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Pirataria inglesa

"Triste de uma sociedade internacional que se omite diante do ataque


à soberania de uma nação e ao direito democrático de um povo de
decidir pelo seu futuro. É o que vem acontecendo contra a Venezuela
há mais de duas décadas", afirma o advogado Marcelo Uchôa, sobre o
reconhecimento da Inglaterra sobre Juan Guaidó como presidente do
país
3 de julho de 2020, 18:23 h Atualizado em 3 de julho de 2020, 18:27

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Juan Guaidó (Foto: Reuters)


 
Triste de uma sociedade internacional que se omite diante do ataque à
soberania de uma nação e ao direito democrático de um povo de
decidir pelo seu futuro. É o que vem acontecendo contra a Venezuela,
há mais de duas décadas, desde que o ex-presidente Hugo Chávez
chegou à liderança do país com proposta de voltar o olhar estatal às
camadas mais pobres da população. Desde então, a nação sul-
americana vem sendo alvo de boicotes comerciais, sanções
internacionais, sabotagens de empresas, apropriações indevidas de
indústrias, bloqueio de divisas, tentativas de invasão, atentados
presidenciais, dentre uma gama infindável de iniciativas empreendidas
para vulnerar sua estabilidade institucional interna.
A guerra econômica imposta contra a Venezuela ganhou mais um
lamentável capítulo ontem, 02/07, com a decisão do Superior Tribunal
de Justiça da Inglaterra de reiterar o reconhecimento do
autoproclamado mandatário Juan Guaidó como presidente do país, o
que, por consequência, lhe garante a prerrogativa de dar destinação às
reservas venezuelanas em barras de ouro bloqueadas no Banco da
Inglaterra, cujo acesso havia sido requerido pelo presidente eleito
Nicolás Maduro para ajudar no custeio de gastos necessários ao
enfrentamento da pandemia de Covid-19. Em sua malfadada decisão a
Corte britânica cerrou os olhos para dois fatos: o de que quem preside
efetivamente o país é Nicolás Maduro; e o de que o preside porque, ao
contrário de Guaidó, submeteu-se a eleições presidenciais, sendo
democraticamente eleito. Assim, considerando que Guaidó nada
governa, Maduro mantém-se à frente das instituições executivas do
país, na prática, o tribunal britânico impede a população de usufruir de
30 toneladas de ouro de seu erário, cerca de 2 bilhões de dólares, num
momento em que como jamais antes precisa fazer uso de suas reservas
econômicas.

Na reflexão sobre este imbróglio é relevante salientar que, em janeiro


deste ano, a Assembleia Nacional da Venezuela empossou nova
direção, conduzindo à presidência o deputado Luis Parra, que não
obstante ser oposição ao governo de Nicolás Maduro, não reconhece a
liderança de Juan Guaidó. Ou seja, o direito de Guaidó à presidência
da República é contestado pelas autoridades de seu próprio país,
inclusive pela Casa Legislativa, a mesma que um ano antes lhe
concedera lastro para reivindicar a faixa presidencial. Atualmente,
Guaidó não lidera sequer a oposição a Maduro na Venezuela. No país,
hoje, ele não passa de um impostor processado por múltiplos crimes.
Com efeito, a medida inglesa nada mais é do que pirataria moderna,
expediente que a Coroa de Sua Majestade conhece muito bem, desde a
época em que financiava mercenários para saquear galeões espanhóis
repletos de ouro roubados da América Latina. É importante que se
registre que esta decisão foi tomada poucos dias depois do mundo
inteiro ser surpreendido com a impactante revelação do ex-conselheiro
de segurança nacional de Donald Trump, John Bolton, que para o
presidente estadunidense a Venezuela era parte do território norte-
americano. Três meses após o ex-militar venezuelano Cliver Alcalá
confessar haver sido contratado por Guaidó, com endosso dos Estados
Unidos, para assassinar o presidente Maduro. Dois meses depois das
forças armadas venezuelanas, com apoio da população, frustrarem
plano de invasão do país por sicários que buscavam derrubar Maduro,
dentre os quais alguns estadunidenses já identificados como ex-
integrantes da guarda presidencial de Trump. Ou seja, justamente
quando se torna mais do que evidente aquilo que já se sabia desde há
muito, que a briga com a Venezuela não tem nada a ver com a
existência ou não de uma ditadura bolivariana, mas, sim, com o
domínio do petróleo e das riquezas do país.

Menos mal que o povo venezuelano e o governo legítimo de Nicolás


Maduro seguem resistindo firmes. Com as pesquisas eleitorais
presidenciais nos Estados Unidos mostrando números alvissareiros
pode ser que a humanidade esteja vivendo o prenúncio da chegada de
um novo tempo para as relações internacionais, um tempo em que os
desmandos de hoje custarão caro para os que insistem em lhes
patrocinar. 
Capitalismo de plataformas e Appficação no Brasil e
no mundo expõem a superexploração do trabalho

"É um estágio de um esgarçamento de ganhos sobre o trabalho


humano, comparável à servidão, onde o trabalhador tem que esperar a
sua vez para ser explorado", diz o engenheiro e professor Roberto
Moraes
3 de julho de 2020, 15:21 h Atualizado em 3 de julho de 2020, 16:10

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(Foto: Peggy und Marco Lachmann-


Anke por Pixabay)
 
Em 2019, as 5 Big Techs americanas: Google; Apple; FB; Amazon e
Microsoft, detinham 20% da riqueza das 500 maiores empresas dos
EUA.[1]

Agora em 2020, com o transcurso da Pandemia e o uso ampliado das


plataformas digitais para várias outras funções, incluindo a expansão
vertiginosa do home-office (trabalho de casa), onde cada vez mais
trabalhadores utilizam esses recursos, certamente essa concentração de
riquezas se ampliou ainda mais e possui potencialidade para avançar.

Do lado dos donos dos negócios das plataformas digitais tem-se uma
"Appficação" que vem ganhando amplitude, com o uso das lojas de
aplicativos da Apple Store e a Google Store. Elas servem de
instrumentos de controle sobre quais aplicativos e serviços que podem
ser ou não disponibilizados.

Trata-se da GIG Economy, que instituiu e manipula a “Economia dos


Bicos”. “Economia sob Demanda”. “Economia freelancer”. Um
mundo onde estão os trabalhadores temporários, sem vínculos e com
tarefas pontuais que exigem plantão de espera para o trabalho.

É um estágio de um esgarçamento de ganhos sobre o trabalho


humano, comparável à servidão, onde o trabalhador tem que esperar a
sua vez para ser explorado. Ricardo Antunes trata do assunto em seu
último livro O privilégio da servidão. [2]

A isso, Nich Srnicek passou a chamar de "capitalismo de plataformas"


que se junta à exploração da captura de dados que a digitalização da
vida social passou a oferecer a quem os controla.

Um processo que segue levando a uma espécie de "hipercapitalismo"


que salta de uma fase de espiral de acumulação infindável (Harvey,
2018) para uma forma de capital helicoidal implosiva. [3] [4]

Capitalismo de plataformas no Brasil: aumento da concentração e


lucros

Além das 5 Big Techs americanas que aumentam a cada dia os seus
lucros, o Brasil possui suas plataformas digitais que operam seus
negócios neste ambiente, onde também se observa uma enorme e
crescente aumento dos lucros, neste auge da pandemia no país.

No dia 28 de junho, em matéria de capa (imagem ao lado),


o Estadão (link aqui) traz dados sobre valorização de empresas-
plataformas similares neste auge da pandemia no Brasil. [5]
A corporação B2W (dona das plataformas Submarino e Shoptime)
neste momento tem seu valor de mercado aumentado em 87% e a rede
varejista Magazine Luíza (Magalu) suas ações aumentaram em 55%.

As plataformas digitais que operam no Brasil são uma espécie de sub-


plataformas destas outras que são a raiz desta forma de intermediação.
Digamos que uma camada abaixo, controlada pela tecnologia-raiz das
Big Techs que pode ser observada como uma espécie de hierarquia de
ganhos e de controles. Acumulação central em oligopólios que se
estendem aos ganhos também centralizados na periferia do sistema.

Isso é o capitalismo de plataformas se desenvolvendo também no


Brasil, quando também se vê observa o processo de startupização,
onde os fundos financeiros possuem participações e escolhem os
projetos que receberão seus aportes, num processo de seleção,
classificação e filtragem (de investidor anjo, a classe A, B, C) para no
final controlar aquelas ideias que conseguirem se viabilizar
tecnicamente diante do mercado.

As plataformas digitais com suas redes e seus suportes técnico-


informacionais fazem na prática, a intermediação de produtos e
serviços diretamente entre produtores e consumidores, substituindo o
comércio físico tradicional, num processo de concentração de lucros,
que aparece imediatamente no valor de mercado (ações) destas
corporações.

E termos de ampliação do uso das plataformas digitais no Brasil, é


ainda oportuno observar o que está em curso no setor financeiro,
através dos bancos digitais e as fintechs e do uso ampliado dos
aplicativos (Appficação). Já se percebe um processo de fusões e
aquisições (F&A) por parte dos grandes bancos. No setor de negócios
imobiliário, a plataforma OLX comprou a ZAP. Outras startups novas
que têm sucesso de mercado são, rapidamente, compradas pelas
grandes corporações.

Também no Brasil, com raras exceções a Appficação está vinculada à


superexploração do trabalho. Os milhões de trabalhadores de
aplicativos não possuem direitos, previdência, seguro contra acidentes
de trabalho, horas extras, etc. que disfarçadas do discurso de
empreendedores, levam os entregadores das plataformas de aplicativos
como (IFood, Rapi e Uber Eats) a terem que trabalhar 12 horas,
incluindo fins de semana, para na média ficarem com R$ 963. Por
isso, esses entregadores, corajosamente, começaram a se organizar e
programaram para esta quarta-feira amanhã (01/07/2020), uma greve
que merece ser apoiada.

Isso é o hipercapitalismo (real) que funciona como uma espiral de


acumulação retirando e sugando de forma circular e exponencial, a
renda do trabalho para entregar aos intermediários, donos destas
plataformas.

Vale ainda registrar que a Appficação é controlada por duas das cinco
Big Techs, através de suas lojas virtuais que disponibilizam os
aplicativos: Apple Store e Google Play (Play Store). Na prática, elas
atuam como espinha dorsal (back bone) da Appficação e do processo
de plataformização no mundo. Os aplicativos que não passarem por
elas não serão acessadas pelo grande público, reforçando o caráter
oligopólico do controle dos meios, ou o controle das plataformas que
fazem a intermediação entre os produtores e consumidores de
produtos e/ou serviços.
Aprofundando a leitura sobre o fenômeno da plataformização dos
negócios

A observação dos fatos aqui descritos já permitem demonstrar que é


preciso investigar melhor e mais profundamente, o efeito de tudo isso
na etapa de circulação entre a produção e o consumo. Como eu já
disse, as plataformas digitais atuam como infraestruturas
intermediárias entre diferentes grupos: usuários (consumidores),
anunciantes, motoristas, técnicos e outros profissionais.

Dito de outra forma, as plataformas atuam entre a produção social no


território e os donos do capital de riscos que fazem a intermediação de
produtos e serviços. Para isso, além de ampliar o controle sobre a
produção e sua relação direta com o consumo, também tendem a
hierarquizar a relação com a fração do capital que controlam a IE de
transportes, que eles gostam de chamar de logística.

É neste contexto que algumas plataformas digitais já estão vinculadas


(diretamente ou indiretamente pelos fundos financeiros que controlam
essas mesmas corporações) às suas redes de transportes, dominando
assim a tríade da produção ao consumo, porque passam a conhecer
(pelos algoritmos e IA) todo o processo e seus agentes. É neste
contexto que os Correios estão sendo engolidos e em breve deverá ser
também entregue a estes players.

Um levantamento do Valor (24 jun. 2020- imagem abaixo), sobre o


aumento dos custos da logística por cadeia produtiva (frações do
capital) no Brasil entre 2018 e 2020, mostra como essa fração do
capital (que atua na logística) está ficando com uma parcela maior
(que antes) da renda gerada pela produção material. Mesmo que se
saiba que este aumento dos fretes se vincule ainda a dois fatos. Ao
aumento dos preços dos combustíveis e ao aumento da demanda por
transportes pelas razões que já conhecemos.

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Enfim, como é possível perceber, há necessidade de uma análise mais
ampla dos circuitos econômicos (visão de totalidade), para melhor se
compreender os efeitos do capitalismo de plataformas. E assim, ir para
além da questão do incremento do uso das tecnologias digitais, Big
Data (BD), Inteligência Artificial (IA), etc.

Assim, como a inovação tecnológica junto do processo de


financeirização são os suportes desta mudança de patamar no Modo de
Produção Capitalista (MPC) que vai para além da Reestruturação
Produtiva que vivemos na década de 90 com o Toytotismo.

A plataformização permite a articulação sobre o que está antes e


depois da produção, tendo caminhado ainda mais fortemente para
onde está a demanda (consumo), que hoje é mais claramente
identificada e geolocalizada, através do capitalismo de captura de
dados (Big Data) e processada através da Inteligência Artificial (IA).
Estes alimentarão diretamente os esquemas de marketing direto e
também produção, sem sequer necessitar da autorização das pessoas
que se expõem nas redes e assim são inteiramente percebidas pelos
seus hábitos de consumo e de vida.

Diante deste quadro, é necessário ainda investigar a junção destas


ferramentas desde a produção automatizada, a robotização, a IoT
(internet das coisas), os algoritmos capturando dados e demandas de
consumo e tipos de vida nas redes sociais, o home-office e a
precarização do trabalho, o Big Data que reúne esse arsenal de
informações, a Inteligência Artificial (AI) que ordena esses dados
conforme interesses de seus controladores, o uso da plataformas para
intermediação dos negócios (plataformização dos negócios), tudo isso
como um processo em desenvolvimento, com parte, já implantado.

A observação preliminar desse fenômeno reforça a hipótese de que


está em curso uma transformação mais radical do MPC (já comentado
acima) que nos remete a um novo patamar de acumulação no
capitalismo contemporâneo, onde os ganhos, mesmo que capturado
em parte pela hegemonia financeira (captura cada vez uma fração
maior da renda), continua tendo o território, onde se dá a produção
social e a geração de riqueza, como base de todo o processo.

Reforçando ainda mais a leitura de que estamos vivendo uma nova


reestruturação do capitalismo e, possivelmente, mais uma rodada
ainda mais radical do neoliberalismo (como gosta de lembrar o
professor Carlos Brandão). Há que se reforçar a luta contra-
hegemônica para evitar essa realidade.

Por fim, reforço a interpretação de que o campo de investigação


Espaço-Economia tem enorme contribuição para o aprofundamento
desses estudos que vou dividindo com outros interessados no debate
sobre o tema.

Referências:
[1] Matéria do Poder 360, em 19 jan. 2020. Maiores empresas de
tecnologia alcançam US$ 5 trilhões em valor de mercado. Disponível
em: https://www.poder360.com.br/tecnologia/maiores-empresas-de-
tecnologia-alcancam-us-5-trilhoes-em-valor-de-mercado/
Procurar matéria sobre 5 big techs

[2] ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão - O novo


proletariado de serviços na era digital. 2ª edição revista e ampliada.
BoiTempo. São Paulo. 2020.

[3] Harvey, 2018. A loucura da Razão Econômica. BoiTempo. São


Paulo 2018.

[4] PESSANHA. A 'indústria' dos undos financeiros: Potência,


estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo.
Consequência. 2019.

[5] Matéria do Estadão em 28 de junho de 2020. "Efeito do Amazon´


faz grupo de empresas valorizar na crise - Companhias de e-commerce
têm maior alta na bolsa; dólar alavanca exportadoras. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-
conteudo/2020/06/28/efeito-amazon-faz-grupo-de-empresas-lucrar-
apesar-da-crise.htm

[6] Valor. Caderno Especial. Logística. 24 de junho de 2020. P.F1.

[7] Postagens anteriores (em ordem cronológica) do blog sobre o tema


da plataformização, home office e capitalismo de plataformas:

a) Postagem em 14 de fevereiro de 2020


Capitalismo de plataformas e a falsa economia do
compartilhamento: 99 e Uber somam hoje mais de 1 milhão de
motoristas ativos no Brasil enriquecendo seus investidores globais
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/02/capitalismo-de-
plataformas-e-falsa.html
b) Postagem em 15 de março de 2020
Se as plataformas digitais são neutras (“e do bem”), por que elas
ajudam tão pouco em situações de crise como na pandemia do
coronavírus?
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/03/se-as-plataformas-
digitais-sao-neutras.html

c) Postagem em 2 de abril de 2020:


O que os primeiros dias de intensificação do trabalho em casa
(home office) já permite enxergar
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/04/o-que-os-primeiros-
dias-de.html

d) Postagem 13 de maio de 2020:


A plataformização digital da vida pós-Covid ampliará a
vampirização da renda do trabalho num processo de
retroalimentação do sistema
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/05/a-plataformizacao-
digital-da-vida-pos.html

e) Postagem em 3 de junho de 2020:


O aumento da digitalização altera o modo de produção e nos
remete à fase de um capitalismo financeiro e de plataformas
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/o-aumento-da-
digitalizacao-altera-o.html

f) Postagem em 10 de junho de 2020:


O fenômeno da intensificação da plataformização dos negócios
durante e pós-pandemia
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/o-fenomeno-da-
intensificacao-da.html

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