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38º Encontro Anual da ANPOCS

GT07 - Conflitos ambientais, Estado e ideologia do desenvolvimento:


mediação e luta por direitos

AS CONTRADIÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DA INDÚSTRIA


DA RECICLAGEM DOS MATERIAIS NO BRASIL

Carolina Todesco
UFRN/Departamento de Ciências Sociais e Humanas

Fábio Fonseca Figueiredo


UFRN/Departamento de Políticas Públicas

Caxambú/MG
Outubro de 2014
Resumo

A reciclagem se desenvolve nos países centrais desde os anos 1970. Nos


países periféricos, a atividade chamou a atenção de governos e sociedade na
década seguinte, dada a precariedade do trabalho de pessoas que sobrevivem
da coleta e venda de materiais recicláveis. A partir da Agenda 21, os governos
desses países passaram a formular estratégias de reciclagem observando as
potencialidades econômicas; também influenciados pela visão hegemônica
sobre o poder da técnica na mitigação dos impactos ambientais gerados pelo
sistema de produção e consumo vigentes. No Brasil, a reciclagem tomou novos
contornos em 2010 com a institucionalização da Política Nacional de Resíduos
Sólidos. O artigo analisa as contradições socioeconômicas e ambientais da
indústria da reciclagem no Brasil, a partir da relevância dada a atividade na
política nacional. Por meio de revisão da literatura e consulta a documentos
diversos, realizamos um levantamento sobre o setor da reciclagem no país, em
seguida avaliamos a relevância da atividade na mitigação dos impactos
ambientais ocasionados pelos resíduos e os aspectos socioeconômicos dos
trabalhadores que compõem a cadeia produtiva do setor da reciclagem no país.

Palavras chave: Catadores; Indústria da reciclagem; Materiais recicláveis;


Resíduos Sólidos; PNRS
Introdução

A partir do projeto em andamento financiado pelo CNPq1, o presente


trabalho tem como objetivo analisar as contradições da reciclagem dos materiais
no Brasil, observando a relevância da atividade na mitigação dos impactos
ambientais ocasionados pelos resíduos sólidos no espaço urbano; e os
impactos socioeconômicos para os trabalhadores que compõem a cadeia
produtiva da reciclagem no país.

Além desta apresentação introdutória e as considerações, o texto está


dividido em quatro partes e na segunda comentamos a inserção da problemática
dos resíduos sólidos na crise ecológica da sociedade global. No terceiro tópico
mostramos a institucionalização da reciclagem dos materiais como componente
da gestão de resíduos sólidos e em seguida passamos a observar a política
brasileira para a gestão dos resíduos e a sua opção pelo fortalecimento da
reciclagem, com inclusão sócia produtiva dos trabalhadores que atuam na coleta
dos materiais a serem enviados para a indústria. Em sua quinta parte,
analisamos a dualidade da atividade da reciclagem que, a nosso ver, além de
contribuir para a preservação do meio ambiente possui forte componente
econômico, o que faz os aspectos econômicos se sobreporem as demandas
socioambientais.

Tais elementos estarão presentes no texto para responder ao seguinte


questionamento: não estaria o esforço do governo brasileiro em desenvolver a
reciclagem contribuindo para o fortalecimento de uma atividade meramente
econômica, descolada das possibilidades ambientais e sociais da atividade?

1. A Crise ecológica e os resíduos sólidos na sociedade global

O crescente volume de resíduos gerados pela sociedade global e os


limites à exploração dos recursos naturais fazem parte dos diversos temas

1
Projeto intitulado “Desvelando a indústria da reciclagem dos materiais no Brasil”, chamada
MCTI/CNPq nº 14/2013, processo nº 484013/2013-0.
acerca do que se convencionou chamar de crise ecológica ou problemática
ambiental. Nessa seara, conforme expõe Harvey (2004), temos um caldeirão de
argumentos, conceitos e dificuldades de ordem política que são a base de
intermináveis debates acadêmicos, intelectuais, teóricos e filosóficos:

Falar de consenso [...] é claramente impossível em tal situação.


Porém alguma linguagem comum, ou ao menos uma forma
adequada de tradução entre diferentes linguagens (científica,
gerencial e legal, popular, crítica e assim em diante), constitui
um imperativo [...]. Mesmo em meio a todo esse conflito e essa
diversidade, tem-se de construir, por conseguinte, algum tipo de
terreno comum. Sem esse terreno comum, o autoritarismo, a
violência discursiva e as práticas hegemônicas se tornam a base
das decisões. (p. 282)

A retórica alarmista da crise e da catástrofe ambiental iminentes, no


entanto, parece balizar a maioria dos discursos, a qual, segundo o mesmo autor,
não conduzirá na direção de respostas cooperativas, coletivas e democráticas,
mas sim, continuará desencadeando impulsos elitistas e autoritários. Segundo
Beck (2003, p. 115), essa é uma característica da sociedade do risco, do atual
período histórico, que “busca tornar previsíveis as consequências imprevisíveis
das decisões tomadas, controlar o incontrolável, sujeitar os efeitos colaterais a
medidas preventivas conscientes e aos arranjos institucionais apropriados”.

Para Beck (2003), a “Primeira Modernidade” tem por característica o


poder do Estado nacional, as sociedades produtivas capitalistas com aspiração
ao pleno emprego e a distinção clara entre sociedade e natureza, esta vista
como fonte inesgotável de recursos para o processo de industrialização.
Conforme o autor, há ainda a “Segunda Modernidade” ou modernidade reflexiva
que teria por característica a transição do poder do Estado ao mercado, o
individualismo institucionalizado, a sociedade do risco, em que a oposição
natureza/sociedade torna-se questionável em virtude da tecnologia e da crise
ecológica, e a possibilidade de ação desterritorializada do mercado.

Assim, os riscos dentre os quais de ordem ecológica, que assombram a


sociedade contemporânea diferenciam-se dos riscos do início do século XX
(Primeira Modernidade). Segundo Beck (2003), antes as consequências da
contaminação ambiental eram localizáveis e afetavam um círculo limitado de
pessoas. Já a partir da década de 1970, com a Segunda Modernidade, as
consequências muitas vezes são imensuráveis e de dimensões globais.

A porosidade das fronteiras nacionais e inter-regionais frente aos riscos


ecológicos é, portanto, um dos aspectos que elevam sua complexidade e
ampliam os conflitos entre os agentes envolvidos na arena política referente às
questões ambientais. A globalização do risco, de acordo com Hudson (2009),
tornou-se uma questão importante desde o início dos anos 1980, quando
começou a ser destaque na mídia as transferências de resíduos de países2 ricos
(que possuíam marcos regulatórios rigorosos na área ambiental e maior
envolvimento social com as questões ambientais) para países pobres. Cabe
destacar que nos países recebedores de resíduos as normativas ambientais
eram pouco eficientes e/ou inexistente; ainda, vários destes países eram/são
governados por ditaduras militares e, portanto, sem possibilidade de contra
argumentação aos ditames do poder central.

Desta forma, uma característica importante da era neoliberal é que não


apenas as empresas passaram a deslocar sua produção e seus processos
poluentes para os países periféricos, como também tornou-se crescente a
globalização dos fluxos de resíduos e suas novas formas de comércio.

For example, stringent regulations on recycling were introduced


in Germany in the 1990s. Picking through waste to sort and
recycle it is labour intensive, poorly paid and of low social
esteem. As such, it is exported to peripheral parts of the global
economy – and justified as creating employment there! (Hudson,
2009, p. 17)

Nesse contexto, a reciclagem, como uma modalidade de comércio de


resíduos, ganha destaque, principalmente, por vestir o manto ecológico das
atividades inclusas nos paradigmas do “ecodesenvolvimento”, “desenvolvimento
sustentável” e, mais recentemente, “economia verde”, conceitos e discursos
difusos, mas amplamente difundidos nos megaencontros internacionais
realizados para o debate institucional da questão ambiental, a partir de 1972

2
Usaremos o termo países centrais para designar o grupo de países ricos economicamente e
países periféricos para aqueles denominados emergentes e pobres.
com a celebração da Conferência de Estocolmo à Rio+20 de 2012. Para
O‟Connor (2004), a ecologização da questão ambiental marca a posição dos
verdes reformistas, que não enfrentam as condições do sistema vigente, mas
adaptam, aperfeiçoam e usam técnicas diante das novas exigências e
demandas sociais e econômicas.

A próxima seção apresenta a institucionalização da reciclagem dos


materiais como componente da gestão de resíduos sólidos que, a partir da
pretensa impossibilidade na diminuição da geração dos resíduos, as
administrações introduzem a reciclagem como alternativa mitigadora da
destinação final dos resíduos.

2. A institucionalização da reciclagem na gestão dos resíduos

A geração de resíduos sólidos é um indicativo de aumento de renda das


pessoas, que direcionam maior parte dos seus rendimentos ao consumo. Neste
sentido, para as análises macroeconômicas, aumentos de renda e,
consequentemente, de consumo são solicitados já que dinamizam os fluxos
econômicos de um país. No entanto, o aumento no consumo se tornou se um
grande desafio para as sociedades devido o crescente volume de resíduos
sólidos que se formam nas cidades. E tal fenômeno acarreta altos custos de
manejo de gestão dos resíduos, escassez de espaço urbano para destino final
adequado dos resíduos, riscos de contaminação ambiental e demais riscos à
saúde humana.

Dada a impossibilidade na diminuição da geração dos resíduos nas


sociedades globais, as administrações públicas devem formular estratégias para
conciliar o crescimento/desenvolvimento econômico e sua consequente geração
ampliada dos resíduos (Figueiredo, 2013).

A reciclagem dos materiais se desenvolve nos países centrais desde os


anos 1970 em virtude da contaminação gerada pelos resíduos nas cidades. Nos
países periféricos, a atividade chamou a atenção de governos e sociedade na
década seguinte, dada as precárias condições de trabalho das pessoas que
sobrevivem da coleta e venda de materiais para a indústria da reciclagem. A
partir da Agenda 21, documento produzido na Conferência Rio-92, os governos
passaram a introduzir a atividade da reciclagem observando as suas
potencialidades para o meio ambiente, para a economia e sociedade.

Há que destacar que os paradigmas estabelecidos nesses eventos


internacionais foram influenciados, em parte, pela percepção hegemônica da
capacidade técnica da indústria da reciclagem na mitigação dos impactos
ambientais gerados pelo sistema de produção e consumo vigentes. Ocorre uma
ruptura no que tange a formas de como se manejar os resíduos, com
sobrepujança dos aspectos técnicos sobre outras formas mais naturais de
controle e tratamento destes, como por exemplo, os processos de compostagem
para os resíduos de origem orgânica, cada vez mais preteridos em relação à
recuperação energética por biomassa; assim como a observância do manejo
dos resíduos conforme a hierarquia dos 3r (reduzir, reutilizar, reciclar)3.

Quadro 1: Aspectos econômicos, ambientais e sociais da reciclagem

Econômicos Ambientais Sociais


Dinamiza a cadeia produtiva Preservação das reservas Gera ocupação e renda para
dos materiais recicláveis naturais; diminuição na trabalhadores através do
extração de matérias primas trabalho com recicláveis
Matéria prima mais barata Menor uso de energia na Possibilidade de inclusão
para as indústrias atividade industrial social de trabalhadores
informais
Diminuição de gastos Recuperação energética Possibilidade de maior
empresariais com energia no através da reciclagem interesse social com
processo de produção questões ambientais
Diminuição de gastos Menor contaminação ambiental Possibilidade de mudança
públicos com serviços de dos espaços públicos nos padrões sociais de
gestão de resíduos (limpeza, produção e consumo
coleta, transporte e
tratamento final)
Fonte: Elaboração própria a partir de Figueiredo (2012), Grimberg (2007) e Calderoni (2003)

A partir de então, as decisões tomadas no campo ambiental passam a


valorizar e legitimar determinadas atividades como ecologicamente corretas ao

3
Consagrado do documento Agenda 21, produzido na Conferência Rio 92, a hierarquia dos 3r
implica em uma forma considerada socioambiental para o manejo dos resíduos.
passo que discriminam e condenam outras. O uso da reciclagem como
ferramenta para a gestão de resíduos sólidos se justifica por seus aspectos
ambientais, econômicos e sociais, conforme quadro 1 acima.

A reciclagem dos materiais, enquanto técnica de reutilização de resíduos


é salientada como capaz de minimizar a exploração de novos recursos naturais,
atenuar os problemas ambientais, além de gerar emprego e renda e possibilitar
a inclusão social e econômica. Observamos em informes e documentos de
distintas fontes tais como oficiais, de empresas privadas e de organizações
sociais (ABRELPE, 2014; BRASIL, 2014; CEMPRE, 2014; MNCR, 2014) e em
estudos acadêmicos de diversas áreas do conhecimento (Gutberlet, 2011;
Grimberg, 2007; Calderoni, 2003), que a atividade da reciclagem é ressaltada
como a principal, e, talvez, a única possibilidade de resolução à problemática
socioeconômica e ambiental engendrada pelos resíduos.

Tendo como cenário o crescimento acentuado na geração de resíduos e


a consequente contaminação ambiental provocada pelo seu inadequado
acondicionamento, os modelos de gestão para os resíduos sólidos variam entre
países. As administrações públicas de cidades dos países periféricos partem da
quase ausência na gestão dos resíduos à ineficiência na execução de serviços
dos resíduos (Price Masalías e Castro Nureña, 2004). Em situação oposta, os
países centrais contam com eficientes sistemas de controle integrado,
conseguem elevadas taxas de separação de materiais recicláveis na origem
geradora, e ainda realizam o tratamento final dos resíduos em aterros sanitários
e/ou por processos de incineração com recuperação de energia. Em países de
economia emergente como o Brasil, a gestão dos resíduos possui
características similares ao que se encontram nos países ricos e pobres
(Figueiredo, 2012).

Embora haja diferenças substanciais na atual gestão de resíduos entre


países, a reciclagem se apresenta como importante componente da gestão dos
resíduos. Nos países centrais, a atividade da reciclagem é a principal ferramenta
de controle da contaminação originada pela elevada quantidade de resíduos
gerados diariamente (Alió, 2008). Nos países periféricos, além dos diversos
benefícios ambientais e ganhos econômicos passíveis de serem auferidos, a
atividade desempenha um importante papel social e econômico por alimentar a
economia subterrânea dos materiais pós-consumo, onde atuam trabalhadores
informais na coleta, separação e venda dos materiais para a indústria da
reciclagem (Waldman, 2010; Magera, 2005).

Assim, fatores como a exclusão socioeconômica de coletivos de


trabalhadores e o desenvolvimento da reciclagem de certos materiais,
fenômenos observados com maior vigor a partir dos anos de 1980 e 1990,
fizeram que, na década seguinte, os planos de gestão de resíduos nos países
periféricos passassem a contemplar e priorizar a separação dos materiais a ser
desviados para a indústria.

Se por um lado, a opção pelo modelo de gestão dos resíduos


fundamentada na reciclagem ameniza os problemas econômicos e sociais
relacionados a pessoas que utilizam como estratégia de sobrevivência o manejo
com os resíduos recicláveis; por outro lado, o ordenamento da separação destes
resíduos satisfaz integralmente os interesses da indústria de reciclagem, quais
sejam, a disponibilidade de recicláveis, sobretudo aqueles materiais que
possuem maior valor econômico no mercado da reciclagem e a um baixo custo
de oferta desses materiais (FIgueiredo, 2009).

3. A gestão dos resíduos no Brasil e a opção pela reciclagem

No Brasil, a atual Política Nacional para os Resíduos Sólidos (PNRS) foi


instituída em 2010 e passou a ser obrigatória a partir de 2014 (lei nº 12.305).
Dentre outros objetivos, a PNRS determina que as municipalidades devam
eliminar os lixões no país e oferecer uma disposição final ambientalmente
adequada aos rejeitos4. Cumprido a divisão institucional das responsabilidades
entre os entes federativos, cabe ao Governo Federal e municípios a aplicação

4
Para PNRS, o manejo ambientalmente adequado dos resíduos implica em uma série de
procedimentos, dos quais, a gestão fundamentada nos 3r, tratamento final em aterros sanitários
e/ou outros processos que favoreça a recuperação de energia. Ver BRASIL (2014).
da PNRS bem como a formulação de planos estratégicos de gestão em
conformidade com a nova lei5:

Incumbe ao Distrito Federal e Municípios a gestão integrada dos


resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios, sem
prejuízo das competências de controle e fiscalização dos órgãos
federais e estaduais do Sisnama, do SNVS e do Suasa, bem
como da responsabilidade do gerador pelo gerenciamento de
resíduos, consoante o estabelecido nesta Lei (BRASIL, 2014,
capítulo I, art. 10 ).

Um aspecto destacado da política nacional é que além de contemplar os


aspectos ambientais, técnicos e econômicos da gestão dos resíduos, a PNRS
introduz o componente social através da participação direta de associações e/ou
cooperativas de trabalhadores informais na gestão de resíduos municipais,
sujeitos denominados catadores no Brasil. O quadro 2 relaciona diversas
passagens da PNRS que prevê a participação dessas entidades na coleta
seletiva oficial das cidades.

Conforme o quadro 2, as municipalidades devem estimular a formação de


associações e/ou cooperativas e oferecer cursos de capacitação para os
catadores necessários para o trabalho com os resíduos. Ainda, disponibilizar
infraestrutura básica necessária para que os catadores possam realizar a coleta
e separação dos materiais, que serão posteriormente enviados às recicladoras.
Outro elemento importante expresso na política nacional é a possibilidade das
Prefeituras de contratar estas associações e/ou cooperativas para a
operacionalização da coleta seletiva oficial. Assim, por meio de um contrato
institucional firmado entre a municipalidade e a entidade de catadores, a gestão
dos resíduos fica a cargo da Prefeitura (desenvolvimento do plano municipal de
gestão de resíduos) e a operacionalização da coleta seletiva (coleta, separação
e comercialização dos materiais) é de responsabilidade destas entidades.

5
O prazo final para a eliminação dos lixões foi 02/08/2014, porém, conforme o Ministério do
Meio Ambiente, a maioria dos lixões continua em funcionamento, pois os planos municipais de
gestão integrada de resíduos sólidos ainda estão em processo de elaboração pelas Prefeituras.
Quadro 2: Aspectos relacionados à inclusão sócio produtiva de catadores previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos

Artigo O que prevê


o
Art. 6, Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
inciso XII XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
o
Art. 8º, Art. 8 São instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros:
inciso IV IV - o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;
Art. 15, Art. 15 A União elaborará, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, com vigência por prazo indeterminado e
inciso V horizonte de 20 (vinte) anos, a ser atualizado a cada 4 (quatro) anos, tendo como conteúdo mínimo:
V - metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis;
Art. 18, § Art. 18 A elaboração de plano de gestão integrada de resíduos sólidos, nos termos previstos por esta Lei, é condição para o Distrito Federal e os Municípios
1º, II terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços de limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos, ou
para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade
II - implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores por pessoas físicas de baixa renda.
Art. 19, Art. 19 O plano de gestão integrada de resíduos sólidos tem o seguinte conteúdo mínimo:
inciso XI XI - programas e ações para a participação dos grupos interessados, em especial das cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, se houver;
Art. 21, § Art. 21 O plano de gerenciamento de resíduos sólidos tem o seguinte conteúdo mínimo:
3º, I o
§ 3 Serão estabelecidos em regulamento:
I - normas sobre a exigibilidade e o conteúdo do plano de gerenciamento de resíduos sólidos relativo à atuação de cooperativas ou de outras formas de
associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;
Art. 33, §3º, Art. 33 São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma
III independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:
o
§ 3 Sem prejuízo de exigências específicas fixadas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS, ou em acordos
setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, cabe aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos
o
produtos a que se referem os incisos II, III, V e VI ou dos produtos e embalagens a que se referem os incisos I e IV do caput e o § 1 tomar todas as medidas
necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa sob seu encargo, consoante o estabelecido neste artigo,
podendo, entre outras medidas:
o
III - atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, nos casos de que trata o § 1
Art. 36, § 1º Art. 36 No âmbito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, cabe ao titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de
resíduos sólidos, observado, se houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos:
o
§ 1 Para o cumprimento do disposto nos incisos I a IV do caput, o titular dos serviços públicos de limpeza e de manejo dos resíduos priorizará a organização e
o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores formadas por pessoas físicas de baixa renda e sua contratação.
Art. 42, Art. 42 O poder público poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas de:
incisos II e II - desenvolvimento de produtos com menores impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em seu ciclo de vida;
III
III - implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis
e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda;
Fonte: Elaboração própria a partir de BRASIL (2014)
Para que os objetivos do quadro 2 sejam realizados, são diversas as
fontes de financiamento do Governo Federal. A figura 1 mostra os percentuais
de participação dos ministérios brasileiros em relação ao orçamento executado
em programas socioambientais direcionados à gestão de resíduos no Brasil:

Figura 1: Orçamento Executado em Programa para Resíduos Sólidos por


Ministérios Brasileiros, 2003 a 2013 (%)

7% 3% 3% 12% Ministério da Saúde (FUNASA)

Ministério do Trabalho e Emprego

Ministério do Meio Ambiente

Ministério das Cidades


32%
Ministério do Desenvolvimento Social
43% e Combate à Fome
Ministério da Assistência Social

Fonte: Elaboração própria a partir de Geral da União de 2003 a 2013 (2014)

Na figura 1, notamos que os investimentos do Governo Federal


realizados em programas para os resíduos sólidos, em dez anos, foram
efetuados majoritariamente 43% pelo Ministério do Trabalho e Emprego, 32%
pelo Ministério do Meio Ambiente e 12% pela Fundação Nacional de Saúde
(Funasa). Esta distribuição por ministério revela o perfil dos programas no país,
ou seja, enquanto, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome investiram em ações de
organização e desenvolvimento de cooperativas atuantes com resíduos sólidos,
visando à melhoria das condições de trabalho dos catadores de materiais
recicláveis; o Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Nacional de Saúde
implementaram projetos de coleta e reciclagem de materiais, envolvendo, entre
outras atividades, campanhas de educação ambiental.

Complementar a figura 1, a tabela 1 apresenta os tipos de ações


executadas em programas de resíduos sólidos por ministérios, a partir de 2010
quando a política nacional é instituída:
Tabela 2: Ações executadas em Programas de Resíduos Sólidos por
Ministério (2010 a 2013)

Orçamento
Ministério Ações Executado (R$)
Trabalho e Fomento para a organização e o desenvolvimento de
Emprego cooperativas atuantes com resíduos sólidos 24.511.681,89
Desenvolvimento institucional para a gestão integrada de
Meio Ambiente resíduos sólidos urbanos 3.698.737,90
Des. Social e Fomento para a organização e o desenvolvimento de
Combate à Fome cooperativas atuantes com resíduos sólidos 1.819.919,23
Meio Ambiente Implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos 1.062.089,24
Meio Ambiente Gestão e administração do programa de resíduos sólidos 807.803,81
Meio Ambiente Gestão da Política Nacional de Resíduos Sólidos 351.458,28
Implementação de projetos de coleta e reciclagem de
Saúde - FUNASA materiais 179.820,00
Fomento a projetos de gerenciamento e disposição de
Meio Ambiente resíduos em municípios de médio porte 148.352,00
Apoio a projetos de gerenciamento e disposição de resíduos
Meio Ambiente industriais e perigosos 120.924,18
Apoio a sistemas públicos de manejo de resíduos sólidos
em municípios com mais de 50 mil habitantes ou integrantes
Cidades de regiões metropolitanas 6.062,72
Total 32.706.849,25
Fonte: Elaboração própria a partir de Geral da União de 2003 a 2013 (2014)

A intenção expressa na PNRS de incentivo à coleta seletiva com a


participação dos catadores objetiva alimentar o mercado dos materiais para a
indústria da reciclagem. De acordo com o Compromisso Empresarial para a
Reciclagem (CEMPRE, 2014), entidade que congrega as empresas de
reciclagem, um dos entraves para o crescimento da indústria no país é a baixa
oferta dos materiais que potencialmente podem ser desviados para a
reciclagem. Em certos setores da reciclagem como a reciclagem de papel
branco, a indústria opera com capacidade ociosa que se aproxima dos 40%.

Assim, a produção e produtividade do trabalho dos catadores (coleta de


materiais recicláveis sob a chancela das municipalidades) torna-se fundamental
para o fortalecimento da cadeia produtiva da reciclagem no país, que
atualmente utiliza 90% de resíduos recicláveis provenientes do trabalho destes
profissionais. Segundo o Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis
(MNCR), entidade que congrega estes profissionais, os catadores já são
aproximadamente um milhão de pessoas que perambulam pelas ruas e lixões
das cidades brasileiras na coleta de materiais recicláveis. Destes, pouco mais de
quarenta mil estão organizados em associações e/ou cooperativas, o que
segundo o movimento nacional, a baixa organização dos catadores em
entidades enfraquece as reivindicações coletivas pelos direitos trabalhistas bem
como o reconhecimento social pelo trabalho ecológico desenvolvido pelos
catadores (MNCR, 2014).

Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos preconize que na gestão


e gerenciamento de resíduos sólidos a ordem de prioridade é a não geração,
redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição
final ambientalmente adequada dos rejeitos; conforme informações obtidas no
Ministério do Meio Ambiente6 e pelos investimentos realizados, a cadeia
produtiva da reciclagem, com a participação direta de associações e
cooperativas de trabalhadores informais, é a etapa da gestão de resíduos que
recebe maior atenção do poder público federal.

A próxima seção analisa a passagem da reciclagem de uma atividade


com fins de interesse socioambiental, relacionados ao destino final adequado
dado aos resíduos e inclusão sócio produtiva de catadores através da economia
política dos resíduos sólidos, a um negócio econômico extremamente rentável e
como elevado potencial de crescimento no Brasil.

4. Dos benefícios ambientais aos ganhos econômicos da


reciclagem no país

As ações do governo brasileiro por tornar eficiente a prestação dos


serviços relacionados aos resíduos gerados na cidade (limpeza, coleta,
transporte e destino final adequado), somadas ao arcabouço normativo da
política nacional (incentivos orçamentários concedidos às municipalidades que

6
Entrevista com o ccoordenador de iinformações sobre resíduos ssólidos, Departamento de
Ambiente Urbano da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, Ministério do Meio
Ambiente, realizada no dia 20 de junho de 2014, Brasília/DF.
implementam programas de coleta seletiva com participação de catadores), e
ainda, a ação requisitada pelos agentes do setor dos resíduos (financiamento
governamental a iniciativas que apoiem o avanço da reciclagem no país),
demonstram a opção oficial pelo modelo que prioriza a reciclagem como a
principal estratégia na gestão dos resíduos no país.

Apesar de haver o interesse da administração pública em absorver as


entidades de catadores na gestão de resíduos sólidos, entendendo ser esta a
melhor alternativa à inclusão sócio produtiva destes trabalhadores, Figueiredo
(2013) analisa que o lixo, ao entrar no circuito econômico da reciclagem, passa
a ser resíduo sólido o que indica ser passível de reciclá-lo. Os resíduos entram
definitivamente na cadeia produtiva quando passam a ser materiais, portanto,
com elevado potencial de reciclabilidade. No outro extremo dessa cadeia, a
indústria se reproduz através de trabalhadores que vivem da coleta dos
materiais e permanecem à sombra dessa indústria. Para Waldman (2010: 185):

A reciclagem é alimentada por um circuito alternativo da


economia que desafia as linhas clássicas de interpretação do
fenômeno da recuperação dos materiais, sendo sua vitalidade
contraditoriamente sustentada pelo grau cada vez mais
acentuado de informalidade da economia urbana
contemporânea.

Reconhecidamente, a reciclagem dos materiais engendra benefícios ao


meio ambiente relacionados à diminuição no uso de energia e matérias primas
em processos produtivos. Tais benefícios levam à redução de custos
empresariais e, como já mencionado (quadro 1), em países periféricos a
atividade é geradora de ocupação, renda e inclusão sócio produtiva para
trabalhadores em situação de vulnerabilidade socioeconômico. No entanto,
Magera (2005) adverte que utilizar a reciclagem como principal ferramenta de
controle da contaminação pelos resíduos, como propõe a politica brasileira, não
garante uma gestão que observa as demandas socioambientais uma vez que a
reciclagem se insere no mercado internacional dos materiais, que competem
entre si no mercado das embalagens.

Para Alió (2008), um dos inconvenientes da reciclagem é justamente a


sua bondade econômica, que se relaciona a elevados ganhos econômicos
adquiridos com o desenvolvimento da atividade. As comparações entre as duas
próximas duas figuras demonstram o contraditório da reciclagem, que se justifica
pelos aspectos socioambientais e, no entanto, se reproduz devido aos lucros
econômicos da atividade. A figura 2 mostra a gravimetria dos resíduos
brasileiros, os percentuais de materiais encontrados na massa de resíduos
sólidos coletados7.

Figura 2: Gravimetria dos resíduos sólidos brasileiros, 2012 (%)

3%
2% Matéria orgânica

13% Outros

Plástico
14% 51%
Papel, papelão e tetrapak

Metais
17%
Vidro

Fonte: Elaboração própria a partir de ABRELPE (2013)

Pela figura 2, dado o excessivo volume de resíduos de origem orgânica


encontrados na massa total de resíduos coletados no país, o recomendado é
que os gestores municipais formulem estratégias para evitar o
acondicionamento final inadequado destes resíduos, uma vez que, conforme a
literatura científica, os resíduos orgânicos possuem elevado poder
contaminando tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana8. O

7
O sistema de informação para os resíduos sólidos no Brasil ainda é pouco confiável. Apesar de
desde 2002 o Ministério das Cidades produzir o relatório “Diagnóstico do Manejo de Resíduos
Sólidos Urbanos”, autores como Figueiredo (2011) e Waldman (2010) apontam que a coleta de
dados baseada no preenchimento de questionário pelos gestores municipais pode levar a uma
inadequação entre a real gestão dos resíduos e as informações prestadas no questionário.
8
O Chorume, proveniente dos resíduos orgânicos, é um líquido percolado de alta carga
poluidora, produzido pela decomposição das substâncias orgânicas contidas nos resíduos
sólidos e que tem como características principais: cor escura, odor desagradável e uma elevada
DBO - demanda bioquímica de oxigênio - (ABRELPE, 2007, p. 124).
resíduo Outros que aparece na figura 2 é compostos por materiais como óleo
lubrificante (menos de 1%) e que apesar de ser percentualmente baixo este
material possui um elevado poder contaminante9, portanto, também passível de
cuidado especial por parte do manejo dos resíduos. No outro extremo, materiais
como metais diversos, vidros e papelão deveriam ser preteridos no que tange à
urgência nas estratégias de destino final adequado já que possuem baixo poder
de contaminação.

Figura 3: Destino final adequado dado aos resíduos sólidos brasileiros,


1999-2003-2007-2012 (%)

Fonte: Elaboração própria a partir de CEMPRE (2014), ABRELPE (2013), Figueiredo (2012),
ABRELPE (2007), Calderoni (2003)

As análises realizadas a partir figura 2 podem ser confrontadas com o


que efetivamente ocorre com o manejo dos resíduos urbanos brasileiros,
quando desviados ao destino final considerado adequado. A figura 3 acima
apresenta os percentuais de reciclagem de dez diferentes tipos de materiais
encontrados na massa total de resíduos brasileiros, e que obtiveram destino

9
Conforme ABRELPE (2007), os óleos lubrificantes são classificados como resíduos perigosos
classe II, extremamente perigoso já que uma tonelada pode contaminar um manancial de água
subterrânea capaz de abastecer 40.000 pessoas.
final por processos de compostagem de orgânicos, reciclagem de materiais e
rerrefino de óleo lubrificante, tomando os anos de 1999-2003-2007 e 201210.

A partir da leitura dos percentuais de destino final considerado adequado


para os resíduos sólidos podemos interpretar algumas das contradições
socioambientais da reciclagem no Brasil. Conforme a figura 3, os materiais
pouco encontrados na gravimetria dos resíduos coletados (figura 2) e/ou menos
nocivos ao meio ambiente e à saúde humana possuem maiores percentuais de
reciclagem nos quatros anos analisados. Contraditoriamente, os resíduos com
elevado teor contaminante tais como os resíduos de origem orgânica e os óleos
lubrificantes possuem baixos percentuais de compostagem e rerrefino.

Ainda de acordo com a figura 3, menos de 5% dos resíduos orgânicos


foram compostados em 2012. Some-se a este baixo percentual de
compostagem o fato de que esta informação não é confiável dada a metodologia
oficial de coleta de informações oficiais e de entidades do terceiro setor;
também, devido a compostagem ser realizada preponderantemente nos estados
de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, ou seja, uma atividade bastante
concentrada no país. Este baixo percentual se explica pelo baixo valor
econômico da compostagem, com a atividade sendo desenvolvida a partir de
projetos isolados e sem maior abrangência.

A recuperação (rerrefino) de óleo lubrificante alcançou 37% em 2012,


porém, dada a complexidade e poder de contaminação deste material, o índice
de recuperação é considerado baixo quando comparados a outros países que
como os Estados Unidos (76%) e Alemanha (56%), que além de percentuais
elevados de reaproveitamento dos óleos possuem produção de óleos bastante
superiores ao Brasil (SINDIRREFINO, 2014).

A figura 3 reflete a pujança dos interesses econômicos para o


desenvolvimento da reciclagem no Brasil. Tomando, por exemplo, a reciclagem
de latas de alumínio, que desde 1991 as indústrias do setor vêm mantendo

10
Optamos por esta série histórica em virtude da facilidade em encontrar dados para a maior
quantidade possível de materiais.
programas permanentes para a reciclagem, apoiados por forte apelo midiático
onde se apresentam os benefícios da reciclagem desse material. O apelo à
reciclagem desse material faz que desde o ano de 2003 o Brasil venha obtendo
êxito na reciclagem das latas. Conforme a Associação Brasileira do Alumínio
(ABAL, 2014), o país é o maior reciclador mundial em termos percentuais do
material, reciclou 98% em 2013, e, este percentual se deve a eficiente rede de
coleta do material e a abundância na oferta das latas.

A contradição entre os interesses ambientais e econômicos se vislumbra


quando relacionamos a reciclagem das latas de alumínio com a sua
periculosidade, abundância na massa total de resíduos e os possíveis
benefícios ambientais a partir da reciclagem desse material. Menos de 1% dos
resíduos brasileiros são compostos por latas de alumínio, material menos
contaminante que outros materiais conforme já demonstrado. No que se refere a
reciclagem das latas de alumínio para evitar a extração de matéria prima
(bauxita) na produção de novo alumínio, o estudo de Layrargues (2002) mostrou
que a bauxita é considerado elemento químico infinito, portanto, a reciclagem do
alumínio estatisticamente não influencia nas reservas naturais de bauxita. Ainda,
o alumínio pode ser substituído por outros materiais como o magnésio, que
necessita de um processo de extração de menor impacto à natureza que a
extração de bauxita.

O êxito com a reciclagem das latas de alumínio reflete os interesses da


indústria da reciclagem, que tem preterido alguns resíduos por seu baixo valor
no mercado em detrimento de outros materiais, que possuem maior valor
econômico. Há uma disputa intensa entre os diversos setores da indústria da
reciclagem no país que, arregimentados em associações por categorias de
materiais11, oferecem seus produtos para a indústria das embalagens. Embora a

11
Dentre diversas entidades que representam a indústria da reciclagem nos seus diversos
setores, destacamos a destacamos a Associação Brasileira da Indústria do Alumínio (ABAL),
Associação Brasileira das Latas (ABRALATAS), Associação Brasileira do Papel Ondulado
(ABPO), Associação Brasileira do Plástico PET (ABIPET), Associação Técnica Brasileira das
Indústrias Automáticas do Vidro (ABIVIDRO).
entidade que congrega as recicladoras difunda o discurso da sustentabilidade, o
que se sobressai é a reciclagem com fins econômicos:

O CEMPRE é uma associação sem fins lucrativos dedicada à


promoção da reciclagem dentro do conceito de gerenciamento
integrado do lixo. O CEMPRE trabalha para conscientizar a
sociedade sobre a importância da redução, reutilização e
reciclagem de lixo. Os programas de conscientização são
dirigidos principalmente para formadores de opinião, tais como
prefeitos, diretores de empresas, acadêmicos e organizações
não governamentais (CEMPRE, 2014).

Desta forma, coadunamos com Layrargues (2002) quando o autor analisa


o que denominou o cinismo da reciclagem dos materiais. Para ele, o discurso
empresarial se transveste de verde/ambiental/ecológico para poder criar um
clima de sustentabilidade na sociedade, o que propicia o desenvolvimento da
reciclagem. Em outra oportunidade (Figueiredo, 2009) analisamos que a tênue
fronteira entre os aspectos discursivos econômicos e ecológicos da reciclagem
faz que o esforço social pela sustentabilidade seja direcionado aos interesses
capitalistas da atividade, e, este processo de indefinição das fronteiras
denominamos de ambientalismo econômico. Destarte, afirma O‟Connor (2004),
a reciclagem legitima o consumismo e preserva a rentabilidade:

Un problema consiste em que el discurso de buena parte del


movimiento ambientalista cuenta com el apoyo de capitales que
buscan reverdecerse a si mismos o, al menos, mostrar uma
imagen pública verde. [...] Para o verdes reformistas, por tanto,
el problema consiste em cómo rehacer el capital em términos
adecuados a la sostenibilidad de la naturaleza. [...] Del mismo
modo, la retórica del “reciclaje” y lós precios (selectivos) puden
ser utilizados para facilitar nuevas olas de obsolescencia
planificada bajo el estandarte de la amistad hacia el ambiente –
legitimando así el consumismo y preservando la rentabilidad. (p.
31-32)

Outra questão polêmica no que respeita aos interesses econômicos da


reciclagem é a precarização do trabalho dos catadores, a base da indústria da
reciclagem no país. O estudo de Calderoni (2003) mostrou que a diferença na
distribuição dos rendimentos na cadeia produtiva da reciclagem na cidade de
São Paulo pode chegar a 300% entre catadores e recicladoras. Para Magera
(2005), a existência desses trabalhadores e a forma como atuam na sociedade
contemporânea é, em si, um paradoxo haja vista que atuam em condições
semelhantes aos trabalhadores do começo da revolução industrial. Segundo
Waldman (2010: 186):

A catação de materiais recicláveis passou a constituir, em certos


contextos, uma das poucas alternativas à mão para obtenção de
renda para a população excluída. Neste sentido, a expansão dos
catadores não pode ser aferida como um epifenômeno das
potencialidades da reciclagem. Antes, refere-se a um caminho
encontrado pela população excluída para afirmar sua
sobrevivência e, por que não, sua identidade enquanto cidadão.

O discurso ambiental oficial verificado nos princípios da PRNS de


prevenção e precaução no manejo dos resíduos perde relevância em relação a
„bondade‟ econômica da reciclagem, que se sobrepõe aos demais interesses do
desenvolvimento da atividade. Neste sentido, não estaria o esforço do governo
brasileiro em desenvolver a indústria da reciclagem contribuindo para o
fortalecimento de uma atividade meramente econômica, descolada das
possibilidades ambientais e sociais da reciclagem?

A disponibilidade de financiamento, à fundo perdido, por parte dos órgãos


de fomento do Estado a entidades e municipalidades que formulem planos,
programas e projetos relacionados a estratégias de separação de materiais com
a participação dos catadores não implicaria em uma forma de socialização dos
custos privados da produção industrial da reciclagem? Qual o discurso utilizado
pelo empresariado do setor para fazer valer a pujança dos aspectos
socioambientais que justificam o desenvolvimento econômico da reciclagem no
país? E, qual a relevância da reciclagem na mitigação dos impactos
socioambientais ocasionados pelos resíduos e quais as condições do trabalho
dos catadores envolvidos nesse processo?

Na prática o que se verifica é a socialização dos custos privados da


indústria da reciclagem, uma pretensa inclusão sócia produtiva dos catadores,
que originariamente já é excludente e um discurso ambivalente do que venha a
ser a sustentabilidade, inicialmente adjetivado de desenvolvimento sustentável
e, mais recentemente, economia verde.
No âmbito empresarial, a reciclagem é realizada ressaltando os objetivos
socioambientais, que complementam as possibilidades econômicas da
atividade. O discurso da indústria apoia-se no aspecto econômico alegando que
a atividade reduz os custos de produção, distribui riquezas e promove a
recuperação de matérias primas, que serão novamente inseridas no ciclo de
produção e consumo. Para Waldman (2010: 188-189), “a reciclagem além de
não se contrapor à dinâmica geral do processo de acumulação de capital,
contribui, para a sua reprodução de um outro patamar, agora reclamando uma
lógica sustentável”.

Dada a pretensa impossibilidade na diminuição da geração dos resíduos,


a pergunta que os agentes envolvidos no setor dos resíduos deveriam
responder, por que geramos uma elevada quantidade de resíduos atualmente?
Passa a ser o que fazer com a elevada geração de resíduos? A primeira
pergunta requer respostas fundamentadas em questionamentos
socioambientais de geração e manejo de resíduos. Para a segunda pergunta, a
resposta se aproxima das contradições levantadas ao longo do texto, como por
exemplo o incentivo ao desenvolvimento da reciclagem dos materiais nas
condições as quais se realizam no país.

5. Considerações Finais

O presente artigo analisou as contradições da indústria da reciclagem no


Brasil. A partir da institucionalização da atividade através da recém política que
regulamenta a gestão dos resíduos no país, os agentes públicos devem criar
condições para a promoção da atividade. As municipalidades devem elaborar
planos de gestão para os resíduos e nestes planos devem conter estratégias de
coleta seletiva para os materiais com a inclusão de entidades de trabalhadores
informais que já se dedicam à coleta, separação e envio dos recicláveis às
indústrias. Contudo, a reciclagem se insere no circuito econômico da
recuperação dos materiais, sendo, portanto subserviente aos interesses e
intempéries do mercado para estes materiais.
A partir da nova política, as municipalidades terão quatro anos (2010 a
2014) para adequar e/ou condicionar seus sistemas de gestão de resíduos ao
que determina a PNRS. Na prática, implica na erradicação dos lixões e
acondicionamento final dos resíduos em aterros sanitários ou incineradoras,
desde que haja a recuperação energética por metanização. Ainda, que as
municipalidades devam dar preferência a programas de coleta seletiva,
contando com a participação de catadores de materiais recicláveis.

Não está claro como o governo planeja estratégias e metas de


minimização dos resíduos. O que se percebe é que o governo tenta gerir os
resíduos, não eliminá-los. Assim, a reciclagem como forma de alavancar a
sustentabilidade ambiental é preterida por uma reciclagem perdulária,
subserviente à lógica do capital que investe nos negócios da reciclagem. E, o
que torna o contexto ainda mais contraditório, o apoio governamental através da
exacerbação da reciclagem como principal estratégia de gestão dos resíduos
como visualizada na política nacional para os resíduos.

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