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Daquilo que alguém é

Das três determinações fundamentais, aquilo que se é é a que mais contribui para a felicidade.
Primeiro porque não existe algum momento de nossas vidas onde experimentamos o mundo sem o
intermédio de nossa personalidade (aquilo que somos) e segundo porque nos relacionamos com o
mundo exterior de maneira MEDIATA, através da personalidade, que determina nossas formas de
ver, entender e sentir o mundo fora de nós mesmos.

Portanto, os bens subjetivos, tais como um caráter nobre, uma mente capaz, um
temperamento feliz, um ânimo jovial e um corpo bem constituído e
completamente saudável – logo, de modo geral o mens sana in corpore sano
[mente sadia em corpo sadio] (Juvenal, Sát. X, 356) – são o que há de mais primário
e mais importante para a nossa felicidade; por isso, deveríamos estar muito mais
aplicados na sua promoção e conservação do que na posse de bens e honra
exteriores. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 28)

Os caracteres em negrito apresentam todos os atributos que compõem aquilo que alguém é: caráter,
mente, temperamento, ânimo e corpo. É a partir destes atributos que o filósofo alemão argumenta
para a importância daquilo que se é, além de mostrar algumas alternativas possíveis para que se
chegue à felicidade por meio daquilo que se é.
Ânimo jovial
O atributo de personalidade que imediatamente torna alguém mais feliz é a jovialidade do
ânimo. Jair Barboza mostra que Schopenhauer utiliza a palavra jovial como sinônimo de alegria.
Pela forma que o autor descreve, o ânimo jovial diz respeito a forma alegre de se envolver com o
exterior e que nada diz respeito a idade, nem também com qualquer razão para ser feliz. Ao
contrário, “quem é alegre tem sempre razão de sê-lo, ou seja, justamente esta, a de ser alegre.” (p.
28).
Para ser alegre, é preciso evitar o excesso de riquezas (o que se tem) ou “evitar todo excesso
e toda extravagância” (p. 29) e fortalecer sua saúde ou “sem movimento diário e apropriado, é
impossível manter-se saudável.” (p. 29), o que significa dizer que para ter e manter a jovialidade de
ânimo, é preciso ter um corpo saudável.
Corpo bem constituído e completamente saudável
O argumento utilizado é o de que não é possível ver o mundo ou reagir a ele de maneira
alegre se estivermos indispostos, se nosso corpo não está bem. O que Schopenhauer está implicando
é a saúde como determinante para concepção que teremos do mundo exterior.
A índole originária
Contudo, a saúde não é o único determinante. Uma boa saúde é bastante enfatizada pelo
autor, mas não é definitivo para a jovialidade do ânimo. Schopenhauer também observa, por
exemplo, que pessoas melancólicas podem ter uma boa saúde. A razão para esta contradição reside
no que o autor chama de “índole originária, por conseguinte imutável do organismo, e
especialmente na relação mais ou menos normal entre a sensibilidade, a irritabilidade e a força de
reprodução” (p. 30).
Para explicar este ponto, Schopenhauer evoca Platão e a definição que o filósofo definiu
com as expressões “de humor ruim” e “de humor bom”. O que significa dizer cada indivíduo reage
diferentemente aos estímulos exteriores. Para uma pessoa de humor ruim, situações ruins serão
muito piores e situações boas não serão tão boas assim, e o contrário serve para uma pessoa de
humor bom.
Da mesma forma, ações e reações de um indivíduo dependerão da intensidade que se sente
as coisas. O autor traz o exemplo do suicídio: quanto maior for a intensidade do sofrimento,
menores serão os motivos para que esta ação seja efetivada, mesmo em indivíduos de boa saúde e
ânimo jovial.
Muito embora a índole originária seja imutável, o que se observa é uma complexidade de fatores e
motivações para as ações humanas, que dependem não só do contexto, mas principalmente de como
o indivíduo se relaciona consigo mesmo defronte destes contextos.
O tédio e a dor
Schopenhauer conduz a leitura para o tédio e a dor, na medida em que ambos são
considerados os inimigos da felicidade. A medida em que nos afastamentos da dor, deparamo-nos
com o tédio e assim reciprocamente, de modo que, quando não estamos entediados, estamos
sofrendo. Além disso, esse pêndulo entre dor e tédio opera em um antagonismo duplo: enquanto a
dor está relacionada às questões exteriores ou objetivas ao indivíduo, tais como necessidade e
privação, o tédio está relacionado a questões interiores ou subjetivas, tais como segurança e
abundância. Ou seja – e Schopenhauer de fato exemplifica assim –, existe uma diferença de classes
no tipo de sofrimento envolvido, onde os pobres sofrem mais com a dor e os ricos, com o tédio.
Entretanto, o foco dado pelo autor é no sofrimento subjetivo, isto é, no tédio. A razão pela
qual os aristocratas caem tão facilmente no tédio é dada pela força espiritual do indivíduo. É a
vacuidade interior que não permite a plenitude e satisfação apenas com seus próprios pensamentos.
Nesse sentido, a busca frívola por entretenimento e socialização é a prova de que o indivíduo não
consegue estar bem consigo, pois não se entretém e satisfaz na solidão de seus pensamentos. “Pois é
na solidão, onde cada um está entregue a si mesmo, que se mostra o que ele tem em si mesmo” (p.
34). Muito embora Schopenhauer afirme que “tanto mais sociável quanto mais pobre for de
espírito” (p. 34), o problema não reside na socialização, mas em estar constantemente em meio às
outras pessoas, o que indica que o indivíduo não tem muito em seu interior que o satisfaça.
O ócio, portanto, tem um bom sentido para um bom espírito, pois é o momento em que o
indivíduo usufrui de si, mas tem um mau sentido quando o espírito não possui grandes atributos,
pois assim estará constantemente em busca de entretenimento e socialização. Além disso, depender
do exterior transforma a sua felicidade em inconstante e insegura, pois tanto o acaso nem sempre é
feliz, quanto “impera no mundo a malvadez, e a insensatez fala mais alto. O destino é cruel e os
homens são deploráveis” (p. 37). Enquanto a dor e o tédio são os inimigos da felicidade humana, a
independência e o ócio são condições para ser feliz.

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