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O Quarto Rosa

Personagens:
Homem
Mulher
Um Jovem

Cenário

Um quarto rosa. Tudo nele é rosa e aveludado com muitos enfeites de vidro.
Uma mulher bonita, loura, de trinta anos usando um negligée rosa senta-se na
beira da cama enquanto um homem de meia idade entra. Ele dá um sorriso
forçado e cansado para ela.

Homem: Rosa, rosa, rosa.


Mulher: É.
Homem: Tudo está corado aqui. Corado, florido e esperando ser regado. Bom,
bom – (Ela o encara com frieza enquanto ele tira seu sobretudo).
Mulher: Por que você não deixou o sobretudo no hall?
Homem: Não aguentei esperar. Vejo que recebeu o bico de papagaio.
Mulher: Ah, é. Eu recebi o bico de papagaio.
Homem: E a Mamãe não agradece?
Mulher: Obrigada.
Homem: (suspira e tira o casaco) De nada, Mamãe.
Mulher: O que você me diz do ano novo?
Homem: O quê?
Mulher: Não tem nada pra falar sobre o ano novo?
Homem: Pensei que já tivéssemos esgotado esse assunto.
Mulher: Uma festa em casa, você disse. Uma festinha em casa para uns
compradores de Chicago. Então você deve ter um sósia na cidade.
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Homem: Como assim?


Mulher: Eu ouvi umas coisas. Bem contraditórias.
Homem: Ah, é?
Mulher: Minha amiga, Bess Sulivan, foi para a Suíte Elephant. 1
Homem: Pra onde?
Mulher: Ah, que inocência! Perfeito! O salão de festas do Hotel Jefferson, na
noite do ano novo, enquanto você estava naquela festinha tranquila com
compradores de Chicago, seu sósia estava lá! O seu irmão gêmeo
desconhecido estava animando uma festa de oito ou dez casais.
Homem: E o que é que tem?
Mulher: Muita coisa.
Homem: Por quê?
Mulher: Você mentiu.
Homem: Não deu pra evitar.
Mulher: Ah, não deu evitar?
Homem: O que mais eu poderia fazer?
Mulher: Dizer a verdade.
Homem: Pra você destilar veneno aqui?
Mulher: Eu nunca destilo veneno.
Homem: Não, só o tempo todo!
Mulher: Isso é mentira!
Homem: Tudo que eu falo você diz que é mentira!
Mulher: Só quando tenho --
Homem: Para com essa --
Mulher: Uma prova concreta que você --
Homem: mania de --
Mulher: Mentiu!
Homem: Ah, Helen, estou cansado.
Mulher: Você está cansado. E eu?
Homem: Você não trabalha desde manhã até meia noite preenchendo alvarás
de defesa, Mamãe.
Mulher: Como sabe o que eu faço? Só sirvo para uma coisa na sua vida.
Homem: Agora não, Mamãe.
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N.T. No original: Elephant Room.

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Mulher: Você já me viu à luz do dia?


Homem: Você sabe que passo todo tempo que posso com a minha
mãezinha...
Mulher: Vou responder a pergunta. Não! Você nunca, nunca! E ainda me
acusa de –
Homem: Acuso de – ?
Mulher: De indolência, de desperdiçar o meu tempo!
Homem: Quando foi que eu – ?
Mulher: Agora mesmo.
Homem: Você está querendo brigar.
Mulher: Por que eu quero a verdade? Volte para a suíte Elephant no Hotel
Jefferson! Mas não me mande mais essas plantas horrorosas dizendo que está
fora com compradores da cidade.
Homem: Ultimamente é só luta – luta – luta, entre a gente! Meu bem, eu não
sou o campeão do mundo.
Mulher: Nem eu a desafiante.
Homem: Você sempre coloca as luvas toda vez que eu –
Mulher: Pare já com isso!
Homem: Eu chego cansado.
Mulher: É, e sem nem me ligar, à uma hora da manhã!
Homem: Nem sempre é possível –
Mulher: Parar na cabine telefônica? Colocar uma ficha?
Homem: Achei que eu poderia dar uma passada –
Mulher: Você sempre acha! Eu peço... Exijo o mesmo respeito que sua mulher!
Homem: O que é que respeito tem a ver com – ?
Mulher: Que pergunta ridícula!
Homem: Ridícula mesmo, é como eu descreveria –
Mulher: Só se pergunte isso: Quem fez os sacrifícios?
Homem: Mal eu chego e você já vem com um assunto encerrado.
Mulher: Eu? Ou ela? Qual das duas recebeu mais e deu menos?
Homem: O que isso tem a ver com – ?
Mulher: Bico de papagaio! (chuta o vaso da planta). É para eu ficar sentada
em casa com esse bico de papagaio enquanto você –
Homem: Eu falei pra você aceitar aquele cheque –

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Mulher: Você achou que eu ia fazer isso?


Homem: – de vinte e cinco dólares e ir se divertir um pouco!
Mulher: Com quem? Com quem, posso saber?
Homem: Você tem –
Mulher: Amigas, imagino! Mas não – Não tenho. Eu não tenho nada. Tudo –
Abri mão de tudo!
Homem: Não grite.
Mulher: Vou sussurrar.
Homem: Ah, meu Deus.
Mulher: Chegamos ao limite.
Homem: Eu vim de uma cena com a minha mulher para outra com –
Mulher: E eu tenho culpa de você ter se amarrado a uma mulher que fez da
sua vida um inferno?
Homem: Primeiro aqui – depois lá! E vice versa.
Mulher: Por que você não consegue –
Homem: Aqui! Lá! Será que não há sossego para os homens exaustos?
Mulher: Nenhum! Até que eles se decidam.
Homem: Qual decisão eu poderia – ?
Mulher: Só essa! Que eu tenho tanto direito quanto aquela alpinista social
desmiolada -- da sua mulher, e eu –
Homem: Você não precisa ficar tão histérica –
Mulher: Ah, histérica! Você devia ter escutado aquela conversa ao telefone --
Homem: Isso é outra coisa –
Mulher: É! Outra coisa! -- Minha conversa ao telefone com a sua mulher! Ela
perguntou: “Qual é o seu nome?” Eu respondi: “Não interessa”, ela disse: “Ah,
você não quer falar seu nome. Eu não culpo você, mulheres do seu tipo não
são ninguém aos olhos de gente decente!” Ela foi bem direta, ela disse:
“Mulheres do seu tipo não são ninguém – ninguém! Aos olhos das pessoas
decentes”. Era para eu ter ficado chocada, mas não fiquei. Ah, não, eu
consegui achar as palavras certas.
Homem: Aposto –
Mulher: É, eu estava com a língua afiada. Eu disse “Você é um capacho,
uma mulher como você não serve nem pra...”
Homem: (aperta a cabeça com as mãos) Ah!

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Mulher: Eu acabei com ela, eu reconheço! E quando eu terminei, ela deve ter
se arrependido de dizer que eu não sou ninguém. Eu perguntei: “O que você
pretende fazer?” Ela respondeu: “Nada. E você?”, eu respondi: “Nada
também, mas ainda tenho um pouco de orgulho, coisa que eu acho que
você não tem”. Aí ela perguntou: “Orgulho? Você tem mesmo? Eu não
imaginava –”, é! Orgulho! Tem mesmo! Sarcástica! Bem -- agora eu sou a
histérica? Você é que devia ter ficado com a orelha quente no telefone do
Walgreen! Sábado passado! Logo depois que esse lindo bico de papagaio
apareceu na minha porta. Grimm & Gorly!2 Com amor! Feliz Ano Novo! Ah, eu
aproveitei a oportunidade para usar as palavras certas – Elas vão martelar
durante muito tempo na cabeça dela antes dela repetir que eu não sou
ninguém!
Homem: Tudo isso é – péssimo, doentio, desagradável! A minha vida virou
uma lata de lixo!
Mulher: Na qual você pulou quando se amarrou àquela – !
Homem: Não! Quando eu andei fora da linha – !
Mulher: Está falando de mim?
Homem: É, você, se você quer a verdade, estou falando de você!
Mulher: Sorte sua que Deus é meio surdo!
Homem: Eu devia me –
Mulher: Se Ele pudesse te ouvir, você seria –
Homem contentar com --
Mulher: atingido por –
Homem um lar -- e –
Mulher: um raio!
(Eles falam sozinhos, desconectados. Ela joga uma caixa de talco no chão. Ele
afunda exausto na cama).

Homem: Crianças... Esse quarto rosa. Doença incurável. Pior do que bebida
ou drogas, acabou com meu desejo e fez de mim um pedaço de carne... Um
obsceno pedaço de carne!
(Ele cobre a cabeça).

2
Grimm & Gorly: uma loja em Belleville, Sul dos Estados, que faz entrega de presentes românticos
(flores, fragâncias, velas etc. (Fonte: http://www.grimmandgorly.net/aboutus.asp?topnav=TopNav).

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Mulher: A história se repete. Eu já sabia que isso ia acontecer. Mais uma vez
você se sente só -- um pedaço de carne por causa de uma mulher! Há oito
anos foi ela. Agora sou eu que atormento a sua bela alma. O mundo dá voltas
e tudo volta onde começou. É verdade. Você bateu na minha porta
descontente.
Homem: Rosa – rosa – rosa...
Mulher: Ah, você se esqueceu o estado que estava naquela época!
Homem Tudo – rosa – rosa – rosa...
Mulher: Você estava tão mórbido, tão neurótico –
Homem: As paredes, o teto, o carpete –
Mulher: Você até falou em suicídio!
Homem: são rosa – rosa – rosa.
Mulher: Ah, como você sofria em casa com aquela mulher egoísta, sua –
Homem: Rosa!
Mulher: esposa!
Homem: Tudo rosa – a cama – os travesseiros –
Mulher: E a minha vida então? Completa! Eu estava determinada a ter
sucesso? Focada! Jovem.
Homem: Cortinas rosa! Abajur rosa!
Mulher: Começando a fazer papéis importantes na ópera municipal! Ficar
sentada em casa? Ah, não! Não atraia ninguém? Imagina! Homens solteiros!
Ótimos partidos! Com mais dinheiro no bolso do que você no banco! Tudo pela
janela! É! Atirado! Sem dó. Seus problemas lamentáveis! Ah, um homem de
coração partido chorando à noite nos meus braços por não ter amor, conforto e
paz em casa! Tão trágica a vida desse homem, uma mente brilhante sempre à
beira de um colapso por falta de amor e afeto! Eu era insensível? Claro que
não! Era uma menina de dezenove anos encantada pelos problemas de um
homem maduro. Você precisava de amor e eu te dei, não só um caso, mas um
amor profundo e verdadeiro. Eu te dei tudo naquela época e hoje eu ainda dou
apesar das suas mentiras e da sua –
Homem: -- Rosa.
Mulher: Me deixando de lado! Se aquilo não era casamento, eu não sei o que
é um casamento. E não há a menor diferença entre os cachorros e os homens!
Homem: Rosa – rosa – rosa!

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Mulher: O que você está resmungando?


Homem: – Rosa.
(Pausa. O relógio toca alto).
Mulher: – Rosa?
Homem: Tudo é rosa nesse quarto.
(Pausa).
Mulher: Foi idéia sua, meu bem. Foi você que insistiu que tudo fosse rosa
nesse ninho de amor!
Homem: Eu não tinha ideia de quanto um homem pode ficar cansado –
Mulher: E uma mulher também –
Homem: – de só ver rosa. Eu tenho quarenta anos.
Mulher: Parece.
Homem: Já passou a época da minha vida em que eu –
Mulher: Já, já, já. Agora você já pode entrar para o coro da Igreja Metodista.
Homem: Não é isso que eu quero dizer. Nós líamos à noite. Onde eu acho um
livro agora? Ou uma revista interessante?
(A mulher joga um livrinho que estava embaixo da cama).
Mulher: Os sonetos da Edna Millay3. Leia um pra mim, por favor.
Homem: Isso tudo já acabou. Não sobrou nada, só o rosa.
Mulher: Pegue suas coisas. Aqui está seu colete. Sua gravata de bolinhas.
Homem: -- O que?
Mulher: Melhor você ir pra casa.
Homem: É. (Veste o colete).
Mulher: Seus suspensórios estão soltos.
Homem: -- É.
Mulher: Seu sobretudo – toma.
Homem: Pra que eu estou me vestindo?
Mulher: Você vai pra casa.
Homem: Não. Eu disse que estaria em Chicago.
Mulher: Então vá para Chicago.
Homem: Não posso ir pra –
Mulher: Vá para um hotel.
Homem: Pra quê?
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Edna Millay - Edna St. Vincent Millay (1892 –1950), poetisa e dramaturga modernista norte-americana.

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Mulher: Pra dormir. Você não vai dormir aqui.


Homem: Por que não?
Mulher: Aqui é rosa. Deixe a chave, por favor.
Homem: Huh?
Mulher: A chave da porta da frente, deixe a chave aqui. Não se preocupe, já
peguei.
Homem: Helen – Helen –
Mulher: Não se humilhe. Com a boa fé de um cego eu te dei a minha vida.
Você foi inteligente em não abrir mão de nada! – Muito esperto! Adeus! Vá
embora, vá embora – Adeus!
(Ele vira-se e sai. Ela o segue. Bate a porta. Ela volta para o quarto. Ela
chama).
Mulher Arthur! – Ele já foi.
(A outra porta se abre. Um jovem vestido com pijama de seda vermelha sai e
sorri com satisfação. Pausa).

Mulher (Soluçando um pouco) Do que você está sorrindo? Não tem nada de
engraçado. Eu já amei tanto aquele homem que eu –! – De verdade...

(A campainha toca freneticamente).

Mulher: – Apague a luz. – Ele não vai parar de tocar...

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