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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO

MT ESCOLA DE TEATRO
CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM TEATRO

WALTAIR FRANÇA DA SILVA

O IMPULSO E A MUSICALIDADE NO TEATRO PERFORMATIVO

(A MUSICALIDADE E A (MICRO)PERCEPÇÃO DO IMPULSO NA AÇÃO DO


ATOR)

Cuiabá-MT
2020
WALTAIR FRANÇA DA SILVA

O IMPULSO E A MUSICALIDADE NO TEATRO PERFORMATIVO

Projeto de Pesquisa Cênico


apresentado ao Curso Superior
de Tecnologia em Teatro com
ênfase na área de Atuação.

Cuiabá-MT
2020
OBJETO

O conceito de musicalidade se desenvolveu e hoje podemos pensa-lo


conforme Gino Stefani1 (1987), Gembris2 (1997) e Sloboda3 (1993) e outros que
pensam este conceito como a habilidade de fazer sentido, inerente do ser humano,
incorporados ao longo da vida Sloboda (1995), e não as habilidades específicas
adquiridas em cursos de educação musical.

OBJETIVO
1
Gino Stefani foi um semiótico, músico e musicólogo italiano, após uma experiência no jazz, é
conhecido como estudioso da música litúrgica e do ensino de música. Ele está entre os pioneiros
da semiótica da música, da qual foi autor de numerosas publicações, promotor de importantes
conferências e iniciativas culturais, professor em Roma, Paris e durante muitos anos em
Bolonha. Nas últimas décadas, suas atividades de pesquisa e ensino continuaram e se fundiram na
disciplina global de línguas, ao lado da criadora Stefania Guerra Lisi. Wikipedia.
2
Heiner Gembris é um musicólogo alemão especializado em psicologia musical. Estudou música
escolar na Hochschule für Musik Detmold , bem como alemão e musicologia na Universidade
Livre (FU) e na Universidade Técnica (TU) de Berlim. Depois de receber seu doutorado em 1985 e
lecionar em uma escola primária de Berlim por vários anos, ele trabalhou como assistente de
pesquisa na Universidade Técnica de Berlim. De 1996 a 2001, foi conselheiro acadêmico
em educação musical na Universidade de Augsburg . Nas Universidades de Münster (1991 a 1997)
e Halle-Wittenberg(1996-2001) cada um foi professor de musicologia sistemática. Desde abril de
2001, Heiner Gembris é Professor de Música, Educação Musical Empírica e Psicologia Musical na
Universidade de Paderborn e chefe do Instituto de Pesquisa sobre Talentos em Música (IBFM). Seu
trabalho foca no talento musical e no desenvolvimento de uma perspectiva de vida, recepção musical
e os efeitos da música.
3
John Anthony Sloboda (nascido em 13 de junho de 1950) é professor pesquisador na Guildhall
School of Music & Drama, onde atualmente lidera pesquisas sobre o impacto social de fazer música.
Ele também é codiretor da Every Casualty Worldwide, que trabalha com o objetivo de garantir que
todas as vidas perdidas devido à violência armada, em qualquer lugar do mundo, sejam devidamente
registradas.
Seu trabalho acadêmico tem sido principalmente em psicologia musical - uma especialidade que
reúne psicólogos, neurocientistas e músicos acadêmicos. Os seus interesses de investigação
centraram-se nos aspectos psicológicos do estudo da performance musical, a resposta emocional à
música, as funções da música na vida quotidiana, a aprendizagem e aquisição de competências
musicais e as relações público-intérprete no concerto ao vivo. Ele foi professor de psicologia na Keele
University, no Reino Unido até 2008, onde agora tem o status de emérito. Ele é um ex-Diretor
Executivo do Oxford Research Group, uma ONG que busca desenvolver abordagens não violentas
para questões de segurança nacional e internacional, de 2005-2009. Ele também é um dos
fundadores do Projeto Iraq Body Count. Em 2004, ele foi eleito Fellow da British Academy como
membro duplo das seções de Psicologia e História da Música. Em 2017, tornou-se presidente
fundador do www.simm-platform.eu, um organismo internacional de estudos para o estudo do impacto
social de fazer música, e é editor da série de livros “Classic European Music Science Monographs”.
Wikipedia.
Espero com essas reflexões trazer à tona um material que possibilite pensar a
musicalidade como ferramenta auxiliar e possível, no ambiente teatral, afastando a
impossibilidade de entrar em terreno que antes por algum motivo possa ser
considerado impróprio ou se os próprios artistas cênicos se considerarem inaptos
para explorar o terreno musical como auxílio, por não dominarem a técnica. Todo ser
humano tem musicalidade e pode construir música.

METODOLOGIA

Reúno as observações nos jogos e treinos do ator no teatro performativo,


realizados no módulo performativo, que conduz o corpo em exercícios de ritmo e
emissão sonora para composição de corpo e voz, observando o passo, o pulso, a
caminhada, o gesto, a voz e suas nuances de interpretação, e algumas pesquisas
bibliográficas vão estruturar este trabalho.

PALAVRAS-CHAVE
Palavras-chave: musicalidade; teatro; corpo; ação; movimento.

INTRODUÇÃO

Este estudo propõe reflexões sobre caminhos pedagógicos para a ampliação


da consciência criativa do performer sobre a ação, por meio das habilidades gerais
de musicalidade, utilizando um conceito de musicalidade mais recente, como motriz
de tantas atividades humanas inclusive o desenvolvimento do corpo do ator no
teatro performativo.

Uma das características do teatro performativo, que eu li no texto ”Por uma


poética da performatividade”, de Josette Féral, é a presença, o fazer e mostrar
fazendo, e explicar mostrar fazendo, que era uma tarefa dos pensadores e
acadêmicos, mas entra em cena o corpo do ator presente, que não é específico do
teatro performativo, mas onde antes o texto era a base da encenação, agora todos
os elementos que compõem a cena, tem essa prerrogativa da apresentação e
interação, e na área da atuação, o texto não é mais esta base e sim o corpo e a
ação. O corpo que fala com as ações.
Proponho pensar a musicalidade como recurso de fácil acesso no auxílio para
se encontrar o ponto do impulso da ação, o momento antes da ação que define o
caminho a seguir a partir de uma provocação em cena. Um reforço que auxilia
também o espectador, que no teatro performativo é coprodutor, e percebo que aí
neste momento do impulso, o espectador se faz coprodutor, onde precede o
entendimento e prevê a ação, antes que ela seja executada. O impulso, o desejo de
agir, a intenção antes da ação, quando percebido e empregado pelo atuante capta a
atenção do espectador e ambos, atuante e espectador passam a produzir juntos.
Não que o que há de vir seja o óbvio ou o esperado, mas o percebido. E quando o
espectador acerta na ação, ele se sente agindo junto, e quando não, ele criou uma
nova interpretação e se colocou no lugar do atuante, numa situação em como ele
faria se fosse o ator.

Objetivo

Conscientizar a existência da musicalidade acessível, despertar sua


importância e seus benefícios como auxílio no treinamento para alcançar
coordenação motora, pré ação impulsionadora da ação e dinâmicas de intensidades
e despertar a possibilidade de trânsito no âmbito musical sem os conhecimentos
específicos, na criação e desenvolvimento da obra performativa. Assim, proponho
utilizar uma ferramenta da música, que não lhe é exclusiva, o impulso, ou a
preparação, assim como a partitura, o ritmo e o compasso, termos emprestados da
música, utilizando os tempos fortes e fracos para definir momentos da ação e da
preparação da ação.
JUSTIFICATIVA

No módulo amarelo do curso de teatro da MT Escola de Teatro em Cuiabá, no


processo de criação do módulo de narratividade com o operador necropolítica de
Aquile Mbembe, o material pesquisado eram notícias de jornal e apontamos a
abordagem em territórios abrangentes como religião, gênero e etnias e área de
saúde. Da área da atuação, minha ênfase no curso, eu observava os aprendizes de
sonoplastia e um dos aprendizes da sonoplastia confessou que não dominava a
música. Um outro tocava bem violão e outro uma flauta. Era uma construção
coletiva, onde havia a dificuldade de alguns e a facilidade de outros em relação à
construção musical.

Em alguma ocasião, numa devolutiva após apresentar uma prévia do trabalho,


alguém chegou a dizer: “Se vai cantar ou tocar, que cante ou toque direito”. Nessa
hora eu levantei a cabeça para apoiar essa fala. Mas com o resultado final do
trabalho, fiquei orgulhoso de não ter apoiado tal afirmação. Porque num processo
colaborativo, onde uns sabiam alguma coisa e outros sabiam nada, a música
aconteceu. E uma melodia que antes não existia veio a existir.

Se os sonoplastas tivessem dado ouvidos à crítica de que para se fazer música


é preciso estudar música, uma verdade teria ficado oculta, a que todos podem fazer
música.

Ritmo e compasso

No início das aulas do terceiro semestre, o módulo Azul, Performatividade, nos


deparamos com Josette Féral e outros autores falando sobre o engajamento do
performer no teatro performativo e nos encontros das aulas específicas a formadora
Tatiana Horevicht, nos chamava a atenção para a técnica da utilização da pré-
expressividade e o impulso da ação, que pode ser tão forte quanto a própria ação,
antecipando-a e atraindo a atenção do espectador antes mesmo da expressão.
Fiquei preocupado com esse impulso e me questionava como seria possível buscar e
localizar esse momento sutil e potente.
Então, eu reparei que alguns termos me eram familiares da área da música,
como partitura, e sei que, na música, esse recurso, o impulso, antecipa o início de
uma execução musical, e é estudado exaustivamente nas disciplinas de teoria
musical, assim como os tempos e as metades dos tempos e outras matérias mais
como o contratempo, a síncope, mas não vamos estudar teoria musical agora.

Proponho utilizarmos essa teoria para alvoroçar a musicalidade residente no ser


humano.

Os conhecimentos musicais não serão necessários para entender este assunto,


mas podemos apenas lembrar o que estas palavras nos trazem à mente. Tudo na
vida tem ritmo e todo ritmo tem uma velocidade. O ritmo e a velocidade nos remetem
à contagem numérica no passar de um determinado tempo. Na música, percebemos
o ritmo e o compasso. Podemos pensar no ritmo como a definição da palavra de sua
origem, como qualquer movimento regular, constante. O compasso é a divisão dessa
constância, em frações. Ou seja, temos os compassos de 3 tempos, de 2 tempos e
de 4 tempos, os compassos simples, basta entendermos assim.

Para trazer este assunto para o teatro performativo, onde desejamos identificar
o momento que antecede uma ação, a preparação, como na música, exemplo, antes
de cantar, o cantor “pega” um fôlego, o dançarino “pega” impulso ao iniciar os
passos, o atleta contrai os músculos ou se coloca em posição de largada. O maestro
de uma orquestra eleva a batuca. Todas essas ações prevê uma ação, antecede a
ação pela qual todos esperam.

Quando estudamos a teoria da música aprendemos a contar até 4 num


compasso de 4 tempos, assim: 1 2 3 4. Por causa disso, sempre ouvimos um
músico de uma banda musical chamando a atenção dos músicos ao iniciar uma
música. 1 2 3 4 .

Vou colocar aqui um exemplo para demonstrar os números numa contagem do


tempo do compasso: a música “Do seu lado” da banda J Quest. As sílabas
sublinhadas devem coincidir com a contagem.

1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1234
Faz muito tempo mas eu me lembro você implicava comi - go
1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1234
Mas hoje vejo que tanto tempo me deixou muito mais calmo

1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1234
O meu comportamento egoísta seu temperamento difícil

1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1234
Você me achava meio esquisito, eu te achava tão chata

Essa teoria é ensinada nas escolas de música. Como eu falei, existem


compassos de 2, de 3 e de 4 tempos, de uma forma simples e de uma forma
composta.

Se aumentarmos a lente da percepção, se usarmos a “micro percepção”, e


subdividirmos os tempos em partes menores, pela metade, onde temos um tempo,
teremos dois meios tempos. Podemos dividir um tempo em partes menores como um
quarto de tempo, ou dividir um tempo em quatro partes iguais. Mas vamos dividir só
em duas partes iguais. Porque? Porque às vezes uma sílaba se executa fora da
cabeça do tempo. A cabeça do tempo é exatamente onde se fala o número
correspondente: 1 – um. Dando sequência à contagem, dividindo o tempo em
frações, vamos pensar no que existe entre o um e o dois. E podemos contar assim: 1
e 2 e 3 e 4 e. Sendo o “e” a preposição que identifica esse meio tempo.

No exemplo dado, a frase não começa no primeiro tempo, mas antes dele. “Faz
mui...”. na sílaba “mui” da palavra “muito” é que se começa a contagem, mas antes
disso se usa contar compassos vazios, como aquele que o baterista chama a banda
para iniciar a música:

1 2 3 4 1 2 3 4 1
Faz muito tempo mas eu me lembro...

A primeira sílaba não começa nem no tempo 4 do compasso vazio anterior,


nem no tempo 1 do primeiro compasso. Começa no meio. Por isso essa necessidade
de se subdividir os tempos em meios tempos.

Essa divisão de tempo é uma matéria da disciplina de educação musical, e se


encontra em qualquer livro de teoria musical, mas para referência vou usar Bohumil
Med, Teoria da Música, que foi um dos primeiros livros que adquiri.
Daí percebo que esse conhecimento pode ajudar a expressar um momento
calculado para se executar, não a ação, mas o impulso dela.

Imagine na Marcha Unida, aquele trabalho que os soldados fazem para


aprenderem a marchar juntos e fazer “Meia Volta”, “Esquerda: Volver”, etc, tem um
comando que é “Olhar à direita: Volver!” dessa imaginação, imagine-se caminhando
e contando os passos de quatro em quatro, atravessando o palco de um lado a outro.
E em algum lugar você intenciona olhar para a plateia. Você pode olhar a qualquer
hora. Mas pense que você pode olhar quando contar um número determinado. Você
caminha, e quando bate o pé esquerdo no chão conta 1, pé direito 2, esquerdo 3, e
direito 4..., você escolhe um número e quando o pé toca o chão você olha. Foi um
movimento calculando o momento exato da sua ação.

Agora, a mesma tarefa, só que ao invés de olhar quando o pé toca o chão, você
olha quando o pé está no alto, ou seja na metade do tempo. Este seria um momento
entre os momentos, porque as ações se encontram nos momentos onde forças são
empregadas, mas a intenção calculada da ação também exige força e concentração,
e essa concentração prende o público porque a qualquer hora algo vai acontecer ou
poderia ter acontecido.

Resumo

Estudando o modulo azul, eixo performativo do terceiro trimestre do curso


superior de tecnologias em teatro, percebi algumas sutilezas entre as técnicas das
artes cênicas na preparação do ator, principalmente no teatro performativo, onde
todos os elementos são dramaturgia, não apenas a dramaturgia do texto, mas as
ações físicas, extra cotidianas, onde não só a concentração para a ação é essencial,
mas a concentração no impulso, que prepara o atuante para a ação e chama a
atenção do espectador que também se prepara para ser receptor e coprodutor da
ação que virá ou que poderia vir.
Duas disciplinas que podem se apoiar na disseminação das técnicas, e que já
fazem isso nos termos emprestados como partitura, que é um registro das ações no
palco e na música o registro das notas, dos sons, do silêncio, do ritmo, etc.

Apenas chamo atenção para estes fenômenos interativos, e que alguém


consiga usar com naturalidade estas sutilezas, na conquista do espectador e
realização de nuances que se forem captados e percebidos, poderão colocar
atuantes e espectadores no patamar da performatividade.

Referência Bibliográfica:

FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Sala


Preta. 2009.

MBEMBE, Aquile. Necropolítica. N-1 Edições. 2018.

BARBA, Eugenio / SAVARESE, Nicola. A Arte Secreta do Ator. Dicionário de


Antropologia Teatral. Editora Hucitec, Editora da UNICAMP. São Paulo, Campinas,
1995.

MED, Bohumil. Teoria da Música / Bohumil Med – 4. ed. rev. e ampl. Brasília, DF :
Musimed, 1996.

MAFFIOLETTI, Leda de A. Musicalidade humana: Aquela que todos podem ter. In:
Anais do IV Encontro Regional da ABEM Sul, I Encontro do Laboratório de Ensino
de Música/LEM-CE-UFSM. Educação Musical hoje: Múltiplos Espaços. Novas
demandas profissionais. UFSM/RS, 23 a 25 de maio de 2001. p.53-63.

WERLANG, Cristiane. A Musicalidade na Dramaturgia de Ator das Vanguardas do


século XX ao caso do Teatro O Bando. 2016.

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