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CARÍCIAS

De Sergi Belbel

Tradução: Ana Filipa Barrocas,


Ana Margarida Leitão
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CENAS

Cena 1 – Homem Jovem e Mulher Jovem


Cena 2 – Mulher Jovem e Mulher Madura
Cena 3 – Mulher Madura e Mulher Velha
Cena 4 – Mulher Velha e Homem Velho

Cena 5 – Homem Velho e Miúdo

Cena 6 – Miúdo e Homem

Cena 7 – Homem e Rapariga

Cena 8 – Rapariga e Homem Maduro

Cena 9 – Homem Maduro e Rapaz

Cena 10 – Rapaz e Mulher

Epílogo – Mulher e Homem Jovem


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CENA 1

Sala de estar, cadeirões.


Homem Jovem e Mulher Jovem.

Homem Jovem – Que estranho

Mulher Jovem – O quê?

Homem Jovem – Tudo isto.

Mulher Jovem – A que te referes?

Homem Jovem – Não sei se te deste conta.

Mulher Jovem – Não. De quê?

Homem Jovem – Tenho a sensação…

Mulher Jovem – De?!

Homem Jovem – A estranha sensação…

Mulher Jovem – Que tens?

Homem Jovem – É como se …

Mulher Jovem – Como se o quê?

Homem Jovem – Como se já não…

Mulher Jovem – Não, o quê?

Homem Jovem – Como se já não tivessemos…


(pausa)

Mulher Jovem – O quê?

Homem Jovem – Nada a dizer um ao outro.


(pausa)
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Mulher Jovem – Sim.

Homem Jovem – Sim, o quê?

Mulher Jovem – Sim, temos algo a dizer um ao outro.

Homem Jovem – Ah! Sim?!

Mulher Jovem – Sim!

Homem Jovem – O quê?


(pausa)

Homem Jovem – Diz, o quê?!

Mulher Jovem – Pois. Não sei. Agora não me lembro.

Homem Jovem – Vês?! Dás-te conta?

Mulher Jovem – Não, não vejo. Não me dou conta.

Homem Jovem – Não queres dar-te conta!

Mulher Jovem – Mas, de quê? Vamos lá ver, de quê? Diz-me. De que raio tenho
de me dar conta, pode saber-se?!

Homem Jovem – Queres que te repita?

Mulher Jovem – Não, por favor. Se vais dizer o que já disseste antes, mais vale
que te cales.

Homem Jovem – Bom, então, se mais vale que me cale, calo-me.


(pausa)

Mulher Jovem – Temos muito que dizer um ao outro. Sabes perfeitamente.


Sei que há coisas que pensas e te calas porque não as queres dizer, ou não as
queres dizer a mim. Sim, dize-las a mim, por algum problema teu que ignoro ou
que até tu mesmo ignoras e isso ofende-me, sabes?!
Ofende-me, angustia-me, doi-me e doi-me ver-te assim, ver-me assim, ver-nos
assim, enchendo com palavras vãs estes vãos momentos de silêncio, e logo os
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insultos, os teus insultos, porque é uma ofensa o que acabas de dizer-me,


insultas-me, ofendes-me ao dizer que já não temos nada para dizer.

Homem Jovem – Desculpa. Um momento…

Mulher Jovem – Porque é que me interrompes?!


Interrompes-me sempre quando começo a… a construir um… um discurso
minimamente coerente que ultrapasse os… os monossílabos que tanto
caracterizam as nossas conversas quotidianas!
Já pareces a minha mãe, e se saí da sua casa, não foi propriamente para ir viver
com outro como ela ou pior ainda!
Não há desculpas nem momento que valha.
Era eu que estava a falar e serei eu quem continua a falar! Vamos ver se
começam a mudar as coisas na merda desta casa, ao menos nesta!

(ele esbofeteia-a violentamente)

Homem Jovem – Quando uma pessoa pede desculpa, desculpa-se. Cala-se e


escuta-se, entendes-me?!
E eu acabo de pedir-te desculpa só para fazer um breve reparo no teu…
estupendo discurso, tão explicíto e coerente e vou fazê-lo, estás a ouvir-me?
Vou fazê-lo, vou fazê-lo, vou fazê-lo!

(ele volta a esbofeteá-la, ainda mais violentamente)

Homem Jovem – Eu não te disse que já não tinha nada para dizer-te, ouviste?!
(volta a esbofetea-la selvaticamente)

Homem Jovem – Disse que já não temos nada para dizer. Não eu. Não tu. Disse:
nós.

(silêncio)

Mulher Jovem – Que queres para jantar?

Homem Jovem – Não sei. Que há?

Mulher Jovem – Carne, ovos, salada. Posso fazer esparguete, se preferires.

Homem Jovem – Não, não, massa, de noite, não, que é muito indegesta. Prefiro
uma salada dessas com muitos ingredientes e uma boa sobremesa.

Mulher Jovem – Temos alface, tomate, cenoura, milho, azeitonas, aipo, cebola.
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Homem Jovem – Não, não, nada de cebola, que depois como muita.

Mulher Jovem – Sim, porque ficas hálito terrível, e depois é um cheiro na cama
que não há quem o aguente.

Homem Jovem – Podemos pôr também bocaditos de maçã e ananás, se houver,


claro.

Mulher Jovem – Sim! Uma salada tropical! Apetece-me muito. Mas o ananás é
de lata.

Homem Jovem – É igual.

Mulher Jovem – Bom, então mãos à obra. Ui. Não sei se há algo para
sobremesa.

Homem Jovem – Não há nenhum flan?

Mulher Jovem – Há sim, que despistada. Comprei precisamente dois esta


manhã. Ah, também há iogurte.

Homem Jovem – Prefiro um flan.

Mulher Jovem – Pois eu um iogurte.

Homem Jovem – Eu um flan.

Mulher Jovem – Muito bem, tu comes um flan e eu como um iogurte. Está tudo
bem.

Homem Jovem – Está tudo bem. Ajudo-te a preparar a salada?

Mulher Jovem – Sim, assim acabamos mais depressa. Vamos para a cozinha?

Homem Jovem – Vamos.


( despõem-se a sair, ela detem-se)

Mulher Jovem – Desculpa. Um momento.

Homem Jovem – O que é?


(ela dá-lhe um murro no estômago, uma joelhada nos testiculos. Ele cai no chão)
Mulher Jovem – Não há azeite.
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Homem Jovem – Ahhh.

Mulher Jovem – Acabou. Terás de ir pedir um pouco à vizinha.

Homem Jovem – Ahh, não posso resp…

Mulher Jovem – Vá lá, levanta-te, não podemos perder tempo com parvoíces.

Homem Jovem – Ahhh, ahhh.

Mulher Jovem – Vá lá, vamos, levanta-te, pega num copo, enquanto eu ponho a
alface de molho, vais e pedes à vizinha que o encha de azeite.
Mas que seja mesmo azeite, hum?! Não suporto as saladas com óleo de girassol
ou de milho, são insípidas.

Homem Jovem – És um monstro.

Mulher Jovem – Levanta-te já e vai à cozinha.

Homem Jovem – És repugnante.


(ela dá-lhe um pontapé na cara)

Mulher Jovem – Levantas-te ou não te levantas?!


(ela dá-lhe outro pontapé em cheio na cara)

Mulher Jovem – Vais à cozinha ou não vais à cozinha?!


(dá-lhe outro pontapé na cara)

Mulher Jovem – Vais pedir o azeite à vizinha ou não vais pedir o azeite à
vizinha?!

(ela dá-lhe outro pontapé na cara, este mais forte)

Mulher Jovem – Queres uma salada tropical ou não queres uma salada tropical?!
(silêncio)

Homem Jovem – Ahh.


Mulher Jovem – O quê?
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Homem Jovem – Ahhhh.

Mulher Jovem – Não entendo o que dizes.

Homem Jovem – Aaaahhhh

Mulher Jovem – Desculpa, mas se não articulares melhor …

Homem Jovem – Aaaaaaaaahhhh

Mulher Jovem – Queres dizer-me algo?

Homem Jovem – Huuuummm … siii… sim…

Mulher Jovem – Vês?! Dás-te conta?! Vês como afinal tens algo a dizer-me?

CENA 2
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Um parque. Um banco de pedra.


Mulher Jovem e Mulher Madura.

Mulher Jovem – Que queres?

Mulher Madura – Presta atenção.

Mulher Jovem – Que preste atenção, a quê?!

Mulher Madura – Ao que vou ler. Sabes que me custa falar. E o que quero dizer-
te... escuta-me atentamente.

Mulher Jovem – O que é?

Mulher Madura – Não tem importância. Não importa quem o escreveu. Não
importa como está escrito. Não importa mais do que as palavras que diz.
Palavras que nos dizem respeito. Espero que as entendas e que entendas
porque as leio.

(abre o livro que tem sobre os joelhos e lê)

Mulher Madura – “Cai a noite e o silêncio... abandona a cidade, porque na


realidade não é certo que o silêncio seja a noite, é um lugar comum crer que
tudo se pára quando pára a gente, e logo a gente crê...que deter-se por fim de
tanta rotina supõe parar o tempo e penetrar na calma. E pensa que isso é a
noite: o repouso do guerreiro, um teatro bocejante, sonolência letargica, um
parêntisis vazio, o nada tão necessário.
Cai a noite e nasce o tempo que se opõe ao próprio tempo: alimenta desejos e
empurra-nos para o excesso, os instantes eternizam-se, o segredo inconfessável
revela-se brutalmente, as máscaras descobrem-se, e até o mais mínimo gesto
pode acabar com tudo. Desatam-se paixões, os medos saem de enchorrada ... a
noite é como um motor de silêncios eloquentes, onde nem o tempo é o tempo
nem o lugar lugar nenhum, onde o obscuro é radiante, onde o nada não existe...”

Mulher Jovem – Porra, mãe, aguenta os cavalos!

Mulher Madura – O quê?

Mulher Jovem – Cala-te já, porra! Que confusão.


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Que raio tentas dizer-me, se é que tens a intenção de dizer-me o que quer que
seja?!
Não me terás feito vir de tão longe e tão tarde para me dares o trabalho de ouvir
essas palermices, com essas tuas manias de palavras enroladas, frases sem
pés nem cabeça e elevados pensamentos para anormais que tentam deixar de
sê-lo?!
Deixa-te de conversas, e solta lá o que queres sem rodeios estúpidos, porque
tenho de ir esperam-me para jantar, não posso perder tempo com uma velha
chata.

Mulher Madura – Vai-te.

Mulher Jovem – Mãe, não comecemos.

Mulher Madura – Só te peço um minuto. Estou tão sozinha, minha filha, e há


tantas coisas que penso... Desde o dia em que te foste, que a casa não é a
mesma.
Sim, antes era um inferno, uma batalha constante: brigas, gritos, má-caras,
angustia, pranto, tensões. Tenho de reconhecer que talvez tenha sido culpa
minha, que se tenha declarado uma guerra entre nós, uma pequena guerra,
embora hóstil, à base de gestos mínimos e mínimas palavras e de silêncios
eternos.
Se a guerra mais cruel é a guerra entre as mulheres, é mais cruel ainda entre
uma mãe e uma filha. Mas agora que não estás, sinto tanta falta.

Mulher Jovem – Que dizes? Ficaste louca?

Mulher Madura – Sim. Sim.

Mulher Jovem – Ainda o admites!?

Mulher Madura – Sim. Sim.

Mulher Jovem – É para isso que me chamas, que me convidas com tanta
urgência, atreves-te a aborrecer-me e pedes-me que te escute?!
Para dizer o quê? Que estás completamente louca?

Mulher Madura – Não. Para dizer-te por fim o que não te disse nunca. Sei que
chegou o momento.
Mulher Jovem – Que momento?

Mulher Madura – O momento.


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Mulher Jovem – De levar-te para o manicómio?

Mulher Madura – De dizer-te a verdade.

Mulher Jovem – Se em casa te sentes só, se a velhice te dá medo e não tens ao


que te agarrar, vai viver num asílo, disseram-me que são muito bons,
estupendos, confortáveis.

Mulher Madura – Eu... a culpa não foi minha.

Mulher Jovem – Conhecerias gente, passarias bem. São hotéizinhos muito


bonitos, para velhos mas limpos, pode-se entrar e sair, os horários não são
rígidos e até fazem excursões.

Mulher Madura – Sinto que já deixei passar demasiado tempo…

Mulher Jovem – Ouve-me!.

Mulher Madura – ... para dizer-te.

Mulher Jovem – Como posso convencer-te? Será que...

Mulher Madura – Não sou tua mãe.

Mulher Jovem – O asílo é ideal. É o teu lugar ideal. Vai para um asílo.
(silêncio)

Mulher Madura – Que horas são?

Mulher Jovem – Muito tarde.

Mulher Madura – Filha!

Mulher Jovem – O que é?

Mulher Madura – Pensava que este parque era o lugar ideal para dizer-te, que
por fim tomei uma decisão a respeito da tua mania de me afastares de ti, e
deixar de ser um peso para ti e para o mundo. Sei que ainda sou jovem, mas
também estou consciente da minha doença e estou consciente que tudo me
enjoa e que minto, minto-me a mim, minto-te para matar o tempo ou para
recuperá-lo, por isso rogo-te...
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Mulher Jovem – Falas como um livro.

Mulher Madura – Rogo-te que te encarregues tu dos trâmites, assim poupas-me


trabalho e problemas de papelada e de legalidades e telefonemas e esforços e
visitas e não faças caso do que te digo, do que te disse. Já me tinhas
convencido.

Mulher Jovem – Sim, tens razão. Este é um lugar ideal. É um parque tão
tranquilo. Tão solitário, mãe. Tão solitário.

Mulher Madura – Não te entendo.

Mulher Jovem – Não te preocupes. Eu encarrego-me de tudo.

Mulher Madura – Obrigada.


(pausa)

Mulher Jovem – Mãe!

Mulher Madura – O que é?

Mulher Jovem – Devias ter abortado.

Mulher Madura – Vou gostar, estou certa. O asílo vai encantar-me.

Mulher Jovem – Adeus. E deixa de ler essas coisas. Tornar-te-ão mais louca.

Mulher Madura – Telefona-me.

Mulher Jovem – Cada vez mais.

CENA 3
Sala de um asílo. Um sofá.
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Mulher Adulta e Mulher Velha.

Mulher Velha – Eu gostava de dançar o tango.

Mulher Madura – Eu, o rock and roll.


(pausa)
Mulher Madura – Eu dançava sempre o rock and roll, cada Sábado e cada
Domingo, e escapava de casa pela janela do pátio e às escondidas. Ele
esperava-me na rua de trás, de trás do pátio, era um pátio interior, e dávamos as
mãos, ele tinha sempre a mão quente, a minha estava sempre fria e ele aquecia-
me e punhamo-nos a correr até ao norte da cidade. Ali, desde a avenida, já se
ouvia a música: rock do autêntico, e dançavamos como idiotas, foi assim um ano
inteiro, ou quem sabe mais, apertando as mãos, os corpos apertados, todos os
fins-de-semana até que...até que...chegou a miúda, a estúpida da miúda, não
podes imaginar quanto odiava essa minha criança asquerosa quando estava no
meu ventre. Impedia-me de dançar! E ainda por cima, o meu pai e a minha mãe
meteram barrotes na janela do pátio, e eu fechada lá dentro. E a barriga a inchar
cada dia mais. Mas uma tarde, para me satisfazer, mais frenética que nunca,
enganei-os e escapei e fui completamente sozinha para a avenida, ao salão de
baile da avenida, completamente sozinha. Ele já não estava e nunca mais voltou
nem eu voltei a vê-lo e apesar disso ainda me lembro dele: braços musculosos e
pernas robustas, barriga de bronze e mãos quentes. Fugiu, mas naquela tarde
eu dancei como nunca, era uma droga, não podia parar e todos me olhavam e
eu dançava sozinha. A estúpida de merda devia ter já sete meses aqui dentro
sem fazer nada, bebendo o meu sangue, roubando o alimento das minhas
entranhas, algo inverosivelmente vivo nesta barriga, agora bamba, e revolvia-a
para cima e para baixo de um lado para o outro, chocando-a contra o figado e os
ossos, o estômago e as tripas e contra os meus rins, porque era isso que eu
queria, agitá-la, enjoá-la, fazê-la vomitar, era a minha vingança.
Quase seis meses, desde os primeiros enjôos, seis meses sem deixar-me
dançar o rock and roll, a imbecil, a traidora, a inopurtuna criatura monstruosa,
porque o rock dança-se aos pares e ele foi-se e a mim, trancaram-me.
Mas naquela tarde, eu sozinha dancei como uma louca diante de todos, e
quando soou o meu rock preferido, o sangue chegava-me aos tornozelos...
(pausa)
Mulher Velha – Gostava de dançar o tango porque também odeio os homens, eu
também os odeio. e quando dançavamos, aquele pobre tonto nem se dava
conta. E era feliz, o infeliz, porque acreditava que me estava a dominar. Diz-se
sempre... que o tango é domínio do macho... e eu sabia que não, e ali mesmo
deixei plantado o meu, na sala de baile, quando quis meter-me a mão entre as
pernas, depois de ter dançado o seu tango favorito, que era o que eu mais
detestava.
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Pobre rapaz, já nem me recordo da sua cara, somente recordo as suas mãos
peludas como lagartas negras e o horror entre as suas pernas. Pobrezito. O
único homem da minha vida, por sorte, o único.
Nunca mais o voltei a dançar com nenhum outro homem, nunca mais... e isso
era o que gostava no tango. Desde logo, que coisa mais estranha... gostava do
tango.

(pausa)

Mulher Madura – Não sabia que estavas aqui.

Mulher Velha – Não tenhas medo. Acabarás por acostumar-te a este sítio.
(pausa)

Mulher Madura – Como o tempo passa.

Mulher Velha – É o que dizem.

Mulher Madura – Mas tu estás bem.

Mulher Velha – Não é verdade.

Mulher Madura – Estou a falar a sério.


(pausa)

Mulher Madura olha fixamente a Mulher Velha, agarra-lhe a mão e aproxima-se. Dão um beijo prolongado na
boca. De repente soua uma música calma, fora de moda. Som ligeiramente defeituoso.

Mulher Velha – Dançamos?

Mulher Madura – Tentemos.


Levantam-se, abraçam-se e dançam.

Mulher Velha – Que horrível.

Mulher Madura – Insuportável.

Mulher Velha – Oh, já chega!


Deixam de dançar.

Mulher Madura – Que desastre.


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Mulher Velha – Tirem isso! Parem!


A música pára.

Mulher Madura – É sempre assim?!

Mulher Velha – Velhas freiras idiotas.

Mulher Madura – Sempre assim?!

Mulher Velha – Não me canso de repetir, mas não há nada a fazer.

Mulher Madura – Que horror.

Mulher Velha – Se essa aparelhagem fosse minha...

Mulher Madura – Se fosse... nossa...

Mulher Velha – Não. Não. Música de asílo, música de asílo, para velhos
chôchos. As freiras de merda gostam de música de asílo, encanta-lhes, torna-as
loucas. Não lhes entra na cabeça que eu a destesto e não sou a única. Não.
Não. Voltarei a queixar-me.

Mulher Madura – Isso, vamos queixar-nos.

Mulher Velha – Sim, as duas juntas, melhor as duas juntas, unidas venceremos.

Mulher Madura – Não te preocupes, estou contigo.

Mulher Velha – Teremos que ser duras, fortes, intransigentes.

Mulher Madura – Pois sejamos duras, fortes, intransigentes.

Mulher Velha – Teremos que tomar medidas drásticas.

Mulher Madura – Como por exemplo?

Mulher Velha – Greve de fome. Greve de fome.

Mulher Madura – Isso. Até que nos ponham a música que gostamos.
(pausa)
Mulher Velha – Quem sabe nos deixarão morrer.
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Mulher Madura – Quem sabe.

Mulher Velha – A mim falta-me já tão pouco tempo...

Mulher Madura – Não!

Mulher Velha – Sim!


(pausa)
Mulher Madura – Temo-nos uma à outra.

Mulher Velha – Não tenhas medo. Acabarás por acostumar-te a este sítio.
(silêncio)
Mulher Madura – Ainda bem, que estás aqui.

Mulher Velha – Porquê?

Mulher Madura – Ainda bem, que nos encontramos de novo.

Mulher Velha – Que dizes?

Mulher Madura – Eu já pensava que te tinha perdido.

Mulher Velha – Que dizes?!

Mulher Madura – Ensinaste-me tantas coisas.

Mulher Velha – De quê? De quê?

Mulher Madura – Da vida. E em tão pouco tempo.

Mulher Velha – Perdão.

Mulher Madura – O quê?

Mulher Velha – Se eu, de ti, não me recordo.

Mulher Madura chora.

CENA 4

Uma rua, um contentor.


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Mulher Velha e Homem Velho.

Homem Velho – Puta vestida de velha.

Mulher Velha – Que estás à procura?

Homem Velho – Comida.

Mulher Velha – Há mais de dez anos que não nos víamos.

Homem Velho – Tenho fome.

Mulher Velha – Não me dizes nada?

Homem Velho – Puta.

Mulher Velha – Não me dizes nada?

Homem Velho – Puta, puta, puta. Vai-te, tenho fome, vai-te.


(pausa)
Homem velho mete metade do corpo no contentor e revolve os sacos do lixo.

Mulher Velha – Só me resta uns vinte minutos, porque fecham o asílo às nove.
Alguém me disse que estavas aqui. E eu por fim saí para te procurar.
Dez anos é muito e não mudaste nada. Oito e meia. Levo mais de cinco horas a
caminhar. Porque saí depois de almoço, e estive a dar voltas e mais voltas. Não
conheço estas ruas nem este bairro. Embora seja o centro da cidade. Disseram-
me que estavas aqui. Já sei que dormes na rua. Que as tuas mantas são jornais.
Faz dez anos que o sei e hoje por fim me decidi. Na realidade não sei porquê.
Ou se sei, não sei.

Homem Velho – Uma sardinha.

Mulher Velha – Não me dás pena.

Homem Velho – Três sardinhas.


O Homem velho tira do contentor um saco que acaba de rasgar.Senta-se no chão e tira do saco uma lata de
sardinhas.

Mulher Velha – Não me dás pena.


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Homem Velho – Vai-te puta, vai-te são minhas.

Mulher Velha – Não quero comer.

Homem Velho – Cabra, cabra, sei quem és, sei quem és.

Mulher Velha – Sabes quem sou?!

Homem Velho – Sim, puta vestida de velha, um polícia disfarçado. Não, não,
não! Não me cortéis o cabelo, quero estar aqui não me leveis, não quero lavar-
me. Darei um peido, não me limpéis a caca, gosto da merda seca. Assim o meu
cú não tem frio. As sardinhas são minhas!

Mulher Velha – Porque é que não vens comigo, para o asílo?

Homem Velho – O meu cuzinho não quer frio. Merda, caca, quero caca.

Mulher Velha – Porque é que não vens comigo para o asílo.

Homem Velho – Eh, ah. A minha irmã, irmãzinha vivía num asílo.

Mulher Velha – A tua irmã?!

Homem Velho – Puta vestida de velha.


(pausa)
O Homem velho come ávidamente meia sardinha.

Mulher Velha – Tenho de ir-me.

Homem Velho – Sardinhita, sardinhita. Sardinhita bonita. Rica sardinica.

Mulher Velha – Vem comigo.

Homem Velho – Puf, que nojo, porcaria. Tenho sede, que salgada, que salgada.
Atira a sardinha à cara da Mulher velha.

Mulher Velha – Ah, que fazes?

Homem Velho – Sardinhitas salgadas para as putas velhas, tenho fome, tenho
sede.

Homem velho volta a revolver no contentor.


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Mulher Velha – E se esta for a última vez que nos vemos?!


Tu és forte, estás louco, os loucos são fortes, demasiado fortes para morrerem
antes de tempo.
Eu estou doente e sou mais velha que tu. Não muito, mas sou. Somente três
anos, mas já são anos.
Agora sim, embora antes… o que eram antes três anos para nós? Nada. E
entendiamo-nos. Sempre nos entendemos, nos havíamos entendido… antes…
sobretudo antes… quando apagavamos a luz do quarto, falávamos em voz
baixa, cochichavamos e morriamos de rir, entendiamo-nos. Não tinhamos medo,
confessavamos tudo um ao outro.

Homem Velho – Frango frito!

Mulher Velha – Não pretendas fazer-me pena.

Homem velho – um frango frito inteiro…

Tira outro saco do contentor, já rasgado, saca ossos de frango, senta-se no chão rodeado de lixo.

Mulher velha – Não pretendas fazer-me pena mais uma vez.

Homem Velho – Franguinho frito, um peito e uma coxinha. Não te a vou dar puta
velha camionista.

Mulher Velha – Não quero comer, não tenho fome.


Ele come. Ela observa-o, agacha-se e senta-se ao seu lado. Ele olha-a surpreendido.

Homem Velho – Você não é um polícia.

Mulher Velha – Não.

Homem Velho – És uma velha.

Mulher Velha – Sim.

Homem Velho – Uma velha que foi jovem.

Mulher Velha – Sim.

Homem Velho – Você é boa?

Mulher Velha – Sim.


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Homem Velha – Então posso dizer-lhe um segredo segredinho?!

Mulher Velha – Sim.


Ele mostra-lhe uma mão e assinala um anel.

Homem Velho – Gostas?

Mulher Velha – Sim.

Homem Velho – Eu tinha uma mulher.

Mulher Velha – Sim eu sei.

Homem Velho – Você não sabe nada.

Mulher Velha – Vem para o asílo.

Homem Velho – Uma mulher minha, minha.

Mulher Velha – A tua mulher.

Homem Velho – Morreu.

Mulher Velha – Já faz tanto tempo.

Homem Velho – Deixou-me.

Mulher velha – Vem para o asilo.

Homem velho – Deixou-me.

Mulher Velha – Faz já demasiado tempo.

Homem Velho – Deixou-me antes de morrer.

Mulher Velha – Não é verdade.

Homem Velho – Vivíamos juntos.

Mulher Velha – Que estás a comer?

Homem Velho – Víamo-nos pouco.


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Mulher Velha – Não fales tanto.

Homem Velho – A minha mulher tinha uma namorada. Ah ah.

Mulher Velha – Vem para o asílo.

Homem Velho – Que frango tão bom.

Mulher Velha – Eu sou boa.

Homem Velho – Era eu que cozinhava.

Mulher Velha – Estou a morrer.

Homem Velho – Minha irmã.

Mulher Velha – Dez anos sem ver-te.

Homem Velho – E enquanto eu cozinhava…

Mulher Velha – Perdoa-me.

Homem Velho – … a minha mulher tinha uma namorada – a minha irmã.


(silêncio)

Mulher Velha – Tenho fome.


Ele dá-lhe um osso de frango. Comem. Olhares perdidos.

(pausa)

Ela levanta-se com dificuldade.

Mulher Velha – Menos um quarto, nove menos um quarto. O asilo fecha às nove.
Não queres vir comigo(?!) Vou-me embora.

Homem Velho – Puta vestida de velha. Estás a morrer.


O Homem velho solta uma grande gargalhada

CENA 5
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Uma rua. Degraus de um bar fechado.


Homem Velho e Miúdo.

Miúdo – Tu, que levas nos bolsos.

Homem Velho – Para a cama bébé, para a cama.

Miúdo – Se é dinheiro, dá-me.

Homem Velho – Que horas são? Não é muito tarde, não é muito tarde? Não são
três, não são quatro?

Miúdo – Cala-te.

Homem Velho – Oh, calo-me, calo-me…

Miúdo – Que é isso que levas nos bolsos?

Homem Velho – Miúdo, miúdo, tu és um miúdo e é de noite muito tarde, muito


tarde. O bar: fechado.

Miúdo – Dá-me.

Homem Velho – Ah, filho da puta, filho de puta, a tua mãe é uma puta.

Miúdo – A minha mãe não é uma puta, imbecil.

Homem Velho – Oh, queres roubar-me. Os filhos da puta, os filhos de putas


roubam e batem, roubam e batem.
(pausa)
Miúdo – Eh. Porque é que me olhas tanto, velho xôxo? Tenho macacos no nariz
ou quê?

Homem Velho – Macacos não. És um miúdo. Os miúdos não vivem de noite. Eu


sim. Outros também. Então não és um miúdo. És um demónio, um animal.

Miúdo – Tu sim, és um animal.

Homem Velho – Ah não, ah não, ah não. Eu sou um homem, sou um homem,


sou um homem.

Miúdo – Queres um cigarro?


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O Miúdo tira um cigarro e fuma.

Miúdo – São muito bons. Os melhores, custaram-me trezentas e sessenta,


porque são os melhores.

Homem Velho – Um cigarro.

Miúdo – Toma, mas tu não me viste, hein?!

Homem Velho – Não, não, não, não te vi.


O miúdo dá-lhe um cigarro e mostra um isqueiro dourado.

Homem Velho – Ah ah. Do teu pai.

Miúdo – Não homem! O meu pai não fuma. Idiota. Roubei-o a um gajo que curto,
e ele também me curte bué, assim nunca pensará que fui eu que o roubei.
Queres que te conte?

O Homem velho aspira o fumo com deleite.

Homem Velho – Oh sim, sim. Oh sim, sim. Siiimmm.

Miúdo – Ah ah. Pois o gajo a quem roubei isto, é um gajo que encontrei no metro
e me arranjou chito, e só me cobrou 12€, caralho, foda-se, que merda, e agora
acabou-se, é que tenho um amigo que acho nojento, asqueroso e fumou-me
metade, foda-se, que anormal, e o gajo do metro levou-nos para sua casa, foda-
se que casa, e aí tomámos banho porque já há dois dias que não tomávamos
banho, o meu amigo nojento e eu.
E quando tomávamos banho, vimos que o tipo se despia no quarto e no quarto
havia uma gaja nua que lhe disse: “Quem são esses miúdos?”. Ele disse-lhe que
vinhamos comprar chito e a tipa levantou-se toda nua e entrou na casa de
banho. Foda-se, tinha uma cona negra, foda-se, e o meu amigo e eu partimo-nos
a rir.
A gaja era cantora num grupo super conhecido que se chama Ódor a Sémen,
que eu e o meu amigo tinhamos ído ao concerto, na moto de uns colegas, há
quatro dias, foda-se, caralho, que estalo, que coincidência. E ela disse que
eramos muito pequenos e eu perguntei-lhe se ela era a gaja dos Ódor a Sémen,
e ela disse que sim. E perguntou quanto anos tinhamos. E eu todo nu disse-lhe
que gostava muito do grupo dela e que tinha treze, e logo entrou o gajo que tinha
um pila assim grande e a fumar uma broca disse-nos “vistam-se e basem daqui”,
e vendeu-nos o chito, só nos levou os 12€ e ficamos amigos.
24

E como ainda nos sobrou 40€ dos 95€ que o meu amigo tinha roubado ao pai,
pagamos, roubei-lhe o isqueiro e saimos a mijar-nos a rir.
Foda-se e gastamos o chito numa noite, foda-se, a beber e tudo passamos a
noite numa casa abandonada muito fixe, foda-se que nóia, eu voava como se
fosse um anjinho com as bejecas e os charros. E de manhã ainda estavamos
alucinados como se estivessemos no céu, sem ruído, sem gritos nem nada de
nada, que tranquilidade. E que nojo ver o meu amigo a dormir como um imbecil.

Homem Velho – Como um anjinho.

Miúdo – Saimos da casa abandonada e fomos para uma Okupa que uns punks
nos tinham dado a morada, e abriram-nos a porta e dissemos “Ei, podemos
dormir aqui?” E eles disseram “Ok, ok, mas só uma noite, hã?”
Lá, estavam os vocalistas de Merda Social, a gaja dos Lençóis Manchados e o
baterista dos Fucking my Mother, um gajo altamente e pensámos “porra, ainda
temos 28€”, e estes gajos de certeza que nos arranjavam uma trip fixe. E deram-
nos meia trip por 20€, “é muito barato”, disseram-nos. E o meu amigo asqueroso
e eu dissemos “altamente” e compramos e ali mesmo metemos. Caralho pá que
fixe, foda-se velho que fixe, que viagem, ganda alucinação. Tudo com umas
cores e voámos e estávamos no céu e eu estava no céu como um anjo e não
pensava em nada e mijava-me a rir.

Homem Velho – Como um anjo.

Miúdo – Mas depois, na manhã seguinte ainda tinhamos 8€ e como saímos da


Okupa às dez e estavam todos a roncar, roubamos 5€ à gaja dos Lençóis
Manchados e apánhamos o autocarro e todos os velhos anormais e os velhos
maricas como tu afastavam-se cagados de medo.
E eu pensava, se a minha mãe me visse também se cagava de medo. E com os
5 paus morfamos uma quatro estações, num parque que estava cheio de betos
asquerosos. Foda-se, que nojo os betos, vão vestidos como maricas e com o
cabelo bem penteado. Se eu tivesse a massa que têm esses tótós, como eu me
carregava de erva e de tripes, isso é que eu gostava. Mas depois da pizza já só
tinhamos 8 paus e um maço de tabaco custou-me 3€, foda-se que caro, mas não
tanto como o que comprei esta tarde que foi 4.50€ porque são de importação.
Verdade, que são bons?! 25 cêntimos cada cigarro, eh cota?! Estás a fumar 25
cent., para que saibas.
Então estavamos fartos de vaguear pelo parque, é que nós não temos uma
ocupação para fazer na merda do dia todo, não queremos fazer nada. Às vezes
ficavamos a anhar, e tudo é uma seca para nós, e até é uma seca e tudo enrolar
as brocas. E estivemos num escorrega sem fazer nada até que uns colegas
trouxeram cervejas de borla.
Fixe, “esta noite também vou passa-la nas nuvens!”
25

Mas não, a bejeca era de litro e tinhamos de dividi-la com o meu amigo
asqueroso e os quatro colegas, que eram os que tinham sido amigos do meu
irmão. Ou seja só mamei uns cinco goles, mas um dos coelgas tinha um charro
de erva, e entre isso e o tubo de cola que estivemos a snifar, já fazia a noite
completa.
Mas eles foram-se embora, porque eles não tinham fugido de casa e fiz-lhes
jurar pelo meu irmão que quando os meus pais telefonassem para suas casas
não diriam nada. E foram-se e eu fiquei super fixe num baloiço e sonhei com o
meu irmão.

Homem Velho – Um anjinho


(pausa)

Miúdo – Tu, como sabes?

Homem Velho – Que sonho. Falas, falas, falas e não te entendo.

Miúdo – Tu, como sabes?

Homem Velho – Anjinhos, anjinhos a ver os anjinhos. Que sonho. Chato, chato,
és um chato e falas como eu.

Miúdo – Mas não é verdade.

Homem Velho – Dormir, dormir e não falar. Basta, basta.

Miúdo – Não é verdade. O meu irmão não é nenhum anjinho. A minha mãe
disse-me que sim, desse-me todos os dias, durante três meses disseram-me
todos os dias. Agora esqueci-me. Porque eu digo que não, Deus não existe, o
céu é uma mentira.

Homem Velho – Cala-te, cala-te filho da puta. Dorme, dorme e cala-te.

Miúdo – O meu irmão não é nenhum anjinho. No colégio só dizem mentiras e os


anjinhos não vão de moto. Tu viste alguma vez um anjo com a cabeça aberta?
Deus não existe, é uma mentira nojenta.

Homem Velho – Para a cama bébé, para a cama.

Miúdo – Foi ali. Ainda se vê a mancha vermelha e negra do cerebro


esborrachado.
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Homem Velho – Dormir, dormir, sonhar.


(silêncio)

Miúdo – Bom, basta. Dá-me a massa duma vez, cota.

Homem Velho – Anjinhos, anjinhos.


O Miúdo começa a dar pontapés ao Homem Velho na barriga e revista-lhe os bolsos.

Miúdo – Vem cá já, porco de merda, velho! Foda-se caralho, bêbado dum
cabrão, maricas! Foda-se este mamão não tem nada, foda-se!.. O anel!

O Miúdo, com esforço, tira o anel ao Homem Velho, cospe-lhe na cara e sai a correr.

Homem Velho – Ai, ai, ai. Filho da puta, filho de puta, filho da puta de anjinho.

CENA 6
27

Casa de banho. Banheira.


Miúdo e Homem.

Homem – Grande, hein?!

Miúdo – Não como a tua.

Homem – Quase.

Miúdo – Bem gostaria.

Homem – E quantos pêlos já, hein?!

Miúdo – Não tão encaracolados como os teus.

Homem – Cá chegarás.

Miúdo – Veremos.

Homem – Verás.

Miúdo – Porque me olhas tanto?

Homem – E tu?

Miúdo – Queres tomar banho.

Homem – Não.

Miúdo – E a mãe?!

Homem – Dorme.

Miúdo – Não queres tomar banho.

Homem – Não.

Miúdo – Está muito boa.

Homem – Quem?

Miúdo – O que é que te parece? A água.


28

Homem – Ah.

Miúdo – Em que é que estavas a pensar?!

Homem – Que te parece.

Miúdo – Na mãe?!

Homem – Está boa?

Miúdo – Não está mal.

Homem – Não está mal.

Miúdo – Existem melhores.

Homem – Claro que sim! Claro que sim!

Miúdo – Mas existem muito piores, hein?!

Homem – Sim. Sim, sim, também.

Miúdo – Mas muito? Muitíssimo muito piores.

Homem – Achas?!

Miúdo – Não tens olhos? Não as vês? Não as olhas quando vais pela rua?!

Homem – Às vezes.

Miúdo – Mentira.

Homem – E tu?

Miúdo – Eu sempre.

Homem – Anda, vá, cala-te já.

Miúdo – Não queres tomar banho?

Homem – Não.
29

Miúdo – Já tenho os dedos enrugados.

Homem – Então sai.

Miúdo – Não quero.

Homem – Vais encolher ainda mais.

Miúdo – Anda, vá, cala-te já.

Homem – Passa-te a esponja pelas costas?!

Miúdo – Não é preciso.

Homem – Queres alguma coisa?

Miúdo – Não.

Homem – Hum ... sabes que mais?

Miúdo – O quê?

Homem – Amanhã...

Miúdo – Amanhã, o quê?

Homem – Haverá uma surpresa.

Miúdo – Qual?

Homem – Não. Não te digo.

Miúdo – Porquê?

Homem – Não seria uma surpresa.

Miúdo – Vá, diz-me.

Homem – Não. Não.

Miúdo – E a mãe, sabe?

Homem – Não.
30

Miúdo – O que é?

Homem – Vais gostar.

Miúdo – É para mim?!

Homem – Para todos.

Miúdo – Para a mãe também?!

Homem – É para todos.

Miúdo – Deixa ver. E quem é que vai gostar mais, tu, eu ou a mamã?

Homem – Tu gostarás mais que a mãe.

Miúdo – E tu?

Homem – Eu? Eu vou amar, fico passado.

Miúdo – Porra, porra, porra! Um carro novo!

Homem – Shiu. Sim, sim, mas não digas à mamã.

Miúdo – Altamente, foda-se, altamente!

Homem – Entregam-no amanhã.

Miúdo – E quando vieres, iremos dar uma volta, ok?!

Homem – Sim, certo.

Miúdo – E que carro é?

Homem – Vais ficar de boca aberta.

Miúdo – Já estou a imaginá-lo.

Homem – Sim. Shiu. Não digas nada.

Miúdo – Uáu.
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Homem – Pedi-o vermelho.

Miúdo – Fixe, é a cor que mais gosto.

Homem – Por isso o pedi vermelho.

Miúdo – Acordo a mãe e conto-lhe agora?!

Homem – Não, não.

Miúdo – Vá lá, sim.

Homem – Não, é melhor que amanhã a façamos ir lá fora e nos encontre os dois
dentro do carro. Verás com que cara fica.

Miúdo – Sim, já a vejo. Ahahah

Homem – Sim. Será divertido

Miúdo – Sim.

Homem – Que hilariante.

Miúdo – Não queres tomar banho?!

Homem – Não.

Miúdo – Vou pôr mais água quente.

Homem – O que tens de fazer é sair.

Miúdo – Só mais um pouco. Agora é quando se está melhor.

Homem – Não deve ser bom tanto tempo dentro de água.

Miúdo – Porquê?

Homem – Porque não.

Miúdo – Olha, se tens de me chatear, é melhor que te vás, hein!

Homem – Quem é que te está a chatear?


32

Miúdo – Tu.

Homem – Que disse?!

Miúdo – Já estás a começar a ralhar comigo.

Homem – Quem, eu?!

Miúdo – Quem querias que fosse, o espelho?

Homem – Quando é que ralhei contigo?

Miúdo – Sai do banho, de certo não é bom, vais apanhar uma pneumonia, bah!

Homem – Não disse nada de nenhuma pneumonia.

Miúdo – Vai dar ao mesmo. Irias dizê-lo.

Homem – Às vezes não te entendo.

Miúdo – E eu às vezes não te suporto.

Homem – Vou para a cama.

Miúdo – Tens a certeza que não queres tomar banho?

Homem – Não.

Miúdo – Comigo?!

Homem – Cabemos os dois?!

Miúdo – Claro! Já não te lembras?

Homem – Dá-me espaço.


O Homem vai-se despindo.

Miúdo – E tem alarme, o carro novo?

Homem – Que é que achas?

Miúdo – Eu é que sei.


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Homem – Claro que sim.

Miúdo – E que tem mais?

Homem – Pois... ar condicionado... tecto de abrir electrónico... jantes de liga


leve... fecho centralizado com control remoto... retrovisores reguláveis também
electronicamente, abertura da mala e do tampão da gasolina automatizado
desde o interior... ah, e auto-rádio estéreo com cassete e leitor de cds de alta
fidelidade.

Miúdo – Cds de alta fidelidade?!

Homem – Sim.

Miúdo – Altamente.
O Homem entra na banheira.

Homem – Ah, queima.

Miúdo – Que dizes?! Está fria.

Homem – Para ti. Porque já estás há um bocado aqui dentro.

Miúdo – Entra devagarinho.

Homem – Sim.

Miúdo – Uff. Muito maior, hein?

Homem – O Quê?

Miúdo – A tua.

Homem – A minha?!

Miúdo – Porra, não vês? Que a tua é muito maior que a minha.

Homem – Não digas isso.

Miúdo – E que quantidade de pêlos.


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Homem – Lá chegarás.

Miúdo – Veremos.

Homem – Vais ver.

Miúdo – Como sobe a água.

Homem – Sim está boa.

Miúdo – A mãe?

Homem – A água.

Miúdo – Pai.

Homem – O que é?

Miúdo – Olha.

Homem – O quê?

Miúdo – Toca.

Homem – Porquê?

Miúdo – Parece que agora te ganho.

Homem – Ganhas-me?!

Miúdo – Olha agora, que grande.

Homem – Ficou tesa.


(silêncio)

Miúdo – A mãe está a ressonar.

CENA 7

Estação. Bancos de plástico.


Homem e Rapariga.
35

Rapariga – E como ficou a saber-lo?

Homem – Pelo odor da tua cona.

Rapariga – Vai à merda.

Homem – Culpa minha, reconheço. Da última vez não me lavei.

Rapariga – E tu, o que lhe disseste?

Homem – Nada.

Rapariga – Nada?!

Homem – Que era imaginação sua.

Rapariga – E acreditou?

Homem – Não.

Rapariga – E que pensas fazer?

Homem – Não entendo.

Rapariga – Que pensas fazer, pergunto.

Homem – Nada.

Rapariga – Não vais dizer-lhe?

Homem – Ficaste louca?!

Rapariga – Não entendo.

Homem – Perdeste o comboio?

Rapariga – Não. Fico.

Homem – Estupendo. Se posso saber, então, o que é que estamos aqui a fazer?
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Rapariga – A discutir sobre a minha cona e a tua desfassatez, as tuas


impertinências.

Homem – Sabes que mais? É melhor que deixemos… refiro-me a nós.

Rapariga – Sim, afastemo-nos.

Homem – Ainda estás a tempo.

Rapariga – De quê?

Homem – De apanha-lo.

Rapariga – Apanhar o quê?

Homem – O comboio.

Rapariga – Ah.

Homem – Por certo não te ficaria nada mal te lavasses mais frequentemente.
Seguramente assim teriamos poupado outro problema.

Rapariga – De que estás a falar?

Homem – Da tua rata.


(Problema?! Disse outro problema?!) Pois isso, sim, que cheira muito, que
tresanda, enfim. Bom, há que reconhecer que todas as ratas cheiram, ou se
quiseres, tresandam, é evidente, largam uma pestilência adocicada, algo fétido,
só um pouco, ainda que nada desagradável, em regra geral.
O que se passa é que a tua... bom, agora que terminamos posso dizer-to sem
papas na língua... a tua solta um cheiro realmente insuportável... que estranho...
não é o típico odor de bacalhau ou de peixe podre das ratas sujas na fase
mestrual. Não, não, a tua, o da tua, é outra coisa, é bem mais ácido, mais ácido
que doce, como o amoníaco, algo assim como uma mistura de amoníaco e carne
putrefacta... cada vez que penso nisso parace-me mais insólito, em ti, quero
dizer que vendo-te assim, vestida, nunca o teria imaginado, até que pude
comprová-lo com o meu nariz... surpreendeu-me tanto da primeira vez...
Quanto deve fazer isso já?... Três meses?
Geralmente, as pessoas lavam-se, limpam-se, a primeira vez, quero dizer que se
vai limpa e perfumada no primeiro encontro… Oh, perdoa-me, na realidade não
sei se o teu é um problema de sociedade, talvez seja algo fisiológico. Quero
dizer uma espécie de doença, alguma má formação ou infecção das glândulas,
(porque são glândulas o que tens dentro, verdade?) Como uma pessoa que o
37

hálito tresanda, geralmente significa que tem o estômago sujo ou que está a
ponto de vomitar, se não o fez já... Pois sim, a primeira vez que tiraste as
cuecas, não podia acreditar, juro-te, perdoa-me que to diga agora, tão tarde,
depois de tantas vezes o termos feito, são coisas que só se podem dizer depois
de ter rompido a relação e já não há obrigações nem entraves nem nada que nos
una, quando te sentes livre, como eu me sinto agora, vamos lá, bom pois, na
primeira vez quase que desmaiei, que cheiro nauseabundo, recordo-me
perfeitamente, que cheiro, olhei-te disfarçadamente entre as pernas contendo a
respiração pensado que ía ver um bafo espesso e quente, fumo saindo de
dentro, de penetrante que era o fedor; mas acostumamo-nos apesar de tudo a
estas coisas. Às vezes... toma atenção... às vezes nem lavando a pila com
sabão três vezes seguidas se ía o odor, e tinha que carregar com ele, (com o
odor da tua rata), durante o resto do dia. Porque na maioria das vezes, para não
dizer todas, o fizemos ao meio do dia, recordas-te? Assim não havia forma de
esquecer-me de ti.
Agora que penso nisso, não sei como ela não se deu conta antes, não deve ter o
olfato tão apurado como o meu, é mais que evidente.... claro que, de qualquer
maneira, nos dias em que o fazía contigo procurava não tirar os boxers diante
dela ou perto dela... ía rapidamente à casa de banho com as calças do pijama e
ensaboava-me uma última vez e metia os boxers directamente na máquina de
lavar, depois de cheirá-los e conter uma inevitável gargalhada... que curioso,
quando era jovem e só tinha nas cuecas o cheiro dos meus testiculos, adorava
cheirá-las. Agora ao contrário.... puff, são coisas que não consigo entender.
Não dizes nada? Porque é que não dizes nada?

Rapariga – Sonhei com tudo isso, faz um par de dias.

Homem – Ainda podes apanhar o comboio.

Rapariga – Mas era diferente.

Homem – Está a fazer-se tarde.

Rapariga – O sonho foi diferente, mas não tanto. Decidiamos acabar a nossa
relação, já se vê. Disseste-me que a tua mulher já sabia. Curiosamente, também
estavamos numa estação. Mas eras tu que tinhas que apanhar o comboio.
Recordo que me insultavas. Mais ou menos como acabas de fazê-lo agora. Mas
o que eu recordo melhor era o que te dizía. Dizia-te gritando, no meio do ruído e
rodeada de gente, viajantes com malas, vendedores de jornais, revisores,
maquinistas e sobretudo varredores vestidos de macacos amarelos, (havia
muitos, muitíssimos, milhares e milhares de varredores flurescentes escutando
boquiabertos as minhas palavras, diante de nós, sentados no chão da estação
com as vassouras aos pés).
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Eu estava furiosa mas lúcida. Dizía-te que as desgraças são fruto da


casualidade. Os homens têm uma perigosa tendência para acreditarem que sim.
As mulheres não. Eu não. Eu sou mulher. E acusava-te. Aos gritos. Eu acusava-
te a ti diante de todos.
Tu, o culpado. De tudo. Absolutamente tudo. Todas as tuas desgraças: a histeria
da tua mulher, o princípio de impotência, o desiquilibrio do teu filho. E sobretudo,
a morte do teu filho mais velho. Sim, tu, o culpado. O único culpado. E todos me
aplaudiam. Todos gritavam incentivos. De repente levantaste-te e foste. Só.
Apanhavas o comboio. Só. E descarrilava. E viamos como descarrilava o
comboio contigo dentro, só contigo. E todos gritavam de alegria. E eu gritava de
alegria. E eu celebrava. E celebravamos.
Quando acordei, quis crer que se tratava de um pesadelo. Agora sei que não foi
mais que uma simples premonição.
Vou-me. Não quero perder o comboio. Não dizes nada? Porque é que não dizes
nada?

Homem – O teu hálito tresanda... também... tresanda…o teu hálito.

Rapariga – A cona. O hálito. Sabes o que tesanda em ti? A desgraça. Tens-la á


flor da pele.

Homem – Perdeste o comboio.

Rapariga – Não. O teu relógio está adiantado. Sinto muito.

Homem – Se... na última vez me tivesse lavado...

Rapariga – Não teria acontecido nada?

Homem – Não.

Rapariga – Seguramente.

Homem – Tudo igual como sempre.

Rapariga – Deixas-me o jornal?

Homem – Para quê?

Rapariga – Para lê-lo durante o trajecto, para que havia de ser?!

Homem – Poderás fazê-lo?


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Rapariga – Estás bem?

Homem – Boa viagem.

Rapariga – Arrependeste-te agora de não teres lavado a pila?!

Homem – Parece-me que... que não.

Rapariga – Então, porque é que estás a chorar.

Homem – Adeus.

Rapariga – Não tens nenhum motivo. Na realidade, ninguém deu por nada.
Ninguém sabe nada. Ninguém nos ouviu. Além do mais a ninguém interessa,
nem importa a tua desgraça.
E muito menos ainda aos varredores da estação. Fica tranquilo. Esta cona fétida
e este hálito que tresanda despedem-se de ti sem espalhafato nem histerias,
nem gritos nem ataques de nervos, nem ninguém que nos escute.

Homem – Os sonhos são sonhos.

Rapariga – E isto não é um teatro.

Homem – Os sonhos são mentiras.

Rapariga – E os comboios não descarrilham.

Homem – Adeus.
(silêncio)

Rapariga – Odeio-te!

CENA 8

Cozinha. Mármores.
Rapariga e Homem Maduro.

Rapariga – Que estás a fazer?


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Homem Maduro – Uma salada.

Rapariga – E já está?

Homem Maduro – Não.

Rapariga – Que vais fazer mais?

Homem Maduro – Queres ajudar-me?

Rapariga – Queres que te ajude?

Homem Maduro – Não.

Rapariga – Melhor. Prefiro olhar-te.

Homem Maduro – Como antes.

Rapariga – Não sei como gostas tanto.

Homem Maduro – De quê?

Rapariga – Cozinhar.

Homem Maduro – Sempre ofereceste resistência.

Rapariga – A quê?

Homem Maduro – A aprender.

Rapariga – Com alguém que o faça minimamente bem, já era diferente.

Homem Maduro – Passa-me essa faca.

Rapariga – Disse-te que só olharia, que só ficava a ver.

Homem Maduro – É verdade.

Rapariga – Não gosto dessas calças. Ficam-te…

Homem Maduro – Peixe.


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Rapariga – O quê?

Homem Maduro – Peixe. Depois da salada, um bom peixe.

Rapariga – Horrível, ficam-te horríveis. São de jovem.

Homem Maduro – Sou jovem.

Rapariga – Ontem encontrei uma amiga minha, que me disse uma mentira.

Homem Maduro – Esta alface está cheia de lagartas.

Rapariga – tira-as.

Homem Maduro – Que amiga?

Rapariga – Odeio lagartas.

Homem Maduro – Sei que o saleiro está muito próximo de ti.

Rapariga – Está mesmo à mão de…

Homem Maduro – Olha-me. Presta atenção. Não te peço nada, vês?! Eu mesmo
vou buscá-lo. Podes soltá-lo, se és tão amável? Muito obrigado. Agora já podes
continuar a olhar-me.

Rapariga – Uma amiga do colégio. Há anos que não a via.

Homem Maduro – Parece-me que já sei quem é.

Rapariga – Que estás a fazer com o sal?

Homem Maduro – Brilham tanto.

Rapariga – Que nojo.

Homem Maduro – Quando lhes tocas, enrolam-se sobre si mesmas. Bolinhas.

Rapariga – Vê-te frequentemente pela rua.

Homem Maduro – Quando as metemos em montinhos de sal, explodem.

Rapariga – Disse-me que eras o homem maduro mais interessante que já se viu.
42

Homem Maduro – Puff.

Rapariga – É repugnante.

Homem Maduro – Ah, já sei quem é.

Rapariga – Vive perto daqui.

Homem Maduro – E que mentira te disse?

Rapariga – Disse-me que eras o homem maduro mais interessante que jamais
tinha visto.

Homem Maduro – E que mentira te disse?

Rapariga – Queres deixar de fazer parvoices com as lagartas, essas asquerosas!


Vais fazer-me vomitar.

Homem Maduro – Já não me olhas como antes. Cresceste, cresceste


demasiado. Antes olhavas, nada mais. Agora olhas e falas. Criticas.

Rapariga – Nem sequer me perguntaste como correu a viagem.

Homem Maduro – Como te correu a viagem?

Rapariga – Esse avental não é teu.

Homem Maduro – Como te correu a viagem?

Rapariga – Bem, muito bem, como todas, estou muito contente com o meu novo
trabalho. Contentíssima e gosto de viajar, e poder estar longe desta cidade de
merda e esta viagem fez-me muito bem.

Homem Maduro – Já não há mais lagartas.

Rapariga – Olha bem, não vás deixar alguma.

Homem Maduro – Tens razão, é o avental da tua mãe.

Rapariga – Oferesceste-o tu.

Homem Maduro – Que memória.


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Rapariga – Que prenda mais estúpida.

Homem Maduro – Prática.

Rapariga – Estúpida. Ofereceste-o a ti.

Homem Maduro – Gosto mais dele do que do meu.

Rapariga – Fui eu que te o ofereci.

Homem Maduro – Olha que linguados.

Rapariga – O peixe mais ensonso. Levo um mês sem vir ver-vos e decides fazer
o peixe mais insonso e uma triste salada, uma triste salada cheia de lagartas e
um peixe chato. Telefono-vos a mil quilómetros de distância, mil quilómetros e
digo-vos “chego amanhã e vou vê-los, vou comer, porque depois de amanhã
volto a viajar” e tu preparas com premeditação maldosa os pratos mais
adequados. Sim estou-te a ver, vejo-te perfeitamente: filha chata, visita de
médico, forçada reunião de familiar, encontro insípio, menú chato: salada e
linguado!!

Homem Maduro – Tens a guarnição?

Rapariga – De quê?

Homem Maduro – Do linguado.

Rapariga – O quê?

Homem Maduro – Batatas cozidas. Pequeninas. Redondinhas.

Rapariga – O que é que te fiz?

Homem Maduro – São tão boas.

Rapariga – Sim. E demoras muito a fazer? É que… sabes o que se passa?…


pois… tenho muita pressa. Bom e a mãe? Não deveria estar aqui? Ou também
vai fechar a loja mais tarde que custume sabendo que estou aqui… para ver-me
o menos tempo possível? Tu, que achas?

Homem Maduro – Creio que é um bom menú para manter a linha.


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Rapariga – Da mãe? Que pensas?

Homem Maduro – Não sei. E tu?

Rapariga – Que devia já estar aqui.

Homem Maduro – Talvez sim. Hui. Não, não. Metia-me tudo de patas para o ar.

Rapariga – Acabariamos antes.

Homem Maduro – Sujaria toda a cozinha.

Rapariga – Não tenhas manias.

Homem Maduro – Suja tudo.

Rapariga – Menos ela.

Homem Maduro – Seria horrível.

Rapariga – Seria humano.

Homem Maduro – Detesta a cozinha e parte tudo.

Rapariga – Porque é que tu gostas?

Homem Maduro – É um dom.

Rapariga – Uma merda.

Homem Maduro – Uma herança.

Rapariga – Perdida. Perdida. Não te suporto. Uma herança perdida. Eu não a


tenho, não a recebi, nunca quis aprender.

Homem Maduro – No fundo, não se pode aprender.

Rapariga – Portanto, sei que não te falhei, como tu pensas.

Homem Maduro – São tão pequeninas, as batatas.

Rapariga – Não te falhei.


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Homem Maduro – Custa tanto descasca-las.

Rapariga – A tua herança acaba contigo.

Homem Maduro – Parece-me que a tua mãe está a chegar.

Rapariga – Acaba contigo.

Homem Maduro – Não ouves os seus passos na escada?!

Rapariga – Não te restará nada.

Homem Maduro – Não ouves o ruído das chaves na fechadura?!

Rapariga – Absolutamente nada.

Homem Maduro – Já notas o seu perfume?!

Rapariga – Estás sozinho.

Homem Maduro – Vai cumprimentá-la.

Rapariga – E não por minha culpa.


De repente, num impulso, o Homem maduro atira todos os utensílios da cozinha para o chão. Grande
estradalhaço.
(silêncio)

Homem Maduro – Porque não fazes tu a comida?!

Rapariga – Porque é que gosto tanto de ti, pai?!

CENA 9

Pequeno sotão, águas furtadas. Uma cama.


Homem Maduro e Rapaz.
O Homem maduro leva um enorme embrulho.

Homem Maduro – Uma prenda.


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Rapaz – O que é?

Homem Maduro – Adivinha.

Rapaz – Pela forma é fácil. Um quadro.

Homem Maduro – Não. Não o desembrulhes. Ainda não.

Rapaz – Porquê?

Homem Maduro – Já o verás.

Rapaz – Deixa-o aqui.

Homem Maduro – Dá-me um whisky.

Rapaz – Não tenho.

Homem Maduro – Não tens?!

Rapaz – Tu acabaste a garrafa.

Homem Maduro – Não me lembro.

Rapaz – Eu levava-te os copos.

Homem Maduro – Não me lembro.

Rapaz – É normal.

Homem Maduro – Que tens?

Rapaz – Estou nervoso.

Homem Maduro – De bebida. Que tens de bebida?

Rapaz – Água.

Homem Maduro – Pouca coisa.

Rapaz – Não te esperava.

Homem Maduro – Porque é que estás nervoso.


47

Rapaz – Hoje… em casa da minha mãe também estava a minha mãe.

Homem Maduro – Via-a antes de ontem.

Rapaz – Por isso.

Homem Maduro – Na rua, como sempre.

Rapaz – Teriamos de viver mais longe. Todos, mais longe. Que merda de bairro.
Toda a gente se encontra mais cedo ou mais tarde. Já não há privacidade.

Homem Maduro – Se quiseres sim.

Rapaz – Que queres dizer?

Homem Maduro – Sabes quantos anos tenho?

Rapaz – Não quero saber.

Homem Maduro – Porquê?

Rapaz – Não sei. Chateia-me.

Homem Maduro – Cinquenta.

Rapaz – Chateia-me

Homem Maduro – Quem o diria?!

Rapaz – Ninguém, realmente.

Homem Maduro – Cinquenta, sim, o que não impede a tua irmã…

Rapaz – Fá-lo expressamente. Diante da minha mãe.Disse-o diante da minha


mãe. Como nas outras vezes. E quando o diz, olha para mim.

Homem Maduro – Achas que te olha?

Rapaz – Olha-me. Disse-o por mim. Para fazer-me saber que ela sabe.

Homem Maduro – Manias. Mudemos de assunto.


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Rapaz – Tenho medo.

Homem Maduro – Chatice. Medo?! És jovem.

Rapaz – Não.

Homem Maduro – Dá-me água.

Rapaz – Abro aquele embrulho?!

Homem Maduro – Tenho sede. Ainda não.

Rapaz – Serve-te tu mesmo.

Homem Maduro – Serve-me tu.

Rapaz – Põe-te à vontade.

Homem Maduro – Já estou.

Rapaz – Do que é que estavamos a falar?

Homem Maduro – Não me recordo.

Rapaz – Da privacidade.

Homem Maduro – Ah, sim. Tenho cinquenta anos.

Rapaz – Vou fechar a janela.

Homem Maduro – E nem a minha própria filha sabe nada.

Rapaz – Estes andares de merda.

Homem Maduro – Queres chupa-lo?

Rapaz – Sim.

Homem Maduro – Já tenho a breguilha aberta.

Rapaz – Se não fechas veêm tudo.

Homem Maduro – Os teus lábios.


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Rapaz – Vizinhos de merda.

Homem Maduro – Vem. Depressa.

Rapaz – Não querias… água?!

Homem Maduro – Depois. Despe-te.

Rapaz – Despe-te tu também.

Homem Maduro – Despe-me tu.

Rapaz – Vais pôr-me louco.

Homem Maduro – Põe a mão.

Rapaz – Pões-me louco.

Homem Maduro – Agrado-te?!

Rapaz – Sim. Muito.


O Homem Maduro despe violentamente o Rapaz.

Homem Maduro – Agora sim. Agora. Agora, vá.

Rapaz – Agora o quê? O quê?

Homem Maduro – Vai buscar o embrulho. Depressa.

Rapaz – Agora?! O embrulho?! Agora?!

Homem Maduro – Sim. Vá, depressa.

Rapaz – Que faço? O que é… o que é que queres? O que é… o que é que
queres que faça?

Homem Maduro – Põe-no aqui. Diante da cama. Não. Aos pés. Em cima. Aqui.
Sim. Direito. Não. Mais próximo. Apoia-o em uma ou duas cadeiras. Sim, isso
sim. Assim. Perfeito.

Rapaz – E agora… o quê? O que faço? O que… o que é que tenho de fazer?
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Homem Maduro – Não tenhas medo.

Rapaz – Não tenho medo.

Homem Maduro – Não a tens tesa.

Rapaz – Não tenho medo de ti.

Homem Maduro – Desembrulha-o. Rasga o papel e vem aqui.

Rapaz – É um espelho.

Homem Maduro – Vem, aproxima-te. Vá, vem aqui. Agarra-a. Assim. Com a tua
boca. Isso sim. Fá-lo bem. Devagar. Sem pressas. Quero vê-lo todo. Até ao fim.
A tua pele. Estou vivo. Devagar, devagar. Gosto tanto. Como o fazes tão
bem.Não. Não, não, não! Não olhes. Tu não olhes. Que fazes?

Rapaz – Também quero ver-me, quero vê-lo. Quero olhar.

Homem Maduro – Depois. Depois. Continua. Sem olhar. Até ao fim. Assim, sim.
Isso. Depois faço-te eu. E tu verás. Nos verás. Assim. Assim. Isso mesmo. Só
nós. Os quatro. Os quatro, sós…sozinhos?! Que não! Sim somos… quatro! Ah.
Assim. Assim. Ah. Vocês os três… os únicos que me querem.

(silêncio)

CENA 10

Sala de jantar. Mesa e cadeiras.


Rapaz e Mulher.

Rapaz – O jantar estava muito bom.

Mulher – Hoje estive a olhar-me no espelho um bom bocado. Já há alguns dias


que não o fazia, ou quem sabe duas semanas, ou quem sabe… dez anos.
Talvez a primeira vez na minha vida, por um bocado grande, decididamente e
com insistência.
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Acabara de chegar das compras com um humor de cão, já me dirás. As coisas


não páram de subir e subir, com agilidade que gostaria de ter para subir as
escadas deste velho edifício decrépito, muito próprio para uma mulher da minha
idade e condição.
Não dizes nada?
Por isso, ía tão carregada…

Rapaz – Faz-me um café.

Mulher – E quando abro a porta, toca o telefone e não imaginas quem era.

Miúdo – O administrador da propriedade a dizer-te que aumentaram o aluguer.

Mulher – Não te parece estranho que um telefone toque no preciso instante que
tiras as chaves da fechadura da porta da entrada?! Não?!
Pois a mim sim. Não sei de nenhuma vez que me tenha acontecido, é como se
as duas coisas estivessem unidas ou fossem a mesma coisa. Além do mais, tu já
sabes, não é nada frequente que telefone alguém para esta casa, não é nada
normal, é anormal, tu sabes muito melhor que eu.
Sempre pensei que a razão principal que te impulsinou a deixar-me, quero dizer,
a emancipar-te, assim como tu dizes, Verdade?!... foi o pouco que tocava o
telefone nesta casa.
Sim, sim, estou a falar a sério, sempre pensei que fosse isso. Deixa. Imagina a
cara que fiz no umbral da porta, cansada e angustiada, com os sacos de plástico
do supermercado a cortarem-me literalmente os dedos e o porta-moedas vazio
no sovaco, o porta-moedas... vazio, quando ainda faltavam dias para chegar ao
fim do mês.
Por querer correr, para que a bendita chamada não me escapasse, deixei-os de
qualquer maneira e partiram-se sete ovos.
Em suma, já estava a correr como uma louca para o hall, e numa milésima de
segundo pensei, como gostaria de ouvir uma voz agradável que me
cumprimentasse, e me ajudasse a passar agradavelmente o resto do dia, o resto
dos dias, o resto dos meus dias.

Rapaz – Vou mijar.


O Rapaz sai. A Mulher continua a falar como se nada tivesse acontecido. Enquanto fala levanta-se e revolve os
bolsos do casaco de ganja do Miúdo, que está na cadeira. Encontra a carteira e conta o dinheiro.
Mulher – Mas não. Era uma amiga da minha irmã mais velha, que vivia num
desses sítios para gente como ela, desses onde eu não penso pôr os pés, em
toda a vida. Revolvendo não sei que papéis por mera casualidade encontrou o
meu telefone e telefonava-me para que fosse visitá-la, a ela e a umas amigas
e ...e convidar-me para ir não sei onde num autocarro especial para gente
como... como nós. Que horror! Disse como nós! Imagina o cenário. Enfim, fiz-me
de dispistada como pude falando-lhe de coisas sem importância e do meu
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estado de saúde irrecuperável e estupendo e das amabilidades e da simpatia da


gente do bairro e que eu estou encantada de viver neste andar antigo mas bonito
e desliguei o telefone num segundo sem deixar-lhe tempo para respirar e voltar a
convidar-me. O máximo, nunca mais há-de telefonar, e fui como uma sonambula
à casa de banho e olhei-me no espelho.
Mas o que é que havia pensado aquela mulher, aquela... velha?! Como se
atrevia a telefonar-me a mim?!
Mas não, não se passou nada de grave. Olhando-me ao espelho: acalmei-me.
Continuo sem ter nem uma ruga. Poso estar perfeitamente mais dez anos sem
ter que me ver no espelho.

Tira uma nota da carteira do Rapaz e mete-a no decote, disfarçadamente. Mas o Rapaz já tinha entradosem que
ela desse conta.
Rapaz – E o café?

Mulher – Ah! Que susto! Sempre com essa mania, não mudarás nunca. És um
sádico, és um sádico. Porque é que nos saíste assim? Porquê? Eu não consigo
explica-lo a mim mesma.

Rapaz – Acho que me vou embora.

Mulher – A quem saiste? A quem?

Rapaz – Disse que me vou.

Mulher – Ao teu pai, certo que não um encanto de homem, galante, educado e
que descanse em paz.

Rapaz – Senta-te.

Mulher – E à tua irmã ainda menos, sensível, terna, incapaz de matar nem uma
mosca.

Rapaz – Acalma-te.

Mulher – Não podes levar a vida assim, dando sustos dessa maneira,
assustando as mulheres como as assustas. Porque se me assustaste a mim, de
certo que também assustas as outras mulheres.

Rapaz – Que mulheres?

Mulher – Oh! As que imagino que metes na caixa de fósforos que tens em casa,
para fazeres o que cá sei.
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Rapaz – Porque não vens um dia destes ver-me?

Mulher – Tenho de tomar o comprimido.

Rapaz – Porque é que não te sentas?

Mulher – Nunca me convidaste. Devo ser um estorvo para ti.

Rapaz – Tomo o café na rua.

Mulher – O café tomarás aqui, comigo.

Rapaz – Quanto queres?

Mulher – Já te disse milhares de vezes que da próxima vez podes vir jantar com
alguma amiguinha, se quiseres. A mim, a companhia não me chateia, pelo
contrário.
E entre mulheres nos entendemos. Seria menos aborrecido. Porque és tão
aborrecido? Hui, o comprimido. Porque és tão aborrecido?

Rapaz – Não! Depois! Toma-lo depois!

Mulher – Depois de quê?

Rapaz – Não sei.

Mulher – De quê?

Rapaz – Não sei, fiquei em branco.


Mulher – Vou fazer-te o café.

Rapaz – Não.

Mulher – Ah, agora já não queres café?!

Rapaz – Não.

Mulher – Há alguém que te entenda, neste mundo?

Rapaz – Duvido.

Mulher – Devias ir ao médico.


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Rapaz – Ficaste louca?!

Mulher – Agora há alguns muito bons. Até fazem companhia.

Rapaz – Estou em branco. Fiquei em branco. Em branco. Fiz-te uma pergunta e


não me respondeste. Não sei como podes gostar tanto de perder tempo dessa
maneira.
Telefonas-me, telefonas-me, telefonas-me quase todos os dias e repetes-me
sempre o mesmo: Que venha ver-te, que venha ver-te, já sei que és a melhor
cozinheira do mundo, não duvidei nunca. Se soubesses a propaganda que faço
de ti por aí, não acreditarias que o que digo são palavras minhas. E eu cedo e
venho ver-te, mas não sei porque fico tanto tempo, quem sabe por masoquismo.
Sabes o que significa? Sim, de certo que sim, de certo que se sabes o que
significa sádico, saberás também o que significa masoquista.
Não, não, não te assutes fiquei em branco porque não sei o que é que me
impede de ir embora daqui, sem que antes me tenhas respondido.
Espero a tua resposta da mesma maneira que esperavas ansiosamente,
desesperadamente a minha pergunta. Sabes disfarçar, mas eu conheço-te. E
tenho de aguentar um jantar insuportável, muito bom não digo que não, mas
lento e chato cheio dos teus discursos vãos, vazios...
Podemos poupar a modéstia, a partir de hoje, presta-me atenção, isso de ficar
em branco, mãe, não gosto, põe-me doente. Digo-te que faças um café e não me
fazes. O tempo passa e tudo é inútil, porque na realidade estás à espera e eu
estou à espera e esperar cansa, e põe-me doente e tudo se detem e nos faz mal
e ficamos a perder.
Por isso, desta vez não desvies a resposta, não te faças de surda, porque quero
ir-me daqui o quanto antes, mãe, e não te preocupes voltarei, voltarei outro dia,
quem sabe outra semana, quem sabe outro ano, porque sou teu filho.
Quanto queres?

Mulher – Dez mil.


O Rapaz tira notas da carteira.

Rapaz – Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito... e nove.
Mete as notas no decote da Mulher, violentamente.

Rapaz – Os outros mil... dou-te noutro dia.

Mulher – Obrigada, filho.

Rapaz – Um jantar estupendo.


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Mulher – O café tomas na rua, verdade?!

Rapaz – Sim.

Mulher – É que tenho de tomar o comprimido e já sabes que fico com um sono
terrível.

Rapaz – Há alguém que me entenda, neste mundo?

Mulher – Eu, filho, eu.


(silêncio)

Mulher – Adeus, filho.

Rapaz – Adeus.

Mulher – Telefono-te amanhã.

Rapaz – Se estiver a foder, não atendo.

Mulher – Agora que te vais, começas a brincar?!


O Rapaz sai. Mulher vai à mesa. Senta-se. Tira do decote as notas, desenrola-as e tenta alisá-las. Toca a
campaínha da porta.

EPÍLOGO

...Soa a campaínha da porta. A Mulher levanta-se e vai até à porta silenciosamente. Olha pela mira. Sorri e abre.

Homem Jovem – Boas noites.

Mulher – Passe, jovem, passe. Não ligue à desordem.

Homem Jovem – Se pudesse fazer-me um favor...

Mulher – Claro que sim, jovem, como não...


Quer sentar-se?
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Homem Jovem – Não, não, é rápido.

Mulher – Como queira... você dirá.

Homem Jovem – Poderia emprestar-me um copito de azeite, por favor? Amanhã


devolvo-lhe sem falta.

Mulher – Com muito gosto, jovem, com muito gosto e não tem que devolver-me
nada.

Homem Jovem – Muito obrigado.

Mulher – Espere aqui que... oh, mas... mas... oh... que é que lhe aconteceu à
cara?

Homem Jovem – Não, não foi nada.

Mulher – Está ferido?!

Homem Jovem – Não, não, nada, não é nada.

Mulher – Ui, ui. Sente-se, sente-se por favor. Fez isso na escada, verdade? Caiu
pelas escadas, verdade que sim? Que desgraça. Espere um segundo, venha
comigo, sente-se aqui, acalme-se. Tranquilo, tranquilo.

A Mulher vai a um móvel e apanha algodão e água oxigenáda.

Mulher – Aqui, sente-se, aqui.


Homem jovem senta-se.

Mulher – Não tenha medo. Vou curá-lo como se fosse uma mãe, melhor ainda.

Lentamente, com muita delicadeza, a Mulher passa o algodão molhado de água oxigenada pela cara do Homem
jovem.

(Silêncio)

Ele olha a Mulher e deixa-se curar por ela. Ela seca-lhe cuidadosamente as gotas de água com um algodão seco.
Ele relaxa e sorri. Ela acaricia-lhe suavemente o cabelo. Ele pega-lhe na mão em sinal de agradecimento. Ela
beija-lhe a testa. Ele beija-lhe a mão. Olham-se nos olhos.
Dois seres estranhos parecem “encontrar-se”. O ar torna-se cálido, sensual. As notas que estavam na mesa
cairam no chão.
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FIM

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