fezes pode ser uma
bosta. Ou, uma maravilha. Para o Cognitivismo, o que determina
isso é o significado atribuído pelo sujeito à informação.

2.3.11. O ser humano tem emoções que atuam através de


cognições
O estudo cognitivo sistemático da motivação e emoção
ainda é um capítulo em aberto do Cognitivismo e talvez o gran-
de ponto fraco da abordagem, em virtude do não estabelecimen-
to de um adequado sistema de referência para abordar a questão.
A abordagem do processamento de informação tende a ser
inadequada porque o sistema cognitivo, por uma conveniência
metodológica, é considerado isoladamente das influências emo-
cionais e motivacionais. No entanto, o problema da motivação e
emoção não deixou de receber contribuições originais desta
abordagem, que inclusive tem se mostrado extremamente férteis
no principal campo aplicado da Psicologia: a Psicoterapia (Beck,
1982). A posição canônica desta abordagem em relação ao pro-
blema das emoções é a de Jerry Fodor (1975), que transforma o
conceito vago de desejo (ou os correlatos de vontade, impulso,
instinto, pulsão, etc.) numa representação deste (“quero comi-
da”) que interagindo com representações de outras crenças (tem
comida na geladeira) causa uma meta (apanhar comida na gela-
deira). A representação de uma meta, como toda representação,
é computável e determina funcionalmente o comportamento do
sistema. Caracteristicamente, as melhores contribuições neste
campo vem sendo dadas à imagem geral cognitivista de ser hu-
mano por dois campos da Psicologia que foram recentemente

71
invadidos pela abordagem Cognitivista: A Psicologia Clínica e a
Psicologia Social. No campo da Psicologia Clínica, a teoria cog-
nitiva da personalidade (Beck, 2000) postula que as emoções
são mais conseqüências do que causas das cognições, logo, cren-
ças disfuncionais geram emoções disfuncionais, mas o inverso
também é verdadeiro. Ainda, não são os fatos (ou informações)
que nos provocam emoções, mas nossas interpretações sobre
eles. Da mesma forma, o Cognitivismo não vê nas motivações
de origem fisiológica (fome, sede, sexo, sono) poder para
determinar diretamente o comportamento dos sujeitos: como
quaisquer outros estímulos, eles são informações sobre as quais
atribuiremos significados, e é a estes que reagiremos, não aos
estímulos. Esta não é uma idéia difícil de compreender: apesar
da fome, o preso político continua sua greve de fome que já faz
dez dias, pois ele vê nela uma arma política; apesar do desejo, o
monge se comporta de maneira celibatária, pois interpreta o
desejo sexual como uma tentação que o afastará do crescimento
espiritual, não como um prazeroso processo biológico; já o
devasso, come, bebe, dorme e faz sexo não porque não consiga
controlar seus instintos, mas porque acredita que não consegue
ou que não quer. Portanto, vemos aqui que ambas as
formulações partem do pressuposto que a emoção e o desejo são
subordinadas à razão.

2.3.12. O ser humano é também epistemicamente motivado


Estas idéias sobre as relações entre motivação e cogni-
ção, afirmam que parte de nossa motivação é meramente cogni-
tiva, ou seja, voltada para a obtenção de conhecimento mais
apurado do universo. E isto não se daria mediatamente, em vir-
tude de um instinto de sobrevivência e portanto de vontade de
poder, mas diretamente, como uma vontade de sentido. Apesar
das inspirações fenomenológicas, gestaltistas e existencialistas
desta idéia, pode-se dizer que ela vem desde o thaumátzein

72
grego, ou seja, a tese de que o maravilhamento diante do real era
a motivação básica da atividade filosófica. Como aponta Krüger
(1986), foi a Psicologia Social Cognitiva que forneceu modelos
testáveis destas teses, com a Teoria da Atribuição de Fritz
Heider e a Teoria da Dissonância Cognitiva de Leon Festinger.
Poderíamos dizer que estas teorias apresentam visões do ser
humano sucessivamente como cientista ingênuo e como caçador
de consistência.
A visão do ser humano como caçador de consistência
focaliza a questão de como as pessoas explicam seus compor-
tamentos e os das outras pessoas, ou seja, quais as relações
causais que elas atribuem ao mundo social. É baseada na Teoria
da Atribuição, que focaliza a tendência do homem comum de
procurar encontrar explicações para o comportamento humano
em geral, na tentativa de torná-lo prognosticável. Segundo essa
teoria, o ser humano teria como motivação básica a escolha dos
dados que considerasse mais relevantes acerca de comporta-
mentos sociais em geral para com base neles chegar à conclusão
mais lógica sobre suas causas. Aqui, a motivação para o
comportamento seria puramente epistêmica.
Já segundo a teoria da dissonância cognitiva (Festinger,
1975) o ser humano se vê motivado quando percebe discrepân-
cias entre suas cognições. Quando ocorrem implicações contra-
ditórias entre duas crenças importantes para uma pessoa, gera-se
uma ansiedade que desemboca em pressões no sentido da redu-
ção dessa dissonância. Essa redução se daria necessariamente
pelo abandono de uma das crenças, de ambas, ou pela introdu-
ção de uma nova. Isto pode se dar através de uma hipótese
superior que englobe as duas crenças reordenando-as de forma a
eliminar a contradição entre elas, através de uma mudança de
comportamento, da renúncia a um desejo particular, exposição
seletiva a novas informações, e assim por diante. A experiência
da dissonância principia, como coloca Krüger (1986), quando

73
enfrentamos a necessidade de escolher entre duas alternativas
conflitantes. Estabelece-se, a partir do momento em que a
alternativa escolhida se configure insatisfatória. A dissonância
portanto, surge de decisões que precisam ser tomadas, sendo
uma experiência pós-decisional.
Assim, examinamos dois exemplos de teorias cognitivis-
tas (a primeira é de inspiração gestaltista) que ilustram a idéia
básica do Cognitivismo de que a obtenção de conhecimento é
ela própria uma motivação básica do ser humano. Tendo
abordado estas doze características da imagem de homem
oferecida pelo Cognitivismo, só nos resta abordar uma outra.

2.4 A Psicologia Cognitiva e o Problema Mente-corpo

Está claro que o cognitivista promove uma distinção


clara entre dois domínios de análise do ser humano, o físico e o
mental. Foi Neisser (1967) o primeiro psicólogo cognitivo que
assumiu plenamente as conseqüências da conquista filosófica de
Hilary Putnam e percebeu a natureza da utilidade da metáfora
computacional para a Psicologia Cognitiva. Muito embora ele já
a considerasse inadequada “de muitos modos” (p.06), ele havia
percebido que o grande serviço prestado por ela era demonstrar
que, mesmo numa máquina lógica não-biológica como o
computador, existem dois níveis de análise bem diversos: o do
hardware e o do software. Isso legitimava a divisão entre um
domínio de análise físico-cerebral e outro psicológico-mental no
ser humano. O Psicólogo não está interessado em como os dados
são registrados no HD (na época eram ainda as fitas
magnéticas), e sim em entender como funcionam os programas,
as cognições. É por isso que para Neisser a preocupação dos
neurocientistas em como e onde a memória está armazenada é
inútil para o Psicólogo: “Ele quer entender sua utilização, não

74
sua encarnação” (p. 06). Isso seria o mesmo para ele que querer
que o economista que procura entender o fluxo monetário de
capitais na economia se dedique ao estudo de se as moedas
físicas efetivamente utilizadas em certa transação foram de ouro,
prata, cobre, ferro, papel ou ainda cheques.
Esta posição de Neisser, é fruto do decisivo ataque de
Hilary Putnam (1961), desenvolvido anos depois por Jerry
Fodor (1968), ao reducionismo do behaviorismo lingüístico e do
materialismo eliminativo (e a tese da identidade estado mental –
estado cerebral). Este ataque e os novos argumentos propositi-
vos destes filósofos fundaram uma corrente da Filosofia contem-
porânea decisiva para a Revolução Cognitiva: o Funcionalismo.
A idéia central do Funcionalismo é que os estados mentais são
estados funcionais de uma máquina ou de um cérebro, não
estados cerebrais como queria a teoria da identidade, que como
afirma Putnam, não passa de materialismo ingênuo e simplório.
Estes estados funcionais são realizados por estados cerebrais,
mas poderiam sê-lo por outro hardware (outro cérebro no caso)
de maneira correlata ao que acontece quando você instala o
mesmo programa em duas máquinas diferentes com o mesmo
sistema operacional e o coloca para rodar. Pode-se estar falando
de um 486 de um lado e um Pentium 4 do outro, mas se ambas
as máquinas estão rodando num Windows 98 e ambos estão
executando um programa Word 97 para abrir o mesmo arquivo,
ambos os hardwares, que são diferentes, estão no mesmo estado
funcional. Este é o conceito de Putnam (1961) de realizabili-
dade múltipla (de realizável).
Conseqüentemente, a forma física de uma máquina ou de
um cérebro é irrelevante para a determinação do papel funcional
que ele realiza. O que Putnam propõe é que nossos estados
mentais estão para os estados neurofisiológicos da mesma forma
que os estados lógicos de uma máquina estão para os estados
físicos dessa máquina. Assim, podemos reduzir esta idéia à

75
célebre fórmula: A mente está para o cérebro como o software
para o hardware.
Em suma, o mesmo programa pode estar instalado de
infinitas maneiras diferentes num disco rígido, ser executado
fisicamente por arquiteturas das mais diversas (de um Macintosh
a um IBM, de um 486 a um Pentium 4) e ainda assim ter a
mesma função, executar a mesma tarefa com uma seqüência
logicamente idêntica de procedimentos. Tornando um pouco
mais específica esta definição, o que Putnam (1961) estabelece
como Funcionalismo parte do princípio que o propósito dos
computadores é a execução de funções. As funções, sucessiva-
mente, costumam ser consideradas algoritmos, que são seqüên-
cias específicas de operações lógico-matemáticas a ser aplicadas
à informação que entra (input), para transformá-la numa infor-
mação diferente na saída (output). Assim, num sentido colegial,
o que um computador faz é resolver um problema, exatamente
como nós diante de uma função de segundo grau (programa) ao
receber o valor do x (input), aplicamos as regras de transfor-
mação da variável exigida pela função (“rodamos” o programa)
e chegamos à resposta (output). O Funcionalismo portanto, de-
fende a teoria de que mentes são sistemas causais que executam
funções na forma de programas de instruções (Putnam, 1961) A
analogia básica é: computador-input-programa-output, mente-
estímulos-processo-resposta.
Fodor, num dos livros mais importantes do Cognitivis-
mo, “Psychological Explanation: An Introduction to the
Philosophy of Psychology”, de 1968, desenvolve argumentos
virtualmente avassaladores contra o reducionismo do Behavio-
rismo Lingüístico e a tese da identidade materialista. O argu-
mento de Fodor começa com a constatação de que filósofos
analíticos (como Ryle) confundem mentalismo com dualismo de
maneira proposital, e defendem a insustentabilidade do dualismo
não atacando sua verdadeira fragilidade, a doutrina das duas

76
substâncias, mas atacando o mentalismo. Assim lembra Fodor
de uma verdade banal, que seria nada mais que um truísmo em
outros momentos da história da Filosofia: “não é necessário
sermos behavioristas simplesmente para evitar sermos dualis-
tas” (p.59). Ou seja, mentalismo, não implica em dualismo de
substâncias.
Fodor (1968) aponta, entre as muitas fragilidades que vê
no Behaviorismo, uma que seria definitiva: este tenta proibir a
priori o emprego de explicações psicológicas que podem, de
fato, ser verdadeiras (como as baseadas e crenças e desejos).
Para Fodor, o Behaviorismo Lingüístico obviamente não é uma
teoria sobre processos mentais, não tem nada a dizer sobre pro-
cessos mentais internos que causam o comportamento. Ele não
explica nada sobre os mecanismos de produção de comporta-
mentos, somente sobre o processo de “etiquetagem” de palavras
para comportamentos, que nada mais é do que senso comum
banal, ou seja, como as palavras são atribuídas a padrões de
comportamentos manifestos. Já a teoria da identidade (defendida
pelo materialismo eliminativo) abandona a cognição como cam-
po de estudo, reduzindo-a a fisiologia. Ela se resume à identifi-
cação de estados mentais com estados cerebrais, não reconhe-
cendo a ordem distinta entre estes, conforme demonstrada por
Putnam (1961).
O que cabe especialmente neste item é a filosofia da
mente de Jerry Fodor (1975) que é uma das principais realiza-
ções filosóficas do século XX e determina o rumo da posição
cognitivista sobre o problema mente-corpo. Seguindo os passos
de Putnam (1961) e mesmo de Neisser (1967), Fodor vai, em
“The Language of Thought”, bem mais além. Para ele, processos
mentais consistem em manipulação de símbolos, que são as
representações mentais. O pensamento é a manipulação lógica
de representações mentais que tem uma forma correlata (de
identidade um a um) com a linguagem proposicional comum.

77
Esta é a tese da linguagem do pensamento, apelidada de
mentalês. As representações que são manipuladas nos processos
de pensamento seriam cadeias de símbolos, formuladas não em
línguagem comum, mas em mentalês. Pensar seria manipular e
transformar estas cadeias de símbolos em outras através da exe-
cução de regras puramente sintáticas e formais, o programa do
mentalês, que também é inato. Muitas idéias radicais estão
implícitas nas formulações de Fodor, mas talvez a mais radical e
controversa é a que a mente humana, em alguma forma de
linguagem de máquina não conhecida, precisa ter instalado no
cérebro não somente as regras de manipulação simbólica (como
queria Chomsky, professor e mentor de Fodor), mas também
todas as representações do mentalês. Para um ataque e defesa
desta posição de Fodor, dois livros são referência obrigatória. O
primeiro é o do encontro de Royaumont, ocorrido na época em
que Fodor estava começando a defender sua doutrina (Piatelli-
Palmarini, 1987), o segundo, que sintetiza as oposições a Fodor
e suas respostas ao longo das duas décadas posteriores ao encon-
tro, “Concepts: Where Cognitive Science Went Wrong”, 1998.
De qualquer maneira, a posição de que o pensamento
precisa ser muito parecido com a linguagem é sempre muito
persuasiva, uma vez que ele pode ser expresso aproximadamente
em palavras e tem uma estrutura lógica comparável à da lingua-
gem. Não se pode aqui no entanto confundir a tese da linguagem
do pensamento, o mentalês, com a tese do relativismo lingüís-
tico de Whorf (1956), pois nós não estamos falando que o
pensamento é executado numa língua particular, e sim que ele
tem sua própria linguagem, inata, universal, incondicionada, que
pode ser traduzida em linguagem verbal ordinária. Da mesma
maneira, o pensamento para Fodor (1975) é manipulação de
representações, e nem todas as representações precisam ser
necessariamente lingüísticas para ser computadas pelo pensa-
mento, exemplo simples disto são as imagens mentais.

78
A idéia central do cognitivismo para o problema mente-
corpo é a visão da mente como um processador simbólico, um
manipulador de símbolos, como um computador. Esta visão
torna a identificação empírica de eventos mentais a cerebrais
uma opção sem muita utilidade (embora como veremos adiante,
a assunção de alguma correspondência, não identidade, continue
de muita utilidade metodológica) para o estudo da cognição.
Nenhuma lei geral deve ser esperada, diz Fodor (1975), de
generalização redutora entre eventos neuronais e o pensamento,
pois processos mentais são irredutíveis à neurofisiologia da
mesma maneira como softwares são irredutíveis a hardwares e
sua configuração física. No entanto, os processos mentais são
executados por processos materiais, não se implica aqui a
necessidade de um dualismo de substâncias. A idéia é de fato
irresistivelmente simples, uma vez que conheçamos mesmo que
superficialmente o funcionamento de um computador. Nós
podemos com rigor determinar como funciona o Word for
Windows, sem ter qualquer idéia de como isto está instalado e
“rodando” em nosso hardware. De fato, em quase todos os
sentidos, isto não tem nenhuma importância para nós (a não ser
quando há um defeito no hardware, exatamente como no caso da
neurofisiologia em relação à Psicologia Cognitiva).
Entendido isto cabe inserir nossa pergunta: até que ponto
é legítima a afirmação de que a posição da Psicologia Cognitiva
para o problema mente-corpo representa um novo dualismo?
Estamos aqui, sem duvida, diante de um dualismo
metodológico: mas será que isso equivale a um dualismo
ontológico, onde voltamos à posição cartesiana de duas
substâncias diversas e independentes, a res extensa e a res
cogitans? Segundo a maioria dos cognitivistas não. Eles
continuam aderidos a um monismo geral, que considera só haver
uma realidade física natural, e que o universo é feito de uma
única substância. Esta é a posição do próprio Neisser: “De

79
minha parte, não tenho dúvida que o comportamento humano e
a consciência dependem inteiramente da atividade do cérebro,
em interação com outros sistemas físicos” (1967, p.05).
Porém, como vimos também de Neisser e do
Funcionalismo, o Cognitivismo não é de forma alguma
reducionista: não há como reduzir o nível abstrato de análise das
regras e estruturas cognitivas ao nível concreto da organização e
atividade cerebral. Obviamente as operações lógicas de um
programa podem ser descritas independentemente do hardware
específico onde elas estão ou serão instaladas. Assim, “estados
mentais” podem e devem ser descritos de forma completamente
distinta dos “estados físicos” do cérebro.
No entanto, como lembram Eysenck & Keane (1994), é
crença generalizada também representativa da Psicologia
Cognitiva aquela que advoga o princípio do isomorfismo entre
mente e cérebro, ou seja, que ambos tem uma organização
semelhante em suas estruturas. Isto faz com que a investigação
do cérebro e de seu funcionamento normal e alterado (drogas,
lesões) seja significativo para a investigação psicológica, pois a
primeira produz pistas importantes para a segunda (no entanto o
inverso tem sido muito mais verdadeiro nos últimos cinqüenta
anos). Mas também é significativo, que quando alguém postula
que a atividade cerebral é semelhante à atividade mental, está
assumindo paralelamente que ambas não são a mesma coisa.
Portanto, todo isomorfismo é um dualismo, porém, não
necessariamente ontológico.
Bruner (1997) lembra que, infelizmente, a metáfora
computacional não significa a reabilitação científica dos estados
intencionais da consciência e de suas qualidades subjetivas.
Acreditar, desejar, compreender um significado passaram a ser
as entidades que não deveriam ser aceitas na nova ciência
cognitiva. Isto no entanto vingou na Neurociência e na
Inteligência Artificial, porém, não no Cognitivismo. Portanto,

80
mais uma vez, parece que realmente temos um dualismo
envergonhado aqui.
Bernard Baars (1986) explicou bem o problema em que
está envolvida a Psicologia Cognitiva. Por trezentos anos desde
Descartes o problema mente-corpo vem sendo discutido em
termos da “substância fundamental da realidade”: a realidade é
material, mental ou dividida em ambas as substâncias? Depois
do dualismo de substâncias cartesiano, duas outras posições
básicas foram estabelecidas na Filosofia, ambas monistas: o
monismo pan-psíquico e o monismo materialista. Para o
primeiro, a única substância do universo é o Espírito, e tudo é
mental. Para a segunda, a única substância do universo é a
matéria, e só existe o mundo físico.
A Folk Psychology, o senso-comum, é dualista. Acredi-
ta-se em geral que possuímos duas espécies de realidade, a cons-
ciência ou a mente e o corpo ou o cérebro. Para o Behaviorismo
Linguístico, não há dubiedade possível na atitude científica: a
mente é uma ilusão, só o mundo físico é real. A consciência co-
mo iniciadora de ações, ou seja, como entidade que tem eficácia
causal, é um incômodo fantasma na máquina que não tem expli-
cação, portanto, não pode existir! Esta doutrina não considera, é
claro, que tal posição é tão metafísica quanto a cartesiana ou a
monadologia leibniziana, e como tal, não é em absoluto cientí-
fica, além de ser muito inverossímil. Com a Psicologia Cogniti-
va no entanto, o problema se agrava. Geralmente, como afirma
Baars (1986), psicólogos cognitivos tendem a defender que a
realidade é em última análise física (monismo materialista), e
que a experiência subjetiva é simplesmente uma diferente pers-
pectiva do mundo físico. O dualismo aqui poderia se dizer sim-
plesmente metodológico, mas o que se demonstra é a completa
independência entre dois diferentes níveis de análise, pois como
vimos, a informação não é, em nenhuma hipótese, algo físico.
Isso faz desta primeira posição cognitivista acerca do problema

81
mente-corpo, uma posição muito frágil teoricamente e pouco
sustentável metafisicamente.
Mas nem todos os cognitivistas se sentem na necessidade
de descartar de saída o dualismo cartesiano. Noam Chomsky
(1971) defende explicitamente que a tese cartesiana do dualismo
é perfeitamente racional e não pode ser descartada por princípio.
Ele traça um interessante paralelo entre a tese cartesiana da
substância mental e a tese newtoniana da gravidade. Lembra que
os mesmos motivos que levavam os materialistas mecanicistas a
atacar a teoria da gravidade os levavam a atacar a substância
mental. Era inobservável diretamente e, muito pior, agia sobre
os corpos de forma inobservável e à distância, algo inconcebível
para os moldes da mecânica newtoniana. A força de ação à
distância, a idéia de um princípio de atração como propriedade
inata dos corpúsculos últimos da matéria, simplesmente não se
encaixava no arcabouço geral da ciência, porém, ao contrário
das teses cartesianas sobre a consciência, tinha esmagador poder
preditivo, e portanto, acabou sendo aceita.
Se o físico e o mental são heterogêneos, ou eles são inde-
pendentes ou interdependentes. Isto tem que nos levar a um po-
sicionamento de tipo paralelista ou interacionista. O gestaltismo
defendia a primeira tese, conhecida como paralelismo psicofísi-
co, que nunca alcançou posição de destaque na Neurociência ou
na Psicologia por possuir muitos pontos fracos e ser muito vaga,
pouco explicativa e nada materialista (requisito de respeitabili-
dade científica para o Positivismo). Mas o Cognitivismo, passa-
da a posição desarticulada inicial, evoluiu para a tese dualista
envergonhada do interacionismo. O principal motivo para isso é
que um funcionalismo do tipo advogado por Putnam (1961) (não
por Fodor), apesar de ter demonstrado a irredutibilidade do
mental ao físico, ainda não é um modelo adequado para as
propriedades intencionais da consciência (Searle, 2000), sem o
qual, qualquer filosofia da mente é insuficiente. Entre as teorias

82
interacionistas mais influentes, temos, mais uma vez, uma tese
de Karl Popper, elaborada em conjunto com o neurologista John
Eccles (1977). Afirma Popper (1975b), em passagem esclarece-
dora de sua verdadeira posição:

“Podemos conjecturar que a Consciência, por sua vez, é


produzida por estados físicos; contudo, ela os controla
em considerável extensão. Assim como um sistema legal
ou social é produzido por nós e, todavia, nos controla,
não sendo em qualquer sentido razoável ‘idêntico’ ou
‘paralelo’ a nós, mas interage conosco, assim também os
estados de consciência (a ‘mente’) controlam o corpo e
interagem com ele.” (p. 230)

O problema principal com o interacionismo tem sido a


recusa em afirmar o que a mente é (Bunge, 1980), o que de fato
é reconhecido pelo próprio Popper (1975b, p. 230), que no
entanto acredita que esta tese é uma resposta “quase trivial” ao
problema de Descartes, e lida bem com nossa crença comum e
aparentemente óbvia de que há um certo dar e tomar entre o
corpo, que modifica a mente, e a mente, que modifica o corpo.
Existe, defende Popper, retroalimentação, interação entre a
atividade mental e outras funções do organismo. Esta outra
passagem é perfeitamente esclarecedora de que, no entanto, seu
dualismo não é (diga-se de passagem incoerentemente) um
dualismo ontológico, e que portanto, é plenamente representa-
tivo do tipo de posição defendida pelo Cognitivismo:

“Assim, como Descartes, proponho a adoção de um


ponto de vista dualista, embora, sem dúvida, não
recomende falar de dois tipos de substâncias
interatuantes. Mas penso ser útil e legítimo distinguir
dois tipos de estados (ou eventos) interatuantes, os físico-
químicos e os mentais.” (1975b, p.231)

83
Roger Sperry (1993), seguindo explicitamente a posição
de Popper, procurou levar o interacionismo característico do
Cognitivismo um passo a frente, procurando dizer o que a mente
é, e porque poderíamos falar de dualismo sem falar de dualismo
ontológico (ou de substâncias). Partindo do pressuposto holista
de que “o todo é mais que a soma de suas partes”, ou seja, de
que os todos apresentam propriedades irredutíveis às proprieda-
des das partes que o constituem, Sperry apresenta a consciência
humana como uma propriedade emergente da atividade cerebral,
que portanto adquire propriedades distintas daquela. Neste siste-
ma interacionista, o caminho da causação entre o todo (a mente)
e as suas partes constituintes (os neurônios) é bi-direcional. No
entanto ele é claro em afirmar que acredita que este “novo
mentalismo” não é um novo tipo de dualismo ontológico:

“Vale a pena repetir que o tipo de mentalismo defendido


aqui não é dualista no sentido filosófico clássico de dois
diferentes e independentes domínios de existência. Na
nossa nova síntese macromental e holomental, estados
mentais como propriedades dinâmicas emergentes de es-
tados cerebrais causam comportamento mas não são du-
alistas, porque eles são inextrincavelmente fundidos com
os processos cerebrais que o geram. Estados mentais
nesta forma não podem existir separados de um cérebro
ativo. Ao mesmo tempo, estados mentais não são o mes-
mo que estados cerebrais. Os dois diferem da mesma for-
ma como uma propriedade dinâmica emergente difere de
sua infraestrutura componente. É característico de pro-
priedades emergentes que elas são notavelmente novas e
também incrível e inexplicavelmente diferentes dos
componentes dos quais é construída.” (1993, p. 06)

É muito difícil concluir até que ponto teorias interacio-


nistas como as de Popper & Eccles e Sperry representam uma
posição clara do Cognitivismo sobre o problema mente-corpo,
84
como a doutrina behaviorista monista certamente era (embora
inverossímil). John Searle (1992, 2000), é o filósofo da mente
que com mais clareza restabeleceu o conceito de consciência na
filosofia contemporânea. Em sua obra “The Rediscovery of
Mind”, ele elabora a agenda de questões a serem investigadas e
resolvidas pela Ciência Cognitiva e Filosofia da Mente sobre o
problema da consciência, oferecendo inclusive soluções para
vários deles. Voltaremos à obra deste filósofo nos subitens
relativos às críticas ao Cognitivismo e aos limites da ciência
psicológica. Por hora, podemos concluir que, pela dificuldade da
questão, observa-se que dois mil e quinhentos anos de Filosofia,
cento e vinte cinco de Psicologia, e cinqüenta de Ciência
Cognitiva, não fizeram muito pelo esclarecimento deste que é
um dos maiores problemas da Filosofia e mistérios para todo ser
humano.

85
CAPÍTULO 3
PSICOLOGIA COGNITIVA E EPISTEMOLOGIA

Abordaremos neste capítulo os problemas especiais da


relação entre Epistemologia e Psicologia Cognitiva. No primeiro
item, examinaremos como a Psicologia Cognitiva se coloca em
relação aos pressupostos epistemológicos básicos da ciência mo-
derna, particularmente sua posição acerca da origem do conheci-
mento, declaradamente inatista e construtivista. No segundo, re-
tomaremos a questão da compatibilidade entre posições teóricas
de autores cognitivistas e o Racionalismo Crítico, evidenciando
o afastamento radical cognitivista das teses do Positivismo Lógi-
co. No terceiro item, serão analisadas as dificuldades da Psicolo-
gia Cognitiva em oferecer uma explicação científica do compor-
tamento humano, propondo um modelo geral de explicação de-
dutivo-nomológica cognitiva. Por fim, no quarto item,
abordaremos um problema exclusivo da Psicologia Cognitiva
dentro do espectro das ciências: a questão de sua circularidade,
pois estuda o processo de obtenção de conhecimento mas tem
que partir de pressupostos sobre ele. Neste item também,
investigamos o risco que a Psicologia Cognitiva sofre
recorrentemente de manifestações de psicologismo.

86
3.1 Pressupostos Epistemológicos da Psicologia Cognitiva

Neste item faremos uma recapitulação do posicionamen-


to do Cognitivismo frente aos pressupostos epistemológicos da
ciência moderna, nos debruçando principalmente sobre aquela
que tem sido sua maior contribuição ao milenar debate filosófico
sobre a origem do conhecimento humano: o desenvolvimento de
um construtivismo consistente e corroborado.
Sobre o primeiro dos pressupostos, o da natureza do
conhecimento, podemos dizer que até por seu caráter constru-
tivista, o Cognitivismo assume a tese platônica modificada de
Popper: todo conhecimento é conjectural. Poderíamos reenun-
ciar a sentença do Teeteto como “crença mais aproximadamente
verdadeira justificada”. No entanto, é claro que o Cognitivismo
não é pragmatista ou idealista, sua busca é a verdade, não a
eficiência, seus modelos lógicos da mente devem ser testados
empiricamente, não se justificam dedutivamente. Estamos aqui
reconhecendo a tese tradicional da verdade como correspondên-
cia, mas na visão popperiana, onde a verdade é algo do qual po-
demos nos aproximar, um ideal normativo, sempre perseguido,
sempre mais próximo, nunca alcançável. Veja como esta passa-
gem com a qual Ulric Neisser conclui uma de suas obras mais
importantes, que tem sugestivamente o título de “Cognition and
Reality”, é ilustrativa do comprometimento cognitivista com a
verdade como meta da Ciência e do ser humano: “O resultado
de cada encontro singular entre a cognição e a realidade é
impreditível, mas a longo prazo, tais encontros necessariamente
nos movem para mais perto da verdade.” (1975, p.194).
Portanto, como podemos depreender dos argumentos acima,
também é óbvio que o Cognitivismo adere a uma espécie de
otimismo epistemológico, no caso, de natureza criticista.

87
Na encruzilhada entre a abordagem nomotética e a
idiográfica, o Cognitivismo cerra fileiras com o Behaviorismo e
defende que só uma abordagem nomotética merece o título de
Psicologia Científica. A pesquisa cognitiva busca estabelecer
leis de funcionamento da mente, descobrir os padrões de regula-
ridade das regras e estruturas que regem a vida mental. Embora
reconheça propriedades da mente que fogem desta possibilidade
de descrição, considera que estas se encontram fora do âmbito
da investigação científica. Investigações idiográficas, definitiva-
mente, não são científicas para o Cognitivismo, que é profunda-
mente influenciado pela concepção de Carl Hempel (1970) de
explicação científica, a dedutivo-nomológica. Esta última postu-
la que um evento pode ser considerado como cientificamente
explicado quando ele demonstra ser uma instância de uma lei
universal não violada (falsificada...) por nenhuma observação ou
fato conhecido. É claro que a posição de Hempel é uma variação
do método hipotético-dedutivo popperiano, que veremos ser a
matriz das influências epistemológicas sobre o Cognitivismo.
Assim restam duas questões sobre os pressupostos epis-
temológicos de uma “metateoria”, “abordagem”, “paradigma”,
ou mais adequadamente, programa de pesquisa (Lakatos, 1974):
se o conhecimento é crença verdadeira justificada, de que
forma o Cognitivismo julga que obtemos essa crença verdadeira
acerca de uma realidade exterior a nós? E uma vez obtida, como
a justificamos como verdadeira? Estas são as questões da origem
do conhecimento e de seu método de validação. A primeira
veremos agora neste capítulo, a segunda, no capítulo adiante.

3.1.1 Construtivismo: uma nova posição acerca da origem do


conhecimento
Não cabem mais dúvidas de que o Cognitivismo seja
uma posição construtivista. Vimos que tradicionalmente as
respostas à questão sobre a origem do conhecimento se dividiam

88
entre o ambientalismo empirista e o inatismo racionalista. O
Construtivismo se apresenta como uma terceira alternativa de
resposta a este problema milenar, sendo no entanto, um caso
especial de racionalismo. Mas o que é Construtivismo? Precisa-
mos agora delimitar bem esta questão, rastreando inclusive algu-
mas de suas origens filosóficas, para que a forma inescrupulosa
de utilização do termo que assistimos hoje na Psicologia não
obscureça nosso entendimento sobre a posição Cognitivista.
O termo construtivismo surge na Psicologia com a obra
de Jean Piaget, no contexto de sua Epistemologia Genética, para
indicar o papel ativo do sujeito na construção de suas estruturas
cognitivas. Desde então, observamos muitas abordagens em
Psicologia (Construcionismo Social, Construtivismo Radical,
Construtivismo Crítico) e Sociologia (Construtivismo Social) se
abrigando sob este rótulo. Estas outras abordagens entretanto
não são (à exceção do Construtivismo Crítico), em absoluto,
construtivistas (Castañon, 2005). O que tem tornado o sentido
do termo construtivismo cada vez mais obscurecido e confuso.
Para o psicólogo Michael Mahoney (2003), presidente e
fundador da Society for Constructivism in the Human Sciences,
a diversidade de teorias que se apresentam como construtivistas
apresentam ênfase nos temas da proatividade humana; ordena-
mento ativo de informações; consciência e self; redes sociais
simbólicas e desenvolvimento durante a vida. É no entanto uma
definição relativamente vaga, na qual como vimos, o Cognitivis-
mo não teria problemas de se considerar inserido. No entanto,
esta definição vaga e inconclusiva não parece ser compartilhada
nem pelos membros fundadores desta sociedade. Ao conhecer o
corpo de honored contributors da mesma, podemos nos sentir
consideravelmente perplexos, ao encontrarmos juntos muitos
psicólogos célebres e de concepções muitas vezes diametral-
mente opostas, como o neo-behaviorista Albert Bandura, o
cognitivista Jerome Bruner, o humanista Joseph Rychlak, o

89
fenomenólogo-existencial Viktor Frankl, o relativista pós-mo-
derno Kenneth Gergen e o construtivista radical Ernst von
Glasersfeld. Como o próprio Mahoney (1998) reconhece em
outro texto, o termo construtivismo tem conhecido um aumento
exponencial de sua utilização nos últimos vinte anos, sendo
utilizado por abordagens das mais diferentes, o que dificulta o
estabelecimento de definições básicas.
Um dos honored contributors mais célebres da Society,
Joseph Rychlak, afirma (1999) que, desafortunadamente, o
termo construtivismo é usualmente empregado em dois sentidos
básicos, o que provoca uma grande confusão em discussões
teóricas (p.383). O primeiro é o que considera construção o
processo de associação de partes separadas para a formação de
algo. Esse processo dispensa a presença de um sujeito que
constrói, e para Rychlak é o sentido na qual Kenneth Gergen e o
Construcionismo Social usam o termo. Ele no entanto defende
um outro significado no qual o termo é usado. Para ele,
construção indica o processo de formação mental de algo,
incluindo conceitos, interpretações, deduções e análises. Esta
acepção do termo pressupõe a existência de um sujeito ativo e
construtor de suas cognições. Nesta segunda definição
certamente poderíamos inserir o Cognitivismo.
Analisando etimologicamente o termo Construtivismo,
estabelecemos a origem do verbo construir no verbo latino
struere, que significa organizar, dar estrutura. Necessariamente,
é uma inteligência que organiza e dá estrutura a algo. Se é
verdade que muitas vezes encontramos referências ao suposto
caráter precursor do construtivismo presente na filosofia de
Sócrates, Epicteto ou ainda Vico, para uma correta compreensão
do construtivismo contemporâneo, devemos recorrer à obra de
Imannuel Kant. É a inversão do sentido da relação entre sujeito
e objeto que é a raiz do construtivismo. Tradicionalmente, a
filosofia ocidental pensava o conhecimento como uma

90
determinação do sujeito cognoscente pelo objeto conhecido.
Kant apresenta o processo do conhecimento como a organização
ativa por parte do sujeito – através das estruturas da mente – do
material que nos é fornecido pelos sentidos. Ou seja, para o
construtivismo, o sujeito constrói suas representações de mundo,
e não recebe passivamente impressões causadas pelos objetos.
Isso implica uma opção racionalista, em dois sentidos: primeiro
porque existem formas e categorias a priori, inatas. Segundo
porque pressupõe uma função ativa e criativa da razão. O sujeito
para o construtivismo é proativo, é foco de atividade do
universo, e não um aglomerado de células que recebe
passivamente estímulos do ambiente, sendo movidas por estes.
A “revolução copernicana” de Kant na Filosofia teve
vários desdobramentos, gerando interpretações construtivistas
idealistas (como as de Schopenhauer ou ainda de Hegel e
Fichte), pragmatistas (como a de Hans Vaihinger) e realistas
(como as de Karl Popper e Jean Piaget). Schopenhauer (1950,
[1818]) afirma na primeira frase de sua obra prima O Mundo
como Vontade e Representação: “O mundo é uma representação
minha.”. Hans Vaihinger (1924), em A Filosofia do “como-se”,
argumentou que nossas teorias seriam ficções conscientes cujo
objetivo não é alcançar a verdade sobre o mundo, e sim, orientar
nossas ações eficientemente, pragmaticamente. Karl Popper, que
dá o nome à escola filosófica fundada por ele de “Racionalismo
Crítico” em homenagem ao criticismo kantiano, acredita
(Popper, 1977) que sua filosofia é uma interpretação realista da
filosofia kantiana. É esta última forma de interpretação do
construtivismo, realista, que influenciou o Cognitivismo,
predominantemente pelas mãos de Jean Piaget.
O conceito de construção é fundamental na obra de Jean
Piaget. Seu problema principal é a questão do conhecimento, o
que ele é, como se dá, como o obtemos. Aceitando a distinção
de Leibniz entre verdades de razão e verdades de fato, Piaget

91
(1973) distingue conhecimento formal (lógica e matemática) de
conhecimento empírico (física, química, biologia, psicologia,
sociologia). As afirmações das ciências formais (todos os pontos
da circunferência de um círculo são eqüidistantes do centro, dois
mais dois é igual a quatro) não obtêm seu valor de verdade
através de observações empíricas; são verdades necessárias e
universais. Já as afirmações das ciências empíricas (corpos com
densidade maior que a da água afundam, dois aviões atingiram
as torres do WTC em 11 de setembro de 2001) adquirem seu
valor de verdade em função da possibilidade da verificação dos
fatos que enunciam.
Esses dois tipos de conhecimento são irredutíveis. Assim
sendo, as verdades de fato não podem ser alcançadas por algum
tipo de dedução lógica a priori, pois elas são contingentes, nem
as verdades formais podem ser alcançadas a partir da experiên-
cia empírica, pois elas são necessárias. No entanto, apesar dessa
irredutibilidade, os fenômenos físicos podem ser representados e
inclusive antecipados por modelos matemáticos. Para Piaget, po-
demos explicar esse acordo entre matemática e realidade através
da pressuposição de que a natureza é regular e se organiza de
maneira racional, e que nossas mentes, ao se construírem de
acordo com a realidade, se tornam capazes de representá-la.
Mas de onde vêm esses dois tipos de conhecimento? As
respostas tradicionais a esta pergunta são as estritamente
empiristas e as estritamente racionalistas. Piaget (1973) nega as
duas. Para o empirismo, que defende aquilo a que o
construtivismo se refere geralmente como objetivismo, a origem
do conhecimento estaria na realidade externa que o imporia ao
espírito. Para o racionalismo, o conhecimento é inato e sua
evolução seria apenas atualização de estruturas pré-formadas.
Piaget postula uma terceira resposta possível, a construtivista.
Para ele, a construção do conhecimento exige uma colaboração
necessária entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. É o

92
sujeito que, ativo e a partir da ação, constrói suas representações
de mundo interagindo com o objeto do conhecimento.
Piaget (1979) desenvolveu um modelo de desenvolvi-
mento cognitivo construtivista, ricamente sustentado por dados
empíricos, que apresentava o sujeito como artífice principal,
através da sua ação no mundo, de suas próprias estruturas cogni-
tivas. Dois dos conceitos principais de Piaget, que esclarecem a
forma como ele explicava o processo de construção do conheci-
mento por parte do sujeito, são os de assimilação e acomoda-
ção. Quando uma criança ou qualquer pessoa tem uma experiên-
cia que não se coaduna com seus esquemas e teorias, ela primei-
ramente tenta assimilar essa experiência em seus esquemas exis-
tentes. No entanto, se a pessoa ver que suas explicações e predi-
ções são repetidamente desmentidas, prevalece a tendência no
sentido de o esquema se modificar de modo a acomodar-se a
esta nova informação. Ou seja, somos ativos quando interpreta-
mos a experiência para assimilá-la aos nossos esquemas e teo-
rias, e somos ativos quando mudamos nossos esquemas e teorias
de forma a acomodarem-se à realidade. Piaget, claramente, é um
realista. De forma semelhante a Popper, ele acredita que o
mundo vai moldando nossos esquemas quando os desmente
seguidamente, exigindo uma nova acomodação.
Este arcabouço geral do pensamento piagetiano impres-
sionou profundamente o movimento cognitivista, que começava
a chegar a conclusões construtivistas em todas as áreas da
cognição humana. Já em 1967 Neisser advogava o caráter
essencialmente construtivista do Cognitivismo, como podemos
confirmar neste parágrafo:

“A assertiva central é que ver, ouvir e lembrar são todos


atos de construção, que podem fazer mais ou menos uso
da informação derivada dos estímulos dependendo das
circunstâncias. Os processos construtivos são assumidos
como tendo dois estágios, dos quais o primeiro é rápido,

93
cru, global e paralelo enquanto o segundo é deliberado,
atencional, detalhado e sequencial.” (1967, p. 10)

Para ele, toda cognição, do primeiro momento de per-


cepção em diante, envolve processos analíticos e sintetizadores.
Como ele argumenta claramente, a grande diferença entre o
processamento de informações seqüencial bottom-up (de cima
para baixo, dos sentidos para a mente) e a cognição humana é
que os seres humanos são seletivos na sua atenção, enquanto
processos seqüenciais unidirecionais não podem ser.
A partir destes argumentos começaram a ser desenvolvi-
dos outros modelos de processamento para a simulação destes
aspectos construtivos da cognição humana. Um dos mais tradi-
cionais hoje é aquele que, conforme Eysenck & Keane (1994),
versa sobre o modelo bottom-up e top-down de processamento
de informação. Segundo este, todo processamento de informa-
ção é executado bi-direcionalmente: o botton-up refere-se ao
processamento diretamente afetado pelo input do estímulo, o
top-down ao processamento feito em função daquilo que o indi-
víduo traz à situação de estímulo (experiência passada, expecta-
tivas que orientam o que na informação recebida é relevante
para a tarefa em execução). Não é difícil compreender a força do
processamento top-down na nossa cognição ordinária. Paráfrase-
ando exemplo fornecido por Eysenck, suponhamos que você
tenha encontrado uma folha deste livro rasgada: “Este ____ está
organizado em quatro capítulos”. Naturalmente você acreditaria
se tratar da palavra livro. Numa carta com letra ilegível, que
comece por “C___ Amigo,” naturalmente você processará o
estímulo como se tratasse da palavra Caro. Segundo Eysenck &
Keane (1994), a tese predominante na Psicologia Cognitiva
contemporânea, seguindo mais uma vez Neisser (1975), é a de
que toda atividade cognitiva envolve ambos os tipos de
processamento, que nada mais são do que um modelo

94
computacional da crença construtivista (de origem popperiana)
que nossas hipóteses e expectativas condicionam a seleção das
informações que consideraremos relevantes em cada contexto.
Gardner (1996), também indica que a Ciência Cognitiva
como um todo adere a uma posição construtivista. Segundo ele,
a partir das últimas obras de Karl Lashley, ficou claro para todos
que mesmo a atividade cerebral não podia ser concebida em
termos de arco-reflexo, passiva, e que as pesquisas já na época
indicavam o cérebro como um sistema dinâmico e constante-
mente ativo e interativo. Hoje, os cerca de cinqüenta anos a mais
de pesquisa neurofisiológica corroboram a crença de que o
cérebro é um órgão que está constantemente ativo, tentando se
adiantar aos processos sensoriais em curso, como nos mostraram
Maturana & Varela (1987), dois expoentes da chamada escola
chilena que estabeleceram a abordagem construtivista nas
Neurociências.

3.1.2 Racionalismo, Construtivismo e Inatismo


Porém, como não se pode deixar de abordar novamente,
a posição do Cognitivismo é tanto construtivista quanto inatista,
e a posição de Piaget negligencia em grande medida essa
segunda dimensão na posição construtivista. Em suas palavras:

“Cinqüenta anos de experiências fizeram-nos saber que


não existem conhecimentos resultantes de um registro
simples de observações, sem uma estruturação devida às
atividades do sujeito. Mas também não existem (no
homem) estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o
funcionamento da inteligência é hereditário e só
engendra estruturas por uma organização de ações
sucessivas exercidas sobre objetos. Daqui resulta que
uma epistemologia conforme os dados da psicogênese
não poderia ser empirista nem pré-formista, mas consiste
apenas num construtivismo, com a elaboração contínua

95
de operações e de estruturas novas. O problema central
é, então, compreender como se efetuam estas criações e
porque, visto resultarem de construções não pré-
determinadas, se podem tornar logicamente necessárias,
durante o desenvolvimento.” (p.51)

Observe-se que Piaget evita a palavra inato, e usa em seu


lugar hereditário e pré-formista, uma defendendo a existência
de algo inato e outra atacando. Esta falta de clareza de Piaget
neste ponto é conhecida. Mas é evidente com esta passagem a
necessidade de ao menos se postular algo como “o funciona-
mento da inteligência” geral como inato. O problema, como o
enfatizam no mesmo debate Fodor (1987) e Chomsky (1987), é
que nenhum construtivista define claramente (menos ainda de
forma a se tornar falsificável) o que seria tal “mecanismo geral
de inteligência”. No campo da inteligência artificial, as
tentativas de se construir sistemas capazes de construir
estruturas com a experiência (o conexionismo) redundavam em
grande fracasso, e continuam fracassando assim até hoje
(Pinker, 2004; Fodor 1998, 2001).
Em um dos mais conhecidos argumentos de Piaget
contra o empirismo (Penna, 1984), ele diz que o objetivismo
assenta-se sobre a idéia de cópia. Porém, se para conhecer
precisamos copiar, para copiar antes precisamos conhecer o que
se copia, o que seria uma contradição. Esta crítica poderia ser
falsa em relação ao empirismo, pois o que este último defende é
uma espécie de impressão passiva fixada no cérebro do sujeito
pelo objeto, como se dá por exemplo com um filme numa
fotografia ou com uma fita magnética cassete numa gravação.
Mas provavelmente esta crítica não é falsa em relação ao
próprio construtivismo piagetiano.
Como argumentou Fodor (1987), é surpreendente ver
Piaget afirmar que alguém pode aprender um novo conceito
através da ação motora. Como ele bem lembra ao resgatar um

96
antigo argumento platônico, não podemos aprender um conceito
novo a não ser que tenhamos antes capacidade de aprendê-lo,
seja porque o esquecemos e ao aprender lembramos (e neste
caso já o tínhamos), seja porque o hipotetizamos (e neste caso
de alguma forma já o tínhamos, ao menos em potência). Fodor
(1998) continua hoje a defender enfaticamente que existe uma
linguagem natural do pensamento e que essa linguagem é inata,
assim como os conceitos subjacentes a ela. A primeira destas
duas posições (a da linguagem) ele compartilha com seu colega
Noam Chomsky e com vários cientistas cognitivos contemporâ-
neos. É consenso hoje que o Cognitivismo como movimento é
tanto inatista, em relação à existência de algumas potencialida-
des inatas que só aguardam maturação biológica e oportunidade
contextual para emergir (ou seja, o ambiente somente fornece a
oportunidade para a emergência da estrutura), quanto construti-
vista, visto que considera que é a partir dessa estruturação men-
tal prévia que organizamos o material dos sentidos e criamos
estruturas mais elaboradas toda vez que a anterior não é sufici-
ente para integrar coerentemente os dados. Fora isso, e excluin-
do a posição de Fodor (1975, 1998) que é radicalmente inatista,
a divergência, até entre Chomsky (1987) e Piaget (1987), é
predominantemente de grau: ambos reconhecem os processos de
construção e ambos a existência de instâncias inatas. O
problema se torna então determinar qual é o nível de elaboração
das estruturas e capacidades com as quais os bebês vêm ao
mundo, e o quanto das habilidades desenvolvidas é fruto de
maturação biológica: estaríamos determinando então o que e o
quanto é fruto de construção. Este problema é conhecido em
Psicologia do Desenvolvimento como o problema do estado
inicial, de fato, o tema central das discussões do encontro de
Royaumont. Como afirmou o organizador deste encontro,
Piatelli-Palmarini (1987), o núcleo duro do programa de

97
pesquisa racionalista ou “chomskyano”, consiste em não atribuir
qualquer estrutura intrínseca ao ambiente:

“Só existem leis de ordem provindo do interior; quer


dizer, toda a estrutura ligada à percepção, quer seja de
fonte biológica, cognitiva ou outra, é imposta ao
ambiente pelo organismo e não extraída deste. As leis
desta ordem são concebidas como relativas à espécie,
invariáveis através das épocas, dos indivíduos e das
culturas.” (1987, p. 32)

Mas como podemos intuitivamente perceber, o texto aci-


ma poderia ser atribuído tanto ao construtivismo como ao inatis-
mo, porque o que distingue os dois é uma questão de ênfase, não
de natureza. É possível haver inatismo sem construtivismo, sem
que isto se revele incoerente logicamente (embora inverossímil).
Mas é impossível haver construtivismo coerente sem algum tipo
de inatismo, em relação a um estágio inicial a partir do qual ou
contra o qual construímos nosso conhecimento, ou ainda sem
pressupor um inatismo potencial, condicional, em relação às
capacidades de um determinado organismo em obter estruturas e
conteúdos. Nosso conhecimento pode ser em parte, ou na maior
parte, construído, mas isto implica potencial genético para tal,
afinal de contas outras espécies não conseguem estruturas nem
próximas da sofisticação humana.
Poderíamos também caracterizar a diferença entre inatistas
contemporâneos herdeiros de Chomsky e os construtivistas her-
deiros de Piaget, com o debate em relação à especificidade das
estruturas inatas. Os inatistas defendem que existem estruturas
inatas muito específicas, altamente especializadas, enquanto os
construtivistas sempre defenderam uma estrutura inata muito
geral de inteligência, que construiria os módulos específicos de
processamento de informação. Atualmente, a Ciência Moderna
mais uma vez tem decidido em favor da posição inatista,

98
indicando a presença de capacidades inatas muito específicas e
sofisticadas em recém-nascidos (Pinker, 2004).
Mas não podemos esquecer um poderoso argumento cons-
trutivista, que parte dos pressupostos evolucionistas do inatismo
para justificar a existência de capacidade de construção de novas
estruturas cognitivas. Em resumo, poderíamos apresentá-lo
como se segue. Supondo-se que todas as estruturas cognitivas
humanas são inatas, em última instância inscritas no programa
genético de um indivíduo, como foi possível tal coisa? O inatis-
mo tem que responder sobre os mecanismos gerais que permiti-
ram a um programa genético de tal ordem ter se reunido. Para
Piaget (1987b) o processo de mutação aleatória defendido pelos
neo-darwinistas além de ineficiente, ainda não possui explicação
e condenaria as estruturas inatas da razão à uma condição con-
tingente, quando seu caráter distintivo é a necessidade. Putnam
(1987) trabalhando sobre este ponto, afirma que Chomsky deli-
beradamente afasta a questão posta por Piaget sobre o que
poderia ser a evolução de um modelo inato de linguagem. Como
ele chegou evolutivamente a ser o que é? Defendendo a posição
de Piaget, ele afirma que uma resposta possível é: a linguagem
primitiva foi fruto de uma invenção, efetuada por um membro
da espécie fora do comum, como ela trazia vantagens evolutivas
óbvias foi utilizadas por todos aqueles membros da espécie que
foram capazes de seus rudimentos, isto fez com que aqueles de
lóbulos esquerdos maiores fossem progressivamente seleciona-
dos, procriavam, e assim por diante (mas nunca é demais lem-
brar que pessoas que tem uma grande lesão muito cedo no
lóbulo esquerdo podem desenvolver linguagem... e isto escapa
aos argumentos inatistas modulares genéticos, como este).
Qualquer coisa que não existe no programa, lembra Piaget
(1987), tornou-se tal por auto-organização e auto-regulação.
Traduzindo: para Piaget (1987) tem de haver no processo de
evolução da vida reunião de características ou auto-organização

99
sem a ajuda de programas genéticos, senão teríamos que ser
forçados a admitir que tudo o que existe no código genético do
homem estava presente nos primeiros vírus e protozoários:

“Se estas [as bases da lógica e da matemática] fossem


pré-formadas, isto significaria, pois, que o bebê, ao
nascer, já possuiria virtualmente tudo o que Galois,
Cantor, Hilbert, Bourbaki ou MacLane puderam
atualizar depois. E como o homenzinho é ele próprio
uma resultante, seria preciso remontar aos protozoários
e aos vírus para localizar o foco do “conjunto dos
possíveis” ” (p.53-54)

São argumentos poderosos contra o tipo de inatismo que


Fodor (1975) sustenta, com base no código genético. Mas não
podemos esquecer que existem outras teses metafísicas, e os
argumentos de Piaget e de Putnam em nenhum ponto atingem a
tese metafísica inatista de Leibniz, por exemplo. Arrisco-me a
dizer que este tipo de argumento enterra o inatismo radical com
base no código genético. Mas temos que sintetizar, o que há de
comum entre a posição de Piaget e de Chomsky? Poderíamos
reformular a pergunta da seguinte maneira: o que há de comum
entre a tendência mais inatista e a tendência mais construtivista
do Cognitivismo? Deixemos a resposta com Piaget (1987b):

“Em primeiro lugar, estou de acordo com ele, no que me


parece ser a principal contribuição de Chomsky à
Psicologia, quando diz que a linguagem é um produto da
inteligência ou da razão e não de uma aprendizagem, no
sentido behaviorista do termo. Depois, estou de acordo
com ele quanto ao fato de esta origem racional da
linguagem supor a existência de um núcleo fixo neces-
sário para a elaboração de todas as línguas e supondo,
por exemplo, a relação de sujeito a predicado ou então a
capacidade de construir relações. Em terceiro lugar,

100
estou naturalmente de acordo com ele no que diz respeito
ao construtivismo parcial dos seus trabalhos, quer dizer,
as gramáticas transformacionais.” (p. 93)

Como sintetiza Cellérier (1987), Chomsky e Piaget


admitem ambos a existência de um estado inicial, geneticamente
determinado, não vazio, seguido de uma seqüência de estados
intermediários e de um estado final estacionário, universal.

“Tanto um como o outro admitem igualmente que uma


parte do conteúdo destes estágios não é inata, mas
adquirida, isto é “aprendida” num ambiente externo
caracterizado por “problemas”. A questão clássica é
saber que parte deste conteúdo é inata e que parte é
adquirida”. (p. 114)

Assim, podemos concluir que todo Racionalismo implica


alguma espécie de inatismo, ao menos de estruturas potenciais, e
que o construtivismo, como forma particular de racionalismo,
também o implica. Não há incompatibilidade, muito pelo
contrário, entre estes três conceitos. Inatismo e construtivismo
são as duas faces da mesma moeda racionalista.
Gardner (1996) resume muito bem tudo o que nos
interessa sobre a questão abordada neste subitem, quando afirma
que o consenso, apesar das diferentes ênfases, é quanto à
inadequação do empirismo como explicação para a origem do
conhecimento. Afirma ele:

“A primazia do sujeito conhecedor – aquele que só


adquire conhecimento em função de estruturação
cognitiva prévia (senão de idéias inatas!) – é agora
amplamente aceita. Neste sentido pelo menos, a filosofia
tende para uma posição racionalista, sustentada por
trabalho empírico em várias disciplinas.” (1996, p. 99)

101
3.2 Cognitivismo e Racionalismo Crítico

Por tudo o que, exaustivamente, vimos até aqui, podemos


concluir que a teoria em Filosofia da Ciência que melhor oferece
suporte ao Cognitivismo e a Psicologia Cognitiva é o
Racionalismo Crítico. Este argumento será aqui apresentado
através de duas linhas de argumentação. A primeira, versa sobre
a adequação da posição popperiana tanto ao inatismo quanto ao
construtivismo característicos do Cognitivismo. A segunda,
versa sobre a adequação metodológica do Racionalismo Crítico
ao objeto que o Cognitivismo pretende estudar.

3.2.1 Racionalismo Crítico e a questão Inatismo-Construtivismo


O Racionalismo Crítico é uma escola de filosofia da
ciência fundada por Karl Popper à qual se atribui a responsa-
bilidade pelo fim do Positivismo Lógico. Uma de suas principais
teses é precisamente aquela que o construtivismo adotou como
central: a de que não existe observação neutra, objetiva da
realidade, pois toda observação se faz à luz de uma teoria
(Popper, [1934]1975). Porém, ao contrário do Construtivismo
Radical, Popper demonstra que apesar de condicionar nossas
observações, nossas teorias não as determinam. O que ele quer
dizer não é que nossas teorias e hipóteses sobre a realidade são
impermeáveis a ela, e sim que toda observação que é feita,
sempre é feita contra ou a favor de uma teoria. A nossa garantia
de acesso à realidade não vêm de uma suposta neutralidade ou
objetividade no processo de obtenção do conhecimento, muito
menos de uma determinação de nossas representações sobre o
objeto do conhecimento. A garantia vem de nossos erros, de
nossas predições sobre o funcionamento da realidade que não se
confirmam. Os nossos erros são a prova de que nossas teorias
sobre o objeto não o determinam, pois aquelas ao fazerem

102
predições sobre o comportamento do objeto que se revelam
falhas através da experiência, revelam uma realidade que existe
apesar e para além delas. Para o Racionalismo Crítico, é quando
erramos que tropeçamos na realidade.
Assim, esta abordagem não acredita que se possa
estabelecer conhecimento objetivo do mundo. Nossas hipóteses
são somente aproximações do real. Não temos um critério de
verdade, somente uma definição de verdade: como devidamente
resgatado pelo lógico Alfred Tarski (1944), verdade é a
correspondência entre o conteúdo de nossas representações e o
objeto que buscam representar. No entanto, a verdade objetiva
sobre o mundo não é alcançável, sendo uma meta ideal do
conhecimento. Nunca se pode afirmar com certeza que uma
teoria que se tem sobre o mundo é verdadeira, mesmo quando
esta nunca foi falsificada. O máximo que se pode afirmar é que
ela está mais próxima da verdade do que as que foram
anteriormente falsificadas por observações empíricas. Assim, o
Racionalismo Crítico é construtivista, pois acredita que o sujeito
é ativo no processo de construção, não da realidade mesma, mas
de hipóteses e teorias sobre ela. Ao mesmo tempo é realista, pois
considera que a realidade, estável e independente do sujeito, é
quem julga as hipóteses e teorias deste último sobre ela. Por fim,
o Racionalismo Crítico de forma alguma é objetivista, pois
considera que nossas representações não são cópias fiéis da
realidade nem provocadas por ela, mas somente modelos
simplificados que continuamente são falsificados e exigem a
construção de um novo por parte do sujeito.
Outra idéia central para o Racionalismo Crítico, que
mudou a concepção ocidental de ciência moderna e propiciou a
revolução cognitiva é o conceito de falsificabilidade como
critério de definição sobre a cientificidade ou não de uma teoria.
Um problema científico, para Popper, não é nada mais do
que uma expectativa desiludida. E nós pesquisamos para tentar

103
resolver estes problemas. Mas, para resolvê-los, não há outro
caminho além de imaginar novas formas de interpretar a
natureza, na tentativa de achar alguma na qual aquele problema
não existiria. Precisamos de criação, invenção, razão criativa.
Não é na forma como adquirimos uma teoria que podemos
garantir sua validade. Podemos obter uma idéia que venha a se
tornar científica de todas as formas possíveis: intuição, análise
exaustiva, sob efeito de alucinógenos, num sonho, sob
inspiração divina, inspirados por alguma observação relevante
ou por um mito, e, por fim, com a maior das fontes de idéias
científicas, a metafísica. Nada disso traz em si a validação ou a
rejeição de uma teoria em particular como científica.
Aqui Popper (1975b) traça uma distinção fundamental,
central para o Racionalismo Crítico e para a filosofia da ciência
contemporânea: a distinção entre contexto de descoberta e
contexto de justificação. Uma coisa é a gênese psicológica das
idéias, outra, completamente diferente, é a sua prova como
verdadeira ou ao menos provável – o contexto de justificação de
uma teoria. O que então justifica uma idéia qualquer, como
conhecimento? Uma vez que a indução para ele não existe e a
verificação do Positivismo Lógico não é nada além de um mito,
qual é o critério de cientificidade para Popper?
A falsificabilidade é, para o Racionalismo Crítico, o
novo critério de demarcação entre as assertivas científicas e as
não-científicas. Esse critério vem substituir o combalido critério
da verificação na demarcação das proposições científicas. Isso
implica numa mudança do olhar científico que será absoluta-
mente vital para as pretensões científicas da Psicologia: não é a
observação direta de determinados fenômenos que deve fornecer
as hipóteses a serem testadas. Elas podem ser criadas de qual-
quer maneira possível. O que as fará integradas ou não ao cam-
po do conhecimento científico é o fato de gerarem ou não
conseqüências passíveis de falsificação. Isto porque elas estão

104
no início do processo, e não na sua conclusão. Uma hipótese é
falsificável se existe uma proposição de observação qualquer,
logicamente possível, que, se estabelecida como verdadeira,
implicaria em sua rejeição como falsa.
Estes são os passos que uma teoria cumpre para o
Racionalismo Crítico até se tornar conhecimento científico:
Primeiro, constatamos um problema (uma teoria que tínhamos
não deu conta da realidade e nos frustrou); segundo, elaboramos
hipóteses como tentativas de solução do problema; terceiro,
temos que colocar em teste empírico estas hipóteses (aqui está a
questão do falsificacionismo: se ela não puder ser, em tese,
falsificada por nenhuma observação possível, não pode ser
científica); quarto, verificamos se a hipótese foi corroborada (ou
seja, a previsão se concretizou) ou falsificada (a previsão não se
confirmou na observação). Quando corroborada, temos uma
teoria científica, que no entanto, tem validade provisória, até ser
refutada por alguma possível futura observação. Quando
refutada (falsificada), também temos conhecimento, pois
eliminamos uma teoria que agora sabemos ser falsa.
Uma teoria, em si, nunca pode ser diretamente testada. O
que podemos testar delas são algumas de suas conseqüências
particulares. Se temos um problema P, e temos uma proposta de
solução que é a teoria T, então acreditamos que a teoria T é
verdadeira. Sendo verdadeira, ela trará uma série de conseqüên-
cias particulares empiricamente observáveis: cp1, cp2, cp3, ...,
cpn. Se estas conseqüências se constatam, a teoria é
provisoriamente corroborada, e aceita. Se não se constatam,
desmentem, falseiam, falsificam a teoria. Esta então é descartada
e se procura outra.
Vamos a um exemplo simples deste processo. Se uma
criança acredita que objetos sólidos afundam na água, o que
podemos testar dessa teoria são conseqüências particulares desta
tese, como por exemplo, de que esta bola de gude afundará na

105
água. Se afundar, a tese está corroborada (provisoriamente
estabelecida), se boiar, a tese estará refutada. Como a bola
afundará, a teoria estará provisoriamente aceita. Mas outra
conseqüência da teoria é que este pedaço de madeira também
afundará. Como podemos constatar empiricamente que isto não
se dá, a hipótese estará então falsificada, e terá que ser
substituída por outra mais elaborada, que não só explique
porque a bola de gude afunda como também porque o pedaço de
madeira não. É surpreendente a sintonia de Popper com as teses
da Epistemologia Genética de Jean Piaget. Acima vemos um
exemplo que poderia estar se referindo aos conceitos de
assimilação e acomodação.
Voltando à questão da falsificação, agora podemos dizer
que se tornou óbvia sua condição de critério de cientificidade.
Se não podemos imaginar, ao entrar em contato com uma teoria,
qualquer forma de conseqüência empírica dela, ou seja, se não
podemos imaginar nenhuma situação que em tese poderia
refutar essa teoria, estamos diante de uma sentença metafísica,
não passível de justificação científica. Se afirmamos que “Deus
é uno”, essa assertiva pode não ser falsa, mas certamente não é
científica, pois não há maneira de deduzir dela nenhuma
conseqüência direta que seja testável, ou seja, falsificável. A
adequação desse critério aqui se torna flagrante. Que observação
que possa ser feita não confirma esta teoria metafísica? Por
outro lado, que fato poderá desmentir, falsificar tal teoria? Isto, é
claro, não significa que a teoria é falsa, significa, ao contrário,
que não podemos em nenhum caso imaginável provar que ela é
falsa. É por isso que para Popper, a Psicanálise é metafísica.
No entanto, diferentemente do critério da verificação do
Positivismo Lógico, a falsificabilidade não se pretende critério
de significação, somente se pretende critério de cientificidade.
Ou seja, a afirmação que “Deus é uno”, para Popper, é
perfeitamente significativa, mas totalmente não-científica. Mas

106
embora ela seja absolutamente inútil empiricamente, porque
justifica tudo e não prevê nada, pode ser fonte inspiradora para a
ciência, gerando idéias que, estas sim, podem ter algum
conteúdo empírico. Assim, Popper acredita que, apesar de
muitas vezes a metafísica ter contribuído para a estagnação da
ciência, não é possível considerar a possibilidade da descoberta
científica sem a fé de cientistas – que dedicam anos de sua vida
perseguindo uma determinada visão da realidade – em idéias
metafísicas, puramente especulativas.
A disputa entre a ênfase inatista e a construtivista no seio
do Cognitivismo, embora tenha em grande parte se dissolvido
nos últimos anos em virtude dos próprios resultados a que
chegou a Psicologia Cognitiva, poderia ter encontrado síntese
satisfatória como pressuposto de base se houvesse uma maior
familiaridade por parte de seus principais atores com as teses
epistemológicas de Karl Popper. Para este, uma certa forma de
inatismo não só é compatível com o construtivismo, como é, na
verdade, necessária para que possamos falar de processos de
construção de conhecimento. Veja essa passagem de sua obra
Conhecimento Objetivo:

“A meta da ciência é o aumento da similitude. Como


tenho argumentado a teoria da tabula rasa é absurda:
em cada etapa da evolução da vida e do desenvolvimento
de um organismo temos que admitir a existência de al-
gum conhecimento na forma de disposições e expectati-
vas. Concordantemente o crescimento de todo conheci-
mento consiste na modificação de conhecimento prévio –
ou sua alteração, ou sua rejeição em ampla escala. O
conhecimento nunca começa do nada, mas sempre de
algum conhecimento de base – conhecimento que no mo-
mento é tido como certo – juntamente com algumas difi-
culdades, alguns problemas. Estes, via de regra, surgem
do choque entre, de um lado, expectativas inerentes a

107
nosso conhecimento de base e, por outro lado, algumas
novas descobertas, tais como nossas obsevações ou
alguma hipótese sugerida por elas.” (1975b, p.75)

A citação é auto-explicativa. Esta posição tem o mérito


de integrar as teses básicas de Chomsky e Piaget sobre a
questão, superando inclusive algumas críticas sobre ambas,
particularmente a de Fodor (1987) a Piaget. O processo de
construção do conhecimento deve partir de uma base inata, mas
ela não está construída na forma de idéias ou estruturas prontas,
mas sim de expectativas inconscientes do organismo. Se não
partimos de qualquer disposição inata, não há nada para
assimilar ou acomodar. Popper chega a expor essa posição na
forma de um teorema:

“Todo conhecimento adquirido, todo aprendizado,


consiste de modificação (possivelmente de rejeição) de
alguma forma de conhecimento, ou disposição, que
existia previamente, e em última instância de disposições
inatas.” (1975b, p. 76)

Como já afirmado neste livro, pode se encarar, segundo


afirmou o próprio Popper (1977), o Racionalismo Crítico como
uma interpretação realista da filosofia kantiana. Aqui talvez
tenha sido colocada a última peça neste quebra cabeça
particular, relembrando o papel do inatismo na filosofia
popperiana. Este é o de tendências, disposições, expectativas
muito básicas de organismos, que serão o pano de fundo original
contra o qual se destacarão figuras, os esquemas originais,
provavelmente inconscientes, que, ao não conseguirem assimilar
os primeiros estímulos vindos do mundo a eles, levarão o sujeito
a promover seu primeiro processo de acomodação.

108
3.2.2 O Racionalismo Crítico implícito do Cognitivismo
Apesar de toda a identidade entre as teses filosóficas
trazidas por Popper sobre o construtivismo realista (Piaget), o
caráter antecipatório da percepção (Bruner), a observação que se
faz contra ou a favor de uma teoria (Neisser), a rejeição da
tabula rasa (Chomsky), o interacionismo (Sperry), o caráter de
imprevisibilidade que a cognição trás ao sujeito (Neisser) entre
outras, a mais surpreendente das inconsciências do
Cognitivismo com o caráter de precursor que Popper assume em
relação a este movimento é seu silêncio em relação a seu modelo
de método geral científico. É evidente que as idéias de Popper
chegaram por ecos de seus discípulos e ex-discípulos, como
vemos através de citações destes últimos ou da exposição de
suas idéias. Isso no entanto não aconteceu só no Cognitivismo.
Um dos filósofos mais importantes do século XX, Popper
também disputa o posto (para o qual Leibniz e Schopenhauer
são dois fortes concorrentes) de grande filósofo cujas idéias
originais menos lhe são atribuídas. Ele tinha consciência dessa
negligência, como se lê na primeira página do primeiro capítulo
de Conhecimento Objetivo:

“Poucos filósofos têm-se dado o incômodo de estudar –


ou ao menos de criticar – minhas concepções de tal
problema [a indução], ou de tomar conhecimento do fato
de haver eu feito algum trabalho a esse respeito. Muitos
livros publicados bem recentemente não fazem a menor
referência a minha obra, embora muitos deles dêem
mostras de terem sido influenciados por alguns ecos bem
indiretos de minhas idéias. E as obras que tomam
conhecimento de minhas idéias costumam atribuir-me
opiniões que nunca sustentei, ou criticar-me com base em
evidentes incompreensões ou interpretações errôneas, ou
com argumentos inválidos” (1975b p. 13)

109
Com algumas passagens, quero aqui ilustrar como essa
influência chegou ainda que indiretamente, apesar de, como já
apresentei aqui, nos últimos anos ela estar começando a se
tornar explícita e reconhecida (Sperry, 1993; Eysenck & Keane,
1994; Beck, 2000, Fetzer, 2000). Afirmava Gardner (1996,
[1985]) em sua “Nova Ciência da Mente”:

“Mas outros fatores também haviam impedido a


fundação propriamente dita de uma ciência da cognição.
Algumas escolas filosóficas – o positivismo, o fisicalismo
e o verificacionismo – que evitavam entidades (como
conceitos ou idéias) que não podiam ser observadas
prontamente ou medidas com segurança, ajustavam-se
muito bem ao Behaviorismo. Havia também a intoxica-
ção com a psicanálise. (....) muitos estudiosos (...)
ressentiam-se profundamente da pretensão de um campo
que não se mostrava suscetível de refutação.” (p. 30)

Além da evidente falta de familiaridade com a história da


filosofia contemporânea manifestada nesta passagem, nota-se a
presença de Popper duas vezes em um pequeno parágrafo. Na
primeira pela alusão (completada depois) à decadência da
influência do Positivismo Lógico e suas teses fisicalistas e
verificacionistas na Filosofia da Ciência, que ele não sabe, se
deve ao impulso crítico original da obra de Popper. Na segunda,
através da expressão da tese da irrefutabilidade da Psicanálise
como a característica que lhe nega o estatuto de Ciência. Pode-
mos ver também em outro historiador do Cognitivismo, Bernard
Baars, a mesma inconsciência, quando afirma que a metateoria
cognitivista poderia ser resumida a um encorajamento a
psicólogos experimentais para começar suas pesquisas por
“fazer teorias, relativamente livres de restrições filosóficas
prévias” (1986, p.144). Ele se refere às restrições anti-teóricas e
indutivistas do Positivismo Lógico que haviam perdido o debate

110
filosófico com Popper, que defende que o princípio da
investigação científica é a elaboração criativa de uma teoria que
tem conseqüências empiricamente falsificáveis. Um pouco
adiante, o mesmo Baars (1986) declara:

“Fatos sozinhos não constituem uma ciência, na


verdade, um amontoado de fatos irrefletidos podem
interferer com o trabalho da ciência. Hoje virou lugar
comum em filosofia da ciência dizer que ‘os fatos’ não
podem nem sequer ser percebidos como fatos sem algum
pano de fundo teórico, explícito ou não (e.g., Kuhn,
1962, 1970; Lakatos & Musgrave, 1970)” (p. 146)

É lugar comum porque assim as idéias de Popper, sobre


as quais os três autores citados basearam grande parte de suas
obras, o fizeram. Veja como Piatelli-Palmarini (1987) descreve
o que torna o programa cognitivo e suas teorias, científicas:

“Os modelos abstratos aos quais chegamos terão, para


cada uma destas estruturas [cognitivas], valor científico
na medida em que serão suficientemente gerais para
apreenderem verdadeiramente as características univer-
sais do sujeito e suficientemente precisos para serem
operacionais, logo, falsificáveis pela experiência.” (p.34)

É o que também afirma Chomsky (1987) ao justificar


porque suas teses inatistas são científicas e não metafísicas. Elas
são científicas porque são refutáveis, qualquer língua encontrada
que não possuísse a estrutura profunda por ele predita, falsifica-
ria a tese de que ela é inata. Ao responder ingênua objeção de
Guy Cellérier que afirmava que ele não poderia demonstrar
apesar disso que o caráter universal de uma propriedade
lingüística era inata, Chomsky responde ironicamente: “Não
pode provar-se por demonstração que uma propriedade é inata,

111
porque fazemos ciência e não matemática.” (p. 128). Mais à
frente ele indica que a universalidade de uma propriedade é
condição necessária para o inatismo, porém, não suficiente.
Mas, se encontramos um ser humano que não possui a
propriedade, isto é suficiente para refutar a hipótese de que ela é
inata. (p. 129) Os trechos acima passariam perfeitamente por
trechos de autoria de Popper, mas não há referência direta por
parte dos autores citados. É inútil fazer deste trabalho um
amontoado de “fatos irrefletidos” (Baars, 1986), citações, idéias
contrabandeadas ou influenciadas, que ademais já foram
pontuadas até aqui. Muitas outras citações poderiam aqui ser
evocadas, mas o que importa agora, uma vez que está suficiente-
mente justificada uma das três principais teses deste trabalho, é
concluir este argumento e explicitar de que forma o método
hipotético-dedutivo propiciou a Psicologia Cognitiva.

3.2.3 Racionalismo Crítico e o método geral de investigação


cognitiva
Como afirmou Baars (1986), enquanto o modelo de ciên-
cia dominante da Psicologia impedia a geração de teorias pré-
vias à observação direta de seu objeto de estudo, qualquer inves-
tigação científica da cognição era considerada impossível. Mas
uma vez que Popper reintroduziu na Filosofia a tese de que a
ciência parte de hipóteses formuladas previamente a observa-
ções, e mesmo que é impossível fazer uma observação que não
seja contra ou a favor de uma teoria, a “liberdade de restrições
filosóficas” para teorizar foi alcançada. Para Popper, o método
científico tem quatro estágios básicos. O primeiro é a percepção
de um problema científico, através de uma observação que
frustrou alguma expectativa que tínhamos acerca do funciona-
mento de algo do mundo. A partir daí, podemos criar conjec-
turas ousadas, hipóteses, que tenham conseqüências empíricas
observáveis, o que constitui a segunda fase do método científico.

112
Aqui, formulamos hipóteses, e portanto é aqui que a Psicologia
Cognitiva está liberada para começar seu trabalho, hipotetizando
teorias sobre o comportamento de processos não observáveis
diretamente, mas testáveis através de suas conseqüências em-
píricas previsíveis. Na terceira etapa, nossos modelos e hipóte-
ses sobre o real devem ser formulados em termos de uma hipóte-
se experimental, a qual, sob condições controladas, será subme-
tida ao teste do experimento. O experimento é o tribunal empíri-
co-matemático da ciência moderna, e é quem julgará, na quarta
etapa, se as predições observáveis que nosso modelo ou hipó-
tese efetuou serão observadas ou não. No primeiro caso, nosso
modelo ou hipótese sobre a vida mental estará provisoriamente
corroborado, tendo atingido o status de lei científica (até ser
falsificado por observações confiáveis); no segundo caso, nosso
modelo ou hipótese estará falsificado, e também fará parte do
conhecimento científico, como erro laboriosamente eliminado.
Os métodos específicos que a Psicologia Cognitiva usa para
refinar cada uma destas etapas da investigação científica se
encontram descritos no quarto capítulo deste livro.

3.3 A Explicação Psicológica no Cognitivismo

Antes de falarmos do problema da explicação científica


no Cognitivismo, é necessário nos dedicarmos à uma explicação
mais adequada da explicação. O que é explicar, para quem
defende a explicação como a meta da ciência? Para Carl Hempel
(1970), a explicação tem duas características centrais. A
primeira é ter relevância explanatória, o que quer dizer que a
informação apresentada fornece bom fundamento para acreditar
que o fenômeno a ser explicado de fato aconteceu ou acontecerá.
É a condição necessária a ser satisfeita para que estejamos

113
autorizados a dizer que o fenômeno está explicado, ou seja, que
sob esta condição seu acontecimento era justamente o esperado.
Condição necessária, porém, não suficiente. Para Hempel
(1970), uma explicação não pode somente oferecer um fenôme-
no associado ao fenômeno que pretendemos explicar e determi-
nar que um garante a ocorrência do outro (para o Positivismo de
Comte a explicação se resumia a esta descrição de regularida-
des, de relações constantes entre fenômenos). Ela deve também
oferecer uma resposta ao por que do fenômeno que pretendemos
explicar. Porém, este porque deve ser uma explicação que se
submeta à verificação empírica. Hempel (1970) defende que o
tipo de explicação que satisfaz as duas condições é a dedutivo-
nomológica. Nesta, o evento a ser explicado, denominado
explanandum, é coberto por uma lei geral da natureza, que em
conjunto com as condições particulares (que antecederam o
explanandum), constituem o explanans.
Assim, a explicação dedutivo-nomológica pode ser resu-
mida como um argumento dedutivo no qual a conclusão é o fato
a ser explicado (explanandum), e as premissas são um conjunto
de asserções (explanans) que definem leis gerais (L1, L2, ..., Ln)
e condições necessárias estabelecidas pela ocorrência de fatos
particulares (C1, C2, ..., Cn). Podemos representar esta forma de
argumento, a explicação científica dedutivo-nomológica, pelo
seguinte esquema:

L1, L2, ..., Ln


explanans
C1, C2, ..., Cn

E explanandum

Podemos concluir portanto, que ao aderir ao método


hipotético-dedutivo, a Psicologia Cognitiva tenha como meta o

114
estabelecimento de leis e teorias gerais sobre o processamento
humano de informações. Ou seja, o Cognitivismo aspira a obten-
ção de leis da cognição, sob a forma de explicações dedutivo-
nomológicas. Para cada comportamento humano (a emissão de
um output), o explanandum, devem haver leis gerais de funcio-
namento da cognição (as estruturas cognitivas, os programas),
que em conjunto com as contingências das condições partícula-
res (o input, a informação de entrada, as condições ambientais
que antecederam o comportamento), constituem o explanans.
Uma acusação comum à possibilidade e a validade de
tais leis, acusação que paralisou a Psicologia durante a primeira
metade do século, é a de que a cognição, o que quer que ela
fosse, não era diretamente observável, portanto, não se poderia
chegar a estas leis, e mesmo que alguma fosse proposta, não
havia meios para provar que eram verdadeiras. Recapitulando o
que foi visto até agora, sabemos que podemos afirmar que, no
mínimo em algum de seus aspectos, a cognição é manipulação
formal de representações. Com o advento da teoria da informa-
ção, sabemos que podemos, se soubermos quais são as represen-
tações que entram e as representações que saem, deduzir o siste-
ma de regras que as manipula. Quanto as duas outras partes da
acusação, é preciso enfatizar aqui que tal limitação é comum a
todas as ciências. Como lembra Chomsky (1971), os mecanicis-
tas cartesianos resistiram fortemente à idéia de gravidade sim-
plesmente porque uma força de atração à distância, inobservável
a não ser através de seus efeitos, era inconcebível nos parâme-
tros da física cartesiana. O próprio Newton resistiu muito à idéia
(Chomsky, 1971) e procurou uma solução compatível com a
mecânica cartesiana antes de resolver publicar os Principia.
Chomsky (1981), desenvolvendo seus argumentos, de-
monstra que a questão da “realidade psicológica” dos fenôme-
nos psicológicos descritos pela Psicologia Cognitiva é um con-
tra-senso. Quando astrofísicos tentam determinar a natureza das

115
reações termonucleares presentes nas camadas mais internas do
Sol, a técnica disponível de observação permite aos astrofísicos
estudar somente a luz emitida nas suas camadas externas. Com
base nesta informação, eles constroem uma teoria das reações
termonucleares desconhecidas, e esta teoria oferece uma inter-
pretação coerente dos dados colhidos e prevê adequadamente o
comportamento das coletas de dados futuras. Mas mesmo diante
disso, sempre haverá alguém que ainda não compreendeu o espí-
rito hipotético-dedutivo da ciência moderna e que perguntará
algo do tipo: “Esta teoria é explicativa dos fenômenos, mas
como você pode provar que as construções de sua teoria
possuem realidade física?” (ou seja, se são verdadeiras em
sentido metafísico). A resposta é simples: não pode. A Ciência
Moderna é um processo popperiano de conjecturas e refutações.
A conjectura sobrevivente da vez sempre será o que é, uma
conjectura. Porém, com maior poder explicativo do que as
outras que já foram abandonadas. Popper (1994) e Miller (1994)
diriam: com maior verossimilhança que as abandonadas.
Vaihinger (1924) e Laudan (1990) diriam: ficções úteis com
maior poder pragmático. Mas todos eles concordariam em linhas
gerais com Chomsky (1981) que:

“Não faz sentido procurarmos outro tipo de justificação


para atribuir realidade física aos constructos da teoria; é
suficiente perguntarmos se eles são adequados para
explicar os dados e se estão de acordo com a essência da
ciência natural, tal como é atualmente compreendida.
Não pode haver nenhum outro fundamento para atribuir-
mos realidade física às construções do cientista.” (p.144)

O problema exposto na argumentação acima atinge indis-


criminadamente a Astrofísica, a Física, a Química, a Biologia e
a Psicologia. Para ilustrar isto, vejamos o exemplo dado por
Carl Hempel (1970) de explicação dedutivo-nomológica, que é

116
modelar do tipo de explicação que encontramos na Física, disci-
plina universal dos positivistas e modelo da Ciência Moderna. O
evento a ser explicado (explanandum) é o fato de que a altura da
coluna de mercúrio em um barômetro de Torricelli (tubo de
vidro de 80 cm. completamente cheio de mercúrio, que é
emborcado numa tina também contendo mercúrio: parte do
mercúrio passa do tubo para a tina, deixando uma câmara de
vácuo na parte superior) diminui quando a altitude aumenta:

“a) Em qualquer local, a pressão exercida na sua base


pela coluna de mercúrio no tubo de Torricelli é igual à
pressão exercida na superfície livre do mercúrio
existente na cuba pela coluna de ar acima dela.
b) As pressões exercidas pelas colunas de mercúrio e de
ar são proporcionais aos seus pesos; e quanto menor a
coluna menor o seu peso.
c) A coluna de ar acima da cuba aberta é certamente
menor quando o aparelho está no alto da montanha do
que quando está em baixo.
d) (Portanto), a coluna de mercúrio no tubo é certamente
menor quando o aparelho está no alto da montanha do
que quando está em baixo.” (1970, p.68)

No exemplo acima, a afirmação expressa em d decorre


dedutivamente dos enunciados explanatórios (as sentenças
explanans, cujo conjunto é o explanans). Assim, o argumento
dedutivo depende da validade das premissas, as leis universais
enunciadas em a e b. Na lei b, a pressão é definida em função do
peso, e como sabemos, peso é definido em função da gravidade,
que como sabemos, é um conceito inobservável e que postula
ação à distância. Não é demais lembrar que, além disso, na
própria Física não existem ainda teorias-ponte que reduzam as
propriedades dos fenômenos do nível clássico às propriedades
dos fenômenos quânticos, embora a maioria dos físicos acredite

117
que um dia isto será possível. Qual é a razão, além da capaci-
dade preditiva, para aceitar como dignas do status de científicas
explicações cujo conceito irredutível é a gravidade e rejeitar
explicações que utilizam o conceito irredutível de consciência?
A ciência contemporânea trabalha majoritariamente com
construções hipotéticas que são tomadas por reais simplesmente
por seu poder explicativo. Big Bang, gravidade, quarqs, fótons,
léptons, energia, massa, órbita elétrica, moléculas, vida, teoria
da evolução, finalismo biológico, e, porque não? Cognição.
Pelo argumento exposto acima defendo que não é
aceitável, não é concebível, que o fenômeno do universo a partir
do qual é possível falar de dados, manipular representações,
construir sistemas delas (teorias), e inferir seu significado, seja
proibido de obter seu lugar de construção hipotética irredutível
legítima na Ciência Moderna. Estou falando aqui da
Consciência, a partir da qual há milhares de anos seres
humanos, que são o próprio objeto de estudo da Psicologia,
fazem inferências válidas (em termos de desejos e crenças)
acerca do comportamento de outros seres humanos. Esta atitude
dogmática é de uma arrogância sem paralelos ao desconsiderar o
conhecimento ordinário que todos nós temos dos mais básicos
processos psicológicos, é motivada religiosamente (a religião
materialista), é baseada numa concepção errônea do
conhecimento científico (o Positivismo Lógico), é incompatível
com o espírito de liberdade que caracteriza o desenvolvimento
científico desde a Revolução Científica e, finalmente, de uma
ingenuidade metafísica e filosófica inacreditável.
Noam Chomsky (1981) no clássico “Regras e Represen-
tações”, propôs a teoria geral da explicação cognitiva mais
influente do Cognitivismo. Para ele, a explicação completa de
um órgão mental, de uma aptidão cognitiva específica (raciocí-
nio espacial, linguagem, etc.), deveria se dar com as mesmas ca-
tegorias que envolvem a explicação de um órgão físico. Diz ele:

118
“Venho propondo que estudemos a mente – isto é, os
princípios subjacentes dos nossos pensamentos e
crenças, nossa percepção e imaginação, a organização
de nossas ações, etc. – de forma análoga à maneira como
estudamos o corpo. Podemos conceber a mente como um
sistema de órgãos mentais, um dos quais é a faculdade
lingüística. Cada um desses órgãos tem sua estrutura e
função específicas, determinadas em linhas gerais por
nossa base genética, interagindo de formas que também
são, em grande parte, biologicamente determinadas,
vindo à constituir a base de nossa vida mental. A
interação com o meio ambiente físico e social refina e
articula esses sistemas à medida que a mente amadurece
na infância e – sob aspectos menos fundamentais – no
decorrer de toda a existência.” (1981, p.180)

Assim, existem cinco tipos de perguntas que nos fazemos


a respeito de um órgão biológico, que também deveríamos fazer
a respeito dos órgãos mentais, já que a mente é um fenômeno
biológico:
a) Qual é a sua finalidade? (para não confundirmos os
dois significados da palavra função, a que finalidade
biológica serve aquele órgão mental)
b) Como é a sua estrutura? (como é organizado e
funciona, no sentido de operação lógica)
c) Qual a sua base física? (qual é e como funciona a
base cerebral que executa as funções)
d) Como é o seu desenvolvimento no indivíduo? (como
é o processo de desenvolvimento dos órgãos mentais e
dos órgãos físicos que os executam)
e) Como é o seu desenvolvimento evolutivo na espécie?
(como o ser humano desenvolveu evolutivamente estas
que hoje são aptidões inatas)

119
Como exemplifica Chomsky (1981), podemos perguntar
(a) o que o aparelho visual faz, qual o seu propósito; (b) como o
aparelho visual faz, como é organizado e funciona; (c) do que o
aparelho visual é feito, quais os mecanismos físicos que
realizam b; (d) como o aparelho visual se desenvolve no
indivíduo, como predisposição inata e ambiente interagem para
a maturação do órgão (questão a ser levantada no nível b e no
nível c – nível abstrato ou cerebral); e (e) como a espécie
adquiriu o aparelho visual durante a evolução.
Assim, transportando a questão para um processo
cognitivo, por exemplo (preferido de Chomsky) a linguagem,
podemos estudá-la nestes níveis: (a) Qual o propósito da
linguagem? (esta é uma pergunta de significado questionável,
como observa aqui Chomsky. Veremos adiante porquê); (b)
Como a linguagem é organizada e funciona no sujeito
maturado?; (c) Qual é a estrutura cerebral que suporta os
processos lingüísticos e como ela funciona?; (d) Como se
desenvolve a linguagem no indivíduo, como predisposições
inatas e ambiente interagem para o desenvolvimento da
linguagem (questão a ser levantada no nível b e no nível c –
nível abstrato ou cerebral); e (e) como a espécie adquiriu a
linguagem durante a evolução. Veja este exemplo de Pinker
(2004), que adota declaradamente esta posição de Chomsky:

“Por exemplo, a linguagem baseia-se em uma gramática


combinatória estruturada para comunicar um número
ilimitado de pensamentos. É utilizada pelas pessoas em
tempo real por meio de uma interação entre pesquisa na
memória e aplicação de regras. É implementada em uma
rede de regiões no centro do hemisfério cerebral
esquerdo que tem que coordenar memória, planejamento,
significado das palavras e gramática. Desenvolve-se nos
três primeiros anos de vida em uma seqüência que vai de

120
balbuciar a pronunciar palavras e depois combinações
de palavras, incluindo erros aos quais podem ter sido
aplicadas regras em excesso. Evoluiu por modificações
do trato vocal e de circuitos cerebrais que tinham outros
usos em primatas primitivos, pois as modificações
permitiram a nossos ancestrais prosperar em um estilo
de vida marcado pela interconexão social e pela riqueza
de conhecimentos. Nenhum desses níveis pode ser
substituído por qualquer um dos outros, mas nenhum
deles pode ser plenamente compreendido isoladamente
dos demais.” (2004, p.106-107)

O nível de explicação (a), o da finalidade, é o mais


obscuro de todos. O que significa dizer que x é a finalidade de
y? É importante destacar que o primeiro problema com relação a
este tipo de questão já foi eliminado aqui quando a palavra
função foi substituída por finalidade. Geralmente a palavra
função é usada em três sentidos distintos, e como se não bastas-
se o caos que isto provoca na linguagem ordinária, também o
provoca em linguagem científica, que usa a palavra indiscrimi-
nadamente nos sentidos de finalidade, operação, e relação mate-
mática. Como aponta Fodor (1968), o modo como o conceito de
função (finalidade) é usado na Biologia, é muito problemática.
Estados e estruturas biológicas geram conseqüências que têm
muito pouco a ver com aquilo que os biólogos (particularmente
os que tentam explicar a evolução) desejam identificar como
sendo suas funções biológicas. A clorofila é uma condição
necessária para a ocorrência da fotossíntese em plantas, mas não
podemos afirmar que a função (finalidade) da clorofila é realizar
a fotossíntese, pois ela também é condição necessária para
tornar a planta verde (e com certo gosto, certo cheiro, etc.).
Como definir portanto que a função da clorofila é realizar a
fotossíntese e não tornar a planta verde? Qual a vantagem
evolutiva que determinou tal fixação, a capacidade de realizar

121
fotossíntese ou a cor que protegia de algum tipo de radiação pri-
mitiva? Pode ser que substâncias capazes de realizar fotossíntese
e que deixassem com coloração azul ou vermelha tenham
existido, e perdido o processo evolutivo por conta da radiação.
Fodor (1968) amplia esta análise para realizar uma
rejeição completa de todo programa da IA forte. Ao tentar
explicar o comportamento de um organismo por meio de
simulação, teríamos que construir um computador onde seus
componentes fizessem o papel funcional dos neurônios. Mas
para isso os componentes precisariam ser neurônios, caso
contrário, nunca poderíamos afirmar que todo efeito de um
neurônio é efeito do componente. Não teríamos nunca como
dizer definitivamente de um computador que ele é funcional-
mente equivalente a um organismo, pois nem todo efeito de um
organismo tem equivalente funcional num computador. A
simulação computadorizada portanto, só pode ter um papel
metodológico a cumprir, como veremos no próximo item.
Assim, retornando ao nosso problema, como afirma
Chomsky (1981), a questão da finalidade só se reveste de
importância, apesar de problemática, se considerada em relação
ao tipo de questão (e). Ou seja, a finalidade de um órgão mental
pensada não em termos de um indivíduo, mas de adaptação da
espécie. Proponho aqui que, como podemos assistir hoje, o
campo das hipóteses (a) e explicações (e), forma o campo da
abordagem evolucionista da Psicologia Cognitiva. Na verdade é
um campo de questões de pouco interesse prático, e de pouca
influência na configuração atual dos problemas, a não ser para
apresentar explicações plausíveis (ainda assim hipotéticas) de
porque a herança genética é como é.
O campo de problemas de tipo (b), é o campo da
Psicologia Cognitiva tradicional. É a explicação da estrutura e
funcionamento dos processos cognitivos tais como eles se
apresentam agora, em indivíduos em estágios específicos. É um

122
tipo de investigação puramente formal, se refere à compreensão
do programa, das estratégias que utilizamos para resolver
problemas, e o quanto delas é universal, e dentre estas, o quanto
é inato, e o quanto é contingente e podemos aprender. Neste
campo inclui-se o campo da Cognição Social, pois uma vez que
esta é concebida em termos individuais, não requer um nível
diferente de análise.
O campo de problemas de tipo (c), é o campo da
Neuropsicologia Cognitiva, que estuda as relações entre as
estruturas cerebrais e as estruturas mentais, tentando estabelecer
relações de condicionalidade ou causalidade entre as duas.
Por fim, temos o campo de problemas de tipo (d), o da
Psicologia do Desenvolvimento, que envolve tanto o
desenvolvimento neuropsicológico quanto o desenvolvimento
puramente cognitivo. Uma Psicologia Cognitiva completa, é o
conjunto destas quatro disciplinas.
Propõe-se portanto nesta obra que, de acordo com tudo o
que vimos até aqui, uma explicação dedutivo-nomológica
completa do comportamento humano para o Cognitivismo
deveria em tese ser uma explicação da reação R (explanandum)
em função do estado mental completo M e da ocorrência do
estímulo E (explanans). Assim, o modelo de explicação
cognitiva implicitamente proposto pelo Cognitivismo seria:

Dadas as leis universais L:


L1) o conjunto das leis sobre a motivação humana,
L2) o conjunto das leis sobre a aquisição de crenças,
L3) o conjunto das leis sobre as estruturas cognitivas universais,
L4) o conjunto das leis sobre as funções mentais do cérebro,
L5) o conjunto das leis sobre o desenvolvimento cerebral,
L6) o conjunto das leis sobre o desenvolvimento cognitivo,

123
e os fatos contingentes:
C1) o conjunto das metas deste indivíduo,
C2) o conjunto das crenças deste indivíduo,
C3) o conjunto estruturas cognitivas efetivas deste indivíduo,
C4) o conjunto das funções mentais do cérebro deste indivíduo,
C) as condições ambientais de estímulo E,
(L1 L2 L3 L4 L5 L6 C1 C2 C3 C4 C, constituem o explanans)
___________________________________________________
causou-se o comportamento R (explanandum).

Desde já, impõem-se várias questões. Primeira: é


possível um empreendimento científico desta magnitude e desta
complexidade? Segunda: todo o conjunto de fatores que afetam
a determinação do comportamento humano estão abrangidos por
este modelo de explicação? Terceira: a explicação dedutivo-
nomológica é adequada à verdadeira cognição humana?
Uma avaliação sobre todas estas perguntas será oferecida
na conclusão deste livro, não antes de examinarmos no próximo
capítulo os recursos metodológicos desenvolvidos pela Psicolo-
gia Cognitiva para atacar esta gama de questões. Mas antes de
passarmos para o último item, cabe lembrar que uma resposta
tradicional possível à terceira pergunta é a de que a explicação
adequada à Psicologia é a probabilística, não a dedutivo-nomo-
lógica, uma vez que neste segundo tipo de explicação científica,
o explanans implica o explanandum, não com certeza dedutiva,
mas somente com certeza aproximada ou alta probabilidade. No
entanto, adianta-se que será defendida na conclusão desta obra
tese de que ambas as espécies de explicações oferecidas são
inadequadas, não por questões epistemológicas, mas por
questões ontológicas, sendo necessária para a Psicologia a
postulação de um terceiro tipo de explicação.

124
3.4 A circularidade da investigação científica cognitiva

Concluindo este capítulo, abordaremos um problema que


é exclusivo da Psicologia Cognitiva dentro do espectro das
ciências: a questão de sua circularidade, pois estuda o processo
de obtenção de conhecimento mas tem que partir de
pressupostos sobre ele. Estaria, em virtude disto, a Psicologia
Cognitiva sob uma espécie de paradoxo pós-moderno? Ou ainda
sob o risco positivista de um novo psicologismo? A resposta a
ambas as questões é não. Vamos substanciá-la.
A questão central da obra de Jean Piaget, assim como de
toda a pesquisa em Psicologia Cognitiva, é o problema do
conhecimento. O filósofo da Psicologia Sigmund Koch (1985)
chegou a propor uma subdisciplina de intersecção entre a
Psicologia Cognitiva, a Epistemologia e a Psicologia Clínica,
que ele denominou “epistemopatologia”, ou seja, o estudo das
condições psicológicas que interferem no processo de obtenção
do conhecimento. O trabalho de Piaget, muito menos peculiar e
de muito maior alcance, é a primeira expressão cognitivista de
um projeto ambicioso e arriscado (a cair no psicologismo):
investigar cientificamente as principais alegações das
epistemologias de origem filosófica:

“Em resumo, todas as epistemologias, mesmo anti-


empiristas, suscitam questões de fato e adotam assim
posições psicológicas implícitas, mas sem verificação
efetiva, enquanto esta se impõe com método certo.”
(Piaget, 1973b, p. 12)

Como questões de validade do conhecimento devem


estar implícitas nos procedimentos supostamente objetivos que
nós usamos para julgar as hipóteses experimentais, ou falando
claramente, como antes de dizer que a nossa teoria é científica
ou não temos que ter assumido uma tese particular sobre o que é

125
conhecimento científico, a posição de Piaget e das Ciências
Cognitivas como um todo pode parecer um grande paradoxo. De
fato, muitos lançaram sobre Piaget a acusação de que a
Epistemologia Genética era uma nova forma de psicologismo.
Neste caso, o psicologismo não estaria comprometido com
uma ontologia materialista, mas se resumiria a pretensão de
fundar uma “epistemologia científica”, cujas teorias seriam fruto
de investigações usando o método científico. Este termo
inclusive (epistemologia científica), além de infeliz, é usado por
Piaget em toda a extensão de sua longa obra psicológica e
parece denotar um esquecimento do fato de que qualquer
“científica”, pressupõe uma epistemologia que a define. Como
então essa epistemologia poderia ser julgada pela ciência que
retira sua validade dela? Em outro texto Piaget procura
esclarecer este problema:

“Quanto à epistemologia ou teoria do conhecimento ci-


entífico, ela nos parece, no momento, em vias de dissoci-
ação em relação à metafísica, e isso pelo mesmo motivo
que a psicologia, da qual acabamos de tratar. Os sinto-
mas desta dissociação são numerosos e indicam todos,
mais ou menos claramente, o desejo experimentado pelos
homens de ciência de encarregar a si mesmos do estudo
sistemático dos processos de investigação e de conheci-
mento, inerentes ao pensamento científico, sem renunciar
à tarefa essencial, deixando-a confundir-se com a da teo-
ria filosófica do conhecimento em geral.” (1973b, p.102)

Como já vimos neste livro, a tentativa de derivar a


Epistemologia de uma ciência particular, no caso a Psicologia, já
havia sido refutada por Husserl (1966), que diga-se de passagem
jamais conheceu Piaget ou muito menos a Ciência Cognitiva.
Ele argumenta que as leis lógicas que fundamentam o
conhecimento científico são universais e necessárias, portanto,

126
não podem depender ou serem derivadas de leis psicológicas
que, sendo generalizações de eventos empíricos, não são
necessárias de forma alguma. Portanto uma ciência empírica
baseada em “fatos”, que em sua constituição já toma como
premissa a lógica – necessária para a formulação de suas
próprias leis – não pode servir de fundamentação para essa
mesma lógica, pois esta última sim, é ciência necessária e
universal. Mas será que o que Piaget queria era o mesmo que os
antigos psicologistas fisiologistas? Ele garante que não. Piaget
(1973b), oferece uma resposta precisa a estas críticas, que ajuda
a fundamentar a resposta ao problema que, de fato, também se
coloca à Psicologia Cognitiva como um todo:

“Epistemologia é a teoria do conhecimento válida e,


mesmo que esse conhecimento não seja jamais um estado
e constitua sempre um processo, esse processo é essen-
cialmente a passagem de uma validade menor para uma
validade superior. Resultado disso é que a epistemologia
é necessariamente de natureza interdisciplinar, uma vez
que tal processo suscita, ao mesmo tempo, questões de
fato e de validade. Se se tratasse apenas de validade, a
epistemologia se confundiria com a lógica: o problema,
entretanto, não é puramente formal, mas chega a deter-
minar como o conhecimento atinge o real, portanto quais
as relações entre o sujeito e o objeto. Se se tratasse ape-
nas de fatos, a epistemologia se reduziria a uma psicolo-
gia das funções cognitivas e esta não é competente para
resolver as questões de validade.” (p. 14)

Piaget formula nesta passagem um argumento que é fun-


damental (embora não conclusivo do problema da circularidade
como veremos adiante) para a Epistemologia Genética e para
toda a Ciência Cognitiva, que na época em que este texto foi
escrito, já estava em pleno desenvolvimento. A Epistemologia,
como disciplina filosófica, não somente suscita questões de

127
validade lógica, mas, também, suscita questões de natureza
empiricamente testável. Piaget não quer fundamentar a Lógica
ou a Matemática com a Epistemologia Genética, somente testar
afirmações sobre o processo de obtenção de conhecimento
humano que suscitam questões de fato. No entanto, Piaget em
outros momentos parece ratear em sua formulação, quando
levanta a tese da circularidade das ciências (Piaget, 1973), onde
ao invés da linearidade pensada na hierarquia das ciências por
Comte, ele propõe um círculo de derivações que seria matemá-
tica – física – biologia – psicologia – matemática. Porém, conti-
nua a rejeitar a acusação de psicologismo, afirmando que “existe
um paralelismo” entre o estudo psicológico da formação dos
conceitos lógico-matemáticos e a Lógica e Matemática, e não
uma relação de subordinação entre uma disciplina e outra. De
resto, voltando ao projeto de uma “Epistemologia Científica”,
podemos afirmar que, fora o termo infeliz, o projeto de submeter
a testes empíricos antigas questões filosóficas é o projeto da
Ciência Cognitiva como um todo, que reconhece no entanto,
domínio autônomo para questões de Lógica e Matemática.
Vejamos esta passagem de Gardner (1996):

“Esta ‘nova ciência’, portanto, remonta aos gregos no


compromisso de seus membros de explicar a natureza do
conhecimento humano. Ao mesmo tempo, porém, ela é
radical-mente nova. Indo muito além da especulação de
gabinete, os cientistas cognitivos estão totalmente
ligados ao uso de métodos empíricos para testar suas
teorias e suas hipóteses, para torná-las passíveis de
refutação. Suas questões principais não são apenas uma
reciclagem da agenda grega: novas disciplinas, como a
inteligência artificial, surgiram; e novas questões, como
a possibilidade de máquinas construídas pelo homem
pensarem, estimulam a pesquisa. Além disso, os
cientistas cognitivos adotam os mais recentes avanços

128
científicos e tecnológicos de várias disciplinas. De
extrema importância para o seu empreendimento é o
computador – aquela invenção de meados do século XX
que promete mudar nossa concepção do mundo em que
vivemos e a nossa visão da mente humana” (p.19)

Como vemos, o projeto das Ciências Cognitivas é fazer


uso dos mais recentes e sofisticados avanços tecnológicos dispo-
níveis (hoje assistimos os imensos avanços em neuropsicologia
propiciados pela tomografia por emissão de posítrons) para
tornar passíveis de refutação através de testes empíricos antigas
e novas teorias epistemológicas. Gardner (1996) no entanto
repreende os cognitivistas que acreditam que o surgimento da
investigação de orientação empírica torna a filosofia desneces-
sária. Ele acredita que o processo estabelecido pelas Ciências
Cognitivas para o ataque desta questão é dialético,

“...no qual os filósofos propõe certas questões, as


disciplinas empíricas surgem para tentar respondê-las, e
então os filósofos cooperam com os cientistas empíricos
na interpretação dos resultados e na proposta de novas
linhas de trabalho.” (p. 67)

Porém, temo que nenhuma destas posições resolva o gra-


ve problema que se coloca quando queremos submeter asserti-
vas epistemológicas a testes científicos. Mais uma vez, repito: o
problema é que pressupostos epistemológicos – e não somente
lógico-matemáticos mas também metafísicos – já estão assumi-
dos sem teste quando vamos submeter assertivas epistemológi-
cas à teste. Vamos supor que alguém com certos pressupostos
epistemológicos resolva testar “cientificamente” assertivas epis-
temológicas diversas. Com base em seus pressupostos, e em evi-
dências empíricas que satisfazem seus pressupostos, ele declara
cientificamente eliminadas assertivas dos outros. Os outros não

129
aceitarão essa “epistemologia científica”, porque para eles ela
está construída em cima de uma noção equivocada de ciência.
Assim, o problema é análogo ao da crítica externa e da
crítica interna em Filosofia. O único tipo de “epistemologia
científica” válida seria aquela que sobrevivesse a uma tentativa
de refutação à la crítica interna. Ou seja, só seria válida aquela
“epistemologia científica” que colocasse em teste nos seus
experimentos as teorias que usa como pressupostos em sua
própria Filosofia da Ciência. Caso elas passassem no teste,
estariam provisoriamente corroboradas por terem resistido às
tentativas de falsificação. Mas e se fossem refutadas?
A hipotética refutação experimental de uma teoria episte-
mológica que fundamentou a própria concepção de validade do
método de investigação que a testou, geraria uma aporia aparen-
te. Se os pressupostos eram falsos, então o processo todo é in-
correto, e este último não pode fundamentar o resultado do teste
que indica que os pressupostos são falsos. Mas quando pensa-
mos na possibilidade contrária, vemos que só há uma opção
possível. Pois se os pressupostos epistemológicos que foram
testados fossem verdadeiros, então o processo de investigação
teria sido válido e não poderia ter gerado um resultado que
afirma que os pressupostos são falsos. Assim, esta última opção
é impossível. Uma vez que partamos de pressupostos epistemo-
lógicos falsos, para criar um método de pesquisa neles baseado
que tenha como objetivo testar estes mesmos pressupostos, nós
não podemos com base no resultado desta pesquisa concluir pela
falsidade deles. Esta conclusão seria contraditória. Mas podemos
concluir pela não-validade do método, pois gera um resultado
que é necessariamente contraditório. Assim, só estaríamos
refutando aqui métodos de investigação e validação, e não os
pressupostos epistemológicos que os fundamentaram.
Vou tentar dar um exemplo concreto deste problema tão
espinhoso. Se partindo do pressuposto de que todo conhecimen-

130
to vem da experiência, eu aplico um método de investigação
baseado neste pressuposto que chegue a conclusão de que todo
conhecimento é inato, então: este método não é válido para
afirmar que todo conhecimento é inato, teoria que permaneceria
não validada, porém, a contradição gerada é suficiente, supondo
que a aplicação do método foi correta, para que o próprio
método seja inválido, e portanto, descartado. Não seriam
possíveis refutações conclusivas em relação aos pressupostos, só
aos métodos de pesquisa.
Com este argumento, tento demonstrar que pressupostos
epistemológicos de base, como os da origem do conhecimento,
regularidade do objeto, pressupostos lógicos, realismo e repre-
sentacionismo, estão acima da possibilidade de falsificação
empírica de qualquer ordem. Como uma comunicação lingüís-
tica de um resultado de pesquisa científica poderia comunicar
que as palavras não representam nada além de si mesmas?
Como uma pesquisa baseada no pressuposto de que o objeto que
ela investiga é real poderia chegar à conclusão com base em
características observadas na pesquisa que ele não existe? Como
uma pesquisa empírica baseada em princípios lógicos poderia
concluir que o princípio da não-contradição é contingente? Estes
princípios básicos ontológicos e epistemológicos, continuam
pressupostos infalsificáveis pela Ciência Cognitiva, que tem que
partir deles para investigar aspectos bem mais secundários,
psicológicos, de como é possível para organismos como os nos-
sos obter conhecimento. Não pode atingir o nível das condições
de possibilidade do conhecimento, que são hipóteses superiores
platônicas. Acredito que esta é uma solução adequada para o
problema da circularidade na Ciência Cognitiva, e faz parte das
contribuições que este livro tem esperança de estar dando ao
desenvolvimento da Epistemologia da Psicologia. Em sustenta-
ção a esta tese, recorro a uma passagem de Popper (1975b) onde
este avalia as pretensões do tipo de empreendimento intelectual

131
representado pela Epistemologia Genética, e que parece se
compatibilizar com o argumento desenvolvido aqui:

“Nós, epistemologistas, podemos reivindicar precedência


sobre os geneticistas: investigações lógicas de questões
de validez e de aproximação da verdade podem ser da
maior importância para investigações genéticas e
históricas, ou mesmo psicológicas. São, em qualquer
caso, logicamente anteriores a este último tipo de
questão, ainda que investigações na história do
conhecimento possam propor muitos problemas
importantes ao lógico da descoberta científica. Assim
falo aqui de epistemologia evolucionária, embora
sustente que as idéias condutoras da Epistemologia são
lógicas em vez de factuais; apesar disto, todos os seus
exemplos, e muitos de seus problemas, podem ser
sugeridos por estudos da gênese do conhecimento”
(1975b, p. 73)

132
CAPÍTULO 4
PSICOLOGIA COGNITIVA E METODOLOGIA

Neste capítulo detalharemos as estratégias metodológicas


especiais que a Psicologia Cognitiva usa para investigar seu
objeto, que são boa parte das inovações originais que deram o
grande impulso ao estudo científico da mente. No primeiro item
abordaremos a natureza integrativa do processo de pesquisa da
Psicologia Cognitiva, que interage constantemente com outras
áreas da Ciência Cognitiva, em especial a Inteligência Artificial
e a Neurociência. No segundo, será apresentada uma nova forma
de pensar a organização geral da sofisticada rede de recursos
técnicos e metodológicos de investigação da Psicologia Cogniti-
va, para além da simples divisão tradicional entre métodos des-
critivos e métodos experimentais. A partir daí serão apresenta-
dos, em seqüência lógica determinada pela nova interpretação
do processo defendida, os métodos específicos de pesquisa –
assim como suas respectivas técnicas específicas – de acordo
com os seus objetivos particulares na Psicologia Cognitiva.
Serão primeiramente os métodos descritivos: o auto-relato, a ob-
servação naturalista e o estudo de casos. Em seguida, os que têm
como objetivo final a elaboração de uma hipótese ou modelo: o

133
estudo de correlação e a simulação computadorizada. Por fim, os
métodos experimentais: o experimento laboratorial incluindo as
pesquisas neuropsicológicas e ainda o quase-experimento.

4.1 A Natureza Integrativa da Pesquisa em Psicologia


Cognitiva

Gardner (1996, [1985]) acredita que a Psicologia só tem


chance de sobreviver como parte de uma equipe de pesquisa.
Métodos psicológicos deveriam ser aplicados à análise de
campos específicos (como a linguagem), em colaboração com
um especialista daquele campo (no caso um lingüista).
Posteriormente, os modelos desenvolvidos deveriam ser
submetidos a um programador de inteligência artificial para
aferir sua viabilidade. Conclui ele que a fusão da Psicologia
Cognitiva com a Inteligência Artificial ocuparia no futuro a
região central de uma Ciência Cognitiva unificada.
Vinte anos depois de feita esta profecia, já temos sufici-
ente conhecimento acumulado para considerá-la equivocada. A
grande região central de colaboração entre as ciências cognitivas
tem se sedimentado nos últimos anos entre a Psicologia Cogniti-
va e a Neuropsicologia. O entusiasmo inicial com a Inteligência
Artificial, que o próprio Gardner na época já reconhecia decli-
nante, esmaeceu-se de vez nos últimos vinte anos. Este processo
de decepção se acentuou com a compreensão generalizada de
que havia uma distância muito maior do que a inicialmente ima-
ginada entre processos cognitivos humanos e processamentos
computacionais. De mais a mais, a Psicologia Cognitiva, com
todas as suas dificuldades dentro do campo da Psicologia, tor-
nou-se o centro gravitacional de todas as iniciativas da Ciência
Cognitiva. Tanto a Inteligência Artificial quanto a Neuropsico-
logia, que se esperava serem fonte de idéias e modelos para a

134
Psicologia Cognitiva, tem se revelado disciplinas devedoras
desta, na grande maioria das vezes desenvolvendo suas pesqui-
sas específicas a reboque dos novos modelos e hipóteses que
surgem na Psicologia sobre o processo e estrutura da cognição.
Dentro deste contexto, a Psicologia Cognitiva afirmou
nos últimos vinte anos sua independência acumulando uma série
de extraordinários sucessos, que parecem sustentar a viabilidade
do estudo científico de fenômenos legitimamente psicológicos.
Aqui, estes sucessos são considerados frutos de uma nova forma
de integração de uma série de técnicas em um processo geral de
investigação científica, que, apesar de não completamente cons-
ciente para todos, está firmemente presente na disciplina. Este
trabalho espera estar colaborando para a explicitação de tal pro-
cesso geral, que começa por uma nova forma de encarar o meto-
do científico, hipotético-dedutiva, passa pelos novos métodos de
interação com outras disciplinas e ainda pelas novas técnicas
desenvolvidas no âmbito dos métodos de pesquisa tradicionais.

4.2 O Processo Geral de Pesquisa Científica na Psicologia


Cognitiva

Popper (1975) descreveu o método científico como


constituído de quatro etapas básicas. A primeira, é a da
percepção de um problema, a constatação de uma observação
que contradiga teoria ou expectativa prévia que tínhamos acerca
da realidade. A segunda, a da formulação de uma hipótese
falsificável que possa explicar a observação problemática. Na
terceira, a hipótese é submetida a testes empíricos controlados
que tenham potencial para falsificá-la. Na quarta, o teste e seus
resultados são submetidos à severa crítica para que se julgue a
hipótese provisoriamente falsificada ou corroborada. No

135
primeiro caso, temos uma nova lei científica. No segundo caso,
temos conhecimento de mais uma hipótese descartada.
Como demonstramos, o método hipotético-dedutivo
sintetizado acima é a estrutura geral do processo de investigação
científica adotado pela Psicologia Cognitiva. Sabemos no entan-
to, que esta disciplina conta com vários tipos de métodos de in-
vestigação, e alguns deles, notadamente a simulação computa-
dorizada, resistem à classificação dentro das categorias tradicio-
nais de métodos, a descritiva e a experimental. Este trabalho
defende aqui duas interpretações. A primeira é que o grande
diferencial da metodologia de investigação da Psicologia Cogni-
tiva é o surgimento de várias diferentes técnicas (notadamente as
neuropsicológicas) nos métodos de auto-relato, estudos de caso
e experimental. A segunda é que os diferentes métodos utiliza-
dos na pesquisa em Psicologia Cognitiva têm sua validade restri-
ta a uma única etapa do processo geral de investigação cientí-
fica, em virtude dos objetivos particulares que eles se propõem a
cumprir. Os objetivos das pesquisas em Psicologia Cognitiva
são de quatro ordens. A primeira é a do Problema, cujo objetivo
é a descrição do problema investigado da melhor e mais precisa
maneira possível; aqui, entram em cena os métodos descritivos,
como os estudos de casos (incluindo os psicobiológicos), os
auto-relatos, as observações naturalistas e os levantamentos de
dados. A segunda ordem é a da Hipótese; aqui o objetivo é a
construção de um modelo ou elaboração de uma hipótese causal.
Defende-se aqui a adequação de uma nova categoria na
classificação geral dos métodos, em virtude da natureza
exclusivamente lógico-matemática dos procedimentos adotados
e da exclusividade dos objetivos. Dois são estes métodos que
entram como auxiliares da criatividade do psicólogo cognitivo
no momento de formulação de uma hipótese: o estudo de
correlação e a simulação computadorizada. A terceira ordem de
objetivos é a do Teste. Na etapa da investigação científica em

136
que o objetivo da pesquisa é o teste de uma hipótese ou modelo,
a Psicologia Cognitiva conta com dois métodos de validade
diferenciada: o provisório estudo quase-experimental e o método
experimental, supremo tribunal da investigação científica. A
última ordem de objetivos dos métodos de pesquisa é a Crítica;
nesta etapa final da investigação, busca-se a análise do alcance,
validade e significância dos resultados obtidos no teste. Os pro-
cedimentos aqui podem ser de dois tipos. Um são os instrumen-
tos de análise estatística, notadamente o teste de hipótese, que
possibilitam o estabelecimento da significância estatística dos
resultados do experimento. O outro tipo, é a análise do
metodologista quanto à adequação do desenho e execução do
experimento. Estes últimos procedimentos utilizados no
processo de investigação científica geral não serão avaliados
nesta obra, por não apresentarem qualquer característica
distintiva quando utilizados no âmbito da Psicologia Cognitiva.
Nos próximos passos deste item, separaremos os meto-
dos de pesquisa da Psicologia Cognitiva em função da etapa do
processo científico geral à qual eles têm circunscrita sua valida-
de. Sempre lembrando que o objetivo aqui não é uma estéril rea-
presentação das características gerais destes tradicionais e co-
nhecidos métodos de pesquisa, e sim a apresentação das diferen-
tes técnicas que foram desenvolvidas na Psicologia Cognitiva
para a adequada aplicação destes ao fenômeno psicológico.

4.3 Métodos Descritivos e Psicologia Cognitiva

Os métodos de pesquisa cujo objetivo é nos ajudar a


propiciar uma adequada descrição do problema a ser
investigado podem ser classificados como métodos descritivos.
Entre os utilizados pelo Cognitivismo estão os tradicionais
Estudos de Casos e a Observação Naturalista. Além destes, uma

137
das características da Psicologia Cognitiva a ser considerada
aqui é o ressurgimento da Introspecção, que no entanto, não
adquire o formato nem o objetivo que possuía quando utilizada
pela Psicologia do século dezenove. Por este motivo, será
admitida aqui a terminologia adotada por Sternberg (2000), de
estudos de Auto-relato.
Este item que aborda a questão dos métodos no âmbito
do Cognitivismo e particularmente da Psicologia Cognitiva não
tem o objetivo de repetir descrições de métodos que são facil-
mente encontradas em centenas de livros publicados de método-
logia científica. Seu objetivo é sim, o de descrever as formas pe-
culiares pelas quais estes métodos foram utilizados na investi-
gação cognitiva, assim como as novas técnicas que foram agre-
gadas a eles pelas Ciências Cognitivas ou pela própria Psicolo-
gia Cognitiva. Por essa razão, aqui somente enfatizaremos os
dois métodos descritivos que foram transformados pela Psicolo-
gia Cognitiva. O primeiro é o Estudo de Casos, que ganhou um
formato clínico na psicologia do desenvolvimento e interdisci-
plinar na pesquisa neuropsicológica. O segundo é a ressurreta
introspecção, que ao perder pretensões de método de teste, se
tornou um estudo descritivo, e que enriquecida com técnicas
surgidas no Cognitivismo, passou a ser denominada Auto-relato.
Cabem ainda no entanto alguns comentários sobre o
papel da Observação Naturalista no âmbito da Psicologia
Cognitiva, que é meramente complementar a experimentos
laboratoriais que se suspeita terem baixa validade ecológica, ou
seja, experimentos sobre processos cognitivos que se acredita
poder comportar-se diferentemente em situações controladas e
naturais, assim como entre pessoas de culturas diversas. É ainda
assim um método descritivo, pois busca descrever detalhada-
mente o desempenho cognitivo manifesto de indivíduos em si-
tuações cotidianas e em contextos não-laboratoriais, sem no en-

138
tanto, testar nenhuma hipótese sobre as causas da suposta dife-
rença de desempenho entre situações “artificiais” e “naturais”.

4.3.1 Estudo de Casos e Psicologia Cognitiva


O Estudo de caso é geralmente confundido com o
método clínico e às vezes tomado mesmo por seu sinônimo.
Duas características marcantes no entanto podem distinguir estes
dois procedimentos de pesquisa. O primeiro é o objetivo de cada
um. O segundo a quantidade de técnicas e procedimentos que
cada método está autorizado a lançar mão. O método clínico é
um estudo idiográfico. Seu objetivo é a busca da compreensão
do estado psicológico ou físico (medicina) de um único sujeito,
com vistas à elaboração de um correto diagnóstico de um caso
particular. Já o estudo de caso, que geralmente é baseado em
vários estudos clínicos (mas não só e não necessariamente) tem
como objetivo a identificação de padrões presentes em vários
casos particulares de um determinado fenômeno psicológico (ou
biológico). Ele se insere portanto dentro de um processo mais
amplo de investigação que tem como objetivo final o
estabelecimento de leis científicas que sejam válidas
universalmente; um processo nomotético de investigação
(embora isoladamente não seja capaz de fornecer leis gerais).
Outra diferença básica é que enquanto o método clínico
estrito censo se restringe a um set clínico – com os procedimen-
tos da entrevista, anamnese, observação e aplicação de testes e
exames – o Estudo de casos pode lançar mão de uma série de
outros procedimentos, como documentação, pesquisa histórica,
observação naturalista, entrevista com familiares e assim por
diante. Portanto, podemos perceber que qualquer estudo clínico,
uma vez que utilizado com o objetivo de ajudar na elaboração de
hipóteses gerais de investigação, pode ser considerado um
estudo de caso, mas o inverso não necessariamente é verdadeiro,
pois estudos de casos são sempre feitos com objetivos gerais.

139
Apesar da evidente fragilidade das conclusões que podemos al-
cançar com tais pesquisas, não podemos esquecer que estas pos-
suem elevada validade ecológica (relativa ao contexto real onde
de fato se dão os fenômenos investigados) e são fonte riquíssima
de idéias e informações para elaborarmos hipóteses de pesquisa.
O cognitivista que usou com maior maestria o estudo de
casos para o desenvolvimento de hipóteses gerais psicológicas
foi, mais uma vez, Jean Piaget. É importante ressaltar que Piaget
denominava seus procedimentos de investigação exploratória
como método clínico. Piaget (1987) acreditava que somente
através da observação cuidadosa e ampla do comportamento
espontâneo de crianças se pode chegar a uma descrição realista
de suas estruturas cognitivas. Apesar de reconhecer os riscos e
dificuldades desta abordagem de pesquisa, ele advoga a neces-
sidade de permitir que a criança atue intelectualmente por si
mesma e manifeste a orientação cognitiva que lhe é natural. Isso
não significa que Piaget abra mão do método experimental para
testar seus modelos das estruturas cognitivas infantis. Como
afirma o mais respeitado interprete da obra de Jean Piaget, John
Flavell (1988), no processo piagetiano de investigação os expe-
rimentos são usados somente para testar as conjecturas e intui-
ções que surgem a partir destas observações sistemáticas. Gran-
de parte do trabalho de Piaget se resume a estas observações e
suas conclusões, sem intervenções experimentais. No entanto,
como afirma Gardner (1996), é talvez por estas relativamente
poucas mas “brilhantes” intervenções experimentais que Piaget
ficará para sempre na história da Psicologia.
São três os tipos básicos de estudos de observação
desenvolvidos por Piaget (1979, 1987) e utilizados em suas
obras. O primeiro é o de perguntas e respostas verbais em
relação a um evento imediato que está acontecendo com a
criança. O segundo envolve além das respostas verbais respostas
motoras, onde a criança tem que fazer algo para resolver o

140
problema proposto e também dizer algo sobre o que fez. O
terceiro são seus estudos de desenvolvimento do bebê onde não
cabem intercâmbios verbais. Em comum a todos eles, está a
característica tipicamente piagetiana de proposição de tarefas à
qual a criança apresenta algum tipo de resposta, o que os
diferencia da observação naturalista. A seqüência de perguntas e
respostas geradas pela situação de teste propiciam ao
investigador a inferência das estruturas cognitivas que estão
implicitamente manifestas ou ausentes nas respostas das
crianças. Este método guarda semelhança com os procedimentos
psiquiátricos, e como lembra Flavell (1988), é por este motivo
que foi denominado clínico por Piaget. No entanto, uma vez que
seu objetivo não é diagnóstico individual e sim a pesquisa
exploratória de padrões universais, é mais adequadamente
classificado para nossos objetivos como Estudo de Casos.
Howard Gardner é o cognitivista que atualmente mais
tem se celebrizado pela utilização de amplos estudos de casos
em suas investigações sobre mudança (2005), liderança (1996b),
criatividade (1996c) e extraordinariedade (1999). Veja em suas
próprias palavras como ele (Gardner, 1996b) vê o Estudo de
Casos e seu alcance no processo científico:

“Permitam-me comentar os métodos que usei para


estudar os indivíduos destacados neste livro e os tipos de
conclusão que podem ser tirados. De modo geral, eu me
baseei muito nas biografias publicadas destes indivíduos,
assim como nas histórias gerais do período. Especial-
mente valiosos foram os relatos autobiográficos, que
estavam disponíveis em quase todos os casos. Também
consultei, conforme necessário, documentos originais –
especialmente discursos, textos populares, audiotapes e
videotapes – em que os protagonistas contavam suas
estórias com as suas próprias palavras. (...) Em muitos
trabalhos acadêmicos, os relatos são escritos como se

141
um estudo fosse principalmente indutivo (lemos muitas
biografias de líderes e esperamos – inocentemente – que
emerjam as generalizações adequadas) ou como se fosse
um exercício de testagem de hipóteses (um modelo de
líder é proposto, e depois, testado sistematicamente
através do exame de ‘dados’). Seria enganador colocar o
presente estudo em qualquer um dos campos.” (p.19-20)

Neste caso, Gardner segue o trecho transcrito acima


explicitando as “idéias gerais” que tinha sobre liderança e que
nortearam seu estudo, manifestando indiretamente sua descrença
na existência da indução pura e enfatizando o caráter hipotético
de suas conclusões.
Mas os Estudos de Casos mais importantes para o desen-
volvimento da Psicologia Cognitiva foram os realizados no âm-
bito da pesquisa psicobiológica. Nestes, neuropsicólogos de-
monstraram que a investigação dos padrões de déficits cogniti-
vos manifestados por pacientes com lesão cerebral fornece
informações preciosas acerca da cognição humana normal. Estes
estudos se preocupam em descrever minuciosamente a extensão
e localização de lesões cerebrais em indivíduos e identificar que
processos cognitivos estão intactos ou prejudicados nestes, com
vista a dois objetivos. O primeiro é descrever: os padrões de
déficits e faculdades preservadas são fonte inestimável de hipó-
teses sobre como se desenvolvem processos cognitivos normais
(o que encaixa os Estudos de Casos neuropsicológicos na cate-
goria de métodos descritivos voltados para descrição de proble-
mas). O segundo é testar: as teorias sobre a rela-ção de depen-
dência entre processos e sobre estruturas cognitivas podem ser
testadas através dos déficits cognitivos manifestados por pacien-
tes com lesão cerebral. Este segundo objetivo é problemático,
como veremos, pois não há controle das variáveis envolvidas.
Antes de analisar e exemplificar estes objetivos é neces-
sário explicitar as crenças ontológicas que os sustentam. A prin-

142
cipal é a crença de que existe uma correspondência significativa
entre a organização do cérebro físico e a organização da mente,
essa é a tese do isomorfismo. Uma outra crença é a de que há um
padrão comum de relação entre lesões específicas e déficits
cognitivos específicos em seres humanos, as síndromes. Uma
terceira crença fundamental é a da modularidade cognitiva, da
qual os principais representantes são Chomsky (1981) e Fodor
(1983), que postulam que a mente é constituída de vários
módulos ou processadores cognitivos de relativa independência.
Sem estas crenças a pesquisa neuropsicológica seria impossível,
pois a associação entre uma lesão mental específica e um déficit
específico seria sem sentido, assim como a busca de padrões de
déficit em diferentes seres humanos.
A curta história da Psicologia Cognitiva já acumula far-
tos exemplos da utilidade dos estudos de casos neuropsicológi-
cos para o desenvolvimento do conhecimento sobre a mente. O
já citado cognitivista Roger Sperry, começou seus famosos estu-
dos sobre lateralização cerebral (Sperry, 1964) a partir do estudo
de casos de pacientes epilépticos que sofreram a intervenção
cirúrgica de secção do corpo caloso. Posteriormente realizou
experimentos com gatos e macacos para testar as hipóteses
levantadas em tais estudos. Estes comprovaram a independência
entre o pensamento lingüístico e o espacial, constituindo um
marco basilar de corroboração da teoria modular da mente.
Outro conhecido estudo de caso foi o realizado por Shallice &
Warrington (1970) com o paciente KF, que depois de uma lesão
na região especializada na percepção e produção da fala
começou a apresentar severo déficit na memória de curto prazo,
apesar de manter a memória de longo prazo praticamente
intacta. Este estudo forneceu importante indício de que a teoria
da memória então prevalente, que pregava a dependência da
memória de longo prazo em relação à memória de curto prazo,
era razoavelmente inadequada.

143
No entanto, neste ponto devemos relembrar que um
estudo de caso neuropsicológico não pode ser considerado um
teste apto a corroborar ou falsificar uma teoria cognitiva. Suas
limitações são várias. A primeira é relativa à limitação da teoria
do isomorfismo. Todos sabemos hoje que o cérebro é um órgão
dotado de impressionante plasticidade. Lesões ocorridas em
tenra idade que inutilizam vastas regiões cerebrais tendem a ter
impacto reduzido ou mesmo nulo no desenvolvimento
cognitivo. Ao que parece a mente acaba desenvolvendo as
aptidões que naturalmente seriam desenvolvidas com o auxílio
das áreas lesionadas com outras regiões cerebrais. Da mesma
forma, lesões limitadas provocam déficits passageiros, que
acabam sendo plenamente superados algum tempo depois, ou
ainda mascarados pela execução das tarefas prejudicadas através
de novas estratégias e processos compensatórios desenvolvidos
pelo indivíduo. Esta última característica limita seriamente a
possibilidade de generalizar as conclusões obtidas sobre o
funcionamento cognitivo dos pacientes com lesão cerebral para
todos os seres humanos, uma vez que provavelmente seus
processos cognitivos não estão somente com um ou outro
módulo danificado, mas estão também, modificados de uma
forma geral. Dito de outra forma, se estamos tentando
estabelecer o funcionamento normal de um módulo cognitivo, o
estudo de caso neuropsicológico pode se tornar razoavelmente
inútil se estes módulos não estão funcionando normalmente em
pacientes com lesão cerebral. Gostaria de propor aqui que uma
estratégia adequada para dirimir esta limitação é a realização dos
estudos relativos a um paciente no mais curto espaço de tempo
possível após a lesão, enquanto o funcionamento alternativo de
módulos não tiver ainda sido desenvolvida. No entanto, sabemos
que nem sempre essa rapidez é possível.
A segunda limitação é que não há manipulação direta das
variáveis envolvidas no problema. Não podemos controlar a ex-

144
tensão ou o local exato das lesões cujas conseqüências estamos
investigando, de forma que não podemos estrito senso repetir
observações ou reunir casos exatamente iguais. Isto torna estu-
dos quase-experimentais baseados no conceito de síndromes
extremamente artificiais, razão pela qual a pesquisa neuropsico-
lógica permanece limitada aos estudos de casos e experimentos
(baseados na tomografia cerebral com TEP, que veremos adian-
te). Como toda limitação de caráter metodológico, esta também
pode desaparecer com o tempo. Supondo que consigamos
futuramente técnicas e instrumentos que permitam a suspensão
temporária de atividade em região cerebral específica ou ainda
sua estimulação artificial, poderíamos elaborar estudos de caso e
desenhos experimentais muito mais proveitosos. Isto de fato,
como descreve Sternberg (2000), já acontece em parte hoje com
microeletrodos usados na estimulação de regiões muito restritas
e específicas do cérebro. Não é fantasioso esperar que em breve
algum tipo de tecnologia para supressão temporária de atividade
cerebral específica também seja desenvolvida.
Por fim, uma terceira e importante limitação do estudo
de caso neuropsicológico é o fato de que apesar das evidências
de que a mente e seus diferentes processos cognitivos são razoa-
velmente modularizados, também sabemos que o cérebro é um
órgão que funciona de maneira holística. Assim, uma lesão cere-
bral geralmente provoca um efeito generalizado de redução da
habilidade para executar tarefas complexas de todos os tipos. A
implicação disto é que alguém com lesão cerebral pode ter um
desempenho mais pobre numa tarefa do que em outra, simples-
mente pelo fato de a primeira ser mais complexa que a segunda.
Como afirmam Eysenck & Keane (1994), a solução para lidar
com este tipo de limitação é a procura de casos casados que
ilustrem uma dissociação dupla. A dissociação dupla entre dois
processos cognitivos ocorre quando um paciente desempenha
normalmente um processo e deficitariamente o outro, e um se-

145
gundo paciente desempenha normalmente o segundo e deficita-
riamente o primeiro. Se por exemplo temos duas tarefas ligadas
a dois processos diferentes, como memória de curto e longo
prazo, e um paciente apresenta déficit na tarefa de memória de
curto prazo e eficiência na de longo prazo, devemos procurar
por um paciente que apresente desempenhos inversos nas duas
tarefas, pois assim estaremos realmente caracterizando a
distinção entre elas. Como lembram Eysenck & Keane (1994),
foi isso que aconteceu no caso KF (que tinha déficit na memória
de curto prazo e memória de longo prazo intacta), pois já
acumulávamos uma enorme quantidade de estudos de pacientes
amnésicos que apresentavam memória de curto prazo intacta
com a memória de longo prazo severamente prejudicada.

4.3.2 Auto-relatos e Psicologia Cognitiva


Existem vários tipos de auto-relatos utilizados pela
Psicologia Cognitiva, mas a maioria deles é muito raramente
utilizada. Os auto-relatos mais comuns na Psicologia tradicional
são os Levantamentos de Dados sob a forma de questionários e
entrevistas, porém, na Psicologia Cognitiva, eles pouco são
utilizados. Podemos vê-los empregados somente em pesquisas
exploratórias no campo da Cognição Social, notadamente no
estudo de crenças e atitudes. O que une todos os tipos de Auto-
relatos (incluindo aqui também os diários, relatos retrospectivos
e a forma tipicamente cognitivista deste método, o protocolo
verbal) é a extrema fragilidade das conclusões e a também
extrema dependência da honestidade daqueles que fornecem os
relatos. Diante disto, a pergunta que se impõe é porque se valer
de um instrumento tão falho e limitado de pesquisa.
A resposta é que não estamos mais falando da introspec-
ção como método de julgamento e teste de teorias (como em
Wundt), mas sim de auto-relato como método auxiliar na
descrição de processos cognitivos, e portanto inestimável fonte

146
de idéias para formulação de hipóteses de investigação, essas
sim, passíveis de teste em situação experimental. Um longo
caminho foi percorrido pela filosofia da ciência desde que Kant
aplicou seu veto à introspecção como método científico
empírico. Este caminho permitiu reintegrar a introspecção no
âmbito dos métodos descritivos, no início (e não no final) do
processo de investigação cognitiva, cônscia de suas limitações e
livre de suas pretensões experimentais.
Podemos resumir em que termos o auto-relato pode ser
usado na pesquisa cognitiva da seguinte maneira: em primeiro
lugar, ele deve estar baseado em relatórios verbais emitidos pelo
sujeito durante o desempenho da tarefa solicitada, e não em
relatórios retrospectivos. Em segundo lugar, o auto-relato só
deve ser utilizado para descrever processos que envolvem a
atenção consciente, e nunca para processos automáticos. Estes
termos nos levam a definição da técnica de protocolo verbal.
Para Sternberg (2000), protocolo verbal é o procedimento de
auto-relato no qual o sujeito da pesquisa descreve em voz alta
todos os seus pensamentos e passos mentais utilizados para a
resolução de uma tarefa cognitiva dada. Estas vocalizações são
gravadas e posteriormente transcritas, para serem analisadas na
busca de padrões encontrados nestes processos.
Explicando as condições impostas pela Psicologia
Cognitiva contemporânea para a utilização do auto-relato,
Eysenck & Keane (1994) lembram que relatórios retrospectivos
são inúteis pois a memória humana é falível, e portanto aqueles
podem ser incompletos devido a erros que ocorrem na obtenção
de dados da memória de longo prazo. Acrescentaria ainda a este
veto, a observação do caráter construtivo da memória humana, o
que impediria a objetividade de qualquer descrição
retrospectiva, mesmo em relação há alguns segundos. A técnica
do protocolo verbal supera uma das muitas críticas feitas à
introspecção wundtiana, a de que não haveria nunca

147
introspecção, e sim, sempre, retrospecção. Agora, estaríamos
diante da tarefa de “pensar em voz alta”.
A outra condição se refere ao fato de o sujeito só tem
condições de descrever em voz alta aqueles processos sobre os
quais está voltada sua atenção consciente. Isto exclui os proces-
sos cognitivos automáticos do campo do auto-relato. O estudo
de Ericsson e Simon (1980) sobre os critérios de utilização do
auto-relato (introspecção para eles) na pesquisa cognitiva e o
âmbito de sua validade é uma importante referência para a
análise deste problema. Neste, os autores citados argumentam
que apenas a informação sobre uma atenção focal pode ser
verbalizada. Como sabemos, a prática e a experiência na realiza-
ção de uma dada tarefa faz com que este processo específico
deixe progressivamente de ser controlado pela consciência e
adquira o caráter de automático. Assim, eles lembram que um
processo cognitivo que pode estar disponível para verbalização
por um novato não deverá estar mais para um perito.
Com as limitações estabelecidas sobre sua invalidade co-
mo teste de hipóteses, sua necessidade de descrição simultânea e
sua restrição a processos atencionais, a velha introspecção se
transforma em protocolo verbal e livra-se de algumas de suas
mais poderosas críticas. Mas certamente não de todas. Resta ain-
da um grave problema, lembrado por Eysenck & Keane (1994):
pedir a pessoas que forneçam relatórios simultâneos do que se
passa pela sua atenção consciente enquanto desempenham uma
tarefa pode mudar a natureza dos processos cognitivos em foco.
Embora isto seja mais verdadeiro em relação a processos
automáticos, que como vimos estão fora do âmbito do protocolo
verbal, não podemos desprezar a importância desta crítica. No
entanto, como os mesmos reconhecem (1994, p.39), existem
muitos processos em que o “pensar alto” não apresentou
nenhum efeito sistemático sobre a estrutura e o curso dos
processos envolvidos no desempenho de uma tarefa.

148
Para concluir este subitem gostaria de resumir a posição
do cognitivismo sobre o auto-relato com comentários sobre uma
das primeiras obras destinadas a apresentar o conjunto das novas
áreas de investigação e métodos de pesquisa da Psicologia
Cognitiva, “The Promise of Cognitive Psychology”, de Richard
Mayer (1981). Nesta, Mayer deixa claro o caráter exploratório
do auto-relato e sua circunscrição ao estudo de processos
cognitivos conscientes e estratégias cognitivas (fora portanto do
estudo de estruturas cognitivas e processos automáticos). Um
exemplo extremamente simples que ele dá de sua utilidade e
papel é particularmente ilustrativo aqui. Neste, estamos procu-
rando explicar qual é o processo cognitivo que Kenny, um
inteligente menino de cinco anos, utiliza para realizar operações
de subtração. Primeiro fazemo-lo dizer em voz alta cada passo
mental que utiliza no processo de resolução, ou seja, orientamo-
lo a “pensar em voz alta”. Depois, construímos um diagrama de
fluxo ou um programa que corresponda ao procedimento utiliza-
do. Por fim, checamos se o modelo construído é capaz de prever
os passos que Kenny dá para resolver qualquer problema seme-
lhante. Este terceiro passo consiste em comparar nossa represen-
tação construída com o procedimento real de Kenny. O modelo
será capaz de fazer predições empiricamente falsificáveis como
a que determinadas contas levarão mais tempo para serem
executadas do que outras. Imaginando que o modelo construído
subtrai um por um os termos da diferença (por exemplo abaixan-
do um a um os dedos até que se chegue ao resultado desejado),
podemos prever que a operação 9 – 2 levará mais tempo para ser
executada que a 8 – 7. Isso torna nosso modelo falsificável.
Concluindo, podemos afirmar que a Psicologia Cognitiva
foi capaz de criar técnicas para os antigos métodos descritivos
que aumentaram muito sua utilidade para o estudo da mente.
Mas o mais importante, é que somente com o Cognitivismo a
Psicologia se tornou consciente dos diferentes níveis de validade

149
e utilidade dos métodos tradicionais. Esta consciência pode
resgatar até métodos completamente desacreditados como a
velha introspecção para um lugar de restrito mas devido valor no
longo processo de investigação científica da cognição humana.

4.4 Métodos Construtivos e Psicologia Cognitiva

Neste livro se postula a pertinência da criação de uma


terceira categoria geral de classificação metodológica – a de
métodos construtivos – pois temos na simulação computadoriza-
da e na análise correlacional dois métodos de pesquisa que não
tem como objetivo a descrição pura e simples do problema (co-
mo nos métodos descritivos) nem o teste de uma hipótese (como
no caso do método experimental). No caso destes dois métodos,
o primeiro exclusivo da Psicologia Cognitiva, temos como obje-
tivo final a construção de um modelo ou hipótese causal. São
mais bem compreendidos como fazendo parte do esforço de
criação de hipóteses que ocorre na segunda etapa do processo
científico, através das forças racionais lógico-matemáticas.
A análise estatística correlacional de dados levantados
em estudos de casos e levantamentos de dados é método
tradicional da Psicologia, surgido do trabalho pioneiro de
Francis Galton. Em Psicologia Cognitiva é utilizado para
encontrar co-relações, ou seja, variações conjuntas, entre uma
determinada variável e um determinado desempenho cognitivo
em situações naturais, não apresentando aqui qualquer tipo de
inovação técnica. Portanto, não se torna necessário debruçarmo-
nos sobre este método, somente justificar a postulação de seu
enquadramento em uma nova categoria metodológica geral.
Uma vez que o tratamento correlacional dos dados obtidos em
estudos descritivos não é necessário para a realização dos
objetivos dos mesmos, defende-se aqui que este tratamento pode

150
ser considerado uma outra espécie de método, cujo objetivo é
sugerir possibilidades de hipóteses causais sobre os fenômenos
estudados. Estas possibilidades são sempre quatro. Na primeira,
a primeira das variáveis correlacionadas causaria a segunda. Na
segunda, a segunda causaria a primeira. Na terceira, ambas as
variáveis seriam relacionadas num sistema retroalimentativo,
onde a variação em uma delas provoca a variação na outra que
de novo provoca na primeira e assim até se aproximar do limite
do novo estado de equilíbrio. Por último, ainda podemos
considerar que uma terceira variável cause a alteração das duas
correlacionadas. Estas hipóteses no entanto, precisam ser
testadas por um delineamento de pesquisa experimental, o que,
caso não seja possível por limitações éticas ou metodológicas,
deixa ao menos as hipóteses surgidas desta maneira em
melhores condições que as surgidas da pura especulação sobre
resultados de estudos descritivos.

4.4.1 Simulação Computadorizada e Psicologia Cognitiva


Baars (1986) faz algumas considerações gerais sobre a
importância da Simulação Computadorizada para a Psicologia
que são fundamentais para esta obra. Primeiro, ele lembra que
computadores podem fazer coisas que são consideradas sinais de
inteligência quando feitas por seres humanos. Desta forma, o
próprio programa responsável pela operação se torna um modelo
ou uma teoria de como seres humanos fazem o que o computa-
dor está fazendo. Chamamos este processo computador-homem
Inteligência Artificial. Em sentido inverso, lembra que qualquer
teoria que tivermos sobre processos cognitivos vinda da Psicolo-
gia, se estiver suficientemente explícita, pode ser transformada
num programa de computador. Este caminho inverso homem-
computador denominamos Simulação Computadorizada. Assim,
mesmo que a Simulação Computadorizada tivesse se mostrado
inútil para o desenvolvimento de hipóteses psicológicas, um

151
único fato serviria para justificar sua importância seminal para a
Psicologia contemporânea: ela forneceu a linguagem adequada
para construirmos modelos e hipóteses cognitivas. Além disso
ela fornece também um critério para a construção de modelos e
hipóteses: caso nossa teoria não esteja suficientemente explícita
para ser expressa inequivocamente num programa ou num
diagrama de fluxo, é sinal que ela ainda não está apta para teste.
Este tipo de linguagem permitiu a libertação da Psicologia de
outra de suas falsas prisões: a necessidade contrabandeada da
física de matematização dos fenômenos. Com a linguagem
importada da Inteligência Artificial, acordamos como disciplina
para o fato de que a lógica simbólica oferece o mesmo rigor e
falsificabilidade à expressão de hipóteses que a álgebra, sem que
precisemos nos preocupar com a atribuição artificial de
grandezas numéricas a leis sobre processos de pensamento.
Mas a simulação em Psicologia levanta a questão central
da Inteligência Artificial e Simulação Computadorizada. Se ti-
véssemos uma máquina que simula adequadamente o comporta-
mento de um ser humano seria adequado afirmar que ela pensa?
Para Jerry Fodor (1968), um dos primeiros filósofos cognitivis-
tas a tentar estabelecer o papel da simulação computadorizada
na pesquisa psicológica, a resposta é não. Como vimos no item
anterior, Fodor demonstra que ao tentar explicar (em sentido
estrito) o comportamento de um organismo por meio de simula-
ção, teríamos que construir um computador no qual seus compo-
nentes fizessem o papel funcional dos neurônios. Mas para isso
os componentes precisariam ser neurônios, caso contrário, nunca
poderíamos afirmar que todo efeito de um neurônio é efeito do
componente. Não temos nunca como demonstrar que um com-
putador é funcionalmente equivalente a um organismo, portanto,
toda teoria (programa) construída desta maneira permaneceria
no terreno da hipótese psicológica, um programa é “simples-
mente um meio de realizar uma teoria psicológica” (1968,

152
p.146) e para adquirir alguma validade teria que ser submetido a
experimentos com seres humanos. Diz Jerry Fodor (1968) no
capítulo The Logic of Simulation:

“Poderia algum dia fazer sentido dizer que máquinas...


[que simulam comportamento inteligente] não pensam?
A resposta a esta pergunta é “é claro”. Nós podemos
fazer quaisquer distinções que escolhermos fazer, e uma
perfeitamente boa razão para recusar a aplicar
predicação mental ou predicação comportamental à
máquinas é que elas são máquinas.” (p.147)

Feitas estas considerações, podemos passar à importância


metodológica direta, muito mais modesta, da Simulação
Computadorizada para a Psicologia Cognitiva. Entre suas
vantagens como método construtivo, temos que lembrar que esta
permite a exploração de várias possibilidades de modelos para
os processos cognitivos antes que os coloquemos em teste
através de experimentos. O sentido de tal adiantamento é
averiguar se as hipóteses prognosticam corretamente os
resultados, ajustando conseqüentemente aspectos inadequados
do modelo de maneira muito mais imediata.
O problema é que possibilidades lógicas nem sempre se
tornam realidades práticas. Psicólogos permanecem profunda-
mente ignorantes acerca de rudimentos da informática, que dirá
acerca de linguagem de programação. O desenho de arquiteturas
de hardware mais assemelhadas ao cérebro humano permanece
um sonho caro, difícil e distante. O desempenho das mais sofis-
ticadas simulações computadorizadas em relação à cognição hu-
mana tem se mostrado ao longo dos últimos quarenta anos bas-
tante imperfeita (Neisser, 1967; Gardner, 1996 [1985]; Stern-
berg, 2000), o que parece demonstrar que simulações represen-
tam de forma bastante imperfeita como a mente humana pensa.

153
Diante de todas estas limitações, é inevitável que nos
perguntemos qual a importância metodológica efetiva da simula-
ção computadorizada para a prática da Psicologia Cognitiva, já
que sua importância para o arcabouço conceitual do Cognitivis-
mo é evidente. A resposta é que sua importância é somente a de
ser uma útil ferramenta disponível para a construção de modelos
cognitivos. Ela não pode descrever processos cognitivos huma-
nos, já que pretende reproduzi-los, nem testar teorias acerca da-
quele como querem alguns matemáticos radicais da Inteligência
Artificial. Esta segunda pretensão é um contra-senso considerá-
vel. Este engano está baseado na crença cada vez menos susten-
tável de que mentes humanas nada mais são que computadores
biológicos, e manifesta um nível de alienação ideológica poucas
vezes visto na história da ciência moderna: propõe simplesmente
que se avaliem teorias sobre um objeto de estudo testando outro
objeto de estudo. Descartadas estas pretensões despropositadas,
torna-se evidente que o método da simulação computadorizada
tem como objetivo a efetivação do segundo passo do processo
científico hipotético dedutivo: a construção de um modelo ou
hipótese. Modelos, como lembram Eysenck & Keane (1994),
servem para testar diversas hipóteses sobre o que poderia
acontecer ao objeto modelado sob várias condições. Assim,
estas hipóteses e seus resultados nos modelos dão origem a
várias predições falsificáveis sobre o comportamento do objeto
modelado em diversas situações. O modelo computacional
portanto, fornece predições precisas sobre o processamento
humano de informações que são em tese falsificáveis. Como
modelos são aproximações da realidade, não precisamos
exagerar as expectativas sobre eles, somente pedir que
descrevam e prevejam o comportamento do objeto com um nível
razoável de adequação, o que de fato, é bem melhor que nada.
A construção de grandes modelos computacionais que
buscam a explicitação de detalhes dos processos cognitivos, é

154
realizada através de fluxogramas. O fluxograma é uma represen-
tação gráfica geométrica-lingüística do fluxo de um input e sua
transformação em uma cadeia de processos e decisões até a
emissão da resposta final. Geralmente, como afirmam Eysenck
& Keane (1994), um fluxograma e sua conseqüente
implementação em um programa, é um “ótimo método para
confirmar se ela [teoria] realmente faz sentido, se não contém
nenhuma premissa escondida ou termos vagos” (p. 18).
Assim, por ora, é suficiente o reconhecimento de qual é o
lugar da simulação computadorizada no processo de investiga-
ção científica da Psicologia Cognitiva e do nível legítimo de
suas pretensões que, diga-se de passagem, mesmo em uma análi-
se superficial, necessariamente se revelam bem aquém do nível
das pretensões dos cientistas cognitivos partidários da IA forte.

4.5 Métodos Experimentais e Psicologia Cognitiva

O delineamento experimental de pesquisa é, como todos


sabemos, dependente de três fatores fundamentais: o controle
das variáveis relevantes para o problema investigado, a livre
manipulação da variável independente e o uso de amostras
representativas e aleatoriamente distribuídas. Quando uma
destas condições não pode estar presente mas mantemos o
desenho geral de pré e pós teste, grupo experimental e grupo
controle, variável dependente e independente; dizemos que
estamos diante de um delineamento quase-experimental.
A Psicologia Cognitiva faz muito uso de investigações
quase-experimentais, pois sofre de severas limitações
metodológicas – de ordem ontológica, ética e mesmo prática –
para a realização de pesquisas. Não podemos por exemplo isolar
a interferência de outras variáveis para avaliar somente o efeito
da idade sobre determinados processos cognitivos, ou isolar

155
outros fatores ambientais para medirmos somente o efeito de
uma terapia num quadro psicopatológico. Da mesma forma,
muitas vezes dispomos de um grupo pequeno de indivíduos que
já contraiu uma determinada doença e queremos testar uma
hipótese sobre a influência desta, digamos, sobre a memória.
Assim precisaríamos compará-lo com o desempenho de um
grupo aleatório de indivíduos, que no entanto, pode não
corresponder em muitos fatores ao grupo de pessoas doentes.
Não podemos nestes exemplos hipotéticos lançar mão de um
desenho rigorosamente experimental, pois não podemos
controlar a VI nem separar aleatoriamente dois grupos de
indivíduos: não podemos por exemplo provocar a doença para
ver qual é seu efeito mnemônico. Desta maneira, desenhos
quase-experimentais são testes muito importantes para a
Psicologia Cognitiva, embora sejam de validade provisória.
Podemos dizer que embora não sejam conclusivos, possuem alta
validade interna e são melhores do que teste nenhum.
Mas nem tudo são impossibilidades para a aplicação do
verdadeiro método científico ao fenômeno psicológico. O
experimento psicológico é sim possível e ganhou da Psicologia
Cognitiva e da Neurociência duas novas técnicas extremamente
inventivas e eficientes. São elas a técnica da subtração e da
utilização da tomografia cerebral com emissão de pósitrons, a
famosa varredura por TEP. Vamos para a explicação destas du-
as técnicas, começando pela tipicamente psicológica subtração.
Existe controvérsia quanto à origem da técnica da
subtração, mas não quanto à abordagem que de fato popularizou
o seu uso e lhe deu a importância que possui hoje. Mas tal
controvérsia não nos importa aqui. O que realmente importa é
sua lógica básica, que de fato, é muito simples. Ela afirma que é
possível medir a duração de um estágio de processamento
comparando o tempo necessário para solucionar uma versão da
tarefa que inclua este estágio com uma segunda versão que

156
difere da primeira versão apenas pela omissão deste. A diferença
no tempo que se leva para solucionar as duas versões da tarefa
representa o tempo gasto processando o estágio de
processamento em questão. Eysenck & Keane (1994) em uma
analogia simples, afirmam que esta técnica se assemelha ao
cálculo que fazemos do tempo gasto com uma refeição feita na
estrada, quando subtraímos do tempo necessário para ir de A até
B incluindo uma parada no caminho, o tempo gasto para
percorrer a distância sem parada.
Assim, quando utilizada no método experimental, esta
técnica é uma poderosa fonte de testes de inferências sobre
como se desenvolvem processos cognitivos e a sucessão de seus
estágios. Podemos ao separar os dois grupos do experimento
fornecer a cada um deles uma tarefa com ou sem o estágio,
predizendo que o segundo grupo levará menos tempo. Mais do
que isso, podemos comparar o desempenho cognitivo de sujeitos
individualmente executando a tarefa com ou sem o estágio cor-
respondente para descobrir o tempo médio gasto no processa-
mento deste. Na maioria das vezes, o delineamento experimental
de pesquisas que utilizam a técnica da subtração é o de pré-teste
e pós-teste sem grupo controle (Campos, 2004), onde não temos
dois grupos de sujeitos diferentes formando um grupo experi-
mental e um controle, e sim, temos condição controle e condição
experimental. Assim, na condição controle oferecemos uma ta-
refa sem a VI (estágio de processamento) medimos a VD (o
tempo de execução dessa tarefa), depois, na condição experi-
mental, administramos a VI e novamente medimos a VD.
Assim, ao afirmar que para executar determinada tarefa a pessoa
precisa lançar mão de determinado estágio de processamento e
para outra ela não precisa, nossa predição será a que ao executar
a tarefa um (condição experimental) os sujeitos levarão mais
tempo que para executar a tarefa dois (condição controle).

157
Uma das utilizações mais famosas da técnica da
subtração em experimentos psicológicos foram os brilhantes
experimentos sobre imagética conduzidos por Roger Shepard.
Neste, solicitava-se a um indivíduo que respondesse o mais
rápido possível se as figuras geométricas que lhes eram
indicadas eram representações do mesmo objeto tridimensional
observado de ângulos diferentes ou representações de objetos
distintos. O resultado importante deste experimento é que a
dificuldade da tarefa, medida em virtude do tempo levado para
emissão da resposta, variava direta e positivamente em função
do número de graus em que a segunda figura havia sido girada.
Ou seja, a hipótese que foi testada aqui é banal, mas apesar disso
encontrava forte oposição dentro da Ciência Cognitiva: ela dizia
simplesmente que nossas representações mentais não são
somente proposicionais, incluem no mínimo também imagens.
Ou seja, o pensamento não se reduz a linguagem, no mínimo,
temos que postular um nível de representações de imagens onde
o raciocínio é puramente geométrico. Nesta teoria não há nada
de novo. O que há de incrivelmente novo aqui é que consegui-
mos a primeira teoria imagética que ofereceu uma predição
falsificável empiricamente, e isso graças à técnica da subtração.
A predição era a seguinte: se as pessoas avaliam a identidade
entre duas figuras vistas de ângulos diferentes girando uma delas
mentalmente sobre o seu eixo (como as pessoas alegavam
através de auto-relatos), então figuras giradas em menos graus
angulares serão reconhecidas como idênticas mais rapidamente
do que figuras giradas por um ângulo maior. Como podemos
deduzir, foi exatamente isso que se deu. Ou seja, o tempo usado
para girar mentalmente a figura mais angulosa é igual ao tempo
total gasto para execução desta tarefa menos o tempo gasto para
identificar a igualdade entre duas figuras idênticas e não giradas.
É claro que o que está em questão aqui não é o estabelecimento
de uma lei sobre o tempo de reconhecimento de figuras idênticas

158
vistas sob ângulos diferentes (embora isto tenha ocorrido!). O
que está em questão é que conseguimos a primeira predição
empiricamente falsificável de um processo puramente mental
não-proposicional. Isso graças ao conceito de que se processos
cognitivos se dão numa certa extensão de tempo, podemos fazer
algumas predições sobre eles com base no tempo total de
processamento de uma determinada informação.
A última grande inovação técnica, e neste caso também
tecnológica, utilizada pela Psicologia Cognitiva a ser abordada
neste livro vem das Neurociências. Ela é fruto de uma das novas
maravilhas tecnológicas geradas pelo conhecimento humano: a
tomografia computadorizada. Mas aqui, não se trata de conse-
guir um mapa preciso da estrutura cerebral, como nos primeiros
tipos de tomografia. Trata-se de obter uma representação visual
da atividade interna cerebral durante o curso de processos
cognitivos. O nome desta técnica é Tomografia com Emissão de
Positrons (TEP). A varredura por TEP baseia-se na teoria de que
atividade biológica requer consumo de energia e que a glicose é
a fonte de energia cerebral. Portanto, se quiséssemos saber quais
são as áreas do cérebro que estão mais ativas durante a execução
de determinada tarefa, bastaria que pudéssemos saber que
regiões cerebrais estão consumindo a maior quantidade de
glicose. Assim, a idéia que os neurocientistas tiveram foi a de
produzir uma glicose levemente radioativa, a ser ingerida pelos
sujeitos da pesquisa sem risco para a saúde. Depois, é só seguir
o curso da glicose pelo cérebro durante a execução de tarefas
cognitivas, através de varreduras executadas por um tomógrafo e
decodificadas por um computador que produz imagens de um
cérebro em atividade identificando o nível de glicose consumida
por cada região através de cores.
Esta técnica propiciou verdadeiras revoluções na Ciência
Cognitiva. Estávamos diante das primeiras observações do que
acontecia dentro da “caixa-preta”. Podemos agora observar que

159
partes do cérebro estão mais ativas quando se ouve uma música
ou quando se ouve um discurso, quando se responde a um
estímulo visual ou a um auditivo. Michel Posner (1988) é um
dos principais nomes da Neuropsicologia Cognitiva. Suas
pesquisas pioneiras ajudaram a estabelecer padrões de
associação entre abordagens neurológicas e cognitivas para o
estudo das funções mentais superiores. A partir do trabalho
pioneiro realizado por ele e seus colaboradores nos últimos anos
da década de oitenta, ficou claro para os cientistas cognitivos
que a atividade registrada em determinadas regiões cerebrais
durante a execução de determinada tarefa podia servir como
evidência empírica para refutar ou corroborar teses sobre tipos
de processamento que estariam envolvidos nesta execução.
Assim, baseados nos mesmos pressupostos admitidos nos
estudos de caso neuropsicológicos, particularmente no do
isomorfismo, podemos obter evidências empíricas da distinção
entre vários processos mentais, que necessa-riamente terão que
se refletir em diferenças registradas nas áreas cerebrais ativadas
quando os sujeitos procuram realizar tais diferentes tarefas
cognitivas. Se por exemplo levantamos uma tese psicopatoló-
gica de que a causa do comportamento anti-social de psicopatas
é uma ausência de reações emocionais a situações que
naturalmente despertariam este tipo de reações, podemos
desenhar um quase-experimento onde um grupo de psicopatas,
assim diagnosticados pelos padrões clínicos atuais, se submeta a
sessões de escaneamento cerebral ao mesmo tempo em que
estão assistindo a cenas particularmente comoventes (definidas
operacionalmente como cenas que provocam em indivíduos
escolhidos aleatoriamente ativação das regiões que se ativam em
processos emocionais). Ao mesmo tempo, um grupo controle de
pessoas sem psicopatia diagnosticada passaria pelo mesmo
processo. A ausência de ativação das áreas emocionais nos
psicopatas contrastada com a ativação nos não psicopatas seria

160
uma evidência empírica corroboratória da hipótese de que
situações emotivas não provocam reações emotivas em psicopa-
tas, no mínimo, não tão significativas como em pessoas comuns.
É importante ressaltar que o que estamos observando são
fenômenos neurológicos, não psicológicos, e que obviamente
não se trata da aderência às teses radicais do materialismo
eliminativo. Mas se partimos do pressuposto de que há um certo
nível de especialização cerebral e também de que há um certo
nível de isomorfismo entre a estrutura do cérebro e a estrutura
da mente, não é arbitrário aceitar as evidências empíricas
fornecidas pela TEP como fontes de corroboração ou
falsificação – provisória – de teorias cognitivas, levando as
possibilidades de experimentação psicológica a patamares antes
inimagináveis. Em outras palavras, agora não temos somente o
comportamento manifesto motor ou verbal como fonte de
inferências sobre os processos cognitivos. Temos também, o
comportamento manifesto do próprio cérebro.
De todo o exposto neste item, podemos concluir que a
Psicologia Cognitiva resolveu alguns problemas sutis em
metodologia da investigação científica psicológica, assim como
foi auxiliada pelo surgimento de grandes avanços tecnológicos
como o computador. No primeiro caso, estas soluções só foram
possíveis porque se modificou a visão geral do método científi-
co, abandonando-se as pretensões absolutistas do Positivismo e
adotando um modelo aproximativo e falsificacionista da ativida-
de científica, baseado em conjecturas e refutações. No segundo
caso, estou me referindo a incrível gama de aplicações do com-
putador na pesquisa cognitiva psicológica, a auxiliando inesti-
mavelmente em todas as etapas da investigação: no estudo de
casos com a informatização dos testes psicológicos e tabulação
dos dados dos outros métodos descritivos; na construção de
modelos de teorias; na experimentação com as tomografias e os
experimentos de subtração (quase todos realizados pelos sujeitos

161
em computadores para aferir o tempo de reação); e, por último,
na fase de crítica dos dados, com a facilidade que proporcionou
a todos os pesquisadores psicólogos não-matemáticos para a
aplicação dos mais rigorosos tratamentos estatísticos a seus
dados. No entanto, velhos problemas metodológicos continua-
ram intocados pelas inovações cognitivas, e se apresentam como
limites permanentes às possibilidades da investigação científica
psicológica. É o que veremos agora.

162
CAPÍTULO 5
CONCLUSÃO

A proposta central deste livro foi investigar quais são os


pressupostos ontológicos, antropológicos, epistemológicos e me-
todológicos que estão na base do projeto cognitivista de Psicolo-
gia Moderna. Foram apresentadas análises destes fundamentos,
e também as soluções que esta abordagem ofereceu a problemas
epistemológicos endêmicos na disciplina. Defendeu-se a tese de
que o Cognitivismo é plenamente compatível com o Racionalis-
mo Crítico, além da tese de que sem o enfraquecimento da posi-
ção antes hegemônica do Positivismo Lógico em Filosofia da
Ciência, causada em última análise por Popper, o estudo empíri-
co de processos cognitivos não poderia ter conquistado o respei-
to da comunidade científica. Foi antes a mudança da visão sobre
o que era a pesquisa científica que propiciou a aceitação do
estudo dos processos cognitivos na Psicologia, e não o contrário.
Também justifiquei minha tese de que apesar de toda a identida-
de entre as teses filosóficas de Popper e do Cognitivismo sobre o
construtivismo realista (Piaget), o caráter antecipatório da per-
cepção (Bruner), a observação que se faz contra ou a favor de
uma teoria (Neisser), a rejeição da tabula rasa (Chomsky), o

163
interacionismo (Sperry), o caráter de imprevisibilidade que o co-
nhecimento traz ao sujeito (Neisser) entre outras, o Cognitivis-
mo apresentava até vinte anos atrás uma surpreendente incons-
ciência em relação ao caráter precursor da filosofia de Popper
em relação a este movimento. Esta inconsciência se revela
particularmente surpreendente no silêncio do Cognitivismo em
relação à origem de seu modelo de método geral científico.
Apresentei ainda duas outras conclusões deste estudo.
Uma delas é a de que não existe problema de circularidade ine-
rente à investigação cognitiva uma vez que o aparente paradoxo
da refutação não recai sobre os pressupostos assumidos, mas
sobre o método de investigação derivado destes. Na investigação
sobre a metodologia da Psicologia Cognitiva, tornei explícita a
característica que julgo ser o grande diferencial do processo de
investigação científica do Cognitivismo, a utilização dos vários
métodos de pesquisa com validade restrita a uma única etapa do
processo geral de investigação científica conforme definido por
Popper. É nesta nova perspectiva que os estudos de casos
conquistaram seu legítimo lugar na investigação psicológica,
assim como o próprio método introspectivo, que retornou como
valioso método descritivo, perdendo definitivamente suas
pretensões de teste de hipóteses.
O Cognitivismo superou plenamente a maioria dos
obstáculos colocados pela tradição filosófica e científica à
constituição da Psicologia como ciência moderna. Porém, alguns
obstáculos foram somente parcialmente superados, outros
deixados intocados, e ainda um último deixado em condição
pior do que a encontrada.
Entre os obstáculos tradicionais à Psicologia superados
pelo Cognitivismo, se encontram as alegações da natureza não-
matematizável das leis psicológicas, da simultaneidade da
condição de sujeito e objeto, da indivisibilidade do fenômeno
psíquico, da inexistência de um objeto próprio, da alteração do

164
ser humano pela interação, da falência da indução, da
impossibilidade de observação direta do fenômeno psicológico e
do anti-realismo ontológico.
Entre os obstáculos parcialmente superados, se encon-
tram as alegações da necessidade de mudança do método, do
significado como verdadeiro objeto psicológico, do anti-repre-
sentacionismo e da dificuldade metodológica de quantificação
do fenômeno psicológico. Entre os obstáculos que ficaram into-
cados ou ignorados estão o das limitações éticas para a pesquisa
psicológica e aquele pressuposto que, caso aceito, implica em
impossibilidade de explicação dedutivo-nomológica, a questão
da liberdade e criatividade humana.
Por fim, chegamos a uma questão que o Cognitivismo
não só não superou, como deixou em condição pior do que a que
herdou do Behaviorismo. Estamos falando da complexidade da
explicação dedutivo-nomológica psicológica, que na forma e
níveis irredutíveis que o Cognitivismo apresenta, se torna nada
além de uma ficção impraticável, no mínimo, ou de um erro de
natureza ontológica, no máximo.
Acredito que a explicação psicológica dedutivo-nomoló-
gica é a grande responsável pelos problemas remanescentes
enfrentados pelo Cognitivismo. Defendo que se adote outro
modelo explicativo na Psicologia, a explicação condicional, em
substituição à explicação dedutivo-nomológica. Esta se faz
necessária porque: não temos ainda leis gerais da cognição;
também não temos praticamente nenhuma lei geral neuropsico-
lógica; são tão difíceis, indiretas e imprecisas as inferências
sobre o estado atual de metas, crenças, estruturas cognitivas e
cerebrais de um indivíduo; e ainda também porque é impossível
determinar precisamente o montante de informação ao qual um
indivíduo está submetido em uma situação de estímulo.
Acredito também que outra parcela de problemas seria
resolvida caso o Cognitivismo aceitasse demarcar uma linha

165
divisória entre duas abordagens complementares em Psicologia,
a científica e a filosófica. O fenômeno humano deveria ser expli-
cado de forma condicional pela ciência, e de forma suficiente
e/ou idiográfica pela Filosofia. Existem domínios psicológicos
que são impenetráveis à investigação científica, e a Psicologia
deve assumir sua condição de limitação instrumental e método-
lógica. A intencionalidade original, a criatividade, a atribuição
de sentido e significado, os valores e o raciocínio dialético não
são adequadamente abordáveis pelo método científico, e exigem
uma investigação complementar de ordem filosófica. Esta deve
ser aplicada para uma adequada compreensão de regularidade
crua a ser exposta pela lei condicional.
No entanto, estes são temas para outros trabalhos. Aqui a
intenção foi fornecer um retrato atual de uma questão, não um
projeto de desenvolvimento. Sobre este retrato, devo confessar
que me parece ser de algo grandioso. O Cognitivismo deu
enorme contribuição nos últimos cinqüenta anos para o resgate
da Psicologia para o ser humano. Pudemos nos livrar através de
seus argumentos e resultados de várias teorias que promoveram
no século XX significativa degradação da imagem do ser
humano. Talvez por isto, alguns dos remanescentes destas teo-
rias caluniem o Cognitivismo o identificando ao computaciona-
lismo e à tese forte da inteligência artificial. Como vimos
extensivamente aqui, não é o cérebro-computador, mas a
consciência o conceito central desta abordagem.
Apesar de nossa curta e conturbada história, estou
tomado por um grande otimismo quanto ao futuro da Psicologia
como disciplina científica. Acredito mesmo que nos restam
poucos passos para superarmos nossa longa crise de adoles-
cência e atingirmos finalmente o começo de nossa maturidade.
O Cognitivismo, este monumental empreendimento intelectual e
científico que mudou a face da Psicologia e re-humanizou seu
objeto, percorreu a maior parte deste caminho para nós.

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