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Formação continuada de professores dos Institutos Federais de Educação: diálogos

e reflexões

RESUMO

O presente artigo é fruto de uma dissertação de mestrado em Ensino que objetivou


discutir a formação continuada de professores dos institutos federais de educação
brasileiros (que oferecem formação técnica e superior). Para isso, realizamos rodas de
conversa com seis professoras que atuam nos cursos de licenciatura ofertados em uma
dessas instituições, na região norte do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo da pesquisa
foi investigar o que este grupo concebe como formação continuada e se ele a considera
relevante ou não no desenvolvimento de sua carreira docente. Facilitamos cinco
encontros com as seguintes temáticas: formação continuada, identidade docente,
desafios da prática docente na educação superior e relatos de experiências. Foi possível
concluir que o modelo de formação continuada proposto nesta pesquisa e praticado pelo
grupo, ou seja, a formação continuada em serviço, passou a ser considerado por ele
como “a formação mais importante”. O encontro com os pares para compartilharem
experiências e refletirem acerca de sua prática foi apontado como um importante
instrumento para a mudança de paradigmas e para o “empoderamento” do grupo e da
profissão docente. Assim, esperamos que este artigo traga reflexões sobre a importância
da formação continuada em serviço e que outros grupos de professores e instituições
ousem oportunizar espaço/ tempo para que encontros tão potentes entre profissionais de
educação possam acontecer.

Palavraschave: Formação continuada em serviço; Ensino Superior; Licenciaturas

Continuingeducationofteachersofthe Federal InstitutesofEducation: dialogues


andreflections

ABSTRACT
This article is a part of a master's dissertation in Teaching that aimed to discuss the
continuing education of teachers of the Brazilian federal institutes of education (offering
technical and higher education levels). For this, we made dialogue circles with six
professors who teach at different bachelor's degrees available in one of these higher
education institutions, in the north part of the state of Rio de Janeiro. The objective of
the research was to investigate what this group conceives as continuing education and
whether it considers it relevant or not in the development of its teaching career. We
supported five meetings with the following subjects: continuing education, teacher
identity, challenges of teaching practice in higher education and reports of experiences.
It was possible to conclude that the model of continuing education proposed in this
research and practiced by the group, that is the continuingeducation in service, came to
be considered by them as "the most important formation". They pointed out that
meetings like these, with exchange of experiences and reflections about theirs practices,
were an important tool for changing the paradigm and for the empowerment of the
group and the teaching profession. Thus, we hope that this article brings reflections to
the importance of continuing education in service and that other groups of teachers and
institutions stimulate space / time for such powerful meetings among education
professionals can happen.

Keywords: Continuing education in service; Higher education; Bachelor's degrees

Formation continue des enseignants des écoles polytechniques fédérales: dialogues


et réflexions

RÉSUMÉ

Cet article est le résultat d’un mémoire de maîtrise sur l’enseignement qui visait à
discuter de la formation continue des enseignants des instituts fédéraux de formation
(offrant un enseignement technique et supérieur). Pour cela, nous avons organisé des
groupes de paroles avec six enseignantes qui travaillent dans les cours de premier cycle
proposés dans l’un de ces établissements, dans la région nord de l’État de Rio de
Janeiro. L'objectif de la recherche était d'examiner ce que ce groupe conçoit comme une
formation continue et s'il le considère pertinent ou non pour le développement de sa
carrière d'enseignant. Nous avons animé cinq réunions sur les thèmes suivants :
formation continue, identité de l'enseignant, défis de la pratique de l'enseignement dans
l'enseignement supérieur et comptes rendus d'expériences. Nous pouvons conclure que
le modèle de formation continue proposé dans cette recherche et mis en pratique par le
groupe, à savoir la formation continue en service, était considéré par les participants
comme « la formation la plus importante ». La rencontre entre pairs pour partager leurs
expériences et réfléchir à leur pratique a été désignée comme un outil important pour le
changement de paradigme et pour l’autonomisation du groupe et de la profession
enseignante. Nous espérons donc que cet article amène des réflexions sur l’importance
de la formation continue en service et que d’autres groupes d’enseignants et
d’institutions osent donner de l’espace / du temps voulus pour des réunions aussi
enrichissantes entre professionnels de l’éducation.

Mots-clés : Formation continue en service ; Enseignement supérieur ; Diplômes de


licence

Educación continua de docentes de los Institutos Federales de Educación: diálogos


y reflexiones.

RESUMEN

El presente artículo es fruto de una disertación de maestríaenEnseñanza que tuvo por


objetivo discutir laformación continuada de profesores de los institutos federales de
educaciónbrasileños (que ofrecenformación técnica y superior). Así, realizamos ruedas
de conversacióncon seis profesoras que actúanenlaformación superior de profesores
(licenciaturas) ofrecidosen una de esasinstituciones, enlaregión norte del Estado de Río
de Janeiro. El objetivo de lainvestigaciónfueconocerlo que este grupo concibe como
formación continuada y si la considera relevante o no eneldesarrollo de sucarrera
docente. Facilitamos cinco encuentrosconlassiguientes temáticas: formación continuada,
identidad docente, desafíos de lapráctica docente enlaeducación superior y relatos de
experiencias. Es posible concluir que el modelo de formación continuada
propuestoenestainvestigación y practicado por el grupo, o sea, laformación continuada
enelpuesto de trabajo, pasó a ser considerado por el grupo como "laformación más
importante". El encuentrocon pares para compartir experiencias y reflexionar acerca de
suprácticafueseñalado como un importante instrumento para el cambio de paradigmas y
para el "empoderamiento" del grupo y de laprofesión docente. Así, esperamos que este
artículo traiga reflexiones sobre laimportancia de laformación continuada enelpuesto de
trabajo y que otros grupos de profesores e instituciones se atrevanposibilitarespacio /
tiempo para que encuentrostan potentes entre profesionales de educaciónpuedanocurrir.

Palabras clave: Formación continua enelpuesto de trabajo; Docencia superior;


Formación superior de profesores

INTRODUÇÃO

A formação continuada de professores é uma temática bastante discutida no


meio acadêmico e, de certa forma, promovida e praticada nas escolas brasileiras de
educação básica. Todavia, quando se tem como foco a formação (tanto inicial quanto
continuada) de professores da educação superior, esta realidade se modifica, pois ainda
são escassos tanto os incentivos institucionais que viabilizam a sua prática, como o
número de publicações e pesquisas voltadas exclusivamente para este tema, se
comparados àqueles que visam à formação de professores da educação básica.
São muitas as hipóteses que apontam os porquês dessa escassez de pesquisas
sobre a formação dos professores do ensino superior. Estas passam pelo fato de que
muitos professores do ensino superior público já alcançaram o doutorado e não
precisam de nenhuma formação complementar; e também por uma crença de que alunos
de ensino superior são mais autônomos, autodidatas e, portanto, seus professores não
precisam passar por uma capacitação pedagógica. Por outro lado, as práticas docentes
cotidianas evidenciam que há uma forte demanda por capacitações continuadas dos
professores do ensino superior (inclusive dos próprios docentes), visto que, nos últimos
dez anos, o público alvo dos nossos cursos de graduação passou a vir de redes de ensino
básico que têm deixado muitas lacunas na formação e muitos destes graduandos estão
passando por dificuldades de permanência e conclusão dos cursos superiores que
escolheram fazer.
A profissão docente requer uma formação contínua, permanente. Não é possível
que o professor seja formado de uma vez por todas e para sempre, a entrega do diploma
representa o início, não o fim. Sua formação se dá ao longo de sua vida a partir das
relações que constrói, da sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional. Ela acontece
antes, durante e após a sua formação inicial formal, a que é realizada em cursos
destinados para este fim.
No caso das seis professoras participantes desta pesquisa, que atuam
especificamente nas disciplinas pedagógicas dos cursos de licenciatura, a exigência
mínima de formação inicial é a graduação em Pedagogia, embora todas elas tenham
também titulação em cursos de pós-graduação lato e/ou stricto sensu. Entretanto,
nenhum curso, seja a licenciatura, seja a pós-graduação, capacita o professor para lidar
com os desafios cotidianos da prática docente.
Os cursos de pós-graduação lato sensu ou stricto sensu – mestrado e doutorado –
não enfatizam a formação pedagógica para o exercício da docência, ao contrário,
enfatizam o conhecimento disciplinar e a investigação em determinado campo do saber,
sendo assim, “tornam-se insuficientes para enfrentar a articulação da docência com a
pesquisa, levando a expressão tão repetida da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão a tornar-se um refrão vazio, decantado sem o exercício da crítica” (Gatti, 2004,
p. 433).
Por outro lado, Tardif (2014, p. 241) afirma que os cursos de formação docente
que contemplam teorias sociológicas, “docimológicas”, psicológicas, didáticas,
filosóficas, históricas e pedagógicas na maioria das vezes não estabelecem nenhum tipo
de relação entre esses conhecimentos, o ensino e a realidade cotidiana do trabalho
docente. A formação de professores ainda é bastante dominada por conteúdos e lógicas
disciplinares, em detrimento das profissionais.
Apesar disso, é possível observarmos que, especialmente os professores da
educação superior, buscam cada vez mais e exclusivamente a capacitação por meio dos
cursos de pós-graduação, compreendendo-os como a única ou, pelo menos, a mais
legítima e importante possibilidade de formação continuada. Essa concepção encontra
apoio, ou pode ser considerada, reflexo de nossa política educacional nacional, que
define, legitima e incentiva a formação continuada desses professores de maneira muito
limitada. Nossa legislação garante ao professor “aperfeiçoamento profissional
continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim”
(BRASIL, 1996) e considera como “aperfeiçoamento continuado” apenas a
possibilidade de participação do professor em cursos de capacitação de curta e média
duração e de pós-graduação lato ou stricto sensu, como detalharemos mais adiante.
Na contramão dessa concepção, defendemos e propomos uma reflexão acerca de
um modelo específico de formação - a formação continuada em serviço -, a que
acontece no horário e local de trabalho do professor e oportuniza a reflexão coletiva
acerca da prática docente, de questões cotidianas e relacionadas ao ensino, além do
compartilhamento com seus pares de suas angústias, êxitos e experiências; por
acreditarmos que este modelo propicia uma formação, de fato, contínua e
imprescindível para operar mudanças qualitativas no processo ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa de campo - qualitativa - em que foram
utilizados como instrumentos para a coleta de dados o questionário semiaberto (com
questões fechadas e abertas) e o grupo focal, que de acordo com Powell e Single (1996
apud Gatti, 2005, p. 7) é “um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por
pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de
sua experiência pessoal”. O objetivo desses instrumentos foi investigar o que os
professores da educação superior concebem como formação continuada. Foram
realizados cinco encontros entre os meses de maio e julho de 2018 com seis professoras
que atuam nos cursos de licenciatura de um dos Institutos Federais de Educação
localizado no interior do Estado do Rio de Janeiro. Além de discutirem as temáticas
propostas, entre elas, a da formação continuada, as participantes puderam praticar o
modelo de formação continuada em serviço, e refletir sobre sua relevância para o seu
desenvolvimento profissional e para a mudança de paradigmas.

A formação continuada nos Institutos Federais de Educação: semelhanças e


distanciamentos

O lócus desta pesquisa foi um dos institutos federais brasileiros - escola


caracteristicamente técnica e profissional com oferta verticalizada de educação, ou seja,
da educação básica à pós-graduação -, o que confere ao trabalho das professoras
participantes vários desafios, alguns peculiares, relacionados ao seu perfil institucional e
discente, e outros que são partilhados, em alguma medida, por todos os professores que
atuam na educação superior.
Os institutos federais são instituições equiparadas às universidades no que diz
respeito à autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e
disciplinar. Contudo, diferentemente das universidades, eles não possuem um ethos
acadêmico universitário, fundamentado na indissociabilidade do ensino, pesquisa e
extensão, pois predomina na instituição a lógica da formação profissional, com a
prevalência do ensino sobre os demais pilares. Por se tratar também de uma escola de
educação básica, não dispõe de espaços (salas de estudo, gabinetes e biblioteca
específica) adequados às particularidades da educação superior e de seus professores, o
que contribui para inibir ainda mais as iniciativas de pesquisas e extensões dentro da
instituição.
A Regulamentação da Atividade Docente (RAD), documento que tem como
objetivos orientar o desenvolvimento da capacitação docente e nortear as suas ações, a
fim de que estejam em consonância com a missão institucional, normatiza como deve
ser distribuída a carga horária semanal de trabalho do professor da carreira EBTT
(Educação básica, técnica e tecnológica). Ela estabelece que os professores de 40 horas
semanais com dedicação exclusiva - regime de trabalho das professoras participantes da
pesquisa - devem dedicar de 50 a 60% dessa carga horária a aulas e o tempo restante, à
reunião pedagógica (2 horas semanais), às atividades de planejamento e organização
didático-pedagógica, aos estudos e a outras atividades necessárias à sua atuação
acadêmica.
Na prática, esta Regulamentação somada aos burocráticos processos que
precisam ser enfrentados na submissão de projetos de pesquisa e extensão à aprovação
da instituição, também têm contribuído para o desinteresse dos professores em se
dedicarem aos mesmos, levando-os a se envolverem quase exclusivamente com o
ensino e as atividades a ele relacionadas (estudo, planejamento, elaboração de
atividades e avaliações, etc). Este é o caso das professoras participantes, que trabalham
até 22 horas semanais na sala de aula, com uma média de quatro disciplinas diferentes a
cada semestre e em cursos com perfis diversos, o que lhes exige o estudo aprofundado e
o domínio de múltiplos e complexos conhecimentos. Para termos uma ideia, elas atuam
nas disciplinas pedagógicas dos seis cursos de licenciatura ofertados pelo Instituto, que
vão desde Fundamentos Sócio-filosóficos da Educação ao Estágio Supervisionado,
passando por Psicologia da Educação, Trabalho e Educação, História da Educação,
Teorias da Aprendizagem e Didática, entre outras.
Desses seis cursos de licenciatura, apenas dois oferecem turmas no período
diurno, com um número de alunos bem inferior ao do turno da noite, onde está
concentrada a maior parte dos licenciandos da instituição. Essa oferta é compatível com
a demanda, pois o perfil discente predominante nas licenciaturas é de alunos oriundos
da classe trabalhadora.
Tal realidade corrobora com várias pesquisas recentes realizadas no Brasil.
Dados do Censo da Educação Superior de 2017 (INEP, 2018) revelaram que 59,6% das
matrículas na educação superior são noturnas e 40,4%, diurnas. O número de matrículas
nos cursos de licenciatura corresponde a 19,3% do número total da educação superior,
sendo 37,9% em instituições públicas e 62,1% nas privadas, 53,2% na modalidade
presencial e 46,8%, a distância; com um público predominantemente feminino, 70,6%
das matrículas em cursos de licenciatura são de mulheres.
A predominância de cursos noturnos e a presença maciça de alunos
trabalhadores nos cursos de licenciatura têm um impacto direto sobre a formação desses
alunos - que serão professores -, uma vez que eles não têm tempo disponível para
estudo, pesquisa, para participarem de projetos de extensão ou outras atividades
acadêmicas. As professoras participantes demonstraram bastante preocupação com essa
formação e concluíram que este é mais um desafio a ser enfrentado: rever os currículos
e a estrutura dos cursos a fim de torná-los mais compatíveis com o perfil dos alunos
trabalhadores, sem perder a qualidade.
Esta realidade não é uma particularidade do Instituto Federal, se comparado a
outras Instituições de Educação Superior, mas é sim um desafio que, para ser superado,
necessita de um enfrentamento coletivo, assim como outros que foram compartilhados
durante as rodas de conversa. E foi a partir desse compartilhamento de variados desafios
- institucionais, políticos, pessoais, profissionais, epistemológicos - que pudemos
confirmar o quanto o exercício da profissão docente é dinâmico e complexo,
demandando do professor múltiplos saberes.
O saber docente é plural, heterogêneo e compósito porque envolve
conhecimentos e um saber-fazer diversos e oriundos de diversas fontes (Tardif, 2014).
Para Pimenta e Anastasiou (2014) os processos de formação de professores devem
contemplar saberes das áreas de conhecimento, pois ninguém ensina o que não sabe;
saberes pedagógicos; saberes didáticos, que são a articulação entre a teoria da educação
e a teoria do ensino e saberes da experiência.
Diferente de outros profissionais, não basta ao professor “dominar” os
conhecimentos de sua área de atuação ou da disciplina que ministra, ele necessita saber
ensinar, tarefa multidimensional e complexa. O processo ensino-aprendizagem, por si
só, pode ser considerado complexo, uma vez que tem como objeto o conhecimento, que
é falível, fluido, provisório e cada vez mais inconstante. E não obstante a isso, torna-se
ainda mais complexo e desafiador na medida em que se dá entre pessoas, seres humanos
dotados de subjetividades, gostos, interesses, particularidades, racionalidade e emoções.
Segundo Tardif (2014, p. 130):

Um componente emocional manifesta-se


inevitavelmente, quando se trata de seres humanos.
Quando se ensina, certos alunos parecem
simpáticos, outros não. Com certos grupos, tudo
caminha perfeitamente bem; com outros, tudo fica
bloqueado. Uma boa parte do trabalho docente é de
cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções,
em afetos, na capacidade não somente de pensar
nos alunos, mas igualmente de perceber e de sentir
suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus
próprios bloqueios afetivos.

Saber lidar com essas subjetividades e emoções e com suas próprias emoções
não é tarefa fácil para o professor, que se desdobra em tantas outras atividades
profissionais e também pessoais. Não devemos nos esquecer que o professor é um ser
humano, não uma máquina, como pode parecer. “O professor é uma pessoa; e uma parte
importante da pessoa é o professor” (Nias, 1991 apudNóvoa, 1992, p. 15).
Como pessoa, o professor também possui dilemas, crises existenciais e
profissionais. Há dias em que ele se sente o “super-homem” ou a “mulher maravilha”,
capaz de enfrentar os maiores e mais difíceis obstáculos. E há dias em que está tão
desanimado que sua resposta a um “bom dia” é: “e o que ele tem de bom?”. Manter o
“encantamento”, manter-se motivado e motivando também é outro desafio na profissão
docente, ainda mais quando se trata de professores que atuam em cursos que formam
futuros professores.
O professor sabe, ele tem consciência de que há uma grande responsabilidade
em suas mãos, a responsabilidade de formar pessoas, antes mesmo de profissionais.
Essa consciência denota outra dimensão do trabalho docente: a dimensão política, que
nada mais é que o comprometimento com o bem comum e com a diminuição das
desigualdades sociais. Para Paulo Freire (1989), o papel do professor não é nem
doutrinador, nem tão pouco espontaneísta e sim libertador. A educação libertadora é
aquela que promove a emancipação dos alunos, aquela que os auxilia a superar a visão
ingênua, alcançando uma visão crítica do mundo.
O reconhecimento de tamanhos desafios, comuns ao exercício da docência na
educação superior e no Instituto Federal, nos conduz a reafirmarmos o quão necessário é
que este professor seja formado contínua e permanentemente por meio de um modelo de
formação continuada que lhe forneça subsídios para o enfrentamento desses desafios,
acolhendo as subjetividades, fortalecendo o grupo, valorizando suas experiências e
contemplando a realidade cotidiana da sala de aula. Mas infelizmente, esta formação -
a formação continuada em serviço - ainda não é praticada pelos professores nos
institutos federais e uma das razões para isso é a falta de incentivo legal e de valorização
institucional.
Não encontramos em qualquer legislação, norma, plano ou regulamentação a
garantia ou incentivo à formação continuada em serviço de professores da educação
superior. Em consonância com a lei nº 9394/96 (BRASIL, 1996), a lei nº 8112/90
(BRASIL, 1991) que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos federais,
prevê apenas o afastamento do servidor, por um tempo determinado, para participação
em cursos de capacitação profissional e de pós-graduação lato e/ou stricto sensu.
Essa constatação, aliás, demonstra o nível de importância, ou o lugar que a
educação e seus profissionais ocupam nas políticas estatais brasileiras. A desvalorização
da educação pública e de seus professores é notória nas ações governamentais de
desmonte, de corte de verbas, bolsas e investimentos na formação docente, prova disso é
o, já citado, número discrepante de cursos de licenciatura ofertados em instituições
privadas, no turno noturno e na modalidade a distância.

A deterioração da imagem, do status social e do


estatuto profissional da profissão docente,
resultado de uma construção histórica, é fato
presente de modo difuso, mas significativo na
consciência social e nas determinações efetivas das
políticas educacionais, das administrações públicas
e privadas, das políticas de financiamento e da
universidade, manifestando-se, outrossim, no
sentimento dos próprios docentes. (Pimenta e
Anastasiou, 2014, p. 177)

A deterioração social da profissão docente impacta diretamente a construção da


identidade docente, que por sua vez tem como base a formação profissional. Nesse
sentido, compreendemos que a qualidade dessa formação é um modo de se elevar a
valorização social da profissão e de fortalecer a sua identidade. Os cursos de
capacitação de curta e média duração e a elevação da escolaridade por meio dos cursos
de pós-graduação, que são legitimados por nossa legislação são, sem dúvida,
importantes instrumentos para a formação do professor, mas não são os únicos, nem
mesmo os mais relevantes, como veremos adiante.

Formação continuada: o que é e para que serve?

“A formação continuada é o prolongamento da formação inicial visando ao


aperfeiçoamento profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho”
(Libâneo, 2004, p. 227). Em consonância com esta concepção, Pimenta (1999) ressalta a
importância de preparar professores com uma atitude reflexiva acerca do seu ensino e
das condições sociais que o influenciam, e para tanto, ela defende uma formação
contínua que acontece no local de trabalho, em redes de autoformação e em parcerias
com instituições de formação.
De acordo com Nóvoa (1992) o trabalho de reflexibilidade crítica sobre as
práticas, incentivado e oportunizado na formação continuada em serviço, é capaz de
conduzir a mudanças e inovação pedagógica, e a construção e reconstrução permanente
da identidade docente.
Os conceitos apresentados procuram esclarecer o que se compreende por
formação continuada em serviço e a sua relevância no desenvolvimento da profissão
docente.
Todavia, para além daquilo que encontramos em referenciais bibliográficos
sobre a temática, esta pesquisa procurou investigar qual é a experiência dos professores
da educação superior e o que eles pensam sobre ela. Para tanto, propôs-se no primeiro
encontro com o grupo focal que as professoras participantes respondessem
individualmente e depois compartilhassem com o grupo, aquilo que elas compreendem
como formação continuada. O objetivo era confrontar essas respostas com os
referenciais já pesquisados e solicitar que elas respondessem novamente à pergunta no
último dos cinco encontros realizados, a fim de se verificar se suas concepções e
percepções acerca da temática permaneceram as mesmas ou se mudaram após as
discussões e experiências vivenciadas durante os encontros do grupo, que era também
um protótipo da formação continuada em serviço.
A seguir transcrevemos alguns trechos contendo as falas das professoras
participantes, que estão identificadas aqui com nomes fictícios. Devido às limitações de
espaço deste trabalho, selecionamos apenas algumas dessas falas para exemplificação.

[...] Formação continuada na minha cabeça é bastante coisa, não sei se é uma coisa só.
Talvez o objetivo seja o mesmo, mas eu acho que ela pode se dar, se desdobrar em
diferentes ramificações, né? Então eu conceituei como um aprimoramento ou um
aprofundamento dos conhecimentos que foram construídos na formação inicial, na
medida em que você está num outro tempo enquanto profissional e parte então, como
pontapé inicial, de uma primeira formação, que é de onde você vem. Então esse
caminho de prosseguir a formação, que é fundamental para nós professores, você vai
também além de poder aprofundar conhecimentos, digamos prévios, que foram
estabelecidos num primeiro momento, você vai adquirindo novas habilidades, novas
competências, novos saberes e essa aquisição pode e deve se dar em serviço.[...] Há
possibilidades formalizáveis e informais. Você vai se formando à medida que vai
estudando todos os dias. Você se forma e informa todos os dias. Os alunos nos
desafiam a estudar, a se formar. [...] Então, pra finalizar eu também considero como
formação continuada um tipo de especialização, dependendo do que você escolhe ou do
que você pretende com a sua formação continuada e ao mesmo tempo esse processo
que é direto, dialético, enfim, de permanência de conhecimentos e saberes, de
atualização e ressignificação de saberes do eu profissional. (Professora Angélica)

Basicamente eu entendo como todo e qualquer tipo de formação que ocorre depois de
concluído o ensino inicial, a formação inicial né – no ensino superior –, desde que
registrados formalmente, que tenham essencialmente carga horária, conteúdo
programático. Pode ser extensão, pós-graduação, pode ser lato sensu, stricto sensu,
todo tipo de formação que se dá depois de concluída a formação inicial. (Professora
Susana)
Na primeira fala observa-se que a professora Angélica conceitua formação
continuada de maneira bastante ampla e detalhada. A professora Susana, contudo, foi
mais sucinta, expressando que compreende como formação continuada apenas cursos
“formais”, que ela denominou como aqueles que são “registrados formalmente”.
Também observamos que a professora Angélica cita a formação em serviço
como uma das possibilidades de formação continuada. Sobre este modelo de formação
as participantes consideram que:

Eu acho que é uma grande dificuldade das instituições: promover uma formação
continuada em serviço dentro de um horário que está programado milimetricamente
para aulas e planejamento e etc. Então muitos profissionais acabam se alienando da
própria formação continuada por uma questão estrutural, já que eles não são
viabilizados no sentido de estarem em serviço se formando, eles precisam, além de toda
essa carga horária, dispor de uma outra carga horária, das madrugadas, nos finais de
semana, para se formar. (Professora Angélica)

Só fazendo um parêntese para essa questão da formação em serviço, [...] as


experiências profissionais que eu tive tanto como professora quanto pedagoga, elas me
mostraram que a gente utiliza pouquíssimo esse espaço do trabalho, do nosso local de
trabalho pra formação, isso é muito angustiante: você participar de reuniões semanais
que acontecem em todas as instituições de ensino, você discutir questões que estão
muito distantes da realidade relacionada ao ensino e a aprendizagem, que é o foco do
nosso trabalho, que é o foco da escola. Então a gente fala de tudo né, mas a gente não
fala do ensino, da aprendizagem, do aluno que está avançando, das experiências que
nós estamos fazendo. [...] Eu acho que esses espaços de formação, pelo menos nas
experiências que eu tenho, a gente aproveita pouquíssimo ou quase nada, a gente fica
discutindo uma série de questões, que também são importantes, não estou dizendo que
não são, pelo contrário, são questões importantes sim e pertinentes ao trabalho, mas
que pouco contribuem pra nossa formação, pra esse processo de formação, então eu
coloquei aqui que essa formação continuada pode se dar em serviço e que a gente
aproveita pouco. (Professora Carla)

A professora Angélica compartilhou aquilo que ela considera como entraves


para a concretização da formação continuada em serviço, entre eles, a falta de tempo
dos professores. Já a professora Carla afirmou o quanto ela considera relevante esse tipo
de formação, que não é praticado (e isso a angustia), mas que deveria e poderia ser se os
momentos de reuniões de professores fossem reconhecidos e valorizados como espaços
de diálogos e trocas daquilo que realmente é vivenciado na sala de aula e que se
constitui como o cerne da profissão docente, que é o processo ensino-aprendizagem.
De fato, ao defender a formação continuada em serviço, o que se pretende é
demonstrar o quanto ela pode contribuir para mudanças nos pensamentos e práticas dos
professores, especialmente os relacionados ao ensino e a aprendizagem, pois esta é a
principal finalidade da ação docente: que os alunos aprendam.
Em grupo, refletindo coletivamente, as professoras têm a oportunidade de rever
conceitos e paradigmas que muitas vezes já estão cristalizados e enraizados em sua
prática docente. Isso aconteceu durante os encontros do grupo focal, ao socializarem as
suas respostas acerca do conceito de formação continuada e ouvirem umas às outras,
algumas professoras reviram sua fala complementando-a. Este foi o caso da professora
Susana, que retomou a questão da seguinte forma:

Então, eu acabei falando e focando só no formal, e esse (a formação continuada em


serviço) é tão mais importante (e tão mais efetivo pra gente, né? – comenta a
professora Carla). E quantos congressos que a gente vai – ninguém pede – a gente que
se interessa porque a gente sente aquele “gap”, a gente pensa “isso seria bom pra
mim, pra minha formação” e muitas vezes a gente não pensa nisso como formação
continuada e é. E é tanto mais do que tanta formalidade.

A partir das reflexões e discussões, o grupo concluiu que há uma


responsabilidade compartilhada entre o professor e a instituição em que ele atua, na
promoção ou na busca pela formação continuada. Se por um lado ainda é inexistente o
incentivo legal e institucional para a concretização da formação em serviço no instituto
federal de educação, por outro, a falta de tempo do professor, ou de melhor organização
do seu tempo, também é um obstáculo a essa formação.
Tais constatações foram bastante lamentadas pelas professoras participantes, que
afirmaram “sentirem muita falta” de praticarem a formação continuada em serviço.
Como dito anteriormente, no último encontro nós retomamos propositalmente a
discussão acerca da formação continuada, com o objetivo de verificar se elas mudaram
suas concepções e percepções sobre a temática ou não. E naquele momento veio a
grande e boa surpresa, pois a professora Susana que havia conceituado, inicialmente,
como formação continuada apenas aquela que se dá por meio dos cursos “registrados
formalmente”, da pós-graduação lato e stricto sensu, ressaltou que para ela a formação
continuada em serviço é hoje “a formação mais importante”

Pra ser bem sincera, depois que a gente começa a trabalhar e começa a compartilhar
com os colegas e a se encontrar, pra mim fica como sendo a formação mais importante.
Hoje a formação mais importante pra mim é esse tipo de formação, ele (a formação
continuada em serviço) é orgânico, ele te conecta com pessoas que compartilham da
missão que a gente escolhe, a missão profissional, e dá exatamente isso que você falou
um tipo de empoderamento que é político, que é de grupo, que é de ter a sua opinião
ouvida dentro de um contexto, não só institucional não porque vai além. (Professora
Susana)

Eu acho que precisa ser uma tendência (a formação continuada em serviço), porque
toda a proposta do sistema educacional como um todo, seja em que nível for de
formação, é muito solitário, é muito individual. Você vai para o seu caminho e às vezes
você não compartilha das suas angústias, dos seus saberes, desse compartilhamento
como um todo nem com quem está ao seu lado. Então eu acho que isso é muito humano
e nós precisamos desse humano [...]. (Professora Rosa)

Considerações finais

Este artigo buscou provocar uma reflexão acerca de um modelo de formação


continuada que apesar de pouco praticado e incentivado - observando-se inclusive a
falta de incentivo legal - deve ser reconhecido como um importante meio para o
desenvolvimento profissional do professor.
Por ser uma formação que propicia a reflexão constante sobre a prática, sobre o
ensino e as questões cotidianas relacionadas à docência, e principalmente, por conferir
“voz” ao professor, valorizando suas experiências e contribuindo para o empoderamento
do grupo e o enfrentamento dos múltiplos desafios da docência, a formação continuada
em serviço deve ser valorizada e reconhecida como legítima e relevante tanto pelas
instituições educacionais como pelos próprios professores.
As instituições de educação superior precisam incentivá-la por meio de suas
políticas de valorização do magistério, por meio de seus planos de carreira,
possibilitando que todos os professores tenham condição de participar da formação
continuada em serviço, em seu local e horário de trabalho. No caso dos professores de
educação do IFF que chegam a ter uma carga horária semanal de até 22 h em sala de
aula, a viabilização institucional para a prática dessa formação teria que
necessariamente promover a diminuição dessa carga horária com aulas.
Por outro lado, os professores precisam realmente ter vontade, disposição de
praticá-la, reconhecendo-a como legítima e relevante para seu exercício profissional. É
necessário que se amplie a concepção de formação continuada, compreendendo que a
formação continuada em serviço é tão necessária quanto, por exemplo, a elevação da
escolaridade por meio dos cursos de pós-graduação stricto sensu.
Para terminar, gostaríamos de encorajar a todos os professores a
experimentarem, a praticarem, a se desafiarem e se lançarem à “novidade”, como
fizeram as professoras participantes desta pesquisa, pois as mudanças que desejamos ver
na educação podem ser impulsionadas por simples, porém significativas ações e estas
podem começar por cada um de nós.

Referências

BRASIL, Lei nº 9.394/96,de 20 de dezembro de 1996.Lei de Diretrizes e Bases da


Educação. (1996). Brasil, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação Fundamental.

BRASIL.Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos


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