Você está na página 1de 35

1

Um espetáculo que fala do amor, do relacionamento e do respeito como o


único meio de mudança e entendimento entre casais, namorados e
apaixonados. Fala também de uma realidade incômoda e comum.

“ TERAPIA SEXUAL

UMA COMÉDIA ROMÂNTICA E ATUAL

Autor: Beneh Mendes

BENEH MENDES – Tel (011) 9.7692.1909 – e-mail: beneh@objetobrasil.com.br


1
2

CENÁRIO

O uso de um gabinete simplesmente para o consultório e para o quarto do casal é uma idéia
que deverá ser descartada. O importante é integrar os espaços, dado à necessidade de
utililização de todo palco, nas cenas da casa e nas cenas do consultório. O fundo poderá ser
limitado com suavidade por tecidos, biombos ou outra solução que não seja
demasiadamente pesada.

O cenário é um consultório de um terapeuta do lado esquerdo visto da platéia e a sala da


casa do casal, do lado direito visto da platéia. O consultório é pouco tradicional, com
almofadas jogadas nos cantos, quadros nas paredes, uma mesa e livros num canto e na
mesa. Pode ter gravuras eróticas, estilo Kama Sutra e outras particularidades, além de
propor um ambiente zen..

O divã é grande e confortável e de fato ele tem como base a cama que se abrirá no final do
espetáculo. Este divã servirá ao casal e ao terapeuta, sendo um elemento de ligação entre os
dois universos: a casa e a terapia.

O divã que serve aos dois espaços, transforma-se em cama, sendo que a parte mais elevada
fica para o fundo e a parte mais baixa para a platéia, permitindo uma total visão da cama
pelo público.

PERSONAGENS

ANA PAULA - Aproximadamente 30 anos, bonita, sensual, inteligente e com uma


vivência interessante. Formada em jornalismo, trabalhando e casada há cerca de três anos.
Faz análise desde os dezessete anos. Mesmo parecendo extrovertida, é de fato tímida, e
com dificuldades com as relações, principalmente as sexuais.

BEBETO - Aproximadamente 30 anos, casado com Ana Paula, apaixonado pela esposa,
mas com dificuldades de relacionamento que está pior a cada dia e ele não consegue
entender porque. Trabalha numa multinacional e é formado em mercado exterior e
administração.

FRANCISCO – É o terapeuta, aproximadamente 50 anos, com caminho próprio e


independente, com métodos e ações não muito aceitas. Cuida principalmente de pacientes
com problemas sexuais e utiliza uma terapia que mistura desde exercícios tântricos até
respiração, exercícios especiais, yoga e outras técnicas. Visto com estranheza por seus
pares, e acusado de ser pouco ortodoxo em relação às técnicas utilizadas, porém sem que
nunca alguém o tivesse denunciado ou coisa assim. Ele é suave e ao mesmo tempo firme e
seguro.

2
3

FIGURINOS

Os figurinos são atuais e de bom gosto, e devem servir à identificação do público com os
personagens, além de praticidade para rápidas trocas. O Terapeuta veste durante o
atendimento roupas soltas e que lembram batas indianas, ou coisa parecida. Parece mais
um guru do que um analista ou terapeuta.

O ESPETÁCULO

CENA I - PARADA DA TERAPIA E DA TERAPEUTA


CENA II - O TELEFONE
CENA III - NOVO TERAPEUTA
CENA IV - O MARIDO NÃO ENTENDE AS MUDANÇAS
CENA V - TENTANDO FUGIR
CENA VI - O MARIDO SÓ NO TERAPEUTA
CENA VII - O INÍCIO DO REENCONTRO
CENA VIII - OS DOIS NO TERAPEUTA - ZERANDO O TAXIMETRO
CENA IX - AVALIANDO A CENA VII (PARA A PLATÉIA)
CENA X - OS DOIS NA CAMA: CENAS E INTERFERÊNCIA DO TERAPEUTA

3
4

INÍCIO DO ESPETÁCULO
CENA I - Parada da terapia e da terapeuta

(Em pé e tensa Ana Paula discute com sua analista que trata dela desde os
vinte anos, depois dela ter feito outra terapia desde os dezessete anos. A voz
da analista é gravada no diálogo com ela e a luz fica somente onde está Ana
Paula, a idéia aqui é do close, sendo que a luz pega somente seu rosto durante
toda cena.)

ANA PAULA – (Entrando como se viesse do lavabo ou coisa assim que fica no
consultório, fora de cena) Você está me abandonando é isso?

VOZ – Não é isso, é que são ao todo quase oito anos de análise, não é? Dos dezessete até
quase os vinte, com a primeira terapeuta e depois comigo...

ANA PAULA - ... Mas eu acho que mudei muito! Estou mais destravada, sem medo do
mundo, valorizando mais os amigos, lidando melhor com as minhas fantasias e
encanações... acho... acho que espantei muitos fantasmas, foi ou não foi? (Tenta um riso
forçado). Então eu acho que é só uma questão de tempo...

VOZ – Não, claro... Nós fizemos um trabalho profundo, eu acho... mas agora eu acho que
já faz algum tempo que nós estamos patinando... que...

ANA PAULA - Como patinando? Eu não conto? O que estou sentindo não conta? Será
que eu não sei o que está acontecendo? Você quer parar de repente e me deixar assim sem
mais nem menos. Eu quero continuar a análise...

VOZ - Ana... Ana, presta atenção... quando eu digo patinando não é por você... é por mim...
(silêncio)

ANA PAULA - Quer dizer que você acha que nós não vamos conseguir mais nada? Tá
bom, você resolve seu lado, pára a terapia e eu, o que é que eu faço?

VOZ – Você tem que entender que o seu problema básico é sem dúvida nenhuma...

4
5

ANA PAULA - Pronto! Vocês analistas são todos iguais, para vocês tudo é do sexo, por
excesso, falta, pudor, desvios, taras... eu não sou só isso e esse não é o meu problema e eu..

VOZ - Paula pára! Pára Paula! Você sabe que é aí que reside o seu problema sim senhora.
Sexo!

ANA PAULA - Então você acha que parar é a solução! Eu também acho, talvez eu esteja
perdendo meu tempo e minha grana, isso sim! (Levanta-se pega o casaco, a bolsa e se
dirige para a porta.) Vou para minha casa...

VOZ – Paula espera! Se você quiser pega na recepção o nome de um terapeuta que apesar
dele ser meio controvertido, talvez seja quem mais possa te ajudar...

ANA PAULA - Controvertido como?

VOZ - Os métodos dele não são convencionais.

ANA PAULA - Eu sou adulta e sei me defender muito bem.

VOZ – Desculpe eu gosto muito de você e qualquer problema você sabe onde me
encontrar... me procure se precisar, promete?

ANA PAULA - Desculpe você se eu falei coisas. Eu vou pensar se procuro esse terapeuta
ou não! (Sai vagarosamente e a luz cai)

BLACK-OUT

CENA II - O telefone

(No escuro toca um telefone. - Luz somente um foco acende vagarosamente no


marido do lado esquerdo do palco, visto da platéia. Ele espera meio ansioso,
está com um celular. A ligação cai e ele liga de novo. Ela aparece , usa uma
lingerie e está em casa. A luz começa a subir em foco nela, o palco fica o mais
escuro possível, só eles são importantes. Ela usa um telefone sem fio ou
celular.)

BEBETO – (Entrando em cena falando sozinho) Onde se meteu essa mulher? Não está no
trabalho, não dá sinal de vida, já estou ficando preocupado...

ANA PAULA – Alô!

5
6

BEBETO - Ana Paula.... você não foi trabalhar de novo...

ANA PAULA - Não! Não estou bem... estou com dor de cabeça, nervosa e sem a menor
vontade de ouvir sermão. Vê se dá um tempo Bebeto.

BEBETO - Isso é o que mais me irrita sabia! você não querer conversar, resolver.... ontem
foi demais, brigamos por nada e....

ANA PAULA - (Quase gritando) Por nada! Por nada! Você esquece logo né? Nem ouviu o
que eu disse e ainda me chamou de histérica, já esqueceu?

BEBETO - Meu amor... desculpa.... mas está difícil, nós não estamos conseguindo
conversar porque você sempre...

ANA PAULA – Eu? E você? Você nem ouve o que eu digo...

BEBETO - Claro que ouço, mas é sempre a mesma coisa... Você sempre...

ANA PAULA - Olha aí de novo! Eu... sou sempre eu... você é que não consegue terminar
uma conversa sem ficar nervoso e agressivo....

BEBETO - Euuu!!!! Mas que absurdo e se não consigo é porque você me ofende e baixa o
nível...

ANA PAULA - Eu estou de saco cheio...

BEBETO – ...Porra mais que merda...

ANA PAULA - ...É isso, de saco cheio da sua impaciência. Será que você não tem outra
mulher? Para me tratar assim só pode ser outra...

BEBETO - Infelizmente não tenho! Se tivesse eu não ligaria nem me preocuparia tanto
com...

ANA PAULA - Mas você não liga, você só pega no meu pé...

BEBETO - Como pego no seu pé? Larga de ser neurótica....

ANA PAULA - Neurótica é a mãe! Eu odeio quando você me diz isso! Tenho vontade de
te matar, morrer, nem sei... (Desliga o telefone - Cai no choro)

BLACK-OUT

6
7

(Bebeto chegando do trabalho, mesmo dia, atravessa cena indo em direção ao


quarto localizado no lado direito do palco, visto da platéia, deixa lá paletó,
pasta, etc. e retorna para a cena.)

BEBETO - Ana Paula... Ana Paula... Cheguei (Com doçura -Tempo - Ela surge vindo da
cozinha e comendo um sanduíche imenso, e usando uma roupa de ficar em casa). Não
acredito... comendo bobagem de novo?

ANA PAULA - Estou com fome, posso ou vai ficar me policiando?

BEBETO - Pelo amor de Deus, a geladeira está vazia, ontem você acabou com o chantilly,
com o sorvete de creme e com o bolo de nozes e ainda acordou à noite para comer...

ANA PAULA – Eu como esse sanduíche porque não tenho com quem falar, meu trabalho
tá um saco, meu marido não me entende... (Bebeto olha para ela, vira e liga a televisão)
Ótimo! Vamos conversar eu, você e o Jornal Nacional.

BEBETO – Eu consigo conversar e ver... Desculpa, eu odeio admitir isso, mas desde que
você parou com a análise você piorou. É isso, infelizmente é isso! Acho que você tem que
dar um jeito... eu não tenho vontade nem de voltar para a casa depois o trabalho...

ANA PAULA - E eu não tenho nem vontade de sair de casa.

BEBETO – Isso eu sei... fica enfiada dentro de casa, de baixo astral e me enchendo o
saco...

ANA PAULA – Deixa de ser grosseiro, será que...

BEBETO – Eu grosseiro? Eu tento agradar, te convido para sair, ir ao teatro, cinema,


show, viajar...

ANA PAULA – Eu vou, não vou?

BEBETO – Ás vezes, e quando vai, vai mal humorada, reclamando... parece um sacrifício,
tudo é sofrido, sem prazer...

ANA PAULA – Só eu sei o que estou passando, só eu sei...

BEBETO – Então me conta, aí quem sabe eu possa ajudar...

ANA PAULA – Você? Duvido!

7
8

BEBETO – Você está com mania de perseguição, não é possível... e se quer saber eu não
estou te aguentando mais.

ANA PAULA – O que é que você disse? Repete!

BEBETO – Que não aguento mais nem olhar para sua cara.... estou cansado, eu acho que
acabou, está entendendo, acabou... antes que você me enlouqueça também!

ANA PAULA – Louca? Você está me chamando de louca? Eu não sou louca não! É que
não tenho com quem me abrir com quem falar...

BEBETO – Como é que eu posso entender quem não fala e só reclama, você virou uma
pentelha...

ANA PAULA – Pentelha a puta que te pariu... (Ameaça atirar o sanduíche nele.)

BEBETO – Assim não dá!

ANA PAULA – Desculpa!

BEBETO - Você está passando do limite. Vou dar uma volta!

ANA PAULA – Desculpa! Eu nunca fiz isso meu amor! Estou sem saída tudo me irrita...
(Começa um choro meio exagerado que comove ele). Não sai agora, não sai! Eu tenho
medo de você me deixar... eu... eu te amo! Nenhuma mulher vai te amar como eu te amo.

BEBETO – Eu também te amo! Mas que tá uma barra tá, vê se faz alguma coisa, por
favor...

ANA PAULA – Eu acho... que vou voltar para a analise... quem sabe?

BEBETO – Analise não sei se vai adiantar... você tem que mudar isso sim!

ANA PAULA – Eu vou mudar, eu prometo que eu vou mudar! (Ela sai em direção ao
quarto e olha para ele enquanto sai. Ele fica parado na sala pensativo - Luz dele sai
vagarosamente) Eu vou mudar eu prometo por nós, por mim que vou mudar.

BLACK OUT

CENA III - Novo terapeuta


(O cenário é iluminado com uma luz suave e climática que vai revelando ao
público o consultório do terapeuta - Ela entra e fica sem saber onde sentar e o

8
9

que fazer, totalmente deslocada olhando os quadros, os objetos e esperando)

FRANCISCO - Olá...

ANA PAULA - Olá...

FRANCISCO - Fique à vontade... quer um chá?

ANA PAULA – Chá? Não, não obrigada! A minha terapeuta anterior foi que me... (Ele faz
sinal para ela manter o silêncio)

FRANCISCO - Não diga o nome dela, porque além de não interessar você vai me deixar
em débito.

ANA PAULA – Débito, como assim?

FRANCISCO - Por ela correr o risco de me indicar para alguém... (Ri cúmplice).

ANA PAULA - Ela já indicou...

FRANCISCO - Azar o dela.

ANA PAULA – O quê?

FRANCISCO – Nada. Então vamos lá...

ANA PAULA - Bem, estou aqui, pois já faço análise há muito tempo e, e... Bem eu estou
aqui!

FRANCISCO - E a análise não estava conseguindo chegar ao fundo do problema?

ANA PAULA – Problema? Que problema?

FRANCISCO – O sexo, claro!

ANA PAULA - (Fica meio constrangida) Não, não é isso é que... que...

FRANCISCO - Se não é isso você está no lugar errado! O que você espera de mim?

ANA PAULA - É que... é que tenho dificuldade em dizer e...

FRANCISCO - Eu compreendo, mas para podermos trabalhar só existe um meio que é a


entrega sem medo, sem pudor nem avaliação de certo ou errado ou coisa que o valha.
9
10

ANA PAULA – Calma, é o primeiro dia! Eu ainda não me sinto à vontade para falar de
uma coisa que está...

FRANCISCO - Claro! Mas eu quero que você saiba que a franqueza, confiança e entrega,
minha e sua, são nossas ferramentas de trabalho, e sem elas nós não vamos sair do lugar.

ANA PAULA - Mas nem sei como é seu método de trabalho e...

FRANCISCO – Sabe, sabe sim! É prático, tão prático quanto um ato sexual... tão natural
que todo mundo sabe fazer!

ANA PAULA - Prático? Como prático? Quer dizer que nós aqui vamos...

FRANCISCO - (Rindo) Não seria uma má idéia! Se eu não fosse seu terapeuta... Mas um
cego, por exemplo... que nunca viu ninguém fazendo sabe fazer. Bobeou ele tá lá, é ou não
é? (Notando o embaraço dela). O que quero dizer é que tudo é fácil e difícil. Falar é fácil,
mas dizer o que se quer é difícil não é?

ANA PAULA - É... é muito difícil... mas eu estou disposta a aprender a enfrentar minhas
dificuldades... Estou aqui, não estou?

FRANCISCO - Está? Você é casada?

ANA PAULA - Sou há três anos e meio quase...

FRANCISCO - Você ama seu marido?

ANA PAULA - Amo é claro que amo...

FRANCISCO - Você beija ele na boca?

ANA PAULA - O quê?

FRANCISCO – Beija ele na boca?

ANA PAULA – Beijo, claro que sim...

FRANCISCO – Enquanto um casal se beija na boca ainda há esperança, quando não


consegue, isso é sério... muito sério.

(Bebeto entra vindo do quarto, está saindo para o trabalho. Cena de lembrar)

10
11

ANA PAULA - (Levanta-se e vai até o marido, a cena fica quase que em câmara lenta) Já
está indo?

BEBETO - Já...

ANA PAULA - Eu vou mais tarde direto para uma reunião e vou almoçar na Paulista,
quer almoçar comigo?

BEBETO – Claro! Me ligue no escritório e a gente combina... Nossa já estou atrasado,


tchau... (Vai até ela e dá um beijo meio chocho, enquanto dá tapinhas de “amigo” nas
costas dela. - Os tapinhas ficam claro para a platéia e ela reforça olhando meio desolada)

ANA PAULA - Tchau e até o almoço... (Ele começa a sair e ela fica olhando para o nada)
Bebeto! (Ele pára e vira para ela - A cena volta a ser em tempo real) Você não tem
vergonha?

BEBETO – Vergonha do quê?

ANA PAULA – De me dar um beijo chocho e sem tesão como esse?

BEBETO – Mas de manhã você não gosta de ser beijada antes de escovar os dentes e...

ANA PAULA – Eu já escovei os dentes, e não é só de manhã que você me beija assim não,
é à tarde, à noite, de madrugada...

BEBETO – Ei! Esse analista novo tá mexendo com sua cabeça, eu hein! Que papo é esse?

ANA PAULA – Analista não, terapeuta sexxx... esquece! (Se olham um pouco e ele sai
para a rua. Ela vai em direção ao consultório do terapeuta).

BLACK-OUT

(Ana Paula fazendo o final de um exercício tântrico. É o fim de uma sessão e


deve ser um exercício que pareça estranho, difícil e engraçado, aliando
movimentos, respiração, etc. O terapeuta está na sala e está comandando o
exercício, é outro dia.)

FRANCISCO – Terminando... isso, isso! Avestruz de rabo para a lua. Muito bom.
Respirando... respirando. Você está quase boa.

ANA PAULA – Quase!

FRANCISCO – É quase, você não faz exercícios, não treina em casa...


11
12

ANA PAULA – Como vou fazer tudo perto do Bebeto?

FRANCISCO - Você acha que estamos indo bem?

ANA PAULA – Bom... é tudo muito novo, mas me sinto melhor... estou fazendo casi
todos exercícios, me sinto mais equilibrada, mais centrada, no eixo...(Mancando com um
pé calçado, outro descalço) Entrei nesta terapia de cabeça...

FRANCISCO - Ótimo! Você precisa quebrar esse medo de ter prazer e usufruir do sexo
como você merece e deseja.

ANA PAULA – E com quem eu quiser também.

FRANCISCO – Claro! Estamos aqui para isso... Para ajudar você a se entender com seu
marido ué.

ANA PAULA – É... só não consegui ainda falar com meu marido... mas nem sei como é
que eu vou dizer que estou frequentando um terapeuta sexual.

FRANCISCO - Se você tiver dificuldades eu digo. Será que ele viria aqui falar comigo?

ANA PAULA – Não sei, talvez? Eu quero que você fale com ele...

FRANCISCO – Se você me autorizar, aí eu falo.

ANA PAULA – Eu autorizo.

FRANCISCO - Mas no dia que ele vier talvez tenhamos que discutir outras coisas...

ANA PAULA - O quê, por exemplo?

FRANCISCO – Por exemplo, porque é que você veio parar aqui, as dificuldades e os
problema. Saber a versão dele, e mais do que isso no que ele pode te ajudar. Você
concorda?

ANA PAULA – Concordo, mas e se ele não vier?

FRANCISCO - Se ele não vier aí, aí, aí...

ANA PAULA – E... só comigo... é possível resolver o problema ou dependo dele?

FRANCISCO – Todo mundo precisa de um parceiro, se ele não vier você vai ter que

12
13

escolher outro. Mas sinto que ele virá por amor, por desconfiança e até por
curiosidade, você vai ver.

ANA PAULA – É... eu acho que ele vem sim! Agora se ele não vier só de sacanagem eu
conto que é uma terapia sexual e vou fazer com ele ou sem ele, de qualquer jeito...

FANCISCO – Assim ele vai brigar com você...

ANA PAULA – Deixe ele ficar desconfiado, bem feito

FRANCISCO – Desconfiado, desconfiado do quê?

ANA PAULA - Que alguma coisa não está certa, ele tem que querer saber...

FRANCISCO - Saber o quê?

ANA PAULA – Saber o que é que venho fazer aqui. E quem é você...

FRANCISCO - O que você vem fazer não! Porque é que você vem!

ANA PAULA – E aí, o que é que eu vou dizer?

FRANCISCO - Pois é! O que é que você vai dizer?

ANA PAULA - Não sei... eu... eu posso...

FRANCISCO - Mentir! É isso? Mentir!

ANA PAULA - Não... eu não quis dizer isso, eu quis dizer...

FRANCISCO - Então diz... diz para mim porque é que você vem aqui?

ANA PAULA - Você sabe! Desde o início você sabe!

FRANCISCO - Sei, mas você nunca disse claramente...

ANA PAULA – É que vim aqui... eu vim...

FRANCISCO - O que você veio fazer aqui? Diz...

ANA PAULA - Eu... eu vim fazer terapia...

FRANCISCO – Terapia? Que terapia?


13
14

ANA PAULA - Uma terapia sexual, porque é difícil para mim...

FRANCISCO - O que que é difícil para você?

ANA PAULA - É difícil eu... eu ter um orgasmo... eu nunca consigo.... eu sofro, fico
desesperada todas as vezes que transo com o Bebeto, eu sei que estou fingindo.... no
começo acho que quase consegui, mas até hoje só tenho fingido... e sempre foi assim.... eu
não consigo... Estou cansada e eu não aguento mais... quando era com os namorados era
fácil porque eu achava que era culpa deles.... mas agora não... agora eu sei que a culpa é
minha, e que eu... eu... (Cai num choro convulsivo, ele vai para perto dela, que fica
encolhida nas almofadas)

FRANCISCO – Calma! Isso calma! Até que enfim você se abriu e isso é importante. A
primeira coisa é riscar a palavra culpa... você entendeu? Culpa não existe! Você é que
existe! Nós vamos conseguir mudar o que está acontecendo, mas você não tem culpa...
repete comigo: “Eu não tenho culpa!” Vamos repete... vamos... (Ele vai falando, insistindo
até que vagarosamente ela começa a repetir enquanto esmurra e bate nas almofadas no
chão, sempre estimulada por ele)

BLACK OUT

CENA IV - O marido não entende as mudanças.

(Deitado no chão da sala Bebeto está semi-nú, acabaram de fazer sexo. No


quarto Ana Paula está se trocando, e começam o diálogo.)

BEBETO – Ana Paula vem para cá, para o aconchego do chão da sala.

ANA PAULA – Amor, eu acabei de sair daí...

BEBETO – Estou com saudade, vem logo...

ANA PAULA – (Do quarto) Já vou... já vou... Ah! Bebeto que bom, que bom... e para você
foi bom também?

BEBETO – Foi ótimo... ótimo! Mas depois de tanto tempo eu já nem lembrava mais como
era...

ANA PAULA – Deixa de ser implicante, faz parte do processo...

BEBETO – Processo? Só se for seu e dessa terapia maluca que você está fazendo... (Ela
saindo do quarto continua a conversa na sala.). Acho que vou marcar o dia de hoje na
folhinha...
14
15

ANA PAULA – Agora confessa... você não acha que melhorei muito depois do Francisco?

BEBETO - Eu não entendo Ana Paula, não entendo mesmo. Desde que você começou essa
terapia maluca aí com esse cara, você não para de falar nele

ANA PAULA – Cara... cara... é Francisco!

BEBETO – É eu sei, mas estou com ciúmes...

ANA PAULA – Ciúmes! que bobagem...

BEBETO - Pode ser.... pode ser. Mas o pior é que você fica lendo esses livros todos,
fazendo exercícios, e você está muito estranha, eu não entendo porquê?

ANA PAULA – Não entende por que não quer. Ele quer te conhecer, quer mesmo... é só ir
lá, ele está te esperando. Aí você vai entender tudo, tudo! (Ana Paula sai meio puta.)

BEBETO - (Deixando a mulher e falando com a platéia como se falasse com um amigo.
Luz sai do fundo e Ana Paula sai de cena) Eu não estou entendendo nada, mulher é um
bicho estranho... Ela fica fazendo uns troços esquisitos, respiração, exercícios de
sensibilização, lendo livros que nunca leu sobre o prazer feminino, as técnicas do prazer e
coisas assim, veja só os títulos: “Kama Sutra – Be Happy”. “As Zonas Erógenas Dele e
Dela”, e esse aqui então “Como Acender a Periquita Dela!”. Puta que pariu!
E o pior que eu estava de jejum há mais de um mês... Ela não queria transar pois estava se
preparando. E ele só autorizou hoje. Só Deus sabe quando vai ser a próxima. Dá para
encarar? Que catso vou eu fazer no terapeuta, analista sei lá o quê da minha mulher? Eu
não tenho nada com isso, e se quer saber nem acredito nestes caras.... Como é que vou
aceitar que eles curem alguém? Esses neguinhos são todos malucos como é que eles podem
curar se não resolvem nem os problemas deles. Como me responda? Sei não... Sei não!
(Sai).

CENA V - Tentando fugir

ANA PAULA - (Em casa no telefone falando com a antiga terapeuta). Pois é mais de
quatro meses, quase cinco, eu ainda fico assustada com ele... Não, não... ele nunca faltou
com respeito, mas eu sinto que fica no limite, e eu tenho saudades das nossas sessões, eu
me sentia muito mais segura. O método dele é tão estranho, ele não pergunta nada a
sessão começa assim de repente... É ele diz que o verbal engana. Agora está insistindo para
eu levar o Bebeto lá, eu não sei o que fazer... Sabe o que é... eu queria tanto fazer uma
sessão com você, é que ele não me deixa falar e... Não! Você tem coragem? Como não?
Não... não vai atrapalhar, só vai me dar... Você está me abandonando de novo é isso que
você está fazendo? Eu não estou com medo... só tenho medo de levar o Bebeto até lá. Tá, tá,
tudo bem, talvez você tenha razão... Claro que se eu parar eu te procuro, mas não vou parar
15
16

não! Acho que vou até o fim... Sei... Sei... Tá... Tá... Tchau... (Desliga e vai para outro lado
do palco, que é a sala onde está o marido)

CENA VI - O marido só no terapeuta

(Na sala Bebeto tentando ler o jornal e Ana Paula em pé meio puta, estão
discutindo)

ANA PAULA - Custa você ir lá, custa? É por nós...

BEBETO - Eu não estou entendendo... Você não está me contando tudo, eu sei que não
está. E agora fica nessa marcação, insistindo o tempo todo para eu ir lá falar com esse
charlatão...

ANA PAULA - Pára com isso! Ele não é charlatão coisa nenhuma. Você é que é machista
e retrógrado, isso sim... Vai lá porra, está com medo do quê?

BEBETO - (Levanta-se e joga o jornal) Medo.... Medo eu? O que não tenho é saco, isso
sim... E eu não acredito também, eu já te disse...

ANA PAULA - Por nós... você tem que ir por mim e por você. Dá para entender? (Ele vai
mais para o fundo e ela vai para cima dele quase o empurrando para o consultório) Se você
me ama de verdade você vai, você tem que ir!

(Terapeuta se exercitando de forma estranha, e continua mesmo com Bebeto


dentro do consultório. Bebeto está nervoso, puto, e até agressivo)

FRANCISCO – Olá!

BEBETO – Olá... quer dizer boa tarde! Eu sou o Roberto, marido da Ana Paula e..

FRANCISCO – Senta, por favor! Onde você quiser...

BEBETO – Estou bem em pé!

FRANCISCO – Então fica em pé. Fico feliz de você estar aqui...

BEBETO - O que é que você está fazendo com minha mulher?

FRANCISCO - Eu? Nada... Ela falou sobre o nosso trabalho?

BEBETO – Não! Só me obrigou a vir até aqui.

16
17

FRANCISCO – E você o que é que você está fazendo com ela? Você notou que nem
conversando vocês estão mais?

BEBETO - Como é que você pode saber?

FRANCISCO – Ela ainda não te contou porque é que vem aqui, contou?

BEBETO - E porque ela vem?

FRANCISCO – Eu sou um terapeuta... sexual, logo ela vem por causa do sexo...

BEBETO – Sexo? Como assim?

FRANCISCO – Por causa das dificuldades sexuais..

BEBETO – Dela? Só pode ser dela, porque eu....

FRANCISCO - Você não tem problema, é isso?

BEBETO - Que eu saiba não! Pelo menos ninguém nunca reclamou....

FRANCISCO - A Ana Paula está reclamando.... (silêncio, tempo)

BEBETO – Reclamando? Reclamando do quê?

FRANCISCO – Por... nunca ter tido um orgasmo.

BEBETO – Ah! Não acredito! Que brincadeira é essa?

FRANCISCO – Desculpe, mas ela pediu que eu te contasse. Desculpe!

BEBETO – Eu não acredito? Você está falando sério? Ela.. ela... ela fingiu esse tempo
todo?

FRANCISCO - Fingiu! Fingiu por amor... (Bebeto senta arrasado e sem saber o que falar)
E ela... quer parar de fingir porque te ama.

BEBETO - Não acredito... não acredito... ela nunca... nunca?

FRANCISCO - É verdade! Mas não é só com você, porque de fato ela nunca teve um
orgasmo digamos total com ninguém!

BEBETO - Ela é doente, ou...


17
18

FRANCISCO - Não! Ela não é frígida, nem tem... anorgasmia...

BEBETO – Anor o quê? Que que é isso?

FRANCISCO – Anorgasmia é a impossibilidade de ter orgasmo. Não é o caso dela, ela é


saudável, tem libido, desejo sexual só não consegue chegar lá.

BEBETO - Ela nunca teve nem um... unzinho?

FRANCISCO - Com outros parceiros ela acha que não, com você às vezes quase.

BEBETO – Quase?

FRANCISCO - Ela só consegue quando se masturba.

BEBETO – Mas porquê? Você sabe o porquê?

FRANCISCO - Não! Não sei e nestes cinco meses ainda não descobrimos, mas de fato não
interessa o porquê..

BEBETO - Como não interessa, você não tem que tratar dela?

FRANCISCO - Não me interessa descobrir o porquê? Se descobrir melhor mas...

BEBETO - (Puto) Como... Como não interessa?

FRANCISCO - Estou usando tudo que eu sei e que aprendi e é um método diferente, mas
não é sempre e não é com todos que ele dá certo, porque...

BEBETO - Quer dizer que você está fazendo a minha mulher de cobaia?

FRANCISCO – Eu não disse isso! E se estou trabalhando com ela é porque acredito. Eu
posso parecer mas não sou irresponsável. E além do mais, mulher com dificuldade de ter
orgasmo existe mais do que se imagina... e homem também!

BEBETO – Homem? Homem não tem isso não meu chapa!

FRANCISCO – Ah! Homem não tem esse problema não meu chapa! (Com trejeitos
machista.) Todo homem sabe ejacular, agora gozar, ter orgasmo é outra viagem.

BEBETO - Ué, não é a mesma coisa?

18
19

FRANCISCO - Não! Ejaculação é perda de energia, desperdício de energia vital, e é uma


reação fisiológica própria do organismo masculino, agora...

BEBETO – Ah! Não vem com essa! Você pirou ou está me gozando isso sim.

FRANCISCO – Gozando, gozando não! O gozo, o prazer é outra coisa, é mais, é uma
sensação como um pequeno espasmo muscular, mas é o nirvana, o encontro de todos os
prazeres sensuais.

BEBETO – Ei. Isso aí não existe, sexo é sexo e pronto!

FRANCISCO – Existe sim!

BEBETO – Existe nada!

FRANCISCO – Existe. Através do sexo tântrico...

BEBETO – Tântrico? O que é isso?

FRANCISCO – Vem do Tantra que é sinônimo de êxtase, é um ritual para alcançar o auto
conhecimento por meio da prática sexual, e que se você permitir eu posso te ensinar.

BEBETO – Ensinar o quê?

FRANCISCO – Através de exercícios a segurar a ejaculação por exemplo, reter o esperma,


ter controle do tempo, dissociar os movimentos do músculo entre o pênis e o ânus...

BEBETO – Que ânus o quê, que papo é esse? Você anda fazendo essas sacanagens com
minha mulher é?

FRANCISCO – Você não quer ajudar sua mulher? Então presta atenção! O importante é
o ato sexual, a viagem, o gozo e não a ejaculação. Você precisa aprender a ter mais prazer
na vida, ter maior intimidade com você mesmo e com a sua parceira.

BEBETO – Quer dizer que vou ter de falar sobre essas coisas com ela?

FRANCISCO – Vai, ô se vai!

BEBETO – Aí é que ela não vai gozar nunca mais mesmo. Vou pensar no que é que eu
vou fazer. Vou falar com ela, vamos ver..

FRANCISCO – Se você topar a Ana Paula vai ficar feliz.

19
20

BEBETO – É, é... eu sei!

FRANCISCO – Ela precisa de você.

BEBETO – Eu sei! Bom eu preciso ir, e desculpa qualquer coisa. (Bebeto se encaminha
com a mão estendida para se despedir e Francisco ignora a mão e tenta abraçá-lo, ele foge
do abraço.)

BLACK OUT

CENA VII - O início do reencontro

(Ana Paula está na sala falando com alguém)

ANA PAULA – ... É sou eu... e desculpe ligar a esta hora, estou desesperada porque o
Bebeto foi no Francisco hoje, e eu nem disse do que se tratava... ele foi à tarde e já é quase
meia noite e ele não dá sinal de vida, já liguei mil vezes para o celular dele e estou com
medo, porque nem disse para ele que o Francisco é um terapeuta... Depois eu falo, ele
chegou graças a Deus... Depois eu falo.... Tchau... (Desliga e olha para ele na porta). Você
bebeu?

BEBETO - (Entra e passa direto por ela em direção ao quarto, demonstra ter bebido.)
Puta merda que dia!

ANA PAULA – É que dia, que dia digo eu! Eu aqui desesperada esperando e você chega
em casa bêbado desse jeito?

BEBETO - Bebi, bebi sim! Qual é o problema? Afinal depois do que passei eu precisava
não é? (Tempo - Barulho de descarga)

ANA PAULA - Como assim?

BEBETO – (Ele volta para a sala) Fui lá no charlatão. Simpático ele, muito simpático mas
é muito prepotente hein! Isso se não for louco, pois veio me dizer que nunca gozei, que só
ejaculei, pode?

ANA PAULA – Não acredito! Ele não pode ter dito isso!

BEBETO - Eu fui lá... quer saber mais que eu? Ele disse que ia me ensinar a gozar...
(Tenta sentar e cai entre os sofás)

ANA PAULA – Machucou?

20
21

BEBETO - Eu estou bem eu queria sentar aqui mesmo... Disse que ia dar uns exercícios
para dissociar os movimento do músculo entre o pênis e o ânus. Porra eu nem sabia que
tinha esse músculo, agora movimento é demais.

ANA PAULA - Não exagera Bebeto, ele não pode ter falado que vai ensinar, ele pode ter
dito que vai melhorar sua performance.

BEBETO - É possível, sempre é possível melhorar tudo... Ele disse que temos que
melhorar nossa intimidade... Conversar mais sobre sexo. A... a única dúvida que ficou, e eu
não perguntei, é se ele é casado... Eu acho que não, porque para indicar isso tudo para um
casal ele não pode ser casado. É ou não é?

ANA PAULA - (Sorri) Você está bêbado... é melhor ir para a cama...

BEBETO – Cama? Cama não nem pensar. Estou com a corda toda e vou falar. E isso não é
tudo... ele disse que você tem lido, se informado, feito os exercícios e que você pode me
ajudar nas minhas dúvidas, que tenho que conversar com você. O que é vai virar uma
doutora em sexo é?

ANA PAULA - (Séria) Não! A única coisa que eu sei é que não posso continuar assim,
uma desinformada e com um puta de um problema.

BEBETO – Puta problema nosso, não é só seu... Depois que eu soube eu fiquei tão sem
rumo, que sentei no primeiro bar e comecei a beber. Peguei o carro e rodei por aí... bebi
mais, comi umas bobagens, sabe aqueles ovinhos coloridos...

ANA PAULA – E não embrulhou tudo aí. (Indica a barriga.)

BEBETO – Não! Embrulhou aqui ó... (Faz sinal que é na cabeça). Para parar a cabeça,
acabei entrando num cinema, nem ví o nome do filme

ANA PAULA – E na saída viu?

BEBETO - (Tentando ser sério) Na saída ví, é aquele filme ... com aquele ator do... Sei lá!
Não lembro de nada. Só achei uma puta sacanagem...

ANA PAULA – (Sente que ele está enrolando ela) Para com isso Bebeto e diz logo se você
vai fazer a terapia comigo ou não vai?

BEBETO - Não sei... eu ainda não decidi. Eu...

ANA PAULA – (Pressionando ele) Eu quero saber, diga você vai ou não vai?

21
22

BEBETO – Eu não funciono à base de pressão. Estou pensando, pesando... sei lá... Ele
disse que não é só você que reclama, mas todas as mulheres, assim no geral. Agora me diga
uma coisa vocês estão reclamando do quê?

ANA PAULA - Eu não estou reclamando, não é esse o termo, eu... eu tenho um problema,
e porque te amo eu quero resolver.

BEBETO - Eu entendo, você eu entendo... mas todas reclamam, o que é isso uma
revolução, eu queria entender do que é que todas reclamam, me diga do quê?

ANA PAULA - Quer saber do quê?

BEBETO – Quero!

ANA PAULA – (Indo para cima dele) Quer saber mesmo!

BEBETO – Não, melhor não.

ANA PAULA – Agora você vai saber. A maioria reclama não só da baixa frequência do
marido, mas também da falta de carinhos preliminares, carícias e mais atenção, menos
futebol, menos dormir no sofá, menos babar e menos pum na nossa cara...

BEBETO - Mas vocês querem tudo porra. Querem mandar, fazer o que querem, ter
liberdade, prazer, e o que mais?

ANA PAULA – Queremos tudo sim! Queremos que o homem esqueça que foi educado
para satisfazer a si próprio, e que ele pare de querer ter o controle da situação o tempo
todo, e que ele se entregue.

BEBETO - Só isso?

ANA PAULA - Acho que só, já basta, tá de bom tamanho!

BEBETO - Sóóó! Você acha só. Porra tá duro ser homem hoje em dia...

ANA PAULA – Pode ser, mas isso não resolve nosso problema, resolve?

BEBETO - Claro que não! Mas e eu, o que é que eu posso fazer?

ANA PAULA - Você pode me ajudar, e eu te peço, por favor, me ajuda.

BEBETO – Como? Me diz como?

22
23

ANA PAULA – Indo lá comigo! Participando das sessões, aprendendo a lidar com o corpo
das mulheres...

BEBETO – Obá!

ANA PAULA - Com o meu corpo, a me tocar de um jeito diferente, sei lá... Meu corpo, seu
corpo, nós temos que aprender juntos a lidar com a ansiedade, talvez com a ejaculação
precoce, e...

BEBETO - Enlouqueceu? Eu nunca tive isso.

ANA PAULA – Desculpa! Desculpa Super Homem, você não tem nenhum problema, eu é
que tenho! Eu é que tenho! Eu que preciso de mais tempo Bebeto, mais carinho... eu sei
que você não tem esse problema. Entenda que sou eu, que eu preciso de mais tempo.
(começa a soluçar baixinho)

BEBETO – Tá... eu vou fazer essa terapia com você, tá contente agora? (Vai em direção
dela abraçando-a)

BLACK OUT

(Outro dia, os dois em casa. Ela vem da cozinha e ele está vendo um jogo pela
TV. - Ela abaixa o som com o controle)

BEBETO – Vamos rola essa bola, rola essa bola. Passa, passa, parece que está com imã na
ponta do pé... vai chuta, chuta para o gol, quer entra de bola e tudo. Só chuta dentro da
área... Êta joguinho...

ANA PAULA – Bebeto, precisamos conversar...

BEBETO – Deixa eu ver o jogo Ana Paula.

ANA PAULA – Amanhã é dia de sessão e essa semana a gente não fez todos os
exercícios...

BEBETO – Ana Paula, por favor, me deixe ver o jogo...

ANA PAULA – Bebeto, vamos ao teatro mais tarde, não vai dar tempo de fazer os
exercícios. Você entende?

BEBETO – Ana Paula eu gosto de ver o jogo em silêncio, quer que eu desligue? Eu desligo
pronto! (Desliga a TV – Fica resmungando)

23
24

ANA PAULA – Não fique assim seu babaquinha.

BEBETO – Minha babaquinha, você também não é fácil, né?

ANA PAULA – O Francisco é que não é fácil, se a gente não faz os exercícios ele crau na
gente!

BEBETO – Crau na gente não!

ANA PAULA – O Francisco cobrou da gente, que precisamos trabalhar mais...

BEBETO – Eu acho que lá, durante as sessões a gente consegue conversar, mas aqui no
dia a dia ainda está difícil!

ANA PAULA – É, mas não é fácil mesmo, é preciso fazer os exercícios, tudo passo a
passo. Falar das fantasias...

BEBETO – As fantasias? O harlatão falou disso quando? (Ela olha como se não
acreditasse que ele não se lembra).

(Francisco fica no limite entre a casa e o consultório, e conversa com os dois


sobre fantasia. Eles se voltam para ele, parece uma sessão que eles se
lembram).

FRANCISCO – Vocês têm alguma fantasia?

BEBETO – Tenho uma do Carnaval que... (Os dois olham para ele). Brincadeira...

FRANCISCO – Por falar em brincadeira, vocês têm brinquedos...

BEBETO – Nosso gato tem uma... (Os dois olham de novo)

FRANCISCO – Os homens, o marido num casal são muito conservadores. Têm medo que
os “Toys sexuais” tomem seu lugar. Outros casais menos convencionais usam, sabiam?

ANA PAULA – Você está propondo?

FRANCISCO – Por que não? O sexo é muito importante. Os brinquedos podem ajudar
nas preliminares de qualquer tipo de casal.

BEBETO – Eiii, eu não vou usar um (Faz gesto).

FRANCISCO – Não digo para usarem. Digo para conversarem. Isso faz parte das
fantasias. Ajuda a entender os desejos do outro.
24
25

ANA PAULA – Confesso que penso nisso às vezes, mas acho que não é o caminho.
(Bebeto olha meio contrariado para ela).

FRANCISCO – Pode não ser. O sexo é importante para a felicidade do casal. O diálogo
também e as fantasias. (Ficam calados um tempo e cena volta onde estava antes).

ANA PAULA – (Francisco sai e eles continuam o assunto) Então fale... tente pelo
menos...

BEBETO – (Surpreso.) Eu? Eu...

ANA PAULA - Conta Bebeto, conta, qual é a sua fantasia... conta!

BEBETO – Conta você primeiro, se você contar eu conto.

ANA PAULA – Eu não, não sou boba, você conta.

BEBETO – Eu... Tá bom... eu... eu tenho uma fantasia que é a seguinte... Eu estou na
praia e aí vem uma mulher linda e gostosa, uma cavalona e diz que quer realizar suas
fantasias comigo.

ANA PAULA - E quais são as fantasias da cavala?

BEBETO - Não sei, são dela, mas sei que vou corresponder. (Gesto de másculo)

ANA PAULA – Tudo isso? Esse não é meu marido não!

BEBETO – Menor, menor...

ANA PAULA - Bonita e gostosa assim como eu, ou mais...

BEBETO - Assim como você já está bom...

ANA PAULA – Ah! Está bom né? Na praia é? (Sai da sala e vai em direção à cozinha).
Aproveita e vê o segundo tempo que eu vou preparar uma pipoca, quer?

BEBETO – Claro é com muito molho inglês.

BEBETO – (Volta o jogo) Vai lá, mostra o placar, mostra o placar, quanto tá esse jogo...
zero a zero ainda, mas não é possível. Vamos lá timão chutem pro gol, chuta meu, chuta
meu... puta que pariu como é ruim, não é possível... Vai lá passa essa bola... pra o frente, o
gol é pra frente. Êta mania de passinho de um lado pro outro. Que preguiça. Vamos lá
minha gente, vai lá timão. E você técnico o que que é? Monge budista é? Bota fogo no time.
25
26

Fala, reclama, pula, berra.... Puta que pariu que tédio. Fica aí paradão, tá pensando no quê?
Vai lá torce, apoia meu, sofre igual eu. Dá até desânimo. Não é possível, não é possível.
Amor acende uma dúzia de velas, daquela metade preta e metade branca, só São Jorge para
ajudar. Ajuda meu Santo guerreiro, ajuda. E a Gaviões, onde está a Gaviões, vamos lá,
vamos fazer uma ola, agora todos juntos... (Ele faz a ola sozinho na sala)

(Ela entra junto com uma música dançante, vestida sensualmente e com uma
cadeira de praia, dançando, ele entra meio desajeitado na dança com ela).

BEBETO - (Ela abre a cadeira e ele se encaminha para ela – Ela incita ele a tirar a roupa, e
os dois vão se despindo uma espécie de strip tease ele fica só de cuecas. – Ela faz um strip
também e fica de calcinhas e sutiã. (Faz o tipo sedutora e quando vai falar com ele os dois
caem na gargalhada).

ANA PAULA - Você está rindo de mim?

BEBETO – Eu? Eu não é que...

ANA PAULA - Comprei essa lingerie para você e você fica rindo? Vou falar para o
Francisco... Eu é que devia rir de você, você está ridículo na praia de cueca canelada e
meias cheias de bolinha..

BEBETO – É que tenho medo de pegar uma micose da areia

ANA PAULA - Concentre-se, vamos tentar de novo.

BEBETO – Tá bem!

ANA PAULA – Olha, eu não te conheço e você não me conhece, vamos lá...

BEBETO – Vamos lá! (Se ajeita de novo e se prepara. Tempo)

ANA PAULA - Eu sou uma pin-up e vou olhar a praia... oi tudo bem...hummm.... nossa
que vista... (Ele fica olhando o corpo dela e repetindo com malícia) ó que maravilha... que
coisa linda.. (Ela atravessa o palco pela boca de cena enquanto ele fica sentado na cadeira
atrás dela. Ela vem na direção dele) Oi! Oi! (Ele chama a atenção dela)

ANA PAULA - Oi... Calor não?

BEBETO - Muito.... você quer um sorvete?

ANA PAULA – Sorvete, não!

26
27

BEBETO – E um milho verde você aceita?

ANA PAULA – Milho verde? (Gesto de devorar o milho) Não, não! É muito romântico
mas não quero não. Eu quero você, andei a praia inteira e escolhi você...

BEBETO - Me escolheu para o quê?

ANA PAULA – Para realizar a minha fantasia.

BEBETO – E qual é a sua fantasia?

ANA PAULA - Eu acho que vi num filme quando eu era pequena, não sei bem... e tinha
que ser com um estranho... Você topa?

BEBETO - Não sei ainda. Você é linda, gostosa, tem uma carinha de safada. Você não é a
maníaca da praia, é?

ANA PAULA - Eu não. Eu sou um doce de pessoa, equilibrada, tranquila...

BEBETO – Sei... mas e a fantasia, qual é...

ANA PAULA - (Ergue o pé, e passa perto do rosto dele) Você gosta do meu pé?

BEBETO - Gosto... é lindo.. Só que essa areia...

ANA PAULA - Minha fantasia tem que ser realizada com um estranho, meu marido
jamais poderá saber....

BEBETO - Você é casada?

ANA PAULA - Sou, mas o casamento tá meio, sabe, meio qualquer nota...

BEBETO - (Meio fora do papel) Culpa sua ou dele?

ANA PAULA - Minha... certo, minha culpa. Mas vamos deixar o babaca do meu marido de
lado e vamos resolver nossas fanta...

BEBETO - Babaca... quer dizer que ele é um babaca...

ANA PAULA – É um perfeito babaca... babaquíssimo, mas vamos deixar ele...

BEBETO - Não, não, me conte o que mais ele é?

27
28

ANA PAULA - Ele não interessa, só nós... Vamos realizar nossa fantasia... Você sabe qual
é a minha, sabe garanhão, gostoso, gatão...

BEBETO - Não, não sei... qual é?

ANA PAULA - (Erguendo o pé) Eu quero um escravo, alguém que faça tudo que eu
mandar...

BEBETO – O quê?

ANA PAULA – Isso mesmo! Um escravo!

BEBETO – Que faça o quê? Diga, vamos diga...

ANA PAULA - Fique aos meus pés... (Ela senta na cadeira e ele fica de joelhos) e
devagarinho beije e chupe meu pé e meus dedos e suba até o joelho... E suba mais. Você
faria isso? (Ele de joelhos começa a beijar o pé dela e vai subindo até o joelho dela que
segura a cabeça dele.) Você faria isso até o fim, faria?

BEBETO - (Fica com uma cara abobalhada meio fora do personagem) Faria se você disser
o seu nome...

ANA PAULA – Meu nome? Bom... Ah! Chapeuzinho Vermelho, isso! Chapeuzinho
Vermelho.

BEBETO – Chapeuzinho Vermelho é demais... Vamos lá Chapeuzinho vamos lá! (Ele tira
ela da cadeira e a coloca no chão e começa a beijá-la inteira. Vai se criando um clima de
prazer e tesão – Ele uiva para a lua). Deixa eu ser seu Lobo Mau, deixa...

ANA PAULA – Para! Para! (Empurra ele e começa a se levantar) Isso não é fantasia é um
pesadelo.

BEBETO – Por favor, o que eu fiz de errado?

ANA PAULA – Nada, nada. Você nunca leu a historinha não? Nem a sua vó te contou? É
que o lobo tem que comer antes a vovozinha do Chapeuzinho. E eu não estou pronta ainda!

BEBETO – Desse jeito não vai ficar pronta nunca.... Oh! Meu Deus e eu que sempre tive
fixação pelo Chapeuzinho Vermelho. (Música sobe e a luz vai caindo vagarosamente)

BLACK-OUT

28
29

(Outro dia, consultório do analista Ana Paula e Bebeto acabaram de fazer um


exercício com as roupas da cena anterior. O terapeuta observa os dois e sente
um clima de tensão e dificuldade. Luz pouca valorizando o clima.)

FRANCISCO - Foi uma ótima sessão. Desculpem se forcei alguma coisa, mas é
necessário. (Terapeuta conversa sobra a sessão – Sai e deixa os dois sozinhos, eles se
trocam calados e com um certo mal estar. - Tempo)

BEBETO - Porra hoje foi duro hein, doloroso... Mas ia ser mais fácil se você deixasse esse
ar acusador. Você sabe...

ANA PAULA - Desculpe... mas só posso dividir isso com você e às vezes erro ou cobro
demais... Desculpe!

BEBETO – Tá bom eu desculpo, mas acho que nós dois precisamos ouvir mais o que o
outro diz e não se sentir acusado ou acusar, eu acho que hoje ele mostrou isso de uma
forma que me senti incompetente...

ANA PAULA - Eu também me senti assim. Como alguém que não sabe dizer o que sente,
expressar o que pensa... Estou sempre armada, já brigando..

BEBETO - E o pior é que eu não deixo você falar, nem você me deixa falar, é sempre um
cortando o outro. Sabe a minha sensação é de estar destruindo nossa relação e... (Ele se
emociona)

ANA PAULA - (Abraça ele e acarinha) Não é sua culpa.... Só culpa sua não! Não é só você,
sou eu também. Mas estamos mudando, não estamos...

BEBETO - Estamos sim, e para melhor eu acho... (Se olham demoradamente, e se beijam
apaixonados)

BLACK-OUT

CENA VIII - Zerando o taxímetro

(Os dois estão com o terapeuta, estão terminando um exercício. O terapeuta


em silêncio olhando para os dois. Existe um clima de tensão e dificuldade na
sala).

FRANCISCO - Que silêncio hein! Nas últimas sessões nós trabalhamos as dores e as
mágoas acumuladas entre vocês, sem acabar de limpar isso não podemos ir para a frente.
29
30

(Silêncio constrangido dos dois). Estou feliz com vocês. A única coisa ainda é a fantasia...
Como está isso?

BEBETO – Fantasia a gente tentou, mas não rolou...

FRANCISCO – Pois é, precisa ser de verdade, sem pudor, sem crítica... Aí rola. (Ana
Paula e Bebeto caem na risada, repetindo: rôla, rôla....)

FRANCISCO – O que é tão loucos... Vão parar de rir já-já! Hoje vamos fazer um
exercício diferente, mas antes eu preciso colocar uma venda nos olhos de vocês. Ana Paula
(Dá a venda para ela colocar). Bebeto. (Dá a venda para ele).

BEBETO – P´ra quê?

FRANCISCO – Surpreesaa!! (Meio brincando)

ANA PAULA – Eu adoro uma surpresa... (Os dois colocam as máscaras).

FRANCISCO - Você fica aqui neste lugar, e relaxa hein? (Bebeto imita trejeitos que o
terapeuta usa nos exercícios). Isso Bebeto está aprendendo! Tá treinando em casa hein! E
você fica aqui. Bem agora, coloquem as mãos para trás e sem se tocar sintam o cheiro um
do outro, seu perfume, sua energia, sua presença. Agora nós vamos começar um jogo
chamado “Zerando o taxímetro” que é um...

BEBETO – Bom nome, porque casamento é um taxí vazio, com duas pessoas com o saco
lotado. (Ele rí e todos riem um pouco)

ANA PAULA – Bebeto dá para se concentrar...

FRANCISCO – Continuando! O sentimento de qualquer pessoa percorre uma vasta


gama, que vai do mais baixo até o mais sublime. Neste exercício é importante que se
concentrem um no outro... só me ouçam e realizem com verdade e entrega. A mulher
começa primeiro, não é pela idéia de “damas first”, mas sim porque a mulher tem o dom da
fúria e...

ANA PAULA – Dom da fúria? O que é isso?

FRANCISCO – É a atitude de espernear, falar, reagir, por para fora...

BEBETO – Mulher é mesmo boa nisso: falar, gritar, ofender...

ANA PAULA – E homem não é? É calmo, tranquilo.

30
31

FRANCISCO – Calma! Quando começar cada um pode fazer o que quiser, pode falar,
gritar, chutar...

BEBETO – Chutar, dar porrada, é isso?

FRANCISCO – Quase, mas não se preocupe, porque nesse exercício nós vamos lidar com
todos os sentimentos para que cada um perceba de fato o que sente pelo outro. (Entra
música que acompanha toda cena). Ana Paula, sinta que o Bebeto está nas suas mãos.
Você começa e pode fazer o que quiser, coloque para fora o que sente, depois ele entra.

ANA PAULA - O que eu quiser? Obá!!!

FRANCISCO - O Bebeto também... o que quiser..

BEBETO - Ai que bom... quem sabe ela me deixa falar hoje, dizer o que penso dela,
porque...

ANA PAULA – Experimenta, experimenta para ver! Você vai conhecer o verdadeiro dom
da fúria.

FRANCISCO – Gostei, gostei, vamos lá... Isso! Isso! (Nesta cena o analista segue o
caminho começando pelo ódio) Isso, isso, vamos lá começando pelo ódio, vamos lá Ana
Paula... O que você odeia no Bebeto? Vamos lá!

ANA PAULA – Tenho ódio, ódio de você ser tão egoísta, você nunca percebe quando eu
estou em depressão, no fundo do poço...

BEBETO – Eu egoísta? Você fala muito, mas não fala o que sente como é que vou
perceber? Você acha que sou um paranormal não desenvolvido é?

ANA PAULA – Não precisa ser paranormal, basta ser mais sensível. Você só pensa em
você!

BEBETO – Insensível? Insensível eu? Se eu fosse insensível não ia estar aqui depois de
você mentir esse tempo todo?

ANA PAULA – Você disse que não ia mais falar sobre isso?

BEBETO - Mas falei pronto...

ANA PAULA – Você não entende que eu não podia nem conseguia falar, você não
entende, que eu tinha medo de perder você.

31
32

BEBETO - Isso porque você não confia em mim, confiança é fundamental...

ANA PAULA – Eu sei que é, mas quando quero conversar você fica vendo futebol, os gols
da rodada, e se passar vinte vezes você vê as vinte vezes...

BEBETO – Fico sim. Você só fala para me criticar, como se fosse seu esporte favorito.

ANA PAULA – Eu critico porque algo estava errado você não acha?

BEBETO – É pode ser! E sua impaciência? Você repete uma coisa, duas três, quatro vezes.

ANA PAULA – Falo porque você não faz, é por isso.

BEBETO – Repete tanto que até esqueço. Isso sem falar na minha mãe. Para minha mãe
você nunca tem tempo.

ANA PAULA – Claro! Ela fica competindo comigo, o que é diferente da minha mãe que te
adora. Me responde, quando aperta o seu calo você corre para quem?

BEBETO – Não põe a mãe no meio, vamos deixar a mãe de lado.

ANA PAULA – E a nossa data de casamento que você nunca lembra.

BEBETO – Data... e quando é?

ANA PAULA – Já foi.

BEBETO – Se já foi, já foi, deixa para reclamar no ano que vem.

ANA PAULA – Olha só como você é.

BEBETO – Ué e vou fazer o quê?

ANA PAULA – Você não vê que isso me magoa. E não é só do casamento que você não
lembra, é do primeiro encontro, do primeiro beijo, do...

BEBETO – Você é mulher ou é um calendário Ana Paula.

ANA PAULA – Eu sou sensível e valorizo tudo que vivemos.

BEBETO - Olha aí, você cobra e cobra, acho que devo estar ficando louco, porque morro
de medo de você me deixar...

32
33

ANA PAULA – E eu então? Se vejo um carro igual ao seu meu coração dispara, com medo
de você estar com outra mulher...

BEBETO – Outra mulher de novo não, pára com isso Ana Paula, eu só quero você!

ANA PAULA – Eu também só quero você, e você aqui comigo me enche de esperanças de
tudo voltar a ser como no início... (Tira a venda)

BEBETO – Melhor, muito melhor meu amor, juntos, conversando, resolvendo...

ANA PAULA – É tudo que quero, e se estamos aqui é porque a gente se ama. Eu te amo...
te amo.. te amo.

BEBETO – Eu também te amo... te amo...

TERAPEUTA – (Eles cansados se encaminham carinhosamente um para o outro com o


desejo de transferir das palavras para a ação. Neste instante o terapeuta intervém.) Pronto!
Acabou! Cada um para um lado de costas um para o outro... Vamos, vamos lá.... Isso. Isso!
(A luz sai do fundo e fica só na ribalta para onde o analista se dirige e começa a falar.)

CENA IX - Analisando a cena VIII

(Esta cena além de ser um momento de reflexão para palco e plateia, dará
tempo para atores se prepararem para a cena final).

FRANCISCO - Agora vou comentar a sessão, mas antes fechem os olhos e pensem o que
vocês de fato desejam... estar juntos ou se separar... não falem nada, não é para mim é para
cada um de vocês.... Vamos lá... vocês querem ficar juntos ou separados? (Neste instante a
luz vai baixando, os dois saem de cena e só fica um luz fraca e em foco no terapeuta que
avalia a cena, como se falasse com a platéia, enquanto Bebeto e Ana Paula saem de cena e o
cenário é mudado criando-se o quarto do casal.) Pois é chegamos lá... é norma que numa
relação de casal se sinta pelo outro desde o ódio, a raiva, o desprezo, o desejo de bater,
morder e chutar, e que esses sentimentos se misturam com o carinho, o tesão, a paixão e o
amor até. O natural dos seres humanos é jogar o lixo o mais perto possível, e se o que está
próximo é seu marido ou mulher, sua mãe, filhos ou mesmo amigos, não tenha dúvida que
é nele que o lixo será jogado... e não estou aqui para dizer se isso é certo ou errado... O que
quero dizer é que numa relação é importante cultivar e manter o respeito e o beijo na boca,
sem eles não há salvação. O respeito é a palavra mágica. Hoje aqui desvendamos o que um
sente pelo outro e tornamos viável o encontro de vocês na vida, e isso abrange tudo, desde
o mau hálito até o se permitir dizer o que pensam e sentem, e isso é ótimo! Agora podemos
de fato mexer na cama, no ato sexual!

BLACK-OUT
33
34

CENA X - Na cama em ação.

(Quarto do casal, mantendo as características do consultório, no lado


esquerdo do palco, visto da plateia. - A cama é vista por todos da plateia pois
está inclinada para ela. Terapeuta dirige o momento sexual do casal, como se
estivesse na cama com eles. Essa fala é lembrança do que ele ensinou, ao
propor um momento íntimo do casal. - A luz é sensual, quente, protetora e
cria um ambiente envolvente em que a platéia se sente incluída. - Estas cenas
são suaves, quase um ballet, uma coreografia, e os atores protegidos pela luz)

FRANCISCO – Prepare sempre que possível o ambiente, com uma luz tênue, roupas e
uma música suave. O homem tem que aprender a calma, o yin, deixar o tempo e as carícias
comandarem, sem medo de se entregar. Se permitir é a palavra. (Bebeto e Ana Paulo, de
roupa sensual, seguem as indicações do terapeuta). Sente-se de frente para ela, com as
pernas cruzadas nas suas costas. Fique assim um tempo, respire junto com ela, olho no
olho... Fique assim e deixe o carinho, o amor e uma sensação de prazer invadir vocês dois...
Isso, isso! Se entreguem. (A voz some e eles criam um momento de tesão e carinho –
Tempo.)

BLACK OUT

FRANCISCO – E as carícias chamadas preliminares? Elas são importantes! Tão


importantes quanto o ato sexual, e são um caminho de entendimento e descoberta do seu
corpo e do corpo do outro. Faça massagem no pé e em todo o corpo dele e enquanto isso ele
faz no seu corpo... nos pés, nas pernas... isso com carinho... assopre o corpo de sua parceira
suavemente... descubra as zonas erógenas dela e suas... dos pés até a cabeça... sem pressa...
sem pressa... (A voz vai sumindo enquanto eles realizam a indicação. Parece que Terapeuta
está no quarto com eles - Eles continuam mais um tempo e luz sai vagarosamente.)

BLACK OUT

FRANCISCO - (Eles na cama, ela de frente para o público e ele de costas parece estar
tocando o sexo dela, pelo menos é essa a impressão da platéia). Explore a yoni, o orgão
sexual dela, com suavidade, não vá até o fundo, nem com os dedos e nem mesmo com o seu
pênis, fique às vezes na entrada, pois o prazer está também na borda, nas paredes próximas
da entrada, vai devagar, olhe para ela e sinta suas reações... sem pressa... estimule sua
parceira com carinho, isso... isso! (Terapeuta para de falar e eles continuam um tempo - O
público só vê ela e seu rosto, ele está de costas para o público - Luz sai vagarosamente.)

BLACK OUT

34
35

FRANCISCO - Use a posição da mulher por cima. Sinta o poder feminino e não tenha
medo. (Ele está deitado na cama, com os braços esticados em direção as pernas da cama, e
ela está sobre as pernas dele, a impressão da platéia é de uma relação sexual, ela comanda a
ação) Esta posição cria a “troca de sexo”, pois o poder é dela, deixe que ela domine, sinta
seu lado feminino, sua submissão. (Vai crescendo a cena parecendo que vai chegar ao
êxtase). Cuidado! Quando você estiver quase na ejaculação pare. Isso, abrace sua
companheira, acarinhe, respire junto com ela, se energise e aceite o comando dela...
Desfrute este momento de amor e prazer! (Ele levanta o corpo e abraça ela, que fica com o
rosto voltado para a platéia e ele continua de costas. - O Terapeuta vai saindo de cena
enquanto ouvimos suas últimas recomendações, ao mesmo tempo que ele deita-se de novo
e ela recomeça e vai aumentando o ritmo prenunciando o fim do ato sexual - A música vai
subindo e acompanhando o clímax da cena - Ela respirando ofegante e gritando).

ANA PAULA - Meu Deus! Meus Deus! Já faz muito tempo.... eu não aguento mais meu
amor... Eu vou... Eu vou... Meu Deuuuss... ( A luz cai, a música aumenta e se ouve o grito
final dela e dela).

(Terapeuta vai em direção à vela colocada no canto esquerdo visto da platéia –


Música cai e luz também.)

TERAPEUTA – O amor é caminho de mão dupla, assim como o respeito, é preciso dar
para receber, mas para receber amor é preciso que você se sinta merecedor e acima de tudo
que você se ame. Boa noite! (Apaga a vela.)

BLACK OUT / THE END

35

Você também pode gostar